sábado, 18 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal


Raúl Folques, com o posto de major foi o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos, antes do 25 de Abril de 1974, mais exactamente entre 28 de Julho de 1973 e 30 de Abril de 1974, tendo sido antecedido pelo major Almeida Bruno (2 de Novembro de 1972 a 27 de Julho de 1973), e imediatamente seguido pelo Cap Matos Gomes (1 de Maio a 12 de Junho de 1974). Os dois aparecem aqui na foto, à esquerda, o Matos Gomes, e à direita o Folques.

Foto editada, extraída de Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p., 240 (com a devida vénia...)

Estes três oficiais, juntamente com o cap paraquedista António Ramos, foram os únicos europeus a participar, com os militares do Batalhão de Comandos Africanos, e o Grupo do Marcelino da Mata, na célebre Op Ametista Real, de assalto à base do PAIGC em Cumbamori, no Senegal, em 19 de Maio de 1973, e cujo sucesso permitiu aliviar a pressão sobre Guidaje. Nessa dramática operação, o major Folques foi ferido. Os números oficiosos apontam para 9 mortes, 11 feridos graves e 23 ligeiros, entre as nossas força.




Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten gen 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O Amadu Jaló tem onze páginas (pp. 248-258), no seu livro "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010), de grande intensidade dramática, sobre a Op Ametista Real, e nomeadamente sobre a retirada dos comandos africanos até Guidaje e depois até Bigene, com o Raul Folques ferido e amparado pelos seus soldados.



1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G... Daqui a  um ano, em 2023, a "batalha dos 3 G" vai fazer meio centenário...

Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ?  Não, ainda há muito coisa para dizer, ler, ouvir e aprender, sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973... Dias que não se podem resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas).

Nestes dia que correm de fim de primavera, em que passam 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), pareceu-nos oportuno repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informção de sinpose dos aconteimentos.

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra! sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA (2015) sobre estes acontecimentos (*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas >

 2. 2. Operação Ametista Real - 17 a 21Mai73


(...) A partir da segunda semana de Maio de 1973 a situação na área de Guidaje foi-se agravando, quer pelas flagelações inimigas ao aquartelamento, quer pelos ataques lN às colunas de reabastecimentos vindas de Farim.

Houve a notícia de movimentações de tropas do PAIGC junto à fronteiran com a República do Senegal e existiram dificuldades em evacuar os feridos em combate devido às limitações de emprego dos meios aéreos.

Estes factos levaram o Cmdt-Chefe a decidir avançar com uma operação de grande alcance para conter as forças do PAIGC que atacavam Guidaje e abrandar a tensão sobre este aquartelamento a fim de possibilitar o reabastecimento da guarnição militar e a evacuação dos feridos.

A missão de executar a operação foi atribuída ao Batalhão de Comandos da Guiné.

Transcreve-se o relatório da operação elaborado pelo Cmdt do BCmds em 25Mai73. Estão omitidos os Anexos A, B, C e D.

Relatório da Operação "Ametista Real"

Realizada de 17 a 21Mai73 na Região de Guidaje - Bigene - Binta. Referência: Folhas da Carta de Guiné: Guidaje - Bigene - Binta. Escala 1/50.000

1 - Situação

a. Forças Inimigas

- O mencionado na ordem de Operações "Ametista Real"

b. Forças Amigas

- COP 3 Bigene; Guidage. | COP 2 Binta | BA 12 6 aviões "G-91", alerta em Bissau.

2 -Missão

Aniquilar ou, no mínimo desarticular os elementos ln na região compreendida ntre Guidaje e Bigene.

3 - Forças Executadas

a. Comando: Cmdt/Oper - Maj Cav, "Comando" João de Almeida Bruno.

b. Composição e Articulação de Forças

- Agr Centauro (3ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Inf"Comando" Raul Folques.

- Agr Bombox (2ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Cav "Comando" Matos Gomes.

- Agr Romeu (1ª CCmds a 6 Gr Cmds + 1 Gr COE) | Comandante Cap Para António Ramos.

c. Meios:  13 CCmds; 2ª CCmds; 3ª CCmds; 1 Gr COE; 4 helis ALL III - TEVS; 2 helis ALL III - armados; 6 aviões G-91 - ATIP e ATAP (alerta em Bissau); 4 aviões DO-27 - DCON.

d. Alterações à Orgânica Regulamentar - Nada.

4 - Planos estabelecidos para a Acção

Foram estabelecidos contactos pessoais com a REPOPER, REPINFO, COAT/BA 12 CMDDEFMAR.

5 - Desenrolar da Acção

Dia 17Mai73:  18h00- Saída de Bissau para Bigene em LDG.

Dia 18Mai73: 23H50 - Saída de Bigene para a base de ataque.

Dia 19Mai73

06h20 - Chegada à base de ataque.

08h20 - Início do bombardeamento da FAP e exploração da zona de objectivos.

09h05 - Estabelecido o primeiro contacto com o lN.

14h10 - Estabelecido o último contacto com o lN. ln estimado em 500/600 elementos armados, com apoio de mort 82 mm, canhões s/recuo e foguetões.

14h30 - Início da progressão para a base de recolha.

18h20 - Chegada a Guidaje.

Dia 20Mai73

08h30 - Saída para Binta.

19h30 - Chegada a Binta.

Dia 21Mai73

07h30 - Saída de Binta para Bissau.

16h00- Chegada a Bissau.

6 - Resultados obtidos

(1) Obtidos pelas NT sobre o lN

a. Baixas causadas ao ln

- Mortos (confirmados) 67.

- A FAP deve ter provocado com os seus bombardeamentos elevadas baixas ao lN que se estimam, dado o facto de o último bigrupo lN referenciado ser de efectivo de cerca de 150 elementos, entre 100 a 150 elementos.

b. Material destruído e capturado:

Material destruído

- Depósito de Material 16

- Paiois (bombardeados pela FAP) 6

- Mort AA (bombardeados pela FAP) 2

- Munições de armas ligeiras 50 mil

- Esp aut Kalashnikov 300

- Pist metr PPSH 112

- Gra mão 560

-Minas A/C  505

- Minas A/P  400

- Metr Lig  Degtyarev 100

- Mort 82 mm 11

- Canhão s/r  14

- LGFog RPG-7 138

- LGFog RPG-2 450

- Gran Canhão s/r  1.100

- Gran mort 60 mm 225

- Gran mort 82 mm 406

- Gran LGFog  RPG-7 54

- Rampas de foguetões 122 mm 21

- Foguetões de 122 mm 53

Estes números são estimados, embora tenha havido o cuidado de, tanto quanto possível, contar o material destruído.

Os paióis destruídos pelos bombardeamentos da FAP devem triplicar o material destruído mas não é possível estimar nem o seu volume nem a sua natureza, embora se pense que seriam na sua grande maioria munições de morteiro e de canhão s/r, dados os violentos rebentamentos que provocaram.

c. Material capturado

- Anexo B

d. Documentos

- Nada

e. Objectivos lN destruídos

A FAP e as FT devem ter destruído quase na totalidade a organização militar lN sediada na Zona. No entanto julga-se que o lN ainda ficou com algumas instalações que não poderam ser
referenciados na altura.

(2) Baixas causadas às NT pelo lN

a. Pessoal

- Anexo C

b. Material

- Anexo A

(3) Baixas sofridas pelas NT por outras causas.

a. Pessoal

- Nada.

b. Material

- Anexo A

(4) Munições consumidas

- Anexo A

7 - Serviços

- Ração de reserva para 4 dias | Água para 4 dias.

8 - Apoios

O COATIBA 12 apoiou a Operação em ATAP e ATIP com aviões G-91

9 - Ensinamentos colhidos

a. Referentes ao lN

- Revelou-se muito forte e organizado, defendendo a todo o custo as suas posições.

- Além de enquadramento cubano (?), foram referenciados 4 elementos da Mauritânia (3 mortos e 1 ferido que veio a morrer posteriormente).

b. Referentes às NT

- Necessidade de armas de apoio (mort 81 mm e canh s/r  5,7 cm).

10 - Diversos

a. Citações

- Anexo D.

ANEXOS

A - Mat das NT extraviado, danificado e consumido.

B - Mat capturado ao lN.

C - Baixas sofridas pelas NT.

D - Citações [... ]"

Execução"

"As forças do batalhão de comandos saíram em 17 de Maio de Bissau numa LDG, apoiadas por duas LFG, e desembarcaram em Ganturé nessa tarde. 

Depois de briefing em Bigene, saíram pelas 23h50 para norte, pela seguinte ordem: agrupamentos Bombox, Centauro e Romeu.

Pelas 05h30 de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou o itinerário que apoiava a base de Cumbamori, objectivo principal da operação. O agrupamento Bombox passou para norte da estrada, o agrupamento Centauro ocupou posições a sul e o agrupamento Romeu instalou-se à retaguarda, numa pequena povoação.

Às 08h20 iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91, que destruíram os paióis da base, tendo as munições explodido durante algum tempo.

Às 09h05, o Agrupamento Bombox executou o assalto inicial, provocando o primeiro contacto com as forças do PAIGC. Estes combates desenrolaram-se até às 14h10, quando o comandante da operação deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as suas forças e as do PAIGC.

Foi uma operação de grande dificuldade, porque os combatentes de um e de outro lado se encontravam muito próximos. O comandante do Agrupamento Centauro  [Raul Folques]
 ferido, mas conseguiu realizar essa separação [... ]. 

Às 14h30 o batalhão de comandos iniciou o movimento para a base de recolha e às 18h20 os seus primeiros elementos chegaram a Guidaje. 

Em 20 de Maio, o mesmo batalhão saiu de Guidaje para Binta, a pé, deixando ali os seus feridos e os militares que não se encontravam em condições de prosseguir a marcha. Em Binta, embarcou numa LDG de regresso a Bissau".

[Nota: Aniceto e Gomes, Carlos de Matos, "Guerra Colonial" ... pp. 506-507. ]

(Continua)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 313/319. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

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4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Amadu Bailo Djaló, no seu livro de memórias, identifica 9 camaradas, do BCmds Africanos, mortos em combate no decurso da Op Ametista Real, no assalto à base de Cumbamori, em 19 de maio de 1973: 7 soldados e 2 alferes graduados, dois da 1ª CCmds, um da 2ª CCmds e os restantes seis da 3ª CCmds (Fonte: Amadu Bailo Djaló - "Comando, Guineense, Português". Lisboa, Associação dos Comandos, 2010, pág. 293).

Valdemar Silva disse...

Provavelmente, sem os soldados africanos do Batalhão dos Comandos da Guiné a Op. Ametista Real não se tinha realizado.
O nome dos soldados africanos mortos nesta operação estão no Memorial em Belém.

Nada mais foi feito para eles.


Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, além dos 9 (ou 10 mortos, segundo outras versões que já), houve mais de duas dezenas de feridos graves e muitos mais feridos ligeiros...

Vou ver se recupero essas páginas dramáticas que o Amadu Jaló escreveu,com a ajuda do Virgínio Briote (que lhe foi, diga-se de passagem, de uma dedicação incrível até à sua morte, e ainda deve ter em seu poder algumas dezenas de páginas, inéditas, do II volume, que o Amadu já cão conseguiu acabar, por causa da sua doença e morte prematura; nelas narra as suas peripécias, de refugiado no Senegal, depois da sua desmobilização, na sequência da extinção do BCmds Africanos)...

Virgínio, é uma pena que esse esboço do Volume II das memórias do Amadu, fique algures na gaveta do esquecimento... LG

José Botelho Colaço disse...

O amigo Vírginio Briote homem culto e com conhecimentos não deixará morrer esse esboço volume II do Amadu Jaló na gaveta (nem que seja publicado atravéz do blogue Luís Graça e camaradas da Guiné).