Capa do livro "Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes",de José Saúde. Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp. (*)Para encomendas com oferta de 10% de desconto sobre o PVP + portes de envio para Portugal: encomendas@edi-colibri.pt
O escritor e jornalista José Saúde, ex-fur mil op esp, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), é membro da nossa Tabanca Grande, tendo mais de 210 referências no nosso blogue, Natural de Aldeia Nova de São Bento, vive em Beja. Prefácio de David Monge da Silva que aqui reproduzimos com a devida vénia (**).
por David Monge da Silva
Quando o Zé Saúde me convidou para prefaciar esta obra aceitei imediatamente e sem qualquer hesitação. Temos, na infância e adolescência, um passado comum na nossa aldeia, e uma posterior ligação ao desporto, ele como praticante de futebol e depois como jornalista e escritor, e eu como profissional da educação física e do desporto. Mas aquilo que mais nos liga é o amor à nossa terra, à nossa aldeia, e o orgulho que sempre mostrámos quando dizemos que somos de Aldeia Nova de São Bento.
Apesar de estarmos fisicamente afastados contactamos muitas vezes usando as novas tecnologias. O tema de que habitualmente falamos é a nossa terra, os seus costumes e as suas gentes. Partilhamos alguma informação, sobretudo fotografias e documentos antigos, que tenho vindo a coletar e a publicar nas redes sociais. Aprendemos um com o outro somando memórias e linhas de investigação.
Ao ler as suas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudarem a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.
O Zé tem uma escrita muito própria que o identifica de imediato. Ao descrever um facto ou um personagem utiliza muitos adjetivos portadores de sentimentos e emoções, que imediatamente despertam a minha sensibilidade adormecida.
Quando o leio surge em mim um inevitável sorriso de alegria e felicidade, volto a ser quem fui, os meus familiares e amigos voltam a acompanhar-me na escola, nas coletividades, nas brincadeiras de rua, nas súcias e nas futeboladas intermináveis. Estou a escrever estas simples linhas e estou a sorrir.
Quando volto à minha e nossa terra natal, o que cada vez é menos frequente, fico sempre triste, não consigo encontrar a aldeia da minha infância. A casa onde nasci está fria e abandonada, os meus amigos emigraram para a periferia de Lisboa ou para o estrangeiro. Todos partiram levando consigo o ambiente onde cresci e fui feliz.
Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.
O que explica, muito sumariamente, a minha aldeia e, por extensão, todo o Baixo Alentejo é a enorme emigração, a perda continuada de população. É uma região cada mais deserta, cada vez mais envelhecida, cada vez mais esquecida.
Mas nem sempre foi assim.
Se olharmos para os dados disponíveis nos recenseamentos da população entre 1747 e 2011, encontramos longos períodos de aumento populacional e de posterior diminuição.
Tentemos compreender o fenómeno olhando rapidamente para esses números.
Da observação destes dados podemos destacar os seguintes pontos:
- Foi em 1950 que Aldeia Nova atingiu o maior número de habitantes (8842). No último recenseamento, em 2011, tinha apenas 3072, o que significa uma redução populacional de 65%.
- É preciso recuar mais de 140 anos para encontrar, em 1878, um número inferior (2839)
- De 1747 a 1950 verificou-se um continuo e gradual crescimento com uma nítida aceleração a partir de 1900/1910, data em que as glebas da Serra de Serpa foram distribuídas pela população de Aldeia Nova. Esta desintegração do maior baldio do país, com cerca de 40.000 hectares, iniciou-se em1906, mas a população de ANSB protestou, como já o havia feito em 1755, por não concordar com a metodologia seguida pela Câmara de Serpa, o que atrasou o processo. Estas sortes, como o povo lhe chamava, tinham 16 hectares e foi algo de muito positivo o que permitiu e suportou um rápido aumento da população. Houve um grande incremento da cultura cerealífera, principalmente do trigo, o que deu trabalho a muita gente, sobretudo na monda e na ceifa. Contudo, a pobreza dos terrenos e a sua continuada exploração levou a um rápido esgotamento dos solos e ao seu progressivo abandono. Muitos possuidores de glebas viram-se obrigados a vende-las aos grandes proprietários que acabaram por ser os maiores beneficiários. Os montes abandonados espelham esta triste realidade. A progressiva mecanização da agricultura reduziu a oferta de trabalho. Só lhes restava partir.
- De 1950 até aos dias de hoje verificou-se uma contínua perda de população com os valores mais altos de decréscimo nas décadas de 50 (menos 1164 habitantes) e de 60 (menos 2450). Em apenas 20 anos houve uma diminuição populacional de 40,8%.
Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.
Como exemplo, verificámos que actualmente há somente 40 rapazes a frequentar os quatro anos do 1º ciclo do ensino obrigatório, sendo apenas dez no primeiro ano. Nos pretéritos anos 50, no meu 1º ano, com a excelente professora D. Ermelinda Calvinho Grilo, éramos 52 rapazes, as meninas tinham uma outra professora, já que não havia ensino misto. Houve, comparando aqueles números do 1º ano, um decréscimo de 80%, muito superior ao decréscimo total da população que no mesmo período é de 65%, o que mostra o envelhecimento dos actuais residentes. Não se vêem rapazes a brincar nas ruas, o que nos anos 50 era uma exuberante realidade.
Destes 52 saudosos colegas só um ou dois permaneceram na aldeia. Todos os outros partiram e constituíram família longe do seu berço natal, tal como eu e o Zé. Alguns não tiveram tempo de o fazer, morreram na guerra colonial.
As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós.
Este livro é serviço público.
David Monge da SilvaNota final - Para além das razões que, muito brevemente, apresentámos para explicar a fuga dos nossos conterrâneos, há muitas outras de natureza sócio política que conduziram a uma sobre exploração da classe trabalhadora e a uma enorme degradação da sua qualidade de vida.
Como não cabe num simples prefácio a análise desse problema proponho a leitura deste poema em que pretendo mostrar o percurso de vida do trabalhador alentejano e as razões que o levaram à emigração.
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(*) Vd. poste de:
25 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22844: Agenda cultural (794): General Manuel Monge na apresentação do meu último livro (José Saúde)
5 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22783: Agenda cultural (793): Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes, 10º livro do José Saúde: sessão de lançamento, 11/12/2021, 15h00, Vila Nova de São Bento. Apresentação do prof David Monge da Silva.
2 comentários:
Está aqui, em quadras populares perfeitas, com refrão, a história de vida de um "ganhão"...Durante séculos, e não apenas décadas, este história foi replicada por milhares e milhares de seres humanos que viveram, trabalharam, penaram, amaram, morreram no Alentejo... E muitos demandaram outras paragens para escapar da "servidão"... E o "cante", a taberna e a solidariedade minoraram o seu sofrimento... Gostava de ouvir estes versos cantados pelo Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento.
Parabéns ao David Monge da Silva (nascido em 1947, no mesmo ano que eu) pelo prefácio e pelo versos. Claro que o abraço inclui o nosso Zé Saúde.
Li estes versos e recordei o meu Pai,alentejano do Escoural.Alguns refletem um pouco da sua vida.
A recordação que nos leva á Memória já um pouco "enferrujada" e que se traduz em Cultura, neste Blog, é uma das razões porque nele navego todos os dias desde que o descobri.
João Rodrigues Lobo
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