quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16376: Memória dos lugares (342): Galomaro e as suas lavadeiras (António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912)

Quartel de Galomaro em construção, em Maio de 1970


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 3 de Agosto de 2016:


A BELA E O SENÃO

Camarigos,

A minha lavadeira de nome Mariana era alta, esbelta, de cor negra clara e de etnia Fula.
Tratava razoavelmente da roupa a troco de 80 pesos (escrevia-se: 80$00) mensais.
Os preços do serviço de lavagem eram diferentes para cada uma das classes de militares.
A Mariana era casada com um Djila que viajava muito à Gâmbia para contrabandear vários artigos vendáveis nos dois países. Diziam que recebia na sua morança tropas quando o seu homem estava ausente. Não sei se era verdade ou não. Comigo tratou somente da roupa. Com pouco mais de 21 anos com certeza vontade não me faltasse de outros serviços.

A minha primeira lavadeira que tive era anciã e andava sempre a mascar coca que trazia numa bolsa pendurada à cintura da vestimenta. Parece-me que estou a vê-la a mascar e depois a cuspir a coca. Era mais cuidadosa com o tratamento dado à roupa. A idade aparente já pesava bastante na sua frágil estrutura física, especialmente na pele enrugada da cara.

Ao fim da tarde era uma romaria de lavadeiras junto ao arame farpado para entregar ou receber a roupa. O chamamento de cada um dos militares por vezes transformava-se num coro desafinado mas engraçado. Quando chamavam pelo nome “TAVARÁS” muito se riam. Nunca descobri qual o motivo de tanto riso.
Os Oficiais tinham o privilégio de receberem as lavadeiras dentro do quartel de Galomaro.

Por razões óbvias não publico fotografias das duas mulheres que trataram da minha roupa durante os 23 meses que permaneci nas matas do Leste do CTIGuiné. História que fez parte da vida de um jovem deslocado numa terra tão longínqua e diferente em usos e costumes da sua terra Natal.

Recordar é Viver!

Tabuleta de recepção aos “piriquitos” do BCaç 3872 colocada (em 1972) na estrada principal de Galomaro. O 1.º Edifício à direita tinha sido uma caserna da CCaç 2405. Em 1970 era a casa do Chefe de Posto. A habitação e o Café - Restaurante do comerciante Francisco Regalla ficava uns metros aquém desta habitação.


Mulheres Fula a lavar roupa numa bolanha de Galomaro, em 15 de Julho de 1970. Nesse dia o BCaç 2912 já conhecia o chão guinéu há 76 dias.

Fotografia de Lavadeiras no seu trabalho quotidiano, em Galomaro.


Visita a uma Morança da Tabanca de Galomaro, em Outubro de 1970.

Abraço,
António Tavares
Foz do Douro, Quarta-feira 03 de Agosto de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16360: Memória dos lugares (341): UDIB, Bissau, II Jogos Florais, Programa, 28 de junho de 1974 (Augusto Mota)

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo Antonio Tavares,

Se me permites, gostaria de dar alguns esclarecimentos sobre alguns aspectos do texto ora apresentado sobre as lavadeiras de Galomaro.

1. O nome da tua 2a Lavadeira, certamente, era Mariama, nome muculmano de origem arabe (Mariam) e nao Mariana (versao latina).

2. A 1a lavadeira, a ancia, mastigava cola (nao he coca), um fruto (noz) amargo muito apreciado pelas populacoes adultas de todos os grupos etnicos da nossa sub-regiao africana. Existem plantacoes de Cola no sector de Cacine e que se extendem ate a vizinha Guine do outro lado do rio Nunez. Sao plantas dos climas mais humidos.

Podem ser comprados no Rossio ou Damaia, em Lisboa.


Com um abraco amigo,

Cherno Balde

Juvenal Amado disse...

Tavares

A maioria das nossas lavandeiras foram "herança" vossa.
Quando chegamos os velhinhos apresentaram-nos como substitutos. Assim como herdei a Berliet do meu "velhinho" também fiquei com a lavadeira.
No tempo do 3872 as lavandeiras não entravam no quartel. Era proibido pelo o nosso comandante no entanto, os graduados tinham se não estou em erro, quem recolhia a roupa por eles.
O comandante tinha o famoso Jamba que lhe levava a roupa. Mais tarde provou-se que era do PAIGC sendo o chefe importante da zona a par com o Regála.
Ao fim do dia era vê-las a gritar pelo os nossos nomes ao arame. Eu era o "Alamadu"
Passado pouco tempo a minha lavadeira passou-me à filha Mariama. Uma menina frágil ainda. Eu sempre duvidei que fosse ela lavar-me a roupa mas pouco a pouco ganhou formas e quando me vim embora era uma linda bajuda a quem comprei como prenda de despedida 27 meses depois um "corpinho", pois foi o que ela me pediu.
Quanto ao valor que pagava penso ser 100 pesos embora não possa garantir.

Um abraço para ti e para o 2912 onde tenho vários amigos

Hélder Valério disse...

Caro Tavares

O Cherno tem razão.
A menos que, por um motivo qualquer desconhecido, houve "coca", o que ela deveria mascar era a cola, melhor dizendo a noz de cola.
Tinha um sabor amargo, branqueava os dentes e 'enganava' o estômago.
Também provei, em Piche.

Quanto ao teu recato em relação à publicação das fotos das lavadeiras de há 40 anos, sendo respeitável a tua decisão e até reveladora do teu bom íntimo, não me parece que agora tivesse algum problema de violação de privacidade.

Abraço
Hélder Sousa

António Tavares disse...

Camarigos,

É um prazer a vossa colaboração neste escrito.
A talho de fouce, recordo-me que um camarada nosso certo dia de Junho ou Julho de 1970 abateu uma árvore de cola aquando da construção de um Reordenamento.
Valeu-lhe a boa vontade e compreensão dos Comandos do BCaç.2912 que a troco de 5 000$00 resolveram a situação.
Eramos “piriquitos” e não sabíamos distinguir as diversas árvores da Guiné.

Abraço