terça-feira, 9 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7248: Ser solidário (94): Tenho tanta pena do que acontece e louvo o trabalho da Catarina Furtado (Torcato Mendonça)

1. Mensagem do Torcato Mendonça (, foto à esquerda, Mansambo, 1968), com data de 7 do corrente:

Caro Carlos e Editores, se lerem...

Estou desiludido com o desenvolvimento ou retrocesso da Guiné.  Claro que tenho uma visão muito pequena do que efectivamente se passa.  Vi o Programa na RTP 1,  da Catarina Furtado (*). Já o ano passado tinha visto. No Gabu a situação parece ter melhorado, como em Mansoa. Depois em Bafatá a situação está mal.

A diferença com o que se passava há quarenta anos é para pior. Talvez isso se deva a ter poucos conhecimentos do que se passa. Não vejam, nesta tristeza sentida, uma defesa do colonialismo. Vocês sabem como eu penso. Até pode ser devido sequelas deixadas pelo colonialismo, pelo obscurantismo herdado, por uma religião maioritária retrógrada e uma cultura machista que não ajuda nada.

É pena. Tenho tanta pena pelo que acontece e louvo o trabalho da Catarina Furtado, dos que ela representa e dos Guineenses,  médicos, enfermeiros e auxiliares que tanto lutam, que voltaram para ajudar o seu Povo. Aquela Gente diz-me tanto.

Eu falo sempre do Povo das Tabancas. Este é o Povo de que eu gosto. Mas quem sou eu? Nada. Outrora até defendi como militar uma mentira. Era militar e cumpria e lutava para defender-me e aos meus camaradas, brancos e negros... E ajudávamos com comida, com ensino de práticas de higiene, com escolas rudimentares. Eu sei lá. Mas era um operacional e...tinha que ser assim. Acima de mim a farda que envergava.

Depois vocês, como eu sabem algumas "coisas" que se estão a passar. Há tempo atrás disse: dizer a verdade é preciso. É!....Acabar com tantas desigualdades é necessário? É!

Muito mais que se sabe!

Espero que vocês tenham visto o que eu vi e certamente sentiram o que eu senti....e sabendo que....palavras para quê? É um desabafo, palavras que partilho com vocês e não vos aborreço mais.

Por uma Guiné melhor (...sem ligação ao slogan do passado)

Abraços para vocês do Torcato

___________

Nota de L.G.:

(*)  Referência ao programa que estreou na RTP 1, domingo, dia 7, às 21h30, o terceiro documentário da série Dar Vida sem Morrer, apresentado por Catarina Furtado. Recorde-se que este trabalho resultou de um donativo de 500 mil euros oferecido pelos telespectadores da RTP (conseguido através do especial Dança Comigo), pela Cooperação Portuguesa e pelo Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA).  O documentário mostra os progressos feitos no hospital de Gabu. A modernização do  bloco operatório em Gabú contribuiu para baixar os índices de mortalidade materna e neonatal.

"Ainda há muito a fazer, mas esta é a prova de como o dinheiro doado está a ser bem gerido e aplicado. Dou a minha palavra de que as coisas acontecem", diz Catarina Furtado, ao Correio da Manhã

Este projecto levou a Cooperação Portuguesa a investir mais 450 mil euros em Bafatá, uma iniciativa mostrada neste documentário. Comparando a realidade dos nossos dois países, Catarina confessa que se emociona: "Faço um esforço gigantesco para não chorar frente à câmara e frente àquelas pessoas que não entenderiam sequer. Quem nunca teve nada não sabe, não compara". Ainda na RTP 1, terça-feira, dia 9, Catarina mostra o trabalho dos voluntários em Príncipes do Nada. Fonte: Adaptado de Correio da Manhã,  5 de Novembro, notícia de Teresa Oliveira. (Com a devida vénia...).

Excerto de notícia no Diário de Notícias, de 3 do corrente:

(...) "A Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, foi o palco da apresentação do documentário Dar Vida sem Morrer, que será exibido na RTP1 no domingo, às 21.30. Neste programa - que é o terceiro de quatro gravados na Guiné-Bissau -, Catarina Furtado assiste ao impacto que um bloco operatório, inaugurado há um ano, tem na redução do número de mortes de mulheres grávidas e recém-nascidos. "Baixámos de um total de 15% de mulheres que morriam devido a complicações no parto para 9,6%, o que, a meu ver, é uma vitória fruto de um conjunto de contactos e de esforços", salientou a embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas. "Temos de mostrar às pessoas para onde é que vai o dinheiro, porque há efectivamente fugas de donativos e projectos que não vão para a frente", acrescentou, referindo-se ao dinheiro doado pelos telespectadores para esta causa numa das emissões do programa Dança Comigo. (...)

13 comentários:

Anónimo disse...

Torcado é tudo o que tu dizes!

Lindo! Sentido!

Mesmo com as nossa caturrices de sexas, julgo que todos nós sentimos isso que tu sentes.

Força meu compadre de passagem por essas duas terras bonitas!

Um abraço,

Mário Fitas

Anónimo disse...

E nao e que a "razao" esta do seu lado !

Legitimo esse seu sentir !

Nelson Herbert
Washington DC

Cherno Baldé disse...

"Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados"

"Bem aventurados os puros de coração, porque verão a Deus"

"Bem aventurados os que promovem a paz (e o desenvolvimento dos mais pobres) porque serão chamados filhos de Deus".

B.J: Mateus,6,8,9
Discurso evangélico

Junto a minha voz a do autor do poste para agradecer o gesto de amizade e de fraternidade demonstrado nos feitos da Embaixadora Catarina Furtado, uma grande e, porque não, bonita Senhora e, também, a todos que de uma forma ou outra trabalham em prol de uma vida melhor para as populações da Guiné-Bissau.

Só não compartilho da divisão deliberada (no que tange as simpatias) desta mesma população em povos da tabanca e da praça (cidade). Este povo é unico em toda a sua extenção e pode-se mesmo dizer que não existem fronteiras. Todos vivemos a mesma alegria, quando há, e a mesma miséria que, aqui, é mais visivel e mais persistente.

Do meu ponto de vista, quem mais sofre (o que não deve ser visto só do ponto de vista material)são os que, vivendo no que aqui chamamos de cidades e tendo a (in)felicidade de estudar, e informar-se do mundo a volta abriu um pouco os olhos e diaria e sistematicamente é levado a fazer comparações e avaliar o seu nivel de vida em função do que viu ou vê nas imagens além fronteiras.

Pessoalmente, tendo acompanhado a evolução politica deste país desde a independencia, a experiencia dos ultimos anos convenceu-me que não é boa ideia estigmatizar e tentar afastar as elites das cidades ou quaisquer outros grupos sociais ou politicos vistos na prisma de determinados conceitos e/ou classificações, muitas vezes discutíveis, a favor de outros grupos (por exemplo as populações camponesas) que ainda não são providos dos ingredientes necessários para liderar os complicados processos do desenvolvimento social e económico. Assim continuaremos a girar no mesmo sitio por falta de visão e de "savoir faire".

Bem ou mal as elites são as depositárias do saber, do pouco que existe, e são elas que podem servir de modelo (aqui entramos na velha questão, já analisada por A. Cabral do suicidio ou não da pequena burguesia) e dar um rumo (certo ou errado)ao pais.

Pois, um país sem dirigentes esclarecidos é um país sem rumo, um corpo sem lâmpada.

"A lâmpada do corpo é o olho. Portanto, se o teu olho estiver são, todo o teu corpo ficará iluminado, mas se o teu olho estiver doente, todo o teu corpo ficará escuro, pois se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão as trevas."
BJ, Mateus 6, 22

Muito obrigado,

Cherno Baldé
(Rafeiro de Fajonquito)

Luís Graça disse...

Cherno:

É tão bonito ver como um bom muçulmano como tu (ou não ?) é capaz de citar, com propriedade e autoridade, o evangelho segundo São Mateus... Também em matéria de religião, cremos ser um blogue plural, onde há crentes e não-crentes.

Quanto à nossa Catarina Furtado, também concordo contigo: é uma mulher não só muito bonita, como inteligente e solidária. Todos os seres humanos são bonitos quando têm valores, de solidariedade, compaixão, humanidade, generosidade...

Não sei se tens visto o programa "Dar vida sem morrer" (na RTP Internacional)... Está de facto muito focalizado no "chão fula" (Bafatá e Gabu). Neste último documentário, também se mostrou o hospital de Mansoa (tradicional "chão balanta", se é que estas divisões étnico-espaciais do antigamente ainda hoje fazem sentido para um guineense "estrangeirado" como tu)…

O mais importante é a questão de se saber como é que a Guiné pode reduzir, rápida e drasticamente, a mortalidade materno-infantil... Infelizmente vai durar anos, mas é uma batalha que a Guiné tem que travar e onde deve contar sobretudo com as suas próprias forças, os seus quadros, a sua elite, a sua população... A ajuda internacional é apenas complementar e às vezes é ilusória. Há muita gente a fazer “show off”, a fazer caridade ostentatória, a armar-se em boazinha, … (Não me parece ser o caso da Catarina Furtado). Vão ser os guineenses, e não os estrangeiros, a ganhar essa guerra. E eu acredito que os guineenses vão ganhar essa guerra, tal como nós e os demais europeus a ganhamos…

Cherno, quando eu nasci, em 1947, a taxa de mortalidade infantil era superior a 100 por mil… Hoje temos um dos quatro ou cinco melhores indicadores do mundo: morrem, à nascença, menos de 4 crianças em cada 1000…

Tens razão ao chamar a atenção para o risco de dividir os guinenses entre os que vivem na "cidade" e no "campo" (os "tabanqueiros")... A realidade sanitária de Bissau é gravíssima, devido à concentração de população, falta de infraestrtuturas, pobreza, economia paralela, falta de literacia, escassez de recursos, mentalidades, incapacidade de resposta por parte do sistema de saúde, etc. Os poços de Bissau estão todos contaminados, não existe saneamento básico, o Hospital Nacional Simão Mendes está muito degradado, e subequipado, etc.

No entanto, a condição da mulher no interior da Guiné, e em especial no "chão fula" (onde ainda domina a patriarcalismo e a submissão da mulher ao homem), não me parece ter melhorado nada...

Deves ter outra visão das coisas, e informação mais actualizada... Os teus comentários são sempre bem vindos. Cuida dos teus pequeninos. Muita saúde e longa vida para ti e para tua família. Um abraço, irmãozinho. Luís

Anónimo disse...

TORCATO EU ESTOU CONTIGO É UM GRANDIOSO TRABALHO O QUE A CATARINA FURTADO ESTÁ FAZENDO PELO POVO DA GUINÉ-BISSAU EU VI O PROGRAMA E ACABEI DE VER A ENTREVISTA COM O JOÃO BAIÃO, ESTA CATARINA FURTADO É UMA MULHER DE ARMAS. UM GRANDE BEM-HAJA PARA ELA E A SUA EQUIPA.

UM ABRAÇO DO TAMANHO DA GUINÉ PARA TI E TUA FAMÍLIA.

AMILCAR VENTURA EX-FURRIEL MILº MECÂNICO AUTO DA 1ªCCAV/BCAV 832PIRADA-BAJOCUNDA-COPÁ 73/74

Anónimo disse...

E as outras nações mundiais(algumas
bem poderosas)que até há quarenta
anos,atrás nos "infernizaram",quan_
do digo"nos" digo,homens e algumas
mulheres,de:Portugal ;Guiné;Angola;
Moçambique;Timor,depois de fomenta_
rem uma longa guerra entre nós,não
pelos"bonitos"olhos dos Africanos ou do Povo Mauber,mas sim para ti_
rar Portugal do "poleiro"colonial
e instalarem-se lá eles e continua_
rem,com um tipo de colonialismo"En_
capotado".Ainda não foram capazes de travar as fraticidas guerras ci_
vis que aqueles sofridos povos,su_
portam, há quase quarenta anos?.Es_
tão fazendo algo palpével.E os Pi_
ratas,foram só os Portugueses?.Cadê
os outros.Desculpem a ignorância
do macaco.
C.N.

Anónimo disse...

Amigo Torcato,
A sua forma de estar e de ver a vida, são sem dúvida alguma diferentes de muita gente, da minha? Talvez.
Gostei de ler e gostei da forma como referiu o trabalho de Catarina Furtado. O programa não tem muita audiência, talvez este poste do Torcato num espaço que é lido por muita gente, desperte a curiosidade e leve muita gente a vê-lo.

Obrigada amigo.
Filomena

Luís Graça disse...

Povos da tabanca e da praça (cidade)... Achei interessante esta recuperação (?) no linguajar crioulo de Bissau de um termo que remete para um passado em que a presença portuguesa se restringia às "praças fortes" (Cacheu, Bolama, Bissau, Geba...).

Toma boa nota, para posterior reflexão, do pensamento do Cherno Baldé:

"Não é boa ideia estigmatizar e tentar afastar as elites das cidades ou quaisquer outros grupos sociais ou politicos vistos na prisma de determinados conceitos e/ou classificações, muitas vezes discutíveis, a favor de outros grupos (por exemplo as populações camponesas) que ainda não são providos dos ingredientes necessários para liderar os complicados processos do desenvolvimento social e económico. Assim continuaremos a girar no mesmo sitio por falta de visão e de 'savoir faire'." (...)

Anónimo disse...

TORCATO

Também vi o programa na TV.
Quase não vejo TV, mas ia a passar e fiquei preso ao "écran".
Fui ficando mais e mais deprimido (embora se tivesse visto gente com uma doação de si impressionante!). Mas a depressão passou com a visão do "show-off" da gente presente no lançamento da "primeira pedra" (tijolo) do novo hospital (de Bafatá?).

Alberto Branquinho

Torcato Mendonca disse...

Foi uma simples mensagem para os Editores. Mais um desabafo ou uma chamada de atenção para o programa.
Não escrevi Reservado. Tudo o que escrevo,as fotos que envio é pertença do Blogue. Leva assim o tratamento que os Editores entenderem.

Agora comentar os comentários é desagradável. Só duas palavras:
Na Guiné vivi e aprendi muito com a população das Tabancas. Não quero dividir, longe de mim tal ideia,ou estabelecer diferenças com gentes da cidade. Menos as elites e entrar por aí. Isso era longo escrito. Não gostei do tijolo. Aceito. A politica é assim...o Evangelho segundo São Mateus tudo bem, agradeço e compreendo. Não pratico mas respeito as religiões. Não tenho o coração puro. Está empedernido, remendado com bypass´s e funciona a seis ou sete pastilhas diárias...arranca e bombeia até...
Vi guerra demais. Imaginem cidade em chamas, olhos raiados de sangue, álcool, terror, morte, gritos e risos!!!Imaginaram? É pior!
Luís eu tomei nota e agora fui além de...mas eu gosto é da Guiné e de suas gentes, do riso alegre, do som do pilão, do dormir a sesta rodeado daquela gente e não temer a catana...devo-lhes algo. O Quê? é comigo. E vão encontrar o rumo, vão ser gente feliz.
Como cá. As cantinas escolares vão estar abertas, na periferia das grandes urbes, nas férias...???
Duas palavras, a serem um pouco mais do tanto que devia dizer...
Abraço em paz (pareço um pároco safa)
AB do T

Anónimo disse...

Em absoluta concordância contigo TAMBÉM nesta frase:"Menos as elites a entrar por aí". Um abraco...em paz.

Anónimo disse...

Não vi este documentário,mas conheci o hospital de Gabu quando lá estive como médico voluntário da AMI em 98.Vi morrer miúdas com 12 anos no pós parto por simples "shock hipovolémico".Eu explico;como quase toda a população é anémica a hemorragia provocada pelo parto é suficiente para entrar em "shock".
O hospital resumia-se aos pavilhões do antigo hospital "colonial" com tecto de capim.Um dia chegou um alta individualidade conduzindo um TT topo de gama com braceletes de ouro e os dedos com aneis do mesmo acompanhado de uma "dama" em igual preparo.Quase me passei dos "carretos" e disse-lhe se não tinha vergonha de aparecer ali com aquela apresentação.Ia dando um incidente diplomático.
um "gadamaelista"
c. martins

Unknown disse...

Cherno Baldé, momentâneamente tive a sensação de estar a ler um texto de outro autor...! fico contente que o mesmo tenha impregnado outros homens com capacidades de compreender o seu povo.
As elites (não as marginais socialmente) sempre são importantes em diversos tipos conflitualidade social, política ou mesmo indepedentista, sendo incontornável que teem de estar ao serviço da população e não servir-se desta.

Por outro lado creio que desde o principio, os dirigentes daquele país não foram 'habituados' a prestar contas internamente ao seu povo, (também aconteceu cá em certa medida, basta olhar à volta).
Embora seja verdade, creio, que são obrigados a prestar contas ao exterior, face às ajudas que recebem. Parece uma contradição, mas não, porque são 'engenharias' diferentes.
Assim sendo, mesmo as chamadas ONGs, daria pano para mangas, mas, no local apropriado.
Acredito mais seriamente em acções individuais ou de pequenos grupos de cidadãos, que desenvolvem ajuda a povos em situações difíceis.
Mas não me impede que considere, que ao fim de Xs séculos (na Guine de forma especial) a deixamos quase como a 'encontramos'.
Não sou simpatizante da caridadezinha, o povo da Guiné Bissau, saberá como todos os povos encontrar as suas formas de resistência e transformação, pode ser um parto difícil, como o Sahara, Palestina e outros.

Torcato, não podemos fazer muito, mas é importante falar no assunto, principalmente nas causas de tal sofrimento do povo da Guiné Bissau, incluindo as 'cooperações' fonte de muitos males, nos fóruns próprios.

Um abraço para todos e para cada um

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro