quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20321: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (15): Mudança para Quinhamel

1. Em mensagem do dia 24 de Julho de 2019, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) fala-nos do "Reguila", o 1.º Cabo Cordeiro do 3. Pelotão da 2520.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

MUDANÇA PARA QUINHAMEL

Doze meses são passados sobre a permanência da CART 2520 no Xime. É chegada a hora da abalada para Quinhamel.

Enquanto a CART 2520 esteve sediada no Xime, houve dois pelotões que estiveram fora da zona operacional da Companhia; o 3.º pelotão fez o treino operacional em Mansambo e o 4.º pelotão actuou em Galomaro por cerca de quatro meses.

O destacamento da Ponte do Udunduma, localizado entre o Xime e Bambadinca também esteve à guarda da CART 2520, bem como o destacamento do Enxalé, situado na margem direita do Geba a cerca de dois quilómetros do Xime. As tabancas de Amedalai, Taibatá e Dembataco que estavam em auto-defesa também tiveram a protecção da CART 2520.

Foi um ano de grande actividade operacional para CART 2520 com um sem número de operações militares no mato, de montagem de emboscadas e de patrulhamentos ao longo dos diversos trilhos e picadas existentes na zona. Foram montadas dezenas de seguranças aos barcos que navegavam pelo rio Geba e um elevado número de colunas do Xime a Bambadinca e também algumas deslocações a Bafatá para a compra de mantimentos, nomeadamente algum gado vacum. Estas deslocações a Bafatá também serviam para descontrair e aliviar algumas tensões acumuladas. A estrada entre Bambadinca a Bafatá já era alcatroada.

Assim que souberam que a mudança ia acontecer, os "músicos" da Companhia fizeram uma canção dedicada a Quinhamel baseada numa música do Duo Ouro Negro e que versava ou rimava mais ou menos assim:

Dizem que vou pra Quinhamel
Uma praia bonita pra me banhar
Pra Quinhamel pra Quinhamel
Pra Quinhamel eu vou lá ficar

Pra Quinhamel pra Quinhamel
Pra Quinhamel eu vou lá ficar
E à noitinha quando o sol se pôr
Do Pelicano ou do Grande Hotel eu vou voltar

 Preparando a recepção aos periquitos

Rio Geba - Adeus Xime

Mas, quando chegados a Quinhamel os operacionais foram apanhados por algumas surpresas. Os pelotões seriam dispersos por vários destacamentos; Biombo, Ilondé, Ome e Safim. Só um pelotão e mais alguns atiradores é que tiveram o privilégio de permanecer o tempo restante da comissão em Quinhamel, além dos elementos da chamada Formação, condutores, mecânicos e outras especialidades.

Safim coube ao 3.º pelotão e lá vamos nós, nem tivemos tempo de saborear o belo clima e a praia de Quinhamel. Chegados a Safim ainda havia outra surpresa, um pequeno destacamento que dava pelo nome de João Landim situado na margem esquerda do rio Mansoa. O comando deste sub-destacamento era feito por um furriel, a nível de secção.
Mal tínhamos postos os pés em Safim e sabendo da necessidade de avançar com uma secção para outro destino, o alferes Marques diz-me:
- Nascimento, vais tu - depositando em mim a sua confiança.
- Só vou com voluntários - respondi-lhe.

De seguida perguntei quem queria ir comigo para o desconhecido. Avançaram os elementos necessários, pouco depois estávamos a caminho.

E assim eis-nos chegados a João Landim à beira do Rio Mansoa plantado.

 João Landim depois de uma tempestade - Junho/Julho de 1970

 João Landim - Jangada no Rio Mansoa - Foto obtida em plena noite com o flash de um relâmpago

João Landim - Junho/Julho de 1970 - Visto do Rio Mansoa

Era composto por um barracão onde nós militares do 3.º pelotão da CART 2520 havíamos de permanecer e por um outro barracão onde "moravam" os militares da Engenharia e da Marinha, responsáveis pela manobra e cambança das duas jangadas que operavam entre margens do Mansoa, para o transporte de viaturas militares e civis, bem como de população.

Aqui permaneci nos meses de Junho e Julho de 1970. Ao escurecer era posto a funcionar um pequeno gerador que nos iluminava durante a noite, mas o seu barulho era de tal forma infernal, que passado quase meio século, parece que ainda ouço o seu roncar dentro da minha cabeça.
A casa de banho era composta por uma estrutura de madeira, com um ou dois bidons no seu cimo, que diariamente os elementos vindos de Safim os abasteciam de água potável, também nos traziam as nossas refeições, que para não variar quase sempre chegavam fora do horário que seria normal para o almoço ou para o jantar. Para as necessidades fisiológicas, existia uma pequena estrutura de madeira já meio apodrecida. Quando a maré do Mansoa subia, as águas do rio exerciam as funções de estação de tratamentos. Curiosamente, a algumas dezenas de quilómetros da foz, a água aqui era salgada, que quando a maré enchia, quase nos entrava pelo barracão adentro.

Apesar das enormes dificuldades foi um aliviar de tensões e uma fuga ao perigo constante que representou a nossa estada no Xime. A noite é que era passada com alguma apreensão devido às precárias condições e ao reduzido número de militares para fazermos a nossa própria segurança.
Durante o dia controlávamos as viaturas, tanto civis como militares, que atravessavam de uma margem para outra do rio, fazendo o registo em folhas de papel próprias.
A permanência em João Landim também permitiu que algumas vezes embarcasse no "machimbombo" que vinha de Teixeira Pinto ou de Bula com destino a Bissau. Aproveitava para ter um almoço diferente do que era habitual (bianda com bianda) e para fazer umas compras de pequenas recordações que traria até à Metrópole quando em Agosto de 1970 vim abraçar os meus familiares. Terminava a minha pequena aventura em João Landim, para lá não voltaria mais.

Em João Landim recordo um pequeno episódio, quando o militar que estava de controle chegou ao pé de mim e me disse que havia um nativo que ia para Bissau e não tinha documento de transporte de alguns produtos hortícolas que levava para venda e me perguntou o que havia de fazer. Eu respondi-lhe para o deixar seguir. Passados alguns minutos, para surpresa minha apareceu-me o militar com um ananás como gratidão, oferecido pelo nativo. Soube a pouco.

Para todos os camaradas da Tabanca Grande aqui vai um grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20020: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (14): "O Reguila"

8 comentários:

Valdemar Silva disse...

Nascimento.
Quer dizer que o meu grande amigo Renato Monteiro também andou por lá.
Por curiosidade, consegues decifrar o que está escrito no barracão da última fotografia. Parece-me uma mensagem interessante.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

José NASCIMENTO disse...

Camarada Valdemar Silva,
Possivelmente o Renato Monteiro terá lá ido, mas ele e o restante do pelotão ficaram um pouco mais atrás, em Safim.

O que consigo ler da última foto é:

Homens de Ferro
Botes de Borracha

D.F.E./A2
Destacamento de Fuzileiros Especiais NA2(?)

Furriel M.L. Dias

Sinais - Vargas- Lagares
Fuz. Esp.

LDM 203

Tenentes Brito e Beijamim (Beijamim assim mesmo)

Guerreiro
Pinto

Um grande abraço

José Nascimento

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Estivemos juntos um ano no setor L1, e até meados de 1970, demos ee levamos porrada no subsetor do Xime... Tão longe e tão perto, a CART 2520 e e CCAÇ 2590/ CCAÇ 12... O que eu hoje não me perdoo, foi ter-me escapado a "presença" do Renato Monteiro, no Xime e no Enxalé, transferido de Piche por ter levado uma porrada de um major, se não me engano, porrada essa que hoje tem de ser vista como um louvor: afinal, ele defendeu os seus homens, os seus "nharros"...

Zé, adorei ler o teu texto, adorei a pequena história do ananás...

Nunca fui para esses lados, Quinhamel, Safim, João Landim... As NT cobriam cada centímetro da superfície do território... Estavam por todo o lado... E esse esforço tornou-se "insano"...

Ainda bem que saíste do inferno do Xime, vai agora fazer 49 anos que apanhamos a maior emboscada de que há memória, na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês, em 26/11/1970, no decurso da Op Abencerragem Candente...

José NASCIMENTO disse...

Caro Luiz
O nosso Renato Monteiro deve ter chegado ao Xime em Setembro ou Outubro de 1969. É de admirar que não se tenham cruzado tanto no Xime como em Bambadinca. Em 1970 é que seria mais difícil, uma vez que depois esteve no Enxalé até final de Maio/70, primeiro no seu próprio pelotão, depois ficou "emprestado" ao pelotão que nos rendeu.

O Monteiro deixou a CART 2520 nos princípios de Setembro de 1970 por motivos de doença.

Luiz, apesar das grandes dificuldades porque passámos na Guiné, há sempre pequenas histórias tão deliciosas quanto esta do ananás.

Um abraço

José Nascimento

Anónimo disse...

Bela história Nascimento,

João Landim conheci bem, fui lá algumas vezes, e numa delas atravessei para o outro lado do rio Mansoa. Estas passagens são de 1968 e 2º semestre de 69.
Eu ia muitas vezes a Bissau, tinha um transporte próprio, motorizada, a dar gás, e como já aqui contei, fartava-me de ir até Safim, comer umas ostras e camarão e depois até Nhacra dar uns mergulhos na piscina do Quartel.

Dada a minha natural loucura, muitas vezes ia apenas sozinho, não tinha quem me acompanhasse, seja qual for a razão.
Daqui nasceu a minha obsessão mórbida, de querer chegar sozinho até Mansaba, passando ainda por Mansoa. Tentei e ainda andei muitos quilómetros na direcção de Mansoa, mas barraram-me o caminho, informando que não podia passar por ali daquela forma ortodoxa...Tive de voltar para trás, com muito desgosto e talvez alguma sorte.
Tenho ainda algumas imagens de João Landim, a sua jangada e aquela espécie de quartel, eu até nem sabia que era um aquartelamento. Tenho fotos, do lado esquerdo no cais de JL, outras dentro da Jangada, e outra a sair do outro lado, que não me lembro o nome.

Fui a Quinhamel comprar Ostras era lá o seu viveiro natural de abastecimento a Bissau.
Depois voltei lá numa das minhas viagens de saudade e negócios, comprar novamente um saco de batatas cheio de ostras, que deram para um grupo num dia de domingo do ano de 1985.

Também estive no Biombo, não sei a que propósito, só de passagem, acho eu, poucas ideias tenho para contar.

Fazia tudo isto porque tinha transporte próprio, e gostava da aventura, dada a minha especialidade de alf mil chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933 - Nova Lamego - S. Domingos.
Por isso diz as viagens por estrada em colunas, de Bambadinca-Bafata-Nova Lamego-Piche
Antes fiz as colunas fluviais de Bissau até Bambadinca e regresso, passando ao largo do XIME e outros aquartelamentos que eu nem sabia o seu nome, como Jabada, etc.

Afinal estavamos todos uns ao lado dos outros, as distancias eram grandes por causa das condições naturais daquele terreno, tão belo e tão mortal.

Virgilio Teixeira



Esta zona de Safim

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, cheira-me que a letra e a música são estas... Além disso, "Sylvieeeee" e "Ximiiiii" rimavam.... Mais uma "pérola" para o nosso Cancioneiro da Nossa Guerra.

Duo Ouro Negro "Au revoir Sylvie" [1966?]...
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https://www.youtube.com/watch?v=9AfvkQkNDeY

Setembro chegou,
Vamo-nos separar,
O verão terminou
Diremos "au revoir".
Ela vai p'ra Paris
E eu vou ficar;
Vou ficar infeliz
E Sylvie vou lembrar!

Sylvie, Silvye, Sylvie, oh! mon amour!
Sylvie, Sylvie, Sylvie! Au revoir Sylvie
Sylvie! Sylvie! Sylvie! Oh! Mon Amour!!!
Oh! Sylvie, Oh! Sylvie! Oh! Sylvie,
Au revoir Sylvie

Na praia deserta,
Nem o sol sorri
E a solidão
Me fala de ti.
O meu violão
Também se calou
Dissemos adeus
E tudo acabou!

Sylvie, Sylvie, Sylvie, oh! mon amour!
Sylvie, Sylvie! Sylvie! Au revoir Sylvie
Sylvie! Sylvie! Sylvie! Oh! Mon Amour!!!
Sylvie! Sylvie!! Sylvie! Au revoir Sylvie

Sylvie! Sylvie! Sylvie! Oh! Mon Amour!!!
Sylvie! Sylvie!! Sylvie! Au revoir Sylvie

Sylvie! Sylvie! Sylvie!

Anónimo disse...

Sylvie! Sylvie! Sylvie! Oh! Mon Amour!!!
Sylvie! Sylvie!! Sylvie! Au revoir Sylvie

Uma grande canção dos meus risonhos anos 60... antes de ir marchar!

Belos tempos

Virgílio Teixeira



José NASCIMENTO disse...

Camarada Virgílio Teixeira,

Tenho imensas saudades das belas ostras do Biombo, permaneci lá um pouco mais de seis meses como comandante do pequeno destacamento. Os civis com restaurantes em Bissau iam lá se abastecer de tão deliciosa mercadoria.

Recordo que uma vez os tipos não apareceram para comprar as ostras aos indígenas e eu aproveitei a ocasião e com 40 "pesos" dei uma barrigada de ostras a todo o pessoal do destacamento.

Um grande abraço

José Nascimento