sábado, 15 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11707: Estórias cabralianas (78): A Justiça da Velha Mandinga (Jorge Cabral)

1. Mais um história do alfero Cabral [, foto à esquerda no Xime, junto a uma LDG]... Como sempre, com subtil ironia e com uma lição moral no "mural"  ao fundo... Obrigado, alfero. Que os velhos irãs de Fá e de Missirá te paguem, nesta vida, já que na outra, dizem,  não há fiados...

Da Praia da Areia Branca,  aproveitando a liberdade de navegar à borla na Net, com um xicoração, extensível à tua amiga e ex-aluna Anabela Martins, que foi muita querida mandando-nos, pelo correio, mais duas "estórias cabralianas"...

 2. Estórias cabralianas (78) > A Justiça da Velha Mandinga

por Jorge Cabral

Em Agosto de 1969, nasceu a minha sobrinha Maria João e logo fui nomeado padrinho, tendo sido marcado o baptizado para Janeiro de 1970, nas minhas férias.

Numa sortida a Batatá, comprei um boneco, coisa fina, talvez de origem francesa, para levar como prenda. Parecia mesmo um bébé, de bochechas rosadas, com fralda e biberon. Guardei-o na mesa de cabeceira, mas às vezes mostrava-o às meninas da Tabanca, que frequentavam a escola.

Na véspera da minha partida de licença, ao fazer a mala, dei por falta do boneco, pelo que comprei outro em Bissau. Vim, voltei e nunca mais me lembrei do assunto.

Quase um ano depois, andava eu a fazer as despedidas na Tabanca de Fá Mandinga, pois ía para Missirá, vi o boneco nas costas de uma miúda, bem preso com um pano, como se fosse um verdadeieo bébé.

Eu vi e uma velha viu que eu vi. Claro que não disse nada. A bajudinha ía tão feliz...

No dia seguinte chamaram-me à Porta de Armas. Uma mulher grande,  muito velha queria falar com o Alfero. Vinha trazer-me um belo cabrito... que comemos ao jantar.

À mesa o Cabo Freitas comentou:
 – Agora que vamos embora é que nos dão cabritos. Isto é gente maluca, meu Alferes!...

Jorge Cabral
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11586: Estórias cabralianas (77): As bagas da Dona Binta e os seus efeitos... secundários (Jorge Cabral)

7 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Contra tudo aquilo que muitos pretendem fazer passar, são, efectivamente os "velhos" que sabem da VIDA e o que ela representa.

Juvenal Amado disse...

Completando o que o Marcelino Martins escreve- Agora que vamos a caminho para velhos damos outro valor ao que nos aconteceu em novos.
As est´rias do alfero Cabral são sempre uma armadilha de ensinamentos e duplos sentidos.

Obrigado por mais este bocadinho.

Abraço

Juvenal Amado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Marcelino Martins disse...

Aqui como é que coloca "like", Juvenal?

Anónimo disse...

Um soldado do Pe.Caç.Nat. de Mampatá, pediu-me por empréstimo 70 pesos, com a condição de mos devolver logo que recebesse.Todos os meses recebia o seu vencimento mas arranjava sempre forma de o gastar antes me pagar.
Um dia, já convencido da perda dos 70 pesos, enquanto conversavamos dentro da sua morança, reparei num canhangulo encostado a um canto com "cara" de se encontrar já fora de serviço. Perguntei-lhe então se me vendia o canhangulo, ao que ele me respondeu que não mo vendia visto ser meu amigo mas, em vez disso, mo oferecia. Então, aceitei a sua oferta mas disse-lhe, julgando que o aliviaria, que considerava a sua dívida liquidada.
Responde-me ele: não, o canhangulo é uma oferta minha, não serve para pagar a dívida, esta hei de pagar-ta quando tiver dinheiro. Claro que nunca teve dinheiro mas a dívida está mesmo paga.
Dever dinheiro é um conceito variável, consoante o local em que nos encontramos.

Um abração
Carvalho de Mampatá

Luís Graça disse...

Tive sempre a sensação, nos meus contactos mais frequentes e íntimos com a população fula(fiquei muitas vezes nas suas tabancas) e com os nossos próprios soldados do recrutamenmtyo local, também fulas, que nós éramos considerados "alienígenas" (por oposição aos "indígenas")... Por muito afável e correto que eu pudesse ser, havia sempre uma barreira (cultural, psicológica, linguística...) instransponível.

O alienígena era um ser poderoso, misteriodo, potencialmente aterrador, que vinha doutro "planeta"... Para uma velha fula, mandinga ou balanta, o que era Portugal? Onde ficava Portugal ?... Como é que aqueles "tugas" tinham lá ido parar ?

Acho que, de parte a parte, nunca conseguimos ultrapassar os nossos etnocentrismos, apesar do nosso convívio cordial... e do esforço (inglório ?) da nossa geração de combatentes para fazer numa década aquilo que não conseguimos fazer num século...

Esta estória cabrialana é, para mim, um conto moral... Afinal, quantas dívidas nossas não ficaram por saldar ?

Anónimo disse...

UUMMMHHH


Ou muito me engano ou o nosso "alfero" ficou a ganhar...sem querer é certo.

Um alfa bravo para o "pai" de todos os mulatos da Guiné.

C.Martins