sábado, 13 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3202: Estórias avulsas (5): Missão Católica ou Missão Heróica? (José Nunes)

1. Publicamos hoje uma estória enviada pelo nosso camarada José Nunes (1), ex-1.º Cabo Mec Elect de Centrais, do BENG 447, (1968/70), enviada no dia 7 de Setembro de 2008.

Missão Católica ou Missão Heróica?

Saía eu a Porta de Armas para ir à tabanca de Brá levar roupa à Fina Rosa, minha lavadeira, quando o sentinela me chama:

- Nosso Cabo, o frade anda a perguntar por um electricista.

Lá me dirigi ao Sto. António assim era o seu hábito, um jovem de vinte e poucos anos tal como eu, que precisava que um electricista fosse à Missão ver se era posssível fazer uma instalação eléctrica para pôr a Carpintaria Escola a funcionar.

Prontifiquei-me a ir e lá fomos, não sem antes comprar umas bazucas que o Frade me pediu, numa motorizada Peugeot, só com um assento, eu sentado e o frade de pé em cima dos pedais, picada fora, cai aqui, cai ali, lá fomos direitos a Prábis.

Chegados, fiquei boquiaberto ao ver tamanha beleza, uma pequena capela, mas a torre sineira deslumbrante entre duas altas palmeiras, lá estava a sineta com o seu campanário para chamar os fiéis.

Algumas construções de alvenaria e uma grande construção sem telhado. Lá fomos por meio de cajueiros, um pouco afastado da capela lá estava um pavilhão tosco, cheio de máquinas de carpintaria. O meu interlocutor lá ía esplanando as suas pretenções e eu anotava. Visitei a Missão, qual o meu espanto quando me leva para uma zona de Tabanca com muitas moranças e começo a ver gente com aspecto horrendo.

- São leprosos, disse-me.

Lá fui vendo aquela gente sofrida e verificando a falta de condições para assistir esta gente.

- Aquele edifício era para ser a enfermaria, mas não temos dinheiro para o telhado.

Senti uma revolta imensa, como era possivel?

Voltei ao quartel e falei com o meu chefe a quem fiz um relato do que tinha visto.
O Eng. Alf Mil José Alberto deu-me carta branca para dentro das disponibilidades dar todo o apoio possivel.

Lá fomos fazer a obra. Montámos a iluminação e a força motriz na carpintaria, com um camarada de São Pedro da Cova, cujo nome não me recordo. Almoçávamos na missão com os Frades.

Um dia ao almoço, após as orações, vem para a mesa uma travessa com aves, talvez pato e outra com uns bifinhos dos quais me servi. Começando a comer noto um sabor adocicado na carne e pensei:

- Estes italianos põem açucar na carne?

Quando o Padre no topo da mesa me diz num português meio italiano e crioulo:

- Desculpa, não sei se gosta de bife de macaco.

Mastiguei mais um pouco, mas desisti de comer alegando uma indesposição. Na missão comi a pasta mais gostosa da minha vida e receitas conventuais.

A minha admiração pela obra das missões em Africa, a forma desinteressada como estes homens se dedicam ao seu semelhante, sem meios, contra tudo, mas com uma Fé imensa e disponibilidade para ajudar.

Viviam sem luxo ou riqueza, do que a terra dava. O Cabi caçava para toda a comunidade, do cajú aproveitava a castanha para vender e do fruto faziam vinho. De Itália chegava muita coisa que eles distribuiam com a população.

Decerto o seu trabalho continua, será que em melhores condições? Oxalá pois o seu labor é sinónimo de cuidados de saúde para os leprosos da Guiné, que por lá devem continuar.

A minha admiração por estes frades, com quem tive o grato privilégio de privar e conhecer D. Sétimo Serrazeta, que teve um papel grandioso no conflito de 1999, na procura de soluções.

Este meu testemunho para dizer que apesar da guerra, havia outras lutas que era preciso vencer.

Se servir para publicar tudo bem, não quis deixar de vos relatar esta vivência em tempo de guerra.

Um abraço e saudações cordiais a todos os Camaradas.
José Nunes
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Nota de CV

Vd. poste de 22 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2469: Tabanca Grande (55): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista de Centrais (BENG 447, 1968/70)

2 comentários:

Anónimo disse...

As missões católicas continuaram sempre, mais ou menos nos mesmos moldes.
Sempre houve muito respeito pelas missões.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Bom trabalho João.
Se todos assim trabalhasse-mos em prol dos outros, não haveria guerras. O Homem respeitar-se-ia como aos outros.
Lição de humanismo e fraternidade, sem a chancela da cor.

Que tenhas a recompensa do tamanho da tua grandeza.

Mário Fitas