Mensagem do Paulo Santiago, com um pedido à memória dos Camaradas:
É uma pena não conseguir lembrar-me do nome dos Fur Mil instrutores, só ficou o Dinis, talvez por ter sido do 53.
Lamento não me lembrar do nome daquele estupidamente morto no regresso, lá para os lados de Nova Lamego.
Talvez apareça algum tertuliano que se lembre do episódio e do nome. Agradecia essa lembrança.
Abraço,
Paulo Santiago
__________
Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (17)
Texto e fotos do Paulo Santiago
ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53
Saltinho 1970/72
Encerramento do curso e...tragédia
Em 24 de Dezembro de 1971, terminou com cerimónia oficial, a formação da companhia de milícias.
Do programa constava, início com formatura geral, pelotões ainda enquadrados pelos instrutores, a fim de prestar honras militares ao Com-Chefe, General Spínola, seguindo-se demonstrações de combate, demonstração de tiro, encerrando a cerimónia com nova formatura, já sem os instrutores, substituídos pelos comandantes de pelotão, perante a qual o General fazia um discurso.
formatura da Companhia de Milicias.
General Spínola em revista.
na carreira de tiro no dia de encerramento.
Na tribuna encontravam-se as autoridades tradicionais, comandantes de batalhão, comandante do CAOP 2, oficiais superiores do QG e da Amura. À volta do campo de futebol, onde se realizava a cerimónia, espalhavam-se civis das tabancas próximas.
Como era altura do Natal, e o General andava na visita aos quartéis do CTIG, tudo foi abreviado havendo apenas a formatura final para o respectivo discurso.
Ten. Cor Polidoro Monteiro, Gen Spínola, Alf Mil Paulo Santiago e de costas o Fur Mil Dinis. Este ia agora conhecer o Saltinho e integrar-se no PelCaçNat53.
Apanhei boleia para o Saltinho, onde o Spínola ia dar as Boas-Festas, sabendo que no início de Janeiro, regressava a Bambadinca, onde tinha outra companhia de instrução a aguardar.
Soube, já no Saltinho, que tinha havido um problema gravíssimo com um dos pelotões de milícia, lá para os lados de Nova Lamego, com vários mortos incluindo um Fur Mil e vários desaparecidos. Só no regresso a Bambadinca soube da dimensão da tragédia.
No dia seguinte, após terminarem o curso de milícia, veio uma viatura (Berliet?) a fim de transportar um dos pelotões para a zona de Nova Lamego, seguindo também o Fur Mil instrutor. Os milícias iam fardados, mas desarmados. Foram emboscados, parte foi morta, incluindo o Fur Mil, outra foi apanhada à mão ou desapareceu. Responsabilidades, não sei a quem foram atribuídas.
No encontro de Monte Real, houve um camarada que me falou neste desastre, e perguntou-me se sabia o nome do Furriel.
Não sei, haverá algum tertuliano que tenha conhecimento?
Em Janeiro retorno a Bambadinca, via Bissau. Já contei no blogue que no dia do meu aniversário (24º) apanhei um heli no Saltinho até Bissau, onde passei três ou quatro dias na boa vida.
Não sei, haverá algum tertuliano que tenha conhecimento?
Em Janeiro retorno a Bambadinca, via Bissau. Já contei no blogue que no dia do meu aniversário (24º) apanhei um heli no Saltinho até Bissau, onde passei três ou quatro dias na boa vida.
O médico está preso
De Bissau para Bambadinca vou num DO 27 e seguia também na aeronave o Major Anjos de Carvalho que tinha vindo tratar de um qualquer assunto. Quando saímos do avião, tínhamos o Polidoro Monteiro à nossa espera.
- "Estou aqui para vos informar que o médico apanhou dez dias de prisão, estando preso no quarto, donde sairá para outra unidade", disse-nos.
Atendendo a vários antecedentes, esta "porrada" não me causou estranheza.
De Bissau para Bambadinca vou num DO 27 e seguia também na aeronave o Major Anjos de Carvalho que tinha vindo tratar de um qualquer assunto. Quando saímos do avião, tínhamos o Polidoro Monteiro à nossa espera.
- "Estou aqui para vos informar que o médico apanhou dez dias de prisão, estando preso no quarto, donde sairá para outra unidade", disse-nos.
Atendendo a vários antecedentes, esta "porrada" não me causou estranheza.
Conflito resolvido à pancada
Nesta 2ª companhia que comandava, havia dois pelotões Fulas e um Balanta. Dos dois primeiros, um destinava-se a Galomaro, outro a Mampatá (Saltinho), sendo que o Balanta tinha como destino a Ponta Luís Dias.
Numa noite da segunda semana de instrução, após o jantar, noto que na formatura, antes da instrução nocturna, apenas se encontra o pelotão de Balantas. Os dois pelotões de Fulas resolveram ficar na caserna, como forma de protesto, informa-me o meu soldado Amadú Baldé, monitor e futuro comandante do pelotão de Mampatá.
Qual era a causa do protesto? Simplesmente os Fulas não queriam estar juntos, na mesma caserna, com os Balantas, porque se embebedavam, perturbavam as orações, etc.
A caserna situava-se a seguir às instalações do Pelotão de Cavalaria. Disse ao Amadú "vai lá dentro chamar os gajos para virem formar de imediato".
Foi o Amadú e voltou sem conseguir convencer os "revoltosos".
Tinha a G3 às costas, e a mostarda chegou-me ao nariz, entrei na caserna e o pessoal deitado em cima das camas, dei-lhes um minuto para se levantarem e virem formar.
Os gajos nada, agarro na arma pelo cano e começo a varrer, à coronhada, todos os que se encontram em cima das camas. Ficaram convencidos, vieram formar de seguida.
No dia seguinte na formatura da manhã, resolvi fazer uma pequena palestra, procurei apelar ao espírito de corpo, ali não podia haver conflitos entre etnias, eram todos "guinéus".
Nesta 2ª companhia que comandava, havia dois pelotões Fulas e um Balanta. Dos dois primeiros, um destinava-se a Galomaro, outro a Mampatá (Saltinho), sendo que o Balanta tinha como destino a Ponta Luís Dias.
Numa noite da segunda semana de instrução, após o jantar, noto que na formatura, antes da instrução nocturna, apenas se encontra o pelotão de Balantas. Os dois pelotões de Fulas resolveram ficar na caserna, como forma de protesto, informa-me o meu soldado Amadú Baldé, monitor e futuro comandante do pelotão de Mampatá.
Qual era a causa do protesto? Simplesmente os Fulas não queriam estar juntos, na mesma caserna, com os Balantas, porque se embebedavam, perturbavam as orações, etc.
A caserna situava-se a seguir às instalações do Pelotão de Cavalaria. Disse ao Amadú "vai lá dentro chamar os gajos para virem formar de imediato".
Foi o Amadú e voltou sem conseguir convencer os "revoltosos".
Tinha a G3 às costas, e a mostarda chegou-me ao nariz, entrei na caserna e o pessoal deitado em cima das camas, dei-lhes um minuto para se levantarem e virem formar.
Os gajos nada, agarro na arma pelo cano e começo a varrer, à coronhada, todos os que se encontram em cima das camas. Ficaram convencidos, vieram formar de seguida.
No dia seguinte na formatura da manhã, resolvi fazer uma pequena palestra, procurei apelar ao espírito de corpo, ali não podia haver conflitos entre etnias, eram todos "guinéus".
Em Fev. de 2005, em Cansamange, a caminho do Quirafo, vêm ter comigo, com alegria nos olhos, três antigos instruendos daquela companhia, um deles o Mussa diz-me:
-"Santiago, tu eras muito duro, mas preparaste-nos bem, nunca te esquecemos".
Na despedida deram-me duas galinhas e três ovos...quanta falta lhes fariam.
-"Santiago, tu eras muito duro, mas preparaste-nos bem, nunca te esquecemos".
Na despedida deram-me duas galinhas e três ovos...quanta falta lhes fariam.
Em Fev/05. Cansamange. O Paulo Santiago junto do Mussa e dos outros dois antigos instruendos de há trinta e três anos atrás.
Ex-guerrilheiro maneta
O pelotão Balanta tinha um instruendo especial, o Fafe Nkumba, há nomes que não esqueço, haverá alguma razão para que isso aconteça? Não sei...
O Fafe era um ex-guerrilheiro, comandante de grupo, tinha sido ferido em combate, levado para Bissau para o HM, onde lhe tinha sido amputado o braço esquerdo devido aos ferimentos. Estava ali para ser o futuro comandante do pelotão.
Apesar da deficiência física, era respeitado pelos outros instruendos, também, apesar da diferença, era um óptimo instruendo e um excelente atirador na carreira de tiro. Tinha preferência por uma AK, não sentia a G3 como boa para ele. O caso foi resolvido quando um dia apareceu o Spínola com o Fabião e quiseram saber da evolução do instruendo Fafe Nkumba.
Em conversa falei-lhes na arma. Passado pouco tempo chegou uma AK e respectivas munições.
Procurei falar bastante com o Fafe, saber das condições no mato, como tinha sido tratado para ler-lhe alguns pensamentos.
Não consegui saber muito, falava muito bem comigo, gostava de conversar, mas quanto aqueles assuntos mais importantes, fechava-se em copas.
Constou-se que após a instrução voltou para o PAIGC juntamente com outros instruendos, milicias já na altura.
O Fafe era um ex-guerrilheiro, comandante de grupo, tinha sido ferido em combate, levado para Bissau para o HM, onde lhe tinha sido amputado o braço esquerdo devido aos ferimentos. Estava ali para ser o futuro comandante do pelotão.
Apesar da deficiência física, era respeitado pelos outros instruendos, também, apesar da diferença, era um óptimo instruendo e um excelente atirador na carreira de tiro. Tinha preferência por uma AK, não sentia a G3 como boa para ele. O caso foi resolvido quando um dia apareceu o Spínola com o Fabião e quiseram saber da evolução do instruendo Fafe Nkumba.
Em conversa falei-lhes na arma. Passado pouco tempo chegou uma AK e respectivas munições.
Procurei falar bastante com o Fafe, saber das condições no mato, como tinha sido tratado para ler-lhe alguns pensamentos.
Não consegui saber muito, falava muito bem comigo, gostava de conversar, mas quanto aqueles assuntos mais importantes, fechava-se em copas.
Constou-se que após a instrução voltou para o PAIGC juntamente com outros instruendos, milicias já na altura.
Não acertaram...sorte
Penso que a partir de fins de Fev. de 1972, já se encontrava em Bambadinca o batalhão para substituir o do Polidoro, havendo já serviços a serem feitos pelos "periquitos".
Penso que a partir de fins de Fev. de 1972, já se encontrava em Bambadinca o batalhão para substituir o do Polidoro, havendo já serviços a serem feitos pelos "periquitos".
As instruções nocturnas eram feitas fora do quartel, mas nas imediações, tendo sempre o cuidado de avisar o oficial de dia do local para onde ia.
Em determinado noite, avisei o oficial de dia "periquito" que tinha uma instrução nocturna nas traseiras da casa do Rendeiro, pelo que teria que avisar o posto de sentinela sobranceiro a essa zona.
Não sei explicar, estava com um pressentimento, pelo que procurei sempre manter-me numa zona iluminada pelos holofotes, para que a minha cor se notasse.
Não adiantou nada. Repentinamente, zumbe uma saraivada de balas por cima das nossas cabeças. Tudo para o chão a gritar "filhos da puta somos nós, milícias"!
Mais uma rajada a passar. O local era fodido, o posto de sentinela lá no alto e nós no fundo da barreira completamente a descoberto. Parece ter passado uma eternidade, até que alguém começou a gritar por nós.
Entrei no quartel com instinto para pregar um tiro em alguém, aparecendo-me o Polidoro que me agarra com vigor. Estava de cabeça perdida, podia ter morrido gente estupidamente. O Alf oficial de dia diz que avisou o sargento de dia, este diz que avisou o sentinela, este ficou com medo ao ver tantos pretos à noite e armados, parecendo fazer manobras de aproximação ao quartel que carregou no gatilho da Breda (?).
Será que houve os avisos, ou alguém se esqueceu?
Em determinado noite, avisei o oficial de dia "periquito" que tinha uma instrução nocturna nas traseiras da casa do Rendeiro, pelo que teria que avisar o posto de sentinela sobranceiro a essa zona.
Não sei explicar, estava com um pressentimento, pelo que procurei sempre manter-me numa zona iluminada pelos holofotes, para que a minha cor se notasse.
Não adiantou nada. Repentinamente, zumbe uma saraivada de balas por cima das nossas cabeças. Tudo para o chão a gritar "filhos da puta somos nós, milícias"!
Mais uma rajada a passar. O local era fodido, o posto de sentinela lá no alto e nós no fundo da barreira completamente a descoberto. Parece ter passado uma eternidade, até que alguém começou a gritar por nós.
Entrei no quartel com instinto para pregar um tiro em alguém, aparecendo-me o Polidoro que me agarra com vigor. Estava de cabeça perdida, podia ter morrido gente estupidamente. O Alf oficial de dia diz que avisou o sargento de dia, este diz que avisou o sentinela, este ficou com medo ao ver tantos pretos à noite e armados, parecendo fazer manobras de aproximação ao quartel que carregou no gatilho da Breda (?).
Será que houve os avisos, ou alguém se esqueceu?
Despedida
Em fins de Março de 1972, mais uma cerimónia de encerramento do curso de milícias, sendo que desta vez se cumpriu todo o programa.
Gostei destes seis meses em Bambadinca. Pela primeira vez tinha tido uma flagelação, ligeira, no Xime, em tarde de futebol. Tinha visitado o "buraco" chamado Mato do Cão e, após a reocupação, tinha andado pelas "meninas" de Bafatá.
Ia regressar ao Saltinho e ao PelCaçNat 53, não imaginando os maus tempos que me aguardavam.
Em fins de Março de 1972, mais uma cerimónia de encerramento do curso de milícias, sendo que desta vez se cumpriu todo o programa.
Gostei destes seis meses em Bambadinca. Pela primeira vez tinha tido uma flagelação, ligeira, no Xime, em tarde de futebol. Tinha visitado o "buraco" chamado Mato do Cão e, após a reocupação, tinha andado pelas "meninas" de Bafatá.
Ia regressar ao Saltinho e ao PelCaçNat 53, não imaginando os maus tempos que me aguardavam.
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Notas:
Vd. artigos anteriores da série, em
3 comentários:
Caro Paulo,
Gostei do teu Post, e não tinha tido ainda conhecimento da tua escola de instrução de milicias.
Balantas com Fulas animistas com meumetanos é muito complicado, mas a tua receita deve ter dado resultado.
Na 3ª. foto à direita do Caco é o Coronel Costa Campos, capitão dos Lassas em Cufar em 65/66, só que o pingalim não é dele.
Um Abraço Mário Fitas
Olá Mário
Fiquei com uma dúvida:quem é o Cor
Costa Campos?De farda nº2 é o Ten-
-Cor Tiago Martins comand.do BART
(novo)de Bambadinca,a que pertencia
o Mexia Alves,a seguir ao Caco,o
matulão de pingalim é oTen-Cor.
Polidoro Monteiro comand.do BART de
Bambadinca rendido pelo Tiago.A seguir vê-se a cabeça do Ten-Cor
Castro Lemos,comand do BCAÇ de
Galomaro,à frente com uns papéis
na mão esq.vai o Cor.Costa comand.
do CAOP2.É este o Costa Campos a
que te referes?
Abraço
P.Santiago
Caro Paulo,
Fizeste bem em colocar as dúvidas, porque de facto, embora o Costa Campos estar na Amura, e ser o homem da psíco do Spínola, não está presente na foto referida. Mas as semelhanças, são de tal ordem, que levou a esta minha gafe, tudo por causa da mania da camuflagem, com os óculos escuros.
Por tal motivo te peço imensas desculpas, mas ir-te-ei enviar uma foto do Costa Campos com o Caco, para verificares as semelhanças. Já te tinha enviado um comentário sobre o assunto, mas ou enviei mal, ou extraviou-se
Um abraço,
Mário Fitas
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