1. Em mensagem do dia 23 de Março de 2014, o nosso tertuliano Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico que esteve integrado nos BCAÇ 3872 e 4518 (Galomaro, 1973/74), mandou-nos mais uma memória dos tempos em que exerceu medicina na Guiné:
COLEGAS MEUS
Braima era ferreiro, curandeiro, feiticeiro de Galomaro, a quem eu jocosa e pomposamente chamava de "Meu Colega", já que ambos procurávamos tratar das maleitas dos doentes, com armas diferentes e processos também .
As mésinhas, beberagens, infusões e rezas eram as alternativas aos processos médicos clássicos e à terapêutica medicamentosa e cirúrgica estabelecida.
Invariavelmente quando não surtiam efeitos, nos doentes locais, os procedimentos utilizados, lá vinha o "Meu Colega"e o paciente na procura de um diagnóstico e de uma terapêutica diferente que lhe pudesse aliviar o sofrimento que a doença produzia.
É um princípio basilar médico, quando não se sabe envia-se a quem possa saber e resolver a situação, pois uma "vida não tem preço". O que era um facto é que cada vez mais gente da população local recorria aos serviços de saúde militar e civil, provavelmente devido à confiança de procedimentos implementados por todos os meus antecessores e pela melhoria das instalações e atendimento.
Também enquanto estive em Galomaro consegui que o Chefe de Posto da Administração local me desse uma habitação degradada que eu juntamente com os maqueiros Santos e André, que sabiam de construção civil, recuperámos e a transformámos na Maternidade de Galomaro com três camas para parturientes e com instalações sanitárias e sala de partos e acomodações para uma Enfermeira-Parteira que veio no fim da minha comissão.
Em Galomaro também existia uma Missão de Sono com internamento e tratamento de doentes com tuberculose e lepra predominantemente, com doença de hansen (Sono) só um.
A malária, a desenteria amebiana a desidratação eram debeladas com relativa facilidade.
No campo da saúde pública o programa de vacinação já estava bastante avançado: tuberculose, cólera, difteria, tétano e tosse convulsa assim como poliomielite estavam implementados como na metrópole, em toda a população. A hepatite, essa era endémica.
A higiene e a salubridade da população local eram muito reduzidas, dado não haver esgotos nem saneamento nem fossas sépticas. Os únicos seres que tratavam dos restos alimentares dos dejectos, ratos, cobras, animais mortos e lixeiras eram os Jagudis que eram. os guardiões da saúde pública na Guiné, pois limpavam o terreno de uma maneira exemplar e que estavam protegidos por lei que impediam de os molestar ou matar.
Para quem não sabe, os Jagudis são uma espécie de abutres, verdadeiros (Colegas) dos médicos de Saúde Pública.
Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > O abutre ou jagudi (corruptela do crioulo jugude).
Foto: © João/Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
O aquartelamento de Galomaro era relativamente novo e tinha instalações sanitárias adequadas, com esgotos cobertos e fossas sépticas.
Como "Colegas" tínhamos também os milhares de Morcegos que todas as noites, quando se ligavam os focos de iluminação para o exterior do aquartelamento, se alimentavam de milhões de insectos que se dirigiam para a luz.
Morcego, mamífero da ordem das Chiroptera e da família das Megachiroptera
A todos eles o meu agradecimento sincero.
Aos Morcegos, aos Jagudis e principalmente ao meu amigo Braima, todos eles "Meus Colegas"que me ajudaram durante a minha comissão a debelar muitas enfermidades e a preservar a saúde dos meus camaradas de armas e da população que me estava confiada por ser Delegado de Saúde da Zona de Galomaro-Cossé.
Alfa bravo do
Rui Vieira Coelho
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Nota do editor
Último poste da série de 13 DE MARÇO DE 2014 >
Guiné 63/74 - P12832: Os nossos médicos (74): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (7): "All you need is love" - as Berliet's rebenta-minas e os nossos picadores no trajecto entre Galomaro e Dulombi