Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 12 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P6975: In Memoriam (51): Djassió Soncó, mulher do guia Quebá Soncó (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Foi exactamente assim que aconteceu.
A fotografia saltou de um livro, dias depois chegou o Abudu Soncó e deu-me a triste notícia. O terrível de tudo é olharmos para uma fotografia onde somos o sobrevivente e termos saudades daquelas pessoas que confiavam incondicionalmente em nós.
Uma saudade irremediável, a mais pungente de todas.
Um abraço do
Mário
De braço dado com a minha amiga Djassió Soncó
Beja Santos
Está rotundamente enganado todo aquele que pensa que tem os papéis em dia, dossiês organizados para a posteridade, recordações arquivadas porque elucidadas. Vem tudo isto a propósito de duas ferroadas do destino: uma fotografia totalmente esquecida e tão importante para os meus afectos, concomitante com uma notícia desabrida, com mais uma perda.
Naqueles anos em que simulei que a guerra andava num limbo, qualquer resquício da sua presença era metido numa profundeza, o futuro que o desencantasse. Como aconteceu com esta imagem. Saltou desabridamente de um livro, a surpresa deixou-me apatetado, a cismar. Não fosse o leitor levado a supor que disponho de uma memória de elefante, eu diria naturalmente: parece que foi ontem que tirei esta fotografia. Mas não foi, tudo se passou em fins de Maio de 1969, estamos em plena época heróica da reconstrução de Missirá. A máquina fotográfica não é minha é do Pires, ele virá depois a férias, mandou revelar na Fotopax, de Beja, no mês seguinte. A minha máquina fotográfica ardera em Março, nesta altura não tinha dinheiro nem para mandar cantar um cego. Estou de braço dado com Djassió Soncó, mulher de Quebá Soncó, irmão do régulo e nosso guia. No fundo, a morança do régulo Manlã, com um colmo lindíssimo. Ao lado de Quebá, pequenino e gingão, Trilene (soldado milícia que adorava camisas de terylene) fuma e olha, magano, para a câmara. Amanheceu, todos acreditam que vamos directamente para Bambadinca. É mentira, vamos a Mato de Cão, cerca das onze horas irão passar dois batelões e, inopinadamente, partiremos para o Enxalé, em duas viaturas. Djassió ia em pânico, toda a gente temia aquela viagem na estrada abandonada entre Mato de Cão e Enxalé.
Na fotografia estamos de braço dado, Djassió Soncó é uma estimável amiga, feições de grande beleza, um porte quase imperial. É mãe daquele Mamadu Soncó que vai viver para Bambadinca nos últimos tempos da minha comissão, lá para Julho de 1970. Estava convencido que eu o traria para Portugal, sempre me chamou Paizinho. E um Paizinho faz tudo pelos filhos.
Lembro-me de tudo ou de quase tudo. A boa disposição que eu tinha nesse dia, com Missirá a reconstruir-se. Ali está a base onde assenta o pau de bandeia com o distintivo do Pel Caç Nat 52. Vêem-se as trouxas habituais numa viagem, quer à ida quer no regresso.
Depois veio o desacerto do destino. Djassió irá ficar brutalmente sinistrada numa flagelação em Julho. Perderá um braço, uma roquetada trespassou o telhado, a viga mestra cedeu, derrubou-a, decepou-a. Estou a ver, na noite alta, Quebá Soncó a levar esse braço decepado para o enterrar. Parece que Quebá Soncó terá sofrido inúmeros vexames na prisão, em Bafatá, onde morreu, a seguir à independência.
Trilene foi fuzilado por engano, disseram-me que gritava em frente ao pelotão de fuzilamento, desorbitado: “O que é que eu fiz? Por quem me tomam?”.
O pior de tudo estava para vir. Visitei Djassió algumas vezes no bairro Benfica, em 1991, quando trabalhei como cooperante, em Bissau. É exactamente quando Abudu Soncó chega a minha casa (tinha eu descoberto a fotografia há escassos dias), para conferir a lista das visitas que pretendo fazer quando voltar à Guiné e lhe mostro a fotografia da Djassió, sua tia, que fico a saber que ela morreu há pouco tempo.
Não sei se isto é pura casualidade, se eu estou a fantasiar que podia ter sido ontem que eu tirei esta fotografia, que estou feliz de braço dado com esta amiga, tão castigada pela vida. Na fotografia estou feliz segurando o guarda-mão em baquelite da G3. Aquele mundo é meu, pertence-me integralmente, ali respondo pela guerra e pela paz.
Já morreram todos, os que estão a meu lado. São cerca de sete horas da manhã, vejo a sombra de alguém em cima do Unimog 404 que vai seguir ajoujado até ao Enxalé e, no regresso, deixaremos muita gente em Finete.
Olho sem melancolia este tempo tão intensamente vivido, cercado de vítimas da guerra. Sem melancolia mas cheio de saudade, à portuguesa. Por isso me estou a preparar para percorrer por todo o Cuor, em jeito de despedida. Todos os actores da fotografia, afinal, vão partir.
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(*) Vd. poste de 10 de Setembro de 2010 Guiné 63/74 - P6966: Notas de leitura (148): Transição Democrática na Guiné-Bissau, por Johannes Augel e Carlos Cardoso (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série 10 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6965: In Memoriam (50): João Baptista (1938-2010), um camarada, um amigo, um irmão (Octávio do Couto Sousa)
Guiné 63/74 - P6974: Memória dos lugares (99): CART 11 / CCAÇ 11, Os Lacraus, em Paúnca (Abílio Duarte)
Foto: © Abílio Duarte (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Mensagem de Abílio Duarte, recentemente admitido na nossa Tabanca Grande:
Data: 27 de Agosto de 2010 23:04
Assunto: HISTÓRIA DA CART 11 - CTIG
Olá, Luis,
Pelo que tenho acompanhado e lido na nossa Tabanca Grande, a minha Companhia tornou-se, depois do meu regresso, na CCaç 11, tendo tomado o nome de "OS LACRAUS DE PAÚNCA".
Paúnca foi o local onde eu passei praticamente à peluda.
Assim, e para memória futura, junto uma foto do nosso crachá, para que seja anexado ao file da nossa história.
Envio também uma foto minha, no Paunca Pestana Resort & Spa.
Um grande abraço, para ti e para o Renato Monteiro, que pelo que li está bom e recomenda-se.
Abílio Duarte.
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Nota de L.G.:
(*) Último poste desta série > 6 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6942: Memória dos lugares (89): Bolama, a antiga capital colonial, um património em ruínas (Patrício Ribeiro)
Guiné 63/74 - P6973: O Nosso Livro de Visitas (99): Carlos Alberto Dores Nascimento, camarada do CISMI, Tavira (Janeiro de 67 / Dezembro de 69)
Data: 9 de Setembro de 2010 19:07
Assunto: Camaradas do CISMI
Alô, Luis. Sou o Carlos Alberto Dores Nascimento, estive em Tavira (*), de Janeiro de 67 a Dezembro de 69. Especialidade de atirador e por lá fiquei até ao fim como monitor.
Conheci o Robles e o Trotil. O Trotil era Óscar. Conheci-os de alferes a capitães. Também gostava de encontrar alguns companheiros daquele tempo (agora somos avós ) mesmo que tivessem sido "meus" intruendos.
Sei que todos os anos em Outubro fazem lá no quartel um convívio com todos os que passaram por lá. Eu este ano quero ir pois nunca fui. Estou inscrito no Facebook, tenho lá algumas fotos do nosso tempo para ver se há alguém que se identifica. (**)
Bom, um grande abraço.
Carlos Alberto Dores Nascimento
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6934: Memória dos lugares (88): Tavira, Quartel da Atalaia, CISMI (Carlos Cordeiro / Manuel Maia / Pereira da Costa)
(**) Último poste da série > 22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6884: O Nosso Livro de Visitas (98): Joaquim Sabido, ex-Alf Mil da 3.ª CART/BART 6520 (Jemberem e Mansoa, 1973/74)
sábado, 11 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P6972: Patronos e Padroeiros (José Martins) (14): C.T.O.E (Centro de Tropas de Operações Especiais) – Nossa Senhora da Conceição
Memorial aos militares da Unidade (Caçadores Especiais, Comandos e Rangers), falecidos nas campanhas de África - C.T.O.E. © Foto José Félix
A Imaculada Conceição, comemorada em
8 de Dezembro, é invocada como Padroeira de muitas organizações. Foi definida como uma festa universal em 1476 pelo Papa Sisto IV. A Imaculada Conceição foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX em sua bula Ineffabilis Deus em 8 de Dezembro de 1854.Nas instalações onde foi criado, em 16 de Abril de 1960, pelo Decreto 42926, o Centro de Instrução de Operações Especiais [hoje, Centro de Tropas de Operações Especiais], existe a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição.
Sob a sua invocação, foi criada a Irmandade Militar de Nossa Senhora da Conceição que, após a sua investidura de novos membros, dirigem-se à parada onde, durante as homenagens militares prestadas aos militares caídos no Campo da Honra, rezam a Prece dos militares Rangers:
Dai-nos, Senhor, tudo aquilo que nunca Vos é pedido.
Não Vos pedimos o descanso, nem a tranquilidade do corpo, nem tão pouco a do espírito.
Não Vos pedimos riqueza, nem o êxito e as honrarias, nem sequer o reconhecimento dos homens.
De tudo isto, que insistentemente Vos pedem, talvez quase nada já Vos reste.
Dai-nos, pois, ó Deus, o que ninguém quer, o que todos rejeitam:
A insegurança, a incomodidade, a inquietude, a tormenta e o risco. A vereda estreita e agreste que vai até Vós.
Concedei-nos isto, nós Vos suplicamos, definitivamente, porque a fraqueza, fruto do egoísmo humano que em nós existe, talvez nos tire a coragem de o solicitar de novo.
Dai-nos, Senhor, o que Vos sobra, aquilo que ninguém quer, nem sequer Vos pedem mas, dai-nos, ao mesmo tempo, o valor, a vontade, a força e a fé que temperam a alma do soldado na grandeza da sua servidão.
Por ultimo, Vos rogamos, ó Senhor, por aqueles que, de entre nós, em todos os tempos, caíram no campo da Honra e derramaram o seu sangue pela Independência e Liberdade da Pátria.
Nós Vos pedimos, ó Deus dos Exércitos, que, no Vosso Seio, repousem na paz eterna as almas destes bravos.
(Adaptação feita pelo Tenente Coronel António Cor. Feijó, sobre um tema de uma poesia do General Mac Arthur - C.I.O.E. em Lamego, Junho de 1986)
José Marcelino Martins
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6788: Patronos e Padroeiros (José Martins) (13): Avós - Santa Ana e S. Joaquim
Guiné 63/74 - P6971: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (4): Guerra Colonial : dividir para reinar...Quem dividiu quem?
Mas, por curiosidade, se repararmos na história, os povos africanos até aceitam geralmente sem constestação aquelas fronteiras.
Pequenas excepções, que não deixa de ser grave, Cabinda e Casamança, isto entre a lusofonia (em Casamança fala-se o crioulo da Guiné, tal qual).
Mas em extensões de fronteiras tão grandes, é de admirar como os africanos aceitam tantas fronteiras tão erradas. Mas até aceitam razoavelmente a divisão geográfica.
Havia ainda mais uma divisão no caso das ex-colónias portuguesas, que era a questão de cor da pele: Brancos, pretos e mulatos. Outros não tinham esse problema: Ex.: Serra Leoa, Congos Belga e Francês, Uganda, Guiné Conacri, etc. Aqui não havia a divisão da côr da pele. (África do Sul e Zimbabué, com Mandela e Mugabe, são casos diferentes de todos).
Mas as divisões entre as etnias em África tambem implicavam divisões territoriais. Nô tchon, o chão de cada etnia, era respeitado entre elas. Era tão respeitado o território, que tive pessoalmente um caso em Angola, eu novato não sabia "colonizar", ter que recorrer aos colegas mais velhos, alguns angolanos, para resolver o problema que eu julgava simples, mas não era fácil.
Conto em duas linhas: Como já disse tive uma actividade que foi trabalhar em cartografia; tínhamos que percorrer grandes extensões sem estradas durante dias e semanas, para o que tinhamos a nosso serviço carregadores para equipamento e mantimentos (os contratados de que um dia hei-de escrever, sei que muitos não conheceram).
Para mim, o que era tudo sem fronteiras, para os contratados que nunca tinham saído dos domínios da família e da etnia (eram mamhuilas), não era a mesma coisPrecisava ir para a região do deserto de Moçâmedes (etnia mucubal), e negaram-se a ir e o principal receio, terror mesmo, era a feitiçaria de que seriam vítimas.
Claro que para os colegas mais velhos não era surpresa esta reação, e alguns angolanos com alguns anos de casa já tinham argumentos em termos étnicos e psicológicos para desdramatizar a situação.
Posto isto, parece que seria fácil dividirmos, nós, os tugas, e no caso da Guiné, com Spínola à cabeça, toda a população e pô-la contra Amilcar Cabral e o PAIGC.
Mas, em vez de divisão, não teria havido antes uma coesão maior que a divisão? (coesão para a independência).
E Amilcar Cabral e os dirigentes do PAIGC/PAICV, não teriam obtido exatamente o mesmo resultado? A coesão dos guineenses? (coesão para a independência sem os bormejos ).
Dividir para reinar, assim como unir para reinar, é preciso em primeiro lugar saber falar o dialecto das gentes, se alguém se quiser identificar com o povo e ser aceite em pleno pelo povo. E até o próprio Nino Vieira falava através de intérpretes, e já vimos qual foi o fim. Logo para Amílcar e Spínola, (e Luis Cabral) o sucesso seria ainda mais difícil do que para Nino Vieira.
Qual era a parte em conflito mais fácil de dividir? Precisamente aquela cujo "dialecto" era a língua comum de todas as partes, a língua de Camões. Todos falavam, e bem, principalmente os portugueses que militavam e eram dirigentes máximos no PAIGC, no MPLA e FRELIMO. Esses dirigentes não só tinham esse trunfo, como uma cultura simultaneamente, de África, da metrópole e do mundo em geral.
E não precisavam de intérpretes. Portanto a grande divisão deu-se na sociedade portuguesa.
O primeiro capitão recém-chegado a Angola que me comandou, disse-me de caras que estava alí porque nós, os brancos de Angola, tratavamos mal os pretos. Claro que os brancos diziam que os tropas só queriam comissões e câmbios a 20%.
Mas o vendedor de apartamentos do contentor à minha porta, que esteve em Suzana e São Domingos e Canchungo, tambem ficou com má impressão de um comerciante porque lhe negou um copo de água, a ele e aos companheiros após uma patrulha.
Os potenciais angolanos simpatizantes do MPLA, que eu conheci, consideravam-se melhor falantes de português e mais cultos do que a maioria dos beirões, algarvios, etc. Pode haver alguém que duvide desta ideia, mas eu não posso duvidar porque conheci a realidade lá e cá, mesmo quando lá não havia unversidades.
Mais tarde, veio para cá, e para o Brasil, grande parte dessa gente. Nós vimos durante muitos anos muita gente dessa pelas repartições, televisões, universidades e rádios e futebois e até nos governos e deputados e na literatura. Vieram para cá e para o Brasil e EUA e Canadá, precisamente para fugir a uma guerra internacional importada por aqueles três movimentos para aqueles territórios.
Esses movimentos tinham o direito de importar essa guerra? Era só para expulsar o colon, ou tinham medo dos outros movimentos, reais ou imaginários? UNITA, FNLA, FLING e outros que pudessem aparecer, como apareceu mesmo em Moçambique a RENANO? E o próprio MPLA inventou facções imensamente arriscadas?
As divisões entre os movimentos, e entre as etnias, foi menos conseguida pelos militares e governantes coloniais, do que pelos antagonismos naturais africanos, e pelos antagonismos dos apoios que procuravam.
Os militares portugueses estavam tão divididos como a sociedade, que no caso de Angola um Almirante colocou-se ao lado de um Movimento, e um Ten Cor pôs-se ao lado de outro movimento, com armas e homens e política. E esqueceram a protecção de familias portuguesas e luso-angolanas totalmente indefesas. Claro que, como sempre, "para aprender como se ganha uma bandeira", é o povo mais simples que paga.
As divisões na sociedade portuguesa durante a guerra do ultramar podem dar muitos postes. Sem falar nos salazarismo/colonialismo, comunismo/capitalismo, leste/oeste, etc.
A todos os meus cumprimentos,
Antº Rosinha
P.S. - Para publicar se houver oportunidade.
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Nota de L.G.:
Último poste desta série: 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6947: Caderno de notas de um Mais Velho (António Rosinha) (3): Lembrando antigos colegas de trabalho, guineenses que ficaram amigos para a vida
Guiné 63/74 - P6970: Ser solidário (86): Solidariedade no Cachéu (Sousa de Castro)
1. O nosso Camarada Sousa de Castro, que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos, em 9 de Setembro de 2010, uma mensagem solidária:
O Rotary Clube de Viana do Castelo acaba de cumprir mais uma etapa da missão que está a desenvolver na Guiné-bissau. Depois de ter sido contemplado com um subsídio de 321 mil dólares da Fundação Rotary Internacional, a missão vianense foi até à localidade de Cachéu onde foram apetrechadas salas de aula, uma maternidade e um centro de saúde e lançada uma rede de distribuição de água potável a toda a localidade, como explica um dos responsáveis desta missão, José Luís Carvalhido da Ponte.
José Luís Carvalhido, da Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau que, com o apoio do Rotary de Viana do Castelo, está a desenvolver esta missão na Guiné-Bissau. A Maternidade de Cachéu já deverá estar concluída no final deste ano. Por agora foram já apetrechadas 20 salas de aula, a maternidade e um centro de saúde e levada água potável a toda a localidade. A missão deverá ficar totalmente concluída na primavera do próximo ano.
http://radiogeice.com/geicefm/
Um abraço Amigo,
Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
9 de Setembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P6969: Estórias avulsas (42): A minha 2ª grande missão ao serviço do Exército Português (António Barbosa)
1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos em 7 de Setembro mais uma pequena mensagem, marrando-nos um dos períodos que mais o impressionou na tropa (e não só a ele… pois!):
Digo 2ª, porque a 1ª foi tentar saber ser RANGER, missão esta que consistiu em dar uma recruta no, penso que extinto, G.A.C.A. 3 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves), em Espinho.
Considero-a uma grande missão pois embora na altura fosse um jovem de 21 anos fui incumbido de iniciar a formação de 64 homens, uns tão jovens quanto eu e outros mais velhos.
Alguns deles acompanharam-me até ao R.A.L. 5, em Penafiel, e de seguida para a Guiné.
A todos o meu obrigado por me terem ajudado a crescer em responsabilidade e saber.
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
8 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6953: Estórias avulsas (94): A captura do incaracterístico guerrilheiro Malan Mané, no decurso da Op Nada Consta (Salvador Nogueira)
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P6968: História da CCAÇ 2679 (40): Vinte paus por um feitiço (José Manuel M. Dinis)
Carlos,
Aí vai mais um pedaço sobre os 15 dias que passei em Copá.
Imagino que regressas de férias com a pujança toda para as edições no blogue. Por isso, a minha colaboração.
Um abraço
JD
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (40)
VINTE "PAUS" POR UM FEITIÇO
Corria a canícula em Copá, aquele destacamento juntinho à fronteira com o Senegal, lá longe, quase no fim do mapa, a noroeste de Canquelifá. As noites, quando calmas, mostravam os milhões de luzes que suspensas no firmamento nos deslumbravam, e quando soprava uma ligeira brisa oriunda de norte, transportava-nos o ruído do comboio que, a muitos quilómetros, atravessava aquele país vizinho na direcção do deserto. Era o reflexo da pureza climática, associada a um modelo plano de relevo.
O dia-a-dia primava pela sorna. Incrivelmente comíamos bem. Carne do lombo e petiscos das miudezas. O resto da carne de cada vaca, o Mamadu, o magarefe que contratei em Bajocunda (e, entretanto, ficou sem a bicicleta algures no território senegalês), vendia-a às populações. Face ao prejuízo, voltei a compensar-lhe o preço do negócio, mas resultava. Por vezes comíamos apenas pão e carne, ou petiscos ricos em tempero para a molhança trigueira. Descansávamos de arroz e dávamos alegrias à gula e ao colesterol desconhecido.
Nesta espécie de paraíso, onde quase não havia ocasião para banhos, nem preocupações concomitantes, quer com a higiene do corpo, quer com a da cozinha, havia quem jurasse estar disposto a ficar ali durante o resto da comissão. Proibi as saídas para a bolanha, que atravessava a fronteira, onde despontava um pretexto suplementar, a caça aos pombos verdes. Mas o perigo era eminente, com a vantagem toda para o IN.
Pouco depois do ataque relatado anteriormente, uma avioneta sobrevoou o aquartelamento e logo se fez à pista. Alguns momentos após chamaram-me, que era o major comandante do COT-1, e estava rodeado por populares. Verifiquei que reclamavam da suspensão da venda de géneros, e queixavam-se de passarem fome. Ao Major dei a explicação da decisão, mas logo de entre os ocupantes do DO-27 destacou-se um tenente de milícias, que me acusou de não gostar da população, e como prova disso referiu que eu já tinha agredido o chefe de tabanca em Tabassi. A coisa ficou negra, subiu de tom o burburinho dos fulas. O major não me pediu qualquer explicação, apesar de as coisas não terem sido como dizia o milícia, e já contei anteriormente. Mas a "psico" tinha disto, e ninguém queria correr riscos em relação à clique de Bissau. O major referiu-me para preparar o saco que no dia seguinte, provavelmente, seria substituído. Troca de paladas, e... bye-bye.
Depois de almoço, mandriava na tabanca do comando, quando o puto que a limpava se me dirigiu e interpelou sobre o acontecido de manhã junto à pista. Mostrou-se cauteloso e solidário, que as pessoas não queriam saber das dificuldades, e exigiam que enquanto houvesse arroz, teria que ser para todos. Depois, mostrou-se preocupado com alguma sanção disciplinar que me afectasse. Devo ter encolhido os ombros, mas já estava engatado com a lengalenga. De imediato perguntou-me se não me importava que chamasse ali um tio conhecedor de feitiços, para que nada de mal me acontecesse. Que sim, viesse lá o tio.
Momentos após, apresentou-se com o tio, um fula magricela, meia-idade, descalço a mostrar os pés calejados de uma vida de andanças, coberto com pedaços de roupa que já tinham tido cor e evidenciavam falta de botões e alguns rasgos. Humilde, disse alguma coisa como que a pedir licença, e entrou. Não falou português, e o puto é que estabelecia traduções sobre os interesses em presença. Quando ele sentiu que eu alinhava, pediu licença para o tio se sentar no chão da tabanca para prosseguir o feitiço.
Sentado a noventa graus, com as pernas estendidas, tirou uma guita ou cordel que tinha no bolso, e estendeu-a de uma mão para o dedo grande de um pé, onde dava a volta e voltava para a mão. Fez assim uma fiada, concluída com um nó bastante dissimulado. Antes de concluir, porém, o puto traduziu que o tio não poderia continuar o seu trabalho benevolente, sem que eu exportulasse vinte paus. Pronto, uma das partes já via o proveito da cerimónia. Seguidamente, dobrou sucessivamente a fiada, de modo a ficar um pequeno novelo, que mandou-me colocar em redor do cinto, como uma presilha. Para concluir e produzir bom efeito, mandou-me pôr em cima de uma pedra, virado para Meca. Eu sabia a direcção da cidade santa, não havia problema. Cumpri escrupulosamente. Pois, se já tinha pago!
Em conclusão: conforme o major ditara, fui substituído pelo Ramalho. O pessoal manifestou-se pesaroso, mas tinha que ser. Depois disso, passaram fome de criar bicho, já que o Mamadu deu às de vila Diogo. Ainda ali permaneceram alguns dias, até regressarem antecipadamente a Bajocunda. Quanto a sanções disciplinares, nicles! Nem, sobre o assunto, alguma vez alguém conversou comigo. Donde, serve de prova este meu testemunho, sobre os poderes desses muitos feiticeiros que zelam pelo interesse do próximo, e exercem os seus místeres quase anonimamente por esse mundo fora.
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Nota de CV:
Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6921: História da CCAÇ 2679 (39): Uma Flagelação (José Manuel M. Dinis)
Guiné 63/74 - P6967: Grito das Transmissões e Escola Prática das Transmissões (José Martins)
Boa tarde Camaradas
Numa das minhas deslocações ao Arquivo Histórico Militar e, enquanto aguardava a chegada do material requisitado, li na Revista A ALMENARA o Grito das Transmissões que, como Transmissões que fui, me chamou a atenção.
Por este facto aqui deixo o mesmo dedicado, especialmente aos Especialistas desta Arma, que, para não ser um texto reduzido, resolvi ampliá-lo com o historial das Transmissões, assim como com o Brasão da Escola Prática de Transmissões.
Abraço fraterno
José Martins
Revista A ALMENARA [*] – Ano I – nº 01 – 2º Semestre/09 – Pag 52
[*] Almenara – Farol ou facho que se acendia nas torres e castelos, para dar sinal ao longe.
Escudo de azul, oito raios de ouro apontados ao meio do chefe, à ponta, aos planos dextro e sinistro, e aos cantões dextro e sinistro do chefe e da ponta, brocante um Castelo do mesmo iluminado e aberto de vermelho, em chefe duas lucernas de ouro, acesas de vermelho e em ponta um livro aberto de ouro.
Elmo Militar de prata, forrado a vermelho, a três quartos para a dextra.
Correia de vermelho perfilada de ouro.
Paquife e Virol de azul e de ouro.
Timbre: Uma garra de leão de prata empunhando seis raios eléctricos de ouro.
Divisa: Num listel de prata, ondulando, sotoposto ao escudo, em letras de estilo elzevir, maiúsculas de negro: «HONRA E VALOR»
O Livro Aberto - representa a instrução.
As Lucernas - a sabedoria.
Os oito Raios Eléctricos com castelo brocante - são o emblema tradicional das tropas de Transmissões.
A Garra de Leão de Prata- alude às armas do Exército.
Os Esmaltes significam:
O Ouro - Nobreza, força.
A Prata - Esperança, eloquência.
O Vermelho - Fogo, ardor bélico.
O Azul - Espaço, lealdade.
© Brasão e texto retirado do Portal do Exército, com a devida vénia.
Foram criados em 1911, pela Ordem do Exercito Nº 13 – 1ª Série, dois corpos de Engenharia, um no activo, que incluía a 3ª Secção de Telegrafistas de Campanha, e outro na reserva, que veio a ser designado por Regimento de Sapadores Mineiros (RSM).
Pela Ordem do Exército Nº 12 – 1ª Série de 1926, o diversos elementos de tropas de engenharia existentes no Porto e os que pudessem ser transferidos do BSM, foi organizado, na cidade do Porto, o Regimento de Sapadores Mineiros nº 2.
No ano seguinte, o Regimento de Sapadores Mineiros nº 2, pela Ordem do Exército Nº 5 – 1ª Série, passa a designar-se Batalhão de Sapadores Mineiros nº 2 e é integrado no Regimento de Sapadores Mineiros, que fica com sede em Lisboa. Este Batalhão passa a designar-se por 2º Grupo do Regimento de Sapadores Mineiros, de acordo com a Ordem do Exército Nº 7 – 1ª Série, também do ano de 1927.
Treze anos mais tarde, o 2º Grupo do Regimento de Sapadores Mineiros e o 1º Grupo do Regimento de Telegrafistas, ambos sedeados no Porto, dão origem ao Regimento de Engenharia nº 1 (RE 1), de acordo com a Ordem do Exército nº 1 – 1ª Série de 1940 e Ordem de Serviço nº 1 do RE 1, ao reunir nesta unidade todo o material e efectivos.
Portaria Nº 21197 de 26 de Março de 1965, determina que o Regimento de Engenharia nº 1 se passe a designar por Regimento de Transmissões, passando a ser o herdeiro do património histórico e das tradições das unidades suas antecessoras, pela Ordem do Exercito nº 3 - 1ª Série de 31 de Março de 1965.
Em 1 de Fevereiro de 1977, pelo Decreto-lei nº 181/77 e pela Ordem do Exército Nº 5 desse ano, a unidade passa a designar-se por Escola Prática de Transmissões, designação que ainda mantém.
A 10 de Maio de 1993 a unidade é transferida do Aquartelamento do Bom Pastor, também conhecido como o Quartel de Arca d’Água, para as antigas instalações do Regimento de Infantaria do Porto, à Circunvalação, entretanto extinto.
[**] Texto elaborado com recurso ao Portal do Exército, com a devida vénia.
O Padroeiro da Arma de Transmissões é o Arcanjo São Gabriel, enviado por Deus para transmitir a Maria que seria a Mãe de Jesus, tendo sido declarado em 12 de Janeiro de 1951, pelo Papa Pio XII como o Patrono das Telecomunicações, que, pela mesma razão é considerado Patrono da Arma de Transmissões. (Post nº 5423 de 8 de Dezembro de 2009, blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné e no separador Patronos das Forças Armadas, na página Ultramar Terraweb).
José Martins
8 de Setembro de 2010
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de
Guiné 63/74 - P6966: Notas de leitura (148): Transição Democrática na Guiné-Bissau, por Johannes Augel e Carlos Cardoso (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Este livro sobre a transição democrática na Guiné-Bissau, é obra de dois cientistas sociais, os seus pontos de vista são necessariamente discutíveis, mas até penso que nós todos no blogue aceitamos como pacíficas estas análises, bem distantes do que é hoje a realidade daquele país.
Um abraço do
Mário
A transição democrática na Guiné-Bissau: décadas de 80 e 90
Beja Santos
Dois cientistas sociais, Johannes Augel (sociólogo e historiador) e Carlos Cardoso (filósofo e antropólogo), ambos investigadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa – INEP, nos anos 90, reflectiram sobre acontecimentos marcantes na Guiné-Bissau, designadamente a passagem do sistema económico de um modelo altamente centralizador sob uma tutela política monolítica para um sistema de economia de mercado sob um figurino multipartidário. Assim nasceu o livro “Transição Democrática na Guiné-Bissau” edição do INEP, Bissau, 1996.
Durante a década de 80, a Guiné-Bissau, tal como o Gana, a Costa do Marfim, o Senegal, e outros países, pediram ajuda ao FMI e ao Banco Mundial. Todos eles se encontravam mergulhados numa profunda crise económica. Os primeiros 15 anos da Guiné-Bissau como país independente caracterizaram-se por um regime autoritário de partido único, com não poucas vezes a violação dos direitos elementares da pessoa humana e uma política económica desastrosa. Em 1983, anunciou-se a vontade de liberalizar que em 1987 a Guiné-Bissau aceitou um Programa de Ajustamento Estrutural - PAE. Previam-se três fases distintas: estabilização económica-financeira; reequilíbrio da economia; desenvolvimento económico autónomo. O PAE não produziu os efeitos esperados. A década de 90, considerou-se mesmo que a situação económica que se estava a viver era resultado da má gestão dos recursos destinados ao desenvolvimento socioeconómico do país. Crescer a dívida externa e agravara-se o fosso entre ricos e pobres. O impacto social da liberalização dos mercados foi brutal. Enquanto uma classe de agricultores privados beneficiou dos primeiros créditos concedidos pelo Banco Mundial e pelo FMI, a pequena burguesia e o campesinato conheceram a pauperização, nomeadamente os funcionários de estado não pertencentes aos escalões superiores da administração, os operários e os trabalhadores do sector informal. O país foi convulsionado pelas greves.
O PAE implicou uma elevada tensão política no PAIGC. No seu IV Congresso, em Novembro de 1986, o PIAGC admitiu que as estruturas socioeconómicas do país tinham que ser alteradas, acompanhadas por reformas políticas. Aí a direcção do PAIGC dividiu-se entre a manutenção do statu quo (o PAIGC devia continuar a ser o motor das transformações e a força política dirigente da sociedade) e aqueles que apelaram ao multipartidarismo. A discussão prolongou-se até 1991, altura em que foram aprovadas medidas importantes para desencadear o processo de abertura: alteração constitucional; decisão de despartidarizar as Forças Armadas e a liberdade associativa, incluindo o direito à livre expressão.
Para se entender melhor esta demora entre a prometida liberalização e a abertura política e económica, os autores debruçam-se sobre as crises do PAIGC. Primeiro, a alegada tentativa de golpe de Estado, em Outubro de 1986, em circunstâncias que estão ainda por esclarecer, em que foram condenados à morte altos dirigentes e militantes do partido, com Paulo Correia à cabeça. Segundo, o aparecimento da Carta dos 121, em 1991, quando o PAIGC se dividiu entre os conservadores e os partidários da mudança. Nesta altura, caminhava-se informalmente para o aparecimento de partidos como o Partido de Renovação Social e o Movimento Bafatá, as duas primeiras importantes forças da oposição guineense. Também neste ponto os autores recordam a singularidade do PAIG: fiel às orientações seguidas nas zonas libertadas, o PAIGC manteve uma estrutura de poder fortemente centralizada; a seguir à independência, os régulos e as estruturas de poder tradicionais foram desprezados, acompanhando-se este processo com a perseguição das forças militares que tinham apoiado a presença portuguesa. A par destes erros de actuação política, a estatização da economia atingiu o delírio, aumentando a escalada da procura de um inimigo interno, sempre à procura de um culpado do afundamento do país. Assim se chegou ao 14 de Novembro de 1980, instaurando-se um regime centralizado no Presidente Nino Vieira. Com o anúncio da liberalização económica e com as crescentes dissidências dentro do PAIGC nasceram o Partido de Renovação e Desenvolvimento e o Partido da Convergência Democrática, bem como a frente democrática social. A FLING – Frente de Luta para a Independência Nacional da Guiné ressuscitou.
E assim tiveram lugar as primeiras eleições livres, na década de 90. A oposição ao PAIGC era jovem, cheia de líderes ambiciosos, na generalidade mal preparados. Não conseguiram uma plataforma de entendimento. O PAIGC conseguiu uma maioria em termos de eleição de deputados à Assembleia Nacional Popular, enquanto João Bernardo Vieira se viu obrigado a disputar a segunda volta com Cumba Ialá, ganhando com uma diferença de apenas 13000 votos. Partidos como a Convergência Democrática, que se previa serem fortes opositores, não o foram. Os autores consideram que os líderes não tiveram em conta que o discurso fogoso desses jovens não foi bem aceite pelos “homens grandes” – eram jovens competentes que não perceberam o funcionamento eleitoral duma sociedade africana tradicional.
O PAIGC foi incapaz de constituir um aparelho de Estado com todos os licenciados de que estava dotado, em 1974, promoveu a hipertrofia do funcionalismo público, tornou-se um oportunista da ajuda internacional, em que os países doadores aprovavam financiamentos sem qualquer vigilância, sobretudo sem qualquer controlo do dinheiro que entrava nos cofres do Estado. Os antigos combatentes, a quem se tinha prometido dignidade, foram marginalizados, não se lhes deu oportunidade para a reciclagem, tornaram-se amargos e até estranhos ao PAIGC. A incapacidade para liberalizar com solidez fomentou de algum modo o tribalismo, isto quando o Estado parecia ir repousar numa grande tolerância religiosa e na miscigenação etno-cultural, conseguindo até superar um preconceito muitas vezes iludido aos cabo-verdianos. Os autores também passam em revista o crescimento desmesurado de Bissau, que acabou por se transformar num devorador de recursos e uma fonte crescente de problemas sociais. Por último, os autores interpelam se o crioulo não deve funcionar como a língua da educação, já que é língua da comunicação e da entidade de todas as etnias.
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Nota de CV:
Vd. poste de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6956: Notas de leitura (147): A Tradição da Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959), por Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6965: In Memoriam (50): João Baptista (1938-2010), um camarada, um amigo, um irmão (Octávio do Couto Sousa)
Foto: © Octávio do Couto Sousa (2010). Todos os direitos reservados.
Data: 11 de Julho de 2010 16:47
Caro Luís Graça
Prometi preparar algum material para a Tabanca Grande, mas revendo algumas fotos, avanço com esta de há 3 a 4 anos num convívio de ex-combatentes da Guiné, em Ponta delgada. O nosso João Manuel Carreiro Baptista é o último da mesa, estou eu a seguir, seguindo-se o também falecido José Maria Ferreira Soares, ex capitão Miliciano e em primeiro plano o Noé Miranda Soares da CCAÇ 154, professor primário que poderá ser o mesmo a que o Carlos Botelho se refere. As nossas mulheres estão do lado oposto.
Do João manuel não me canso de falar, desde o liceu, separou-nos o espaço de tempo para ele ir para a Paiã, Escola de Práticos Agrícola, e eu para Évora, Escola de Regentes Agrícolas.
Estivemos sempres juntos no percurso militar de Mafra, Tavira, RI 18 em Ponta Delgada e mobilização para o Ultramar na mesma CCAÇ 153.
Quando faleceu, perdi um irmão, e mesmo agora, não consigo conter a emoção ao escrever estas linhas.
A última vez que falamos estava comigo outro Funlacundense, O David Bettencourt, vague mestre da 153 que vive actualmente no Canadá e na emoção do diálogo o João dizia:
Era uma pessoa muito calada mas com um grande caracter e da amizade que nos unia perco-me a recordá-lo.
Um abraço,
Octávio
Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > CCAÇ 153 (1961/63) > Furriéis na messe de sargentos. Se não erro, o João é o terceiro a contar da esquerda, de pé; e o Octávio é o quarto.
Foto: © João Baptista / Blogue Fulacunda (2009). Todos os direitos reservados. Cortesia da família
2. Comentário de L.G.:
Obrigado ao Octávio por esta emocionada mas justa homenagem ao João... Queremos que ele se junte, em espíríto, à nossa Tabanca Grande. De certo que os seus antigos camaradas da CCAÇ 153 estarão de acordo com esta proposta. Durante anos ele lutou contra o esquecimento (e depois contra a doença que minou o seu corpo). Era um homem discreto, mas persistente e convicto. Leia-se o que ele escreveu em 12 de Janeiro de 2009, no seu blogue:
Resultados da 1ª chamada > No dia 11/01/2009 mais um atendeu à chamada: Albano Gomes da Silva, 1º cabo nº 409/59 da 1º Secção do 1º Pelotão, residente em Espinho e o nº de telefone não é registado porque ainda não tenho autorização para publicar.
Uma nota: o meu blog da 1ª Chamada foi publicado em 2006 e passados que são 2 anos e 4 meses, apareceram as primeiras Chamadas; é caso para dizer que as novas tecnologias não são assim tão rápidas. Não está correcto, o raciocínio deve atender a idade dos que são indicados, salvo rara excepção. São os filhos o veículo de transmissão atendendo que conhecem a história dos pais.
Hoje entendi porque perguntam para quando um convívio da CCAÇ 153; na minha opinião direi que nesta altura é impossível tentar encontrar representação que justifique uma data.(....).
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6959: Em busca de... (143): Pessoal da CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63: João Baptista, Octávio do Couto Sousa, José Teixeira da Silva, José Carreto Curto...
(**) Último poste da série > 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6946: In Memoriam (49): Elegia à Fernanda de Castro, escritora que viveu em Bolama e dedicou alguns dos seus livros à Guiné (Leopoldo Amado)
Guiné 63/74 - P6964: Parabéns a você (151): Tony Grilo, Sold. Apontador de Obús 8,8 cm, Cabedu, Cacine e Cameconde, 1966/68 (Editores)
1. O nosso camarada Tony Grilo, que foi Sold. Apontador de Obús 8,8 cm, em Cabedu, Cacine e Cameconde, 1966/68, completa hoje mais um aniversário. Apresentou-se na nossa Tabanca Grande em Março de 2009, tentando saber notícias do pessoal que passou por Cabedu nesses anos, nomeadamente das: CCAÇ 1427, CART 1614 e BAC [Bateria Anti-Costa]:
“O meu nome é Tony Grilo, cumpri o serviço militar, um ano e meio, em Portugal, e em 1966 fui mobilizado para a Guiné.
Saímos, no dia 31 de Maio de 1966, do cais de Alcântara no navio Alfredo da Silva. A viagem demorou 6 dias, percorremos 3666 milhas marítimas e chegámos no dia 6 de Junho de 1966.
O navio ficou ao largo, à espera do capitão de porto para o rebocar para o cais. E ali também vinham 6 pessoas.
Isto é apenas uma pequena história que sucedeu.
Agora vou contar-te algo mais sobre a minha pessoa!
Estive 24 meses na Guiné, era Apontador do obus 8,8 e a nossa Bateria, estava situada no QG em Bissau.
Estive ali só 2 semanas, pois fui enviado logo para o mato, Cabedu, ao Sul da Guiné, na célebre mata do Cantanhez.
Estive lá longos 18 meses, onde a vida era difícil, muita fome aí passávamos.
Ao fim desse tempo regressei a Bissau.
Como era bom rapaz e o capitão engraçou comigo, disse logo ao Primeiro para me marcar viagem para o mato. O motivo foi por me desenfiar do quartel. Não havendo sítio melhor, fui logo para Cacine e Cameconde, também ao Sul, na área do Cantanhez.
Graça, isto é só um pequeno apontamento, pois agora que tenho o vosso E-Mail, já é mais fácil contar as minhas histórias da passagem pela Guiné.
Actualmente vivo no Canadá, já há 38 anos, estou reformado e estou a pensar regressar ao nosso lindo Portugal em fins de Maio deste ano (2009).”
2. Tony Grilo, independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos neste poste, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos não puderem enviar-te as suas mensagens, queremos:
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
10 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6963: Parabéns a você (150): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74 (Editores)
Guiné 63/74 - P6963: Parabéns a você (150): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74 (Editores)
Cabe aos editores, em representação da tertúlia, apresentar ao nosso aniversariante os votos colectivos de uma vida longa, plena de saúde, se possível com os que o amam perto de si.
Na expectativa de que pouco mais de meia vida viveste, caro Rui, aqui nos terás por muitos anos, em cada 365 dias, para festejar contigo esta data.
Vamos recordar, com três fotos, momentos significativos da tua passagem pela Guiné.
Na foto de cima estás em pleno gozo de férias num dos bungalows da Estância de Cancolim
Na foto do meio, em Bissau, já muito triste porque estavas a dias de regressar à Metrópole.
Na foto de baixo, vê-se pelos semblantes que estar na Ilha da Madeira, a caminho de Lisboa, não vinha mesmo a calhar.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74
Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6954: Parabéns a você (149): Nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio (Editores)
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P6962: Tabanca Grande (242): Raul Manuel Bivar de Azevedo, ex-Cap Mil (2.ª CART/BART 6522, Susana, 1972/74)
Camaradas,
Conforme prometido, no meu e-mail de 31 Julho ao Luís Graça, e como introdução ao meu primeiro contributo ao blogue, passo a descrever sinteticamente alguns dados pessoais e as etapas da minha experiência militar:
Nome: Raul Manuel Bivar de AzevedoNascido em: 09.09.1943
Naturalidade: Faro
Profissão: Engenheiro Electrotécnico (IST), reformado da EDP desde 2008Estado Civil: Casado/4 filhos
Morada: Lisboa
- No final do 1º ciclo de instrução fui seleccionado para o CCC (Curso de Comandante de Companhia).
- 2º Ciclo de instrução já integrado no CCC.
- Terminado o 2º ciclo fui destacado para Angola (Dez.71) para estágio operacional, integrado na Cart 3374 sediada no Bom Jesus do Úcua. O estágio durou 4 meses e durante esse período participei em variadas operações, na zona operacional (Dembos). A actividade operacional era intensa e de considerável desgaste físico.
- Terminado o estágio em Angola regressei a Mafra (EPI), para frequentar a parte teórica do CCC já graduado em Tenente Miliciano e que durou cerca de 2 meses.
- Terminado o CCC, fui destacado para o RAL 5, em Penafiel, para dar inicio á formação da 2ª Cart do Bart 6522 com destino à Guiné.
- Formada a Companhia, embarcámos no navio Uíge com destino a Bissau.
- Em Bolama fizemos o IAO durante um mês, com estreia de flagelação no dia da chegada.
- Terminado o IAO, foi destinada à 2ª CART 6522 a zona operacional de Susana no famoso CHÃO FELUPE, rendendo a CCAV 3366.
- Para além da Companhia, tinha o comando do Pelotão de Caçadores Nativos (Pelotão 60), uma Companhia de Milícias Nativos e população armada nas 23 tabancas da área de Susana, com cerca de 1.000 armas (G3 e Mauser) distribuídas.
- Regressámos a Lisboa em Setembro de 1974,após uma parte final, dos 22 meses de comissão, vivida com muita psicologia e equilíbrio, factores que caldearam uma passagem de soberania local emocionada mas serena (arrear definitivamente a Bandeira Portuguesa ao fim de 500 anos é emocionalmente forte). Os variados encontros com os representantes do PAIGC decorreram sempre em clima de respeito mútuo (anexo fotos de encontros com o PAIGC, que em tempo cedi para o livro "Os anos da guerra" do escritor João de Melo).
Tenho muitos relatos e fotos para transmitir e prometo fazê-lo a pouco e pouco e com muito gosto, pois considero importante a memória colectiva que este blogue corporiza. A vivência na área de Susana foi intensa e enriquecedora, pois além da responsabilidade militar e a de apoio humanitário e social à população (cerca de 8.000 Felupes) tinha a escolar e a civil, conforme determinação do Comando Chefe de Bissau.
O Chão Felupe e os Felupes estão e permanecerão para sempre no meu coração como um povo com características nobres, como a coragem, lealdade e amizade, para além de todo o seu património histórico que se perde na noite dos tempos e que desde logo me interessei e que continuo enriquecendo pesquisando a sua história (Djolas, descendentes do antigo império do Mali).
Voltei á Guiné-Bissau em 1997 numa expedição terrestre Portimão - Buba (24 dias de aventura e deslumbramento!). Entrei na Guiné pela fronteira de S. Domingos e feita a picada cheguei a Susana já de noite. Pouco tempo depois estava abraçando um grande amigo e antigo camarada de armas o Cabo Agostinho (Felupe do Pel. 60, meu braço direito local e que me acompanhou sempre durante toda a comissão) e ao qual muito devo do saber e experiência operacional, humana e do conhecimento do mundo Felupe.
Foi um reencontro histórico, carregado de emoção e que jamais esquecerei. Não decorreu muito tempo e vários antigos componentes do Pel. 60 foram aparecendo e todos festejámos o reencontro. Em foto anexa é relatado esse encontro feito por um companheiro da expedição.
A seu tempo relatarei com muito prazer, como antes disse, as minhas memórias na “Felupolândia”, que são muitas, variadas e carregadas de sincero conteúdo humano.
Todos os anos o BART 6522 reúne-se em convívio, sempre em ambiente de alegria e amizade e recordamos as peripécias vividas.
Aproveito para enviar um grande abraço ao António Oliveira Inverno (que comandou o 1º grupo de combate da 2ª CART 6522) e ao Sérgio Faria que comandou a 3ªCART 6522 e que pelo que já constatei entraram na Tabanca Grande.
Por hoje termino.
Até breve, grande abraço e mais uma vez parabéns por esta vossa iniciativa altamente meritória.
Ao modo Felupe… KASSUMAI KAP.
2. De acordo com o que o Raul Azevedo disse no seu texto, entre a Tertúlia Bloguista encontram-se mais alguns Camaradas do seu batalhão:
3. Amigo e Camarada Raul Manuel Bivar de Azevedo, cumprindo a praxe, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te digo aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.
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Nota de M.R.: