segunda-feira, 11 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974

1. Mensagem de José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974, com data de 8 de Maio de 2009:

Boa tarde Vinhal!

Tenho visto o vosso Blog vezes sem conta. Não tenho tido a coragem necessária para me considerar um combatente, porque quando fui já se tinha dado o 25 de Abril. Fui em rendição individual, era Radiotelegrafista do STM e calhou-me a sorte de ir bater com as costelas a CUFAR. Nunca embrulhei embora ainda tivesse ouvido alguns foguetes ao longe. Regressei no dia 5 de Outubro de 74. E quem sou eu? Teu colega da APDL, José Carlos Neves. Fui muitas coisas na APDL, e acabei como Operador de Radar. Gostava de um dia falar contigo, sobre o assunto pois não sei se fui combatente ou não só sei que o que vi não me agradou, que a fome que passei também não, que o paludismo também não e os mosquitos nem falar. Um refeitório onde os caixões estavam amontoados à espera de alguém foi uma imagem marcante entre outras. Se um dia tiveres disponibilidade de falar comigo dá-me um toque.

José Carlos Neves


2. No mesmo dia enviei esta resposta ao Carlos Neves:

Caro Carlos Neves
Foi bom que me (nos) tenhas contactado.
Primeiro. Não tens que ter complexos por não teres passado pela guerra. Sorte tua. Se tens ideia, espero que sim, de te juntares a nós, serás tão bem recebido como aquele que só conta histórias a cheirar a pólvora. Temos um défice de histórias do pós 25 de Abril na Guiné. Parece que a malta viu coisas que não quer contar. A vida também não vos foi fácil, concerteza, e as privações não devem ter sido menores. Tinham a incerteza da segurança ou a certeza da insegurança, que vai dar ao mesmo.
A tua experiência, assim como a de outros camaradas na tua condição, são necessárias no nosso Blogue.

Lê atentamente o lado esquerdo da nossa página onde poderás ver o que somos e não somos, assim como os nossos objectivos. Já deves ter reparado que queremos manter um certo nível quer ao nível das relações, quer da linguagem e do respeito pela diferença.

Já temos muitos camaradas do concelho de Matosinhos entre a tertúlia e tu serás mais um. Aparece.

Se quiseres fazer parte da nossa tabanca, manda uma foto do teu tempo de Guiné, uma actual, em formato JPEG, conta um pouco do teu percurso na Guiné, como Posto, Especialidade, locais por onde andaste, datas de ida e volta, etc.

Podes podes um pouco de ti enquanto civil, como por exemplo teres sido funcionário da APDL, da tua actividade como fotógrafo, etc.

Espero notícias tuas.

Deixo-te um abraço
Carlos Vinhal


3. Ainda no mesmo dia recebi, do Carlos, esta mensagem de volta

Olá boa tarde!

Fui mobilizado para o Ultramar em Abril de 1974 (logo a seguir ao 25 de Abril), não sei ao certo o dia, mas ainda em Abril. Estava então com 14 meses de tropa, colocado no RI6 a tomar conta do Posto Emissor do STM que servia o Quartel General do Porto e a pensar que me ia safar. Puro engano.

Uma bela noite recebo um telefonema do meu camarada Laranjeira (Perafita), pelo telefone interno a dar-me a notícia que tinha recebido a mensagem com a minha mobilização para o Ultramar, é que eu era Radiotelegrafiata do STM e esta coisas passavam-nos pela mãos.

Lá fui com guia de Marcha até Lisboa. Chegado à Escola Prática de Transmissóes, então na freguesia da Graça, fui informado que iria para a Guiné.

Fiz o que todos fazem, pelo menos os de Rendição Individual, fui até aos Adidos onde recebi as Vacinas da Febre Amarela, Cólera e mais outra qualquer que já não sei. Fiquei que nem um passador todo furado.

E assim se passou. Dias depois embarquei para a Guné no Boeing dos TAM onde fui colocado no Agrupamento de Transmissões à espera do mato.

E o que era o mato? Ingénuo e puto não fazia ideia concreta, embora já alguns colegas que por lá passaram me tivessem dito que não era bom. Tive a sorte de ter um primo que era advogado e que estava lá no Departamento de Justiça em Bissau e que me acompanhou e com quem passei a conviver, ou seja sempre à civil, na Messe dos Oficiais. É que eu era Soldado (por questões que uma dia posso contar de outra guerra em que já tinha estado).

Assim e com o convívio com vários oficiais foi-me proposto que procurasse um lugar onde ser colocado em Bissau, que as coisas se arranjariam. Mas o palerma do valentão disse não senhor! Já que estou aqui quero conhecer o que é o mato. E assim foi.

Uma bela noite fui informado para estar pronto às tantas da manhã para embarcar no avião que me iria levar para Cufar.

Bom lá vou eu para a cidade de Cufar. Qual o meu espanto quando aterrei e vi a dita cidade, ou seja um amontuado de palhotas dentro de círculo de 500 metros de diâmetro de arame farpado. Estou feito! Logo aí me arrependi de me ter armado em esperto.

E lá fui levado até à minha tabanca onde permaneci cerca de 4 ou 5 meses a trabalhar no Rádio em Morse e a fazer 24 horas por dia divididas por 3 Operadores. Estive lá com a CCAÇ 4740 (quase todos açorianos) que regressaram, salvo o erro, em Agosto, e depois com o pessoal que tinha retirado de Gadamael e que foi recuando até Cufar para depois virmos todos embora, entregando a cidade de Cufar ao PAIGC.

Regressei então em Setembro a Bissau com o resto do pessoal, numa LDG, trazendo tudo que era possível e deixando para trás aquilo que não se conseguia carregar.

Em Bissau esperei que me enviassem para a Metrópole.

De regresso à vida civil fui para onde já estava colocado ou seja para a APDL, onde fiz várias funções desde electricista (que é a minha formação académica - Curso Industrial) até Operador de Radar, passando por fotógrafo, Administrativo, etc.

Estou Aposentado, desde o ano 2000, e desenvolvo a profissão de fotógrafo (velha paixão que infelizmente só bateu depois da tropa).

Talvez um dia possa contar mais alguma coisa, mas isto às vezes não é facil de relembrar. E se não o é para mim como será para aqueles que viram os seus companheiros a tombar ao seu lado! Não passei directamente pela guerra, mas o que vi bastou-me.

Um grande abraço para todos especialmente para ti Carlos Vinhal.
José Carlos Neves


4. Comentário de CV:

É sempre agradável dar as boas-vindas a um camarada, mas quando esse novo camarada é alguém que conhecemos há tantos anos, é um prazer redobrado.

Na verdade andámos lado a lado (como na cantiga) na APDL e ainda por cima somos vizinhos, sem eu imaginar que tivesses estado também na Guiné. E como soldado. Batoteiro. Não sabias que era perigoso não declarar as verdadeiras habilitações literárias?

Como te disse na mensagem que te enviei, as histórias daqueles que não conheceram a guerra como os seus antecessores, são também muito importantes. Vai escrevendo e mandando as tuas fotos que nós as publicaremos com o mesmo pundonor.

Já agora, apanha para a nossa tertúlia, o teu homónimo de profissão e nome, o Operador de Radar Delfim Neves, conterrâneo do nosso camarada Albano Costa, porque também ele é um ex-combatente da Guiné, e sei, é também um acompanhante diário do nosso Blogue.

Renovo o convite que já te fiz, de participares no nosso próximo Encontro do dia 30 de Junho próximo, caso possas e queiras, claro.

Esperando a tua colaboração, deixo-te o tradicional abraço de boas-vindas em nome da Tertúlia.

Teu colega, amigo, vizinho e camarada
Carlos Vinhal

Ano de 1974 > A bordo do navio Uige, aquando do feliz regresso a casa

Apanhado pelo clima? Será este o parafuso em falta? Efeitos da Guiné concerteza

Ano 2000 > José Carlos Neves no seu último ano como Operador da Radar do Porto de Leixões

Ano 2008 > José Carlos Neves e a sua bajuda para a vida

Fotos: © José Carlos Neves (2009). Direitos reservados
Edição das fotos e legendas do Editor CV

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4308: Tabanca Grande (137): Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1.ª CCAV/BCAV 8323, Bajocunda, 1973/74

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro J. C. Neves,
por mim, que sejas muito bem-vindo a esta Tabanca. Certamente que terás a oportunidade de nos enviares os teus contributos.
Já agora te digo: deixa-te desses complexos de não teres sido "operacional" (foi o que já me disseram....) pois todos foram necessários e a rapaziada da "elite das transmissões", o STM, muito contribui, com a sua acção discreta mas indispensável para assegurar a fluidez da cadeia de comando.
Um abraço
Hélder S.