Chegada a coluna, começamos a marcha até Banjara e paramos em Sare Banda, onde subiram para as viaturas alguns Milícias. Continuamos o avanço, sendo a picagem da praxe até Mansaina feita pela Milícia de Sare Banda. Entre Banjara e Mansaina, a picagem passou a ser executada pelo pelotão aí estacionado.
Chegados a Banjara, comemos uma ração de combate e descansamos ao relento. Às 06h00, depois de tomarmos o café, saímos em direcção a Medina Banjara, passando por Tumania, Bantajá e Belel. Até aqui tudo decorreu normalmente. Paramos junto à bolanha e começamos a atravessá-la, a água era abundante e chagava-nos à cintura.
Passamos a bolanha e desviamo-nos para a esquerda, até Madina Banjara. A vegetação era cada vez mais densa e mais alta. Dois ou três quilómetros à frente, eis que surgem umas palhotas desviadas da picada, construídas no meio da floresta densa.
Como eu ia à frente fiz sinal para o pessoal se dividir e cercar as palhotas. Rápidos, eu e a Milícia, entramos de rompante no acampamento. Um soldado da Milícia grita-me: “Meu furriel aliiiiiiii!”
Já eles nos estavam a alvejar, com tiros na minha direcção. Lancei-me imediatamente para o chão e rebolei para trás da árvore mais próxima. Felizmente, safei-me ileso.
Chegou o nosso capitão e contei-lhe o que passou. Mandou-nos revistar as palhotas, mas apenas encontramos um homem, deficiente dos membros inferiores, que não andava, só rastejava, e era transportado em padiola de tabanca, em tabanca. Já o tínhamos encontrado em Dezembro de 1965, em Sambulacunda e tínhamo-lo deixado em paz, mas desta vez não o deixamos escapar, pois segundo as palvaras de alguns prisioneiros ele era o chefe deste sector do PAIGC.
Resultado do tiroteio: dois elementos do IN abatidos. Reunimos o pessoal e regressamos pelo mesmo itinerário. Quando chegamos à bolanha paramos. O capitão disse ao Alferes Soeiro (comandante do meu pelotão), que íamos sempre atrás, quando na verdade nós andávamos era sempre à frente.
Não me deram justificação alguma, mas pensei: “Em todas as emboscadas que temos tido, o meu pelotão tem andado sempre à frente, sendo a minha secção a “testa de ponte”. Até à data temos tido muita sorte, pois nada nos aconteceu de gravidade, apenas sofremos alguns arranhões de estilhaços de granadas”.
O meu pessoal olhou para mim e perguntou-me: “Porquê?”.
Eu respondi: “Não sei de nada são ordens!”
Passou então para a frente o outro pelotão, que era o do Furriel Vaqueiro, comandado pelo Alferes Almeida e começamos a atravessar a bolanha. Passado pouco tempo ouviram-se três tiros que pareciam de uma espingarda Mauser.Pensei eu então: “Os cabrões dos Milícias estão a brincar, pois só eles é que tinham Mauser’s”.
Pouco tempo depois começamos nós a passar, o outro pelotão já tinha passado todo e montou a segurança, para a nossa passagem. Eu ía à frente e quando saí da água surgiu o Cabo Enfermeiro, muito aflito dizendo: “Temos um soldado nativo morto e um soldado branco ferido - conhecido como Alfama.
Exclamei: “Não pode ser!”.
Mas era verdade. Cheguei-me mais adiante, tomando todas as cautelas e certifiquei-me que era verdade. Informei o capitão do sucedido e ele mandou-me arranjar pessoal, para transportar o morto. Como não era do meu pelotão, não devia ser eu a fazê-lo, mas as ordens eram para cumprir e não discutir, nem o momento era o mais adequado discutir ordens.
Os homens diziam que não eram capazes de levar o corpo, devido ao seu mau estado, já que, o mesmo, estava todo ensanguentado. Uma das balas tinha-lhe acertado na testa. Tive de ser eu então a “acarretar” com as despesas de levar o morto, com dois soldados nativos a ajudaram-me (eu a pegar nas pernas e eles em cada um dos braços).
Os tiros haviam cessado, mas quando recomeçamos a marcha, reiniciaram na minha direcção. Deitei-me no chão e disse aos meus 2 auxiliares, para me deitarem o cadáver em cima das costas, com as pernas viradas para os meus ombros. Assim fizeram. Levantei-me então de repente e toca a andar rapidamente.
Via as balas do IN levantarem poeira no chão, à minha frente. Tombo aqui, tombo ali, mas sem temor, tive que cumprir esta missão sem qualquer colaboração dos meus soldados brancos. Não me ajudaram nada!
Milagrosamente consegui sair ileso daquela perigosa zona e continuei mais umas centenas de metros. Depois de fazer uma pequena subida, mais adiante, o capitão mandou tirar-me o morto das costas. Como era de prever eu estava exausto, pois o calor apertava (eram perto da 13h00).
Bebi uma “Perrier” que costumava levar sempre comigo, mas não foi o suficiente pois sentia-me mal. Ao passar pelo Vaqueiro disse-lhe que estava com sede e ainda faltavam uns quilómetros para chegarmos a Banjara. Então este grande Amigo pegou na sua “Perrier” e ofereceu-ma.
Chegados a Bantajá, arranjou-se uma padiola para melhor transportar o morto e continuamos o caminho de regresso, com passagem por Tumania. Pareceu ouvir-se alguma coisa estranha, mas depois de investigarmos a área nada de anormal de detectamos, pelo menos, aparentemente, estava tudo como dantes.
O Capitão pediu dois ou três voluntários para irem à frente e mandarem uma viatura vir à berma da bolanha carregar o corpo. O único voluntário fui eu, pelo que segui sozinho, durante uns quilómetros, até Banjara.
Tinha andado um quilómetro, ou pouco mais, quando senti passos atrás de mim, mas ao longe. Pensei para comigo: “Vai haver “festa”, não pares.”
Quem vinha atrás de mim acelerava, quando eu acelerava também. Pensei que já era gozo de mais. Voltei-me rapidamente e verifiquei que era o Lamin - guarda-costas do nosso capitão -, isto perto da bolanha, onde já tínhamos sofrido várias emboscadas.
Acenei-lhe com a cabeça, dizendo-lhe que me devia ter avisado, pois como ele era negro, quase disparei sobre ele.
Cheguei à estrada perto do pontão, fiz sinal com a G3 para o quartel ainda distante, e logo uma viatura apareceu. Disse-lhes para irem à bolanha buscar um morto.
Chegamos a Banjara por volta das 16h00 e logo preparamos o regresso. Bebemos umas cervejas para refrescar e comemos uma “bucha”, após o que chegamos a Geba, por volta das 18h00.
Foi assim um dos dias mais triste da minha permanência na Guiné. Foi o único morto que tivemos em combate, depois de termos emboscadas com maior intensidade de fogo, incluindo granadas, e foi a minha última operação para os lados de Banjara.
Como na minha viatura ia uma Secção de Milícia de Sara Ganá, tive de ir lá levá-los. Quando lá chegamos o pessoal da Milícia deu a notícia da morte do nativo e relatou que tinha sido eu transportá-lo às costas. Gerou-se uma euforia doida de gritos: “Furriel… Furriel…”, eu estava de pé em cima da cabine da viatura e a população queria subir para me abarcar.
Eu não percebia o que se estava a passar. Perguntei: “O que é que se está a passar?”
“Não é nada de mal furriel, estão a agradecer-lhe por não deixar lá ficar o morto!”
E assim continuamos até Geba, seguido de um merecido banho, jantar e depois descansar. O cansaço era tanto que não houve pachorra para umas cervejas, nem sequer para um whiskiesinho. Dormir!
Seguiram-se mais uns dias que o IN nos deixou descansar, jogar à bola (que era o único divertimento), ou então ir até ao Rio Geba dar umas “cacholadas” na água e apanhar camarão.
Transcrição do Comandante da Companhia - Capitão de Infantaria José Faceira Teixeira - , em relação a Operação Jóia 1:
“A destacar no segundo contacto com o IN a acção do Furriel Miliciano de Infantaria – FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO porque se comportou de maneira altamente decidida e corajosa quando se encontrava debaixo de fogo, oferecendo-se voluntariamente para transportar o soldado nativo morto, tendo-o feito ainda sob a acção IN, e praticamente sozinho durante distância considerável.
Este seu procedimento obrigou-o a expor-se abertamente ao perigo, mostrando possuir muita serenidade, coragem e presença de espírito, sobrepondo o acto cometido à sua própria vida. É francamente louvável o seu esforço e atitude, símbolos de verdadeira abnegação.”