quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19244: Fotos à procura de... uma legenda (111): Ainda o sorriso da bajuda do Gabú... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74)


Mulher himba, uma minoria étnica que vive no sul de Angola e na Namíbia (foto recolhida na Internet por Jorge Costa, 2010)

"A verdadeira riqueza de um país é o seu próprio povo. Aqui estão representados uma minoria dos grupos étnicos que constituem a identidade cultural angolana. Himba, Mucubal, Mumuílas, Herero, Hotentotes "Kosan"(bushman), Cabindas." (Jorge Costa, 2010, vídeo "Angola: Riqueza Étnico-Cultural)


1. Comentário do nosso grã-tabanqueiro Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535  (Angola, 1972/74) (*):

De um modo geral, estou de acordo com o nosso amigo Cherno Baldé (**). Nota-se que a moça não está muito à vontade a mostrar o peito aos militares portugueses, mesmo que ande habitualmente com ele a descoberto entre a sua gente. Nota-se constrangimento e até desprezo na sua expressão.

No norte de Angola, onde eu cumpri o serviço militar, as camponesas não costumavam andar de peito descoberto, mas não se coibiam de o descobrir diante de quem quer que fosse para dar de mamar, por exemplo. No fim, voltavam a cobrir-se. Mas quando trabalhavam em lavras situadas em locais mais afastados, onde não era habitual aparecerem estranhos, elas chegavam a despir-se quase completamente, ficando apenas com um minúsculo pano entre as pernas, em jeito de penso higiénico. 
Aconteceu-me uma vez passar por uma lavra onde algumas camponesas trabalhavam nesta situação e elas não esboçaram o mais pequeno movimento para se taparem. Apenas interromperam a sua tarefa por um momento para me cumprimentarem em português: «Bom dia!». Eu respondi em quicongo, «Kimbote!», elas fizeram-me um rasgado sorriso e continuaram a trabalhar.


Virgílio Teiexetia e a bajuda do Gabu (2018) (**)
No sul de Angola, já o peito descoberto era e é completamente banal em diversas etnias, sobretudo do sudoeste. Mesmo quando desciam à cidade, as camponesas destas etnias andavam pelas ruas, praças e avenidas com os seios ao léu. Para estas moças e senhoras não era vergonha mostrar o peito; vergonha era, isso sim, mostrar o traseiro.

No Youtube existe um vídeo em que se vêem imagens de pessoas pertencentes, quase todas, às etnias mais nuas de Angola: muílas ou mumuílas, mucubais, himbas ou muhimbas, muhakaonas, khoisan ou bosquímanos, etc. Independentemente do exotismo dos trajos e adornos e da sensualidade dos corpos, que são patentes no vídeo, o que mais ressalta dele é a pureza dos olhares, a cristalinidade dos sorrisos, a franqueza dos rostos, a pureza dos corações. É impossível não gostar de gente assim. 
O vídeo é este: 
https://www.youtube.com/watch?v=VDg75ocaHTU  
[Alojado no You Tube, na conta de Jorge Costa, 2010, duração 9' 49''. Título: Angola, Riqueza Étnico-Cultural. Imagens recolhida na Internet; música da African Tribal Orchestra]
Fernando de Sousa Ribeiro

PS - Sobre o povo himba, que vive na fronteira entre a Namíbia e Angola, e cujo futuro está seriamente ameaçado, vd. o sítio de Carla Mota e Rui Pinto, "Viajar entre viagens". (LG)
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Notas do editor:
(*) Vd, poste de 11 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19183: Tabanca Grande (469): Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880 (Angola, 1972 / 74); nosso grã-tabanqueiro, nº 780.
(*) Vd, poste de 27 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19239: Fotos à procura de...uma legenda (110): O sorriso da bajuda... (Virgílio Teixeira / Cherno Baldé)

4 comentários:

Luís Graça disse...

"A raça é apenas uma mentira": nem de propósito, esta mensagem que recebi do meu amigo José Mário Costa (, o "SENHOR" Ciberdúvidas da Língua Portuguesa), e que faço questão de partilhar com os amigos e camaradas da Guiné, aqui nesta caixa de comentário, reforçando o belo texto do Fernando de Sousa Ribeiro... LG
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José Mário Costa
29 nov 2018 10:06

Oportuno artigo de Paolo Valentino, correspondente do "Corriere della Sera" em Berlim, recentemente traduzido para Português e publicado no novo jornal digital moçambicano www.cartamz.com

https://www.cartamz.com/index.php/sociedade/item/227-a-raca-e-apenas-uma-mentira-mas-sao-muito-os-que-nela-ainda-acreditam


« (...) As raças humanas não existem. Não há nenhuma séria evidência científica na divisão do género humano em diferentes grupos raciais, a partir dos aspectos exteriores como a cor da pele, a estrutura corporal, a língua.

Na realidade, a ideia de raça é uma construção, uma ideologia que surgiu no tempo do Iluminismo e que, durante dois séculos, serviu para justificar a escravatura, a submissão e o saque, utilizando largamente os instrumentos da ciência.

Mas, para além de ser uma ideologia do passado, recusada e desprezada pela narração maioritária das sociedades modernas, o racismo é igualmente uma prática diária que vê milhões de pessoas discriminadas ou serem objecto de violências. (...)»

[Paolo Valentino, correspondente "Corriere della Sera" em Berlim. Artigo do publicado no magazine literário do "Corriere della Sera", "La Lettura", no dia 10 de Junho de 2018.]

Luís Graça disse...

Há muito que tenho combatido aqui o "conceito de raça"... Não há raças guineenses, muito menos raça negra ou raça branca, amarela, vermelha...

Como sociólogo, não gosto da palavra "raça" (aplicada aos seres humanos): é conceptual e semanticamente confusa, quiçá perigosa, e no passado foi usada para fazer muita coisa monstruosa, o esclavagismo, o colonialismo, o "apartheid"...

Havendo só uma espécie humana ("Homo Sapiens Sapiens"), o conceito de raça não é válido, do ponto de vista da antropologia, da biologia, etc.

Há um só genótipo humano, com diferentes fenótipos (pequenas diferenças, resultantes da adaptação da nossa espécie a diferentes ambientes: v.g., textura do cabelo, cor da pele, formato dos olhos...).

Chamamos também raça, indevidamente, ao grupo etnolinguístico (v.g., raça cigana).

Fernando de Sousa Ribeiro disse...

Caro Luis Graça, continuas a surpreender-me. Não esperava que o meu comentário se tornasse tema para um novo post. Pelos vistos, tenho que me ir habituando. Mas vamos por partes.

1 - Subscrevo por completo as tuas considerações a respeito da noção de raça. Onde é que eu assino?

2 - A moça que se vê no vídeo aos 6 minutos e 6 segundos é uma Muíla que parece estar a morder a ponta de um pau, ou então a palitar os dentes, mas não está. Está a limpá-los. Julgo ter lido, não sei onde, que na Guiné também se limpam os dentes desta maneira. Estarei errado? Em vez de lavarem os dentes com uma escova e pasta dentífrica, os angolanos do mato e muitos da cidade limpam-nos com um pau. Mas não pode ser um pau qualquer; em Angola usa-se um pau de junco, que é uma planta que cresce nas margens dos rios, lagos e pântanos. Depois de terem comido ou de terem apenas levado qualquer tipo de alimento à boca, os angolanos procedem sempre - mas sempre! - à limpeza meticulosa dos seus dentes, esfregando-os com a ponta de um pau. Com o uso, o pau desgasta-se e acaba por ficar com uma espécie de cerdas muito finas e sedosas na ponta, como as de um fino pincel, com um a dois milímetros de comprimento. O resultado desta operação de limpeza é espetacular. Ficam com uma dentição perfeita e imaculadamente branca, verdadeiramente invejável. Todos os angolanos do mato e muitos da cidade andam sempre com um pauzinho de junco no bolso, para limparem os seus dentes sempre que comerem qualquer coisa.

3 - A respeito de dentes, observam-se no vídeo diversas imagens de pessoas que parecem ter uma espécie de falha nos seus incisivos superiores, ou mesmo a total ausência destes dentes. É de propósito. Os membros das etnias do sudoeste angolano procedem frequentemente à limagem em diagonal dos incisivos superiores, de modo a que estes apresentem uma fenda em forma de V invertido, ou então procedem à extração pura e simples destes dentes. É o caso, por exemplo, do homem Mucubal que se vê aos 3 minutos e 44 segundos. Não se trata de uma marca tribal, mas sim regional, partilhada por muitos membros das etnias que vivem no sudoeste de Angola. Mesmo os Bosquímanos, que não são Bantus, podem ter os dentes limados, como é o caso da Bosquímana da direita que se vê aos 7 minutos. Quando perguntei a razão para tão dolorosa prática, as únicas respostas que obtive foram «Porque é bonito» e «Porque é tradição».

4 - Julgo que a tua preocupação a respeito do futuro do povo Himba não se aplica a Angola, mas apenas à Namíbia. Fui visitar a página que recomendaste, do site "Viajar entre viagens", e nela li que o nomadismo foi proibido. Ora a página refere-se à Namíbia. Tanto quanto é do meu conhecimento, nunca uma tal proibição foi decretada em Angola, nem vejo como tal seria possível. Muitas dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares de pessoas praticam o nomadismo em Angola, pastoreando as suas manadas de gado, entre as quais se contam etnias com grandes tradições guerreiras, nomeadamente os Mucubais, que vivem na província do Namibe (antigo distrito de Moçâmedes), e os Cuanhamas, que vivem na província do Cunene e são vizinhos dos Himbas. Quanto aos Cuanhamas, basta pegar num qualquer livro de História de Portugal para se tomar conhecimento da tenaz resistência que este povo opôs à colonização portuguesa. Os Cuanhamas só foram vencidos há cem anos, muito aproximadamente, tendo sido o último povo a ser colonizado de entre todos os fizeram parte do Império Português! Os Mucubais também são famosos pela sua valentia, chegando a enfrentar leões, armados apenas de lanças! Se o governo angolano os proibisse de andar de um lado para o outro com o seu gado, iria ter guerra pela certa. Além do mais, o gado tem um enorme valor comercial, servindo para abastecer as cidades de carne.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro, antigo alferes miliciano da C.Caç. 3535, do B.Caç. 3880, Angola 1972-74

Luís Graça disse...

Fernando, obrigado por esta partilha de conhecimento (e de afeto). Eu de Angola, conheço pouco, só Luanda e pouco mais. Mas tenho lá amigos, angolanos e portugueses, que muito prezo. E vou lá em trabalho desde 2003...

Temos aqui na Tabanca Grande mais "angolanos" como tu... Estás à vontade para comentar tudo o que achares de interesse para os nossos leitores... Vou recuperar o teu comentário o poilão...

Ab, Luís