segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3186: Estórias do Jorge Fontinha (2): Estrada de Teixeira Pinto-Cacheu (Jorge Fontinha)


1. Mensagem, com data de 3 de Setembro de 2008, do nosso camarada Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (1), com a segunda de muitas estórias prometidas.

Conforme prometido, ai vai mais uma História.
Esta terá o título: Estrada de Teixeira Pinto - Cacheu

Um abraço do camarada.
Jorge Fontinha


2. Estrada Teixeira Pinto-Cacheu
Por Jorge Fontinha

Em Outubro de 1971, a CCAÇ, reforçada com um Grupo de Combate da CCAÇ 3308 atinge CAPÓ, onde fica instalada de maneira a dar todo o apoio e protecção aos trabalhos da estrada Teixeira Pinto – Cacheu.

Crachá da CCAÇ 2791

A Sub - unidade chega a uma zona onde nada há. O mato é rasgado, para no mais breve possível ser construído um aquartelamento improvisado que possa servir de abrigo ao pessoal militar e a cerca de 500 trabalhadores nativos que colaboram na desmatação da área por onde vai passar a futura estrada. O período de permanência neste aquartelamento, prolonga-se pelo mês de Novembro, terminando apenas a 6 de Dezembro, perfazendo um total de cerca de 48 longos dias de desterro…

Durante todo este mês a actividade da Companhia multiplica-se na protecção aos desmatadores, picagem de troços de estrada, protecção e defesa dos trabalhadores e máquinas, segurança aos trabalhos topográficos e de máquinas de Engenharia em movimento constante. É uma actividade que dura 24 horas por dia e considerando as condições precárias de vida, torna-se esgotante.

Não tendo havido quaiquer danos pessoais nas NT, não deixou todavia de ter havido contacto com o IN. Nomeadamente quando um grupo de Combatentes do PAIGC tentou no mesmo dia, varias aproximações ao aquartelamento com lançamento de Morteiros e Roquetes. Valeu-nos também o valioso apoio dos meios aéreos e dos Carros de Combate de Bula, superiormente comandadas pelo saudoso Capitão Salgueiro Maia.

Nas minhas histórias não podia esquecer este período por ter sido tão complicado e penoso e porque no decurso dos quais assinalei os meus 23 anos, onde até não faltou o bom Whisky e a quente cerveja.

Foto 1 > Trabalhadores nativos

Foto 2 > Comemorando os meus 23 anos

Como já referido, naquele lugar nada havia a não ser terra e poeira constante pelo ar, fruto dos trabalhos das máquinas e a temperatura era aterradora, provocando transpiração constante, que se misturava com a poeira…

A água era trazida em autotanques atrelados às viaturas militares, todavia, era racionada e mal chegava para a cozinha e para beber. Para a higiene pessoal, cada um desenrascava-se. Imagine-se o aspecto de cada elemento, desde o Capitão até ao trabalhador nativo que trabalhava na desmatação.

Situações hilariantes aconteciam com frequência, com pequenos episódios aqui e ali.

A quando do contacto já descrito, um soldado que havia, não se sabe como, arranjado alguma água tinha acabado de se lavar e estando todo nu, junto à barraca onde pernoitava e se preparava para fazer a barba, conforme ouve o primeiro disparo, atira-se em voo para a barricada que tinha sido construída para nossa protecção, pelas máquinas da Engenharia e de tanto se rebolar, ficou para gozo dos companheiros, como bolo de bacalhau, pronto a ser frito.

O Alferes Freitas Pereira, comandante interino nesse dia, por ausência do capitão que se tinha deslocado a Teixeira Pinto, estava de tal forma exaltado, que de tanto gritar ordens acabou o dia, ficando completamente afónico.

Se não bastasse, o meu bom amigo furriel Sampaio Faria, viria a ser o único ferido, igualmente quando saltava para a barricada, tendo torcido um dedo, suponho que da mão direita... Durante toda a comissão, foi felizmente o seu único ferimento!

Foto 3 > Destacamento temporário

Foto 4 > Máquina da Engenharia

O moral de qualquer um de nós nunca tinha chegado a níveis tão baixos, tais as condições de vivência. Qualquer coisa de novo que surgisse era motivo para relaxar e dar asas aos 23 anos da média de todos nós. Bastava um simples postal ilustrado com uma qualquer beldade da época para nos animar. Até podia não ser nenhuma beldade, bastava que fosse mulher e sobretudo branca…

De repente, até isso nos caiu do Céu…

Todo nervoso, o Freitas Pereira recebe, via rádio um comunicado do CAOP de Teixeira Pinto, que daí a alguns minutos receberíamos uma visita aerotransportada, de uma equipa de Televisão Americana, que andava a fazer várias reportagens de Guerra. Na semana anterior haviam feito o mesmo, no Vietname.

Houve uma pequena revolução no aquartelamento, mas tudo foi feito para que nada impressionasse mal as nossas visitas. Até o Alferes Freitas Pereira que para além de ser o Comandante interino, era também o único que arranhava mais ou menos o inglês. Eu e mais alguns, apenas percebíamos por alto o que se dizia.

E chega a hora.

Três helicópteros roncam nos céus de Capó, dois deles helicanhão e um outro de cores civis. Este último aterra e logo que as hélices o permitem, uma comitiva onde me incluo, vai ao seu encontro. Primeiro, sai o homem da câmara e de seguida a repórter…

Podia até nem ser bonita, mas era uma loira cujos cabelos esvoaçavam ainda, com os cada vez mais lentos movimentos das hélices do helicóptero. Uma visão do outro mundo! Do mundo que estava lá fora.

Foi recebida, confesso que com alguma gula, pela maioria de todos nós, pelo menos daqueles que de mais perto privaram.

De imediato, porque o tempo urgia, o Freitas Pereira fez as honras da casa e com ela entabulou uma breve troca de impressões, que nós íamos seguindo com alguma dificuldade, pois o nosso Inglês resumia-se ao pouco que tínhamos aprendido no Liceu.

Mas basicamente e duma forma resumida, ela contou que 8 dias antes havia estado no Vietname. O que mais a impressionou lá, foi o facto de ter estado debaixo de fogo pesado e que tinha assistido a algumas baixas mortais por parte das tropas Americanas, que a haviam abalado bastante. Ao dizer isto, ia olhando detalhadamente para cada um de nós e começou a notar-se que cada vez estava mais perturbada, ao ponto de desabafar:

- Meus amigos, prefiro voltar para lá do que ficar aqui, por mais uma hora que seja. O vosso aspecto e as vossas condições de alojamento não lembram sequer ao diabo. É aterrador!

E lá se foi a nossa visão angelical!...

Prometo mais histórias.

Um abraço para a Tertúlia
Jorge Fontinha
____________________

Nota de CV

(1) - Vd. postes de

18 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

20 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3142: História de Vida (15): Para que se faça história (Jorge Fontinha)

Sem comentários: