Caro amigo Carlos Vinhal e camaradas,
Um abraço para todos vós.
Na minha recente viagem de férias aos Açores, tive a alegria de assistir a mais um convívio da CCaç 3327.
Desta vez, o encontro teve lugar na casa mãe, o antigo BII17, cujo Comando amavelmente colocou, à nossa disposição, as instalações que todos nós bem conhecemos.
Este convívio que reuniu antigos camaradas, familiares e amigos vindos da Metrópole, de Massachusetts, da Califórnia, do Canadá e de várias ilhas dos Açores, realizou-se no passado dia 6 de Agosto. Toda a organização no terreno ficou a dever-se a um homem extraordinário e um militar exímio, o meu braço direito, o ex-1.º Cabo José Leonardo, da minha Secção. No tempo ficou a nossa amizade, no coração bem poderia dizer que somos irmãos.
Briosos militares perfilados em frente ao Comando do antigo BII 17
O segundo convívio da CCaç 3327 foi delineado desde o primeiro dia para ter alguma inovação em relação ao primeiro e que consistiu em chamar até nós os camaradas das CCaç irmãs 3326 (Mampatá) e 3328 (Bula). O objectivo foi muito bem alcançado e, entre ex-militares e acompanhantes, ultrapassámos em muito aquilo que era esperado. Sempre tivemos em conta as conjecturas da crise económica actual e a falta de continuidade territorial que obriga a gastos muito elevados. Nós, os organizadores, estamos satisfeitos e temos a certeza de que os nossos camaradas também.
Juntaram-se ao nosso convívio em representação do Comandante do antigo BII 17, agora Guarnição 1, o senhor Tenente Moreira e os Sargentos-Chefes Travanca e Chagas que tudo fizeram para que o convívio tivesse o brilho desejado, e ainda um representante da filial terceirense da Liga dos Combatentes.
Esta a única imagem que andou por terras do ultramar em altar na igreja de São João Baptista
A missa esteve a cargo do senhor Oficial Capelão Militar e teve lugar na Igreja de São João Baptista com sede na Fortaleza com o mesmo nome. De seguida, foi depositada uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares falecidos daquela Unidade militar.
Monumento de homenagem do BII 17 aos seus mortos
Desde sempre foi minha intenção fazer um resumo sobre este convívio. Mas não o vou fazer.
Felizmente, comprei o único diário que se publica na cidade da Horta, O Incentivo, com a data de 25 de Agosto. Para minha surpresa, nele vinha inserido um artigo de opinião sobre o nosso convívio. Senti um prazer desmedido ao ler o artigo escrito pelo João Avelar Ventura, natural da Ilha das Flores e a residir na Terceira, outro homem de grande envergadura cívica e militar. Um homem que sempre teve a coragem de deixar falar os seus sentimentos. Sinto orgulho de o ter tido na minha Secção, honra-me a sua amizade.
Os presentes da minha Secção e a partir da esquerda: Ventura, Magno, J.Câmara, Massa, Leonardes
Ao artigo de opinião que transcrevo com a devida vénia a O Incentivo e com a devida autorização do João Avelar Ventura apenas acrescento algumas fotos e respectivas legendas da minha autoria.
Os Nómadas
No passado dia 6 de Agosto comemorou-se, nas instalações do Castelo S. João Batista em Angra, o 2.º Convívio dos ex-combatentes da CCaç. 3327 (Os Nómadas) onde também se integrou ex - combatentes das CCAÇs. 3326 e 3328, foi rezada missa em homenagem àqueles que já faleceram, e dar graças aos que por cá andam. Nesta mesma data foi lembrado os 41 anos e um mês, que estes ex-jovem de todas as ilhas dos Açores deram entrada no BII 17, para cumprimento do serviço militar a que o Regime nos obrigava.
A partir da esquerda - Um bolo, 3 Companhias: Fur Mil Costa (CCaç 3328), Cap. R. Alves (CCaç3327) e Fur Mil J. Bendito (CCaç 3326) preparam-se para cortar o bolo comemorativo do convívio, enquanto o 1.º Cabo J. Sousa testemunha e as meninas preparam o champanhe.
Foi naquela bela Fortaleza que por fora nos parece um lindo conto de fadas, mas para quem teve que entrar no seu interior, mais parecia um início de um filme de terror.
Recordo com saudades a juventude que reinava nas centenas de jovens à espera que os portões se abrissem para entrarem no seu interior, tão escuro e tão frio, que mais parecia o túnel da morte ou para a escravidão às masmorras que ali existem, oficiais e sargentos, com semblante tão carregado, como as pedras que sustentavam as arcadas da muralha, um por um, lá iam gritando os nomes dos mancebos, para lhes aplicarem um número que seria a sua marca bem registada nas fileiras nacionais.
Ao sair para a parada, já de uniforme embora um pouco machucado, tinha já consciência que a hora de ser militar já tinha começado, lá no alto por cima das nossas cabeças, com letras bem marcantes: “ANTES MORRER LIVRE QUE EM PAZ SUJEITOS”; Esta coisa de sujeitos, sempre me acompanhou enquanto militar fui. Éramos sujeitos a várias humilhações, quer pessoais quer psicológicas, em que, nos obrigavam a acreditar que se ia para terras do Ultramar, para defender a nossa Pátria; nem que, os tais sujeitos que queriam a paz, tivessem que morrer...
O som do clarim era o toque da alvorada, todos a correr para a parada marchar; um dois!.. um dois!.. meia volta volver... era o som tão marcante que ainda pressinto ouvir, os berros dos aspirantes a chamarem, aqueles nomes tão bonitos...
O Alf Mil Magalhães e a esposa. Vieram de Brunhoso
Com o passar dos meses já era um militar completo, recruta e especialidade, já era um atirador pronto a jurar sob a Bandeira Nacional, que estávamos ao serviço da Pátria, nem que a morte lhes custasse.
Foi a Guiné o destino destas três Companhias Açorianas, com pessoal especializado em comunicações sargentos e oficiais, esses continentais, dois ou três sargentos dos Açores.
O Alf Mil Almeida e a esposa. Vieram do Porto
Santa Margarida foi o nosso primeiro destino, o gelo e o frio era constante, recordo que, para se tomar o nosso duche tinha que ser a correr que a água era tão gelada que cortava a pele, mas era só a dos soldados. A viagem para a Guiné demorou sete dias, metidos no porão do navio Angra do Heroísmo, mais de seiscentos militares, deitados numas prateleiras que mais pareciam caixotes para armazenamento de batatas, ou então, sardinhas enlatadas. Era assim, a mostra onde tinha chegado a baixeza dos responsáveis pelo governo de Portugal, que esses “tais sujeitos”, pessoas, militares, mártires pela Pátria passaram, mas que ainda alguns podem testemunhar!.. Lá chegamos à Guiné, o calor e a humidade era o já anunciado, mas foi um contraste muito marcante, como a cor dos seus habitantes, a sua cultura, as suas crenças.
José Câmara saudando os presentes
Bissau foi a mossa primeira paragem, só que fomos instalados em tendas de campanha no aquartelamento nos Adidos em Brá para recompor a viagem, ou para que outras Companhias fizessem as malas de regresso a casa, a seguir, cerca de dois meses ainda andamos a fazer guarda de atacadores e luvas brancas, no quartel General onde o Spínola estava muito bem instalado, de nada parecia que estivesse em guerra, a seguir lá nos mandaram subir o rio naquelas jangadas que só se sai pela rampa da frente entre todo o material que uma guerra sustenta, logo percebido que o filme para essa guerra havia começado.
A partir da esquerda: Fur Mil Fermento, Silva, Borges da Silva, Cap. Alves, Parreira (veio da Califórnia) Fur Mil Pinto e Fur Mil Cruz
A zona de Teixeira Pinto era-nos indicada, mas foi o mato o nosso destino, num buraco no meio da Mata dos Madeiros, os “bullbozers” a fazerem terraplanagem, onde foi o campo de concentração da minha Companhia. Teríamos de fazer a defesa, como também a construção de valas e abrigos, barracas que era a nossa tenda de campanha feita com troncos e palmeiras e todo os procedimentos de uma CCaç em plena operação de guerra.
O ladrar das hienas, os gemidos dos macacos confundia por vezes com o estrondo dos morteiros, ou as rajadas das MG, ou G3, ou então o estalar dos motores dos aviões bombardeiros.
O 4.º Grupo de Combate
Para nos aliviar um pouco deste cenário tão real, tínhamos uma grande fé no Sagrado Coração de Maria, esta Santa nos acompanhou toda a nossa estadia na Guiné, como Bissau, Mata dos Madeiros, Teixeira Pinto, Bassarel, Bolama, S João. e Tite. No nosso acampamento tinha uma capela também feita em palmeira, até a procissão das velas lá fizemos, quem nos salvou? Sempre ouvi dizer que a fé, é que nos salva.
Esta Santa regressou connosco só que, ficou um camarada nosso de a entregar no BII 17. Mais precisamente na Igreja de S. João Batista, só que esse camarada já faleceu e não temos qualquer pista do seu paradeiro, se alguem tiver uma pequena luz de onde se encontra esta imagem, seria mais das muitas graças por Ela concebida.
José Câmara com o Fur Mil Pinto. Indiscritível a emoção que senti quando toquei o estandarte da CCaç 3327.
Uma pequena história para um dia contar.
Concebido e muito bem planeado foi os organizadores desse convívio, agradeço ao amigo José Câmara e Leonardo e todos aqueles que de qualquer forma ajudaram.
Fico um pouco triste, de nada ver nem ouvir, na comunicação social qualquer reportagem sobre estes eventos: mas se fosse Cristiano Ronaldo, José Mourinho, ou então alguns desses “tais Senhores” que nos puseram na bancarrota e que nos tem mentido estes anos todos, esses; que tem feito tantos e tão grandes sacrifícios por Portugal, esses sim; é que tem de ser bem badalados...
Não seria mais sensato mostrar à actual sociedade jovem, que há 30 , 40 ou 60 anos atrás, também havia juventude, só que; o cartão jovem que lhe era oferecido, tinha a finalidade de serem arrancados do seio das suas famílias, e, pela incúria dos governantes, ficaram famílias destroçadas, milhares de jovens a morte bateu à porta; milhares ficaram com deficiências gravíssimas; muitos milhares, regressaram mas com doenças graves, muitas psicológicas, na maioria traumas de guerra, esses ex-jovens, ficarão para a história de um País, na qual a recompensa para esses tais “SUJEITOS” de então não é mais que insignificante; medíocre; insustentável; uma autentica miséria!..
Para todos os ex-combatentes que em terras do Ultramar tiveram que passar lá alguns anos da sua juventude que lhe seja recompensado com muita saúde e anos de vida.
Para esses meus camaradas desta (Nómada C Caç 3327) que essa tal Santinha sem sabermos onde anda, nos continue sempre em nossa companhia.
João Ventura”
Na surpresa do dia, a encerrar o nosso convívio, as senhoras Fátima Ventura e Nazaré Vasconcelos, muito bem acompanhadas pelos presentes, entoaram o hino “13 de Maio”. Foi o abraço de despedida, sempre doloroso, num até pró ano. Será em Fátima se Deus quiser.
Resta agradecer a todos aqueles que, sem rosto, tudo fizeram para que o convívio fosse bem sucedido.
Um agradecimento especial aos Furriéis Victor Costa, Duarte e Adelino Santos da CCaç 3328 e ao Furriel José Bendito da CCaç 3326 pelos esforços feitos para que as suas companhias estivessem condignamente representadas neste convívio.
Também não esquecemos os nossos familiares e amigos que sempre estiveram ao nosso lado.
Um agradecimento muito especial para um grupo de seis familiares que quiseram homenagear um irmão falecido no Canadá, que tinha cumprido o seu serviço militar na Guiné. Só por isso teria valido a pena este convívio.
José Câmara
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite
Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8740: Convívios (366): Tabanca de Guilamilo, 21 de Agosto de 2011: A arte de bem receber da Margarida e do Joaquim Peixoto (ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)