Recorte do 24 Horas, enviado pelo nosso Camarada António Rodrigues.
Hoje na revista do DN, o Coronel Manuel Bernardo aponta outros números para os afectados pelo stress pós-traumático
__________
Guerra de números
Num artigo publicado na NM (Notícias Magazine), de 15 de Julho último, com o título “Guerra sem Fim", destaca-se numa nota de abertura: “Ângela Maia (…) conclui que, no mínimo, trezentos mil homens poderão estar profundamente doentes e abandonados à sua sorte.”
Estes números não correspondem minimamente à realidade existente. Esta equipa de investigação não terá feito a análise dos estudos efectuados em Portugal, já que neste tipo de trabalhos será fundamental fazer comparações com os efectuados a nível nacional e internacional.
Num trabalho anterior, Afonso de Albuquerque(*) e Fani Lopes indicavam ser o quantitativo de vítimas do PTSD (Post Traumatic Stress Disorder), em Portugal, de 140 mil, apenas por extrapolação do sucedido com os americanos no Vietnam. Mas a guerra neste território não é comparável com o sucedido no ex-Ultramar português.
Num artigo da minha autoria publicado no Combatente, da Liga dos Combatentes, em Março de 1992, defendi que essa extrapolação era errada e que os números correctos seriam inferiores a 40 mil (18 por cento dos 240 mil combatentes indicados por Afonso de Albuquerque). Muito elucidativa seria a alteração da opinião do psiquiatra na Visão, de 02.12.1999, quando veio afirmar serem 40 mil os afectados pelo PSTD.
E em relação às percentagens dos combatentes, em vez do exagero anterior, na SIC, em 10.01.2002, indicará uma percentagem aceitável: 15 porcento.
Assim, como refiro no meu livro Combater em Moçambique (**): 1964-1975 (2003), em relação aos 276.276 ex-combatentes do Exército, o número seria de 41.546. Se juntarmos, a estes, os fuzileiros e os pára-quedistas, poderemos afirmar tratar-se de cerca de 50 mil homens, que devem merecer todos os cuidados médicos, numa rede prevista na lei e ainda vergonhosamente não implementada.
Depois de tudo o que aqui ficou descrito, a equipa de investigadores de Braga ainda poderá afirmar que “estão profundamente doentes e abandonados à sua sorte, no mínimo 300 mil homens”?
Não conhecendo o estudo em questão limito-me a fazer apenas este pequeno reparo. Da amostra de 350 ex-combatentes indicada não pode ser feita a extrapolação referida (38 por cento dos afectados) para a generalidade dos que estiveram em combate e que não foram um milhão, mas apenas cerca de 300 mil.Os restantes 700 mil foram para o Ultramar, mas não entraram em acções de combate.
Esperemos que, apesar das divergências em relação aos quantitativos dos doentes, os investigadores, os médicos e os jornalistas se empenhem e forcem o governo a cumprir a Lei nº 46 de 16.06.1999, que previa a “criação de uma rede nacional de apoio, que desse resposta clínica e económica aos afectados”.
É que, apesar de um despacho conjunto do Ministério de Defesa e do Ministério da Saúde, a aprovar o regulamento dos protocolos entre estes ministérios e as ONGs, com vista “à criação da rede nacional de apoio aos militares e ex-militares portadores de perturbação psicológica crónica, resultantes da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar, instituída pela Lei nº 46/1999” segundo a jornalista Helena Mendonça, seis anos depois, “a tão propalada medida continua a não chegar aos que precisam”.
Manuel Amaro Bernardo, coronel reformado
__________
(*) Dr. Afonso de Albuquerque, psiquiatra que prestou serviço no Hospital Miguel Bombarda, um dos primeiros especialistas nacionais a dedicar-se ao tratamento do Stresse pós-traumático, tendo chegado a reunir em grupo de ajuda uma equipa de ex-combatentes das guerras coloniais.
(**) Manuel A. Bernardo publicou, entre outras obras, Combater em Moçambique, Memórias da Revolução e Timor Abandono e Tragédia
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Por favor, entrem em contacto com a ADFA (Francisco Janeiro).
Poderemos fazer alguma coisa.
Enviar um comentário