segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18266: Notas de leitura (1036): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
O Dr. Livonildo rotula a sua obra sem nenhuma humildade: "Um livro indispensável para dissipar todas as dúvidas sobre os acontecimentos políticos que têm abalado a sociedade guineense e todo o continente africano".
Diz ter procedido a uma investigação que lhe fez desenhar um modelo para combater a má liderança governativa, levar à mudança de mentalidades, à mudança da retórica dos discursos, um modelo que obedeça a uma certa hierarquia entre governantes, políticos, decisores e governados. Antes de chegar a um modelo já proferiu algumas enormidades e teremos por diante umas largas centenas de considerações sobre ciência política, algumas delas num notável despropósito.
Um trabalho que se recomenda a leitura para se perceber que é preciso fazer qualquer coisa que leve à dignificação das dissertações de doutoramento.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.

O primeiro capítulo da obra procura contextualizar um quadro explicativo da epistemologia da ciência para depois se chegar à ciência política, acaba por ser um enquadramento abusivo e hipertrofiado, quem se lançar na leitura à procura deste novo paradigma de governação na Guiné-Bissau corre sérios riscos de ficar desalentado, é uma enxúndia e um despropósito, um livro que se arroga para divulgação nunca é uma dissertação de doutoramento. Segue-se o enquadramento histórico da Guiné-Bissau, do mosaico étnico à luta armada, interrompemos a recensão quando o autor se debruça sobre o assassinato de Amílcar Cabral (a palavra assassinato aparece entre aspas, sabe-se lá porquê). E são enunciadas as hipóteses quanto a responsáveis: dissidentes do PAIGC; morte acidental durante a operação do rapto; contínuas tensões no seio do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos; por ordem de Sékou Touré; a mando da União Soviética, que estaria à procura de uma nova liderança, mais maleável aos seus interesses; por ordem de Spínola. E sem fundamentar as diferentes hipóteses enunciadas, tecendo os necessários comentários, à luz dos documentos existentes, o autor deriva prontamente para as causas, segundo outros autores: o anúncio da criação da Assembleia Nacional Popular, proclamação do Estado da Guiné-Bissau; reforma da direção do PAIGC, que tiveram ressonância em Sékou Touré, deixando os blocos Leste e Ocidental num estado de alerta máximo pelo facto do PAIGC poder assumir uma posição neutra, havia perturbações no Ocidente face à possibilidade de uma futura luta armada em Cabo Verde que levaria à instalação de uma base militar soviética. E depois o autor fala nas incongruências diante dos factos apurados. Imprevistamente, fala-se na possibilidade de Amílcar Cabral se ter sentido pressionado e ter cometido suicídio ou de ter sido encontrado morto numa situação imprevista. Nova guinada, voltamos atrás, até à deslocação do Comité de Descolonização das Nações Unidas, em Abril de 1972, até às “zonas libertadas”, mais adiante escreve-se que Spínola fora administrador de uma grande empresa e que depois como governador da Guiné estabelecera estreitas relações com a CUF, e por aí adiante, é impossível encontrar fio condutor neste articulado sem qualquer trambelho.

Assim se chegou à independência, vieram à tona novos conflitos, foi o caso dos chefes tradicionais, que o PAIGC subalternizou. E o autor profere uma sentença:  
“A filosofia de Amílcar Cabral baseada no conflito armado é, em grande parte, responsável pela situação em que a Guiné se encontra. A guerra colonial não é a via adequada para a resolução de problemas. O controlo do poder na Guiné-Bissau teve durante muito tempo uma componente auxiliar fora do território nacional. Queremos dizer com isto que, a subordinação político-militar da Guiné-Bissau sempre funcionou do século XIII até ao século XX com um (ou mais) Estado a auxiliar. Nesta fase, voltamos a recorrer à analogia entre o império romano e o grande império do Mali. Para o império português verificamos uma semelhança entre o império português (Guiné-Bissau e Cabo Verde) e o império do PAIGC (Guiné-Bissau e Guiné Conacri). Portugal apostou no desenvolvimento de Cabo Verde enquanto aliado, funcionando como um braço do império, tal como a Guiné Conacri funcionava como base de apoio para o PAIGC. Quando esta subordinação político-militar externa cessou, com a implementação de uma autonomia interna, a Guiné-Bissau entrou num ciclo de instabilidade político-militar”.
Quem souber decifrar esta charada, tem direito a um doce, prometo-vos.

Entramos agora na caraterização política e social da Guiné-Bissau. Quanto à instabilidade, aponta-se como principal responsável o braço armado do PAIGC e o autor adverte: "esquecem-se que o PAIGC é em si mesmo o maior responsável pela instabilidade político-militar, por ter na frente do partido-Estado um esquema de liderança que funciona com base no sistema de triunvirato – através do sistema político do governo guineense, os ex-presidentes da República controlavam os primeiros-ministros e os CEMGFA. Mas, com o conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, que culminou com a vitória dos militares, estes aperceberam-se de que o poder residia afinal nas suas mãos. Foi a partir desse momento que o poder político ficou refém do poder militar – até hoje".

É verdade que o autor atribui importância ao que se passou no Congresso de Cassacá, que abriu caminho para a subordinação indiscutível dos militares aos líderes políticos. Nessa leitura, com o derrube de Luís Cabral por Nino Vieira, confluíram na mesma pessoa o poder político-militar. Nino estimulou invejas e medos, inventou o complô dos militares Balantas com a fantasia de que estavam atrelados à conspiração de Paulo Correia, as FARP foram envolvidas neste envenenamento de relações, tomaram-se posições à volta do chefe supremo, colaboraram em processos de corrupção, caso da venda de armas aos rebeldes do Casamansa, onde nunca se provou quem era quem. Mas como se a confusão já não fosse enorme nesta dissertação do doutor Livonildo, ele conduz-nos até à literatura fantástica, vejam só:
“Conotamos e comparamos os líderes que estão a passar na governação da Guiné-Bissau com autênticos Beowulf. Esta metáfora de Beowulf, enquadrada na nossa arquitetura política, vem confirmar-nos que o poder na Guiné-Bissau se encontra provisoriamente nas FARP. Esses pactos entre Beowulf (poder político) e a mãe de Grendel (poder militar) são uma das causas da instabilidade política que, analisados precipitadamente, são confundidos com conflitos étnicos”.

Por pura generosidade com o leitor, o doutor Livonildo explica-nos a lenda de Beowulf:
“Beowulf é a personagem principal de um poema épico da literatura anglo-saxónica escrito na Grã-Bretanha entre os séculos VIII e XI. Na sua adaptação ao cinema de 2007, Beowulf, um corajoso guerreiro da tribo dos gautas (da Suécia) livra os dinamarqueses do terrível Grendel. Porém, ao ser confrontado com a sedutora mãe do monstro, Beowulf ao invés de matá-la, cai na tentação e envolve-se com ela. Do enlace entre Beowulf e a mãe de Grendel nasce um novo monstro (um dragão) que acabará por matar Beowulf. Esta história mostra-nos como a ambição desmedida pelo poder pode arruinar o futuro dos homens, criando ciclos repetidos de mentira, traição, violência e morte".

E vem a sentença do autor: “Com base nesta ordem de ideias, conotamos e comparamos os líderes que estão a passar na governação da Guiné-Bissau, em especial das lideranças do PAIGC em 1960, com autênticos Beowulf”.
Como se vê, a apregoada ciência política tem um sério entrosamento com a literatura fantástica, com as lendas e o esoterismo.

(Continua)
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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 22 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18239: Notas de leitura (1034): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18255: Notas de leitura (1035): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (19) (Mário Beja Santos)

5 comentários:

Cherno AB disse...

Caro MBS,

Eh caso para dizer: Escreve direito por linhas tortas.
Nao sei como conseguiu chegar la, mas gostei destas conclusoes do Dr. Livonildo Mendes.

Com um abraco amigo,

Cherno Balde

Manuel Luís Lomba disse...

Julgo entender algo das perplexidades históricas e sociais das novas gerações da Guiné-Bissau.
As armas que a libertaram da colonização portuguesa foram as mesmas que prolongaram a opressão do seu povo.
Uma nação cria um exército, mas um exército não cria uma nação.
As mesmas causas produzem os mesmos efeitos.
Diz-me com quem andas e digo-te quem és.
Pelo que conheço da vida e do mundo, avento uma das suas causas, quiçá a principal: o mal não terá residido na sovietização do PAIGC, enquanto partido político, mas na sua sovietização do Estado da Guiné-Bissau, contra todas as evidências do falhanço do modelo de sociedade do "Socialismo real"
Abr.
Manuel Luís Lomba.

Antonio Rosinha disse...

Aquilo na Guiné, cada cabeça sua sentença, imaginação não falta, má lingua e inveja também não falta.

O mal maior, assim como em Angola, é que os heróis libertadores para uns, não foram os mesmos que os do vizinho da tribo ao lado.

Com a desvantagem na Guiné que só se promove internacionalmente o Amilcar meio guineense meio caboverdeano e a guerra maior foi entre o próprio PAIGC em Conacry.

Concordo com BS e que continue sempre com paciência, porque iremos ler muitas outras opiniões guineenses, com certeza.

Anónimo disse...

Caro Manuel L. Lomba,

A constatacao que fazes do mais recente processo historico da Guine-Bissau eh correcta: As armas que a libertaram da colonização portuguesa foram as mesmas que prolongaram a opressão do seu povo. Mas, ja nao concord com o diagnostico das causas. Tanto quanto sei, a influencia ideologica Sovietica sobre o PAIGC durante a luta foi sempre muito escassa e feita de forma indirecta, atraves de outros paises, mais concretamente por meio de Cuba e ainda a Tchecoslovaquia e outros do mesmo bloco.

Na minha opiniao, como diz o Livonildo Mendes, na sua tese, o pior foi a nefasta aprendizagem e experiencia adquirida em Conakri junto do regime que aterrorizava aquele pais vizinho, experiencia que depois implantaram com sucesso na Guine-Bissau.


Um abraco amigo,

Cherno AB

antonio graça de abreu disse...

"A ambição desmedida pelo poder pode arruinar o futuro dos homens, criando ciclos repetidos de mentira, traição, violência e morte".
Diz o autor deste estudo, algo que é verdade para tantos de nós, europeus, uma Europa com tantos séculos de História, e para os povos sofridos da África post-colonial.
Velhos combatentes, ainda há uma lágrima a enevoar o nosso olhar.

Abraço,

António Graça de Abreu