domingo, 2 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13838: Memórias de Gabú (José Saúde) (43): Delegação do PAIGC em Bafatá. O tempo de afirmação.



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU

Camaradas,

Delegação do PAIGC em Bafatá
O tempo de afirmação


Na minha conceção, admitindo opiniões porventura contrárias, a afirmação do PAIGC no seio da população não assumiu cunhos de verdadeiro repúdio. A forma pausada como os guerrilheiros lidaram com a conjuntura foi, digamos, estudada ao pormenor e a sua aparição pública objeto de saudação.

Reconheço, contudo, que a sua aceitação não terá sido literalmente assumida com unanimidade. Havia quem exercesse cargos de obediência à tropa da Metrópole, logo a sua posição apresentava-se dúbia.

Rezam os anais da história que os então subservientes rapazes que há muito pisavam os nossos trilhos e que eram, somente, “irmãos de sangue” da tribo IN, se questionavam sobre o dia de amanhã: Qual será o meu futuro?

Não vou, por razões lógicas, debruçar-se sobre a tese do “dia seguinte”. E da Guiné têm-nos chegado ao longo dos anos de Independência as mais díspares notícias. Relatos horrendos. Alguns impensáveis e sobretudo inaceitáveis. A luta entre etnias tem levado a conflitos internos sangrentos e cujos registos são-nos hoje conhecidos.

Neste indulto de questões concertadas, o meu propósito é deixar explícito que no pós Revolução de Abril, aquela dos Cravos que teimam paulatinamente murchar neste País livre e outrora sonhado, o PAIGC assumiu o comando político do território e a Guiné tornou-se um país independente.

Desses tempos de delírio, a que acresce a chegada dos guerrilheiros à cidade, guardo no meu álbum de recordações uma foto com uma delegação do PAIGC, em Bafatá, onde não faltava a bandeira – vermelha, amarela e verde - e sua enorme fogosidade ante um povo que começava a aprender as leis do novo regime.

Olhava para as suas caras e interrogava-me: Serão estes alguns dos rostos com os quais combatíamos no terreno? Ficava a dúvida. Talvez, a certeza!

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P13837: Postes Escolares Militares (2): Com os meus camaradas já no Puto, fui destacado para fazer exames da 4ª classe, em Mansabá, a soldados metropolitanos... Ao chegar, sem arma, apanhei logo um forte ataque IN... No dia seguinte, deixei passar metade dos examinandos... (Paulo Salgado, ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; professor primário, administrador hospitalar, cooperante)



Guiné > Região do Oio > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) > O alf mil op esp Paulo Salgado... Embora essencialmente operacional,  não se coibia de dar uma mãozinha quer no posto sanitário quer na educação de adultos.

Na foto acima, vemo-lo, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho. Professor primário, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde. E particular motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade. Irei encontrá-lo, mais tarde, em 1982 em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública. Mas só depois da criação do blogue, é que demos conta, por volta de setembro de 2005,  que éramos também "camaradas da Guiné" e tínhamos uma "paixão comum por África"...

O Paulo (e a sua inseparável companheira, a Conceição Salgado, economista, também ela nossa grã-tabanqueira, tal como a filha de ambos, doutorada em biologia, investigadora no Reino Unido,  Paula Salgado) vive neste  momento entre Vila Nova de Gaia e Luanda.

O casal (o Paulo e a São) regressam a Luanda neste domingo,   à sua suite, na baía de Luanda, na Clínica da Sagrada Esperança. Boa viagem, camarada Paulo, e amiga São! Um kandandu para os nossos amigos comuns!... Vocês são feitos da massa dos portugueses de Quinhentos!...

PS - O Paulo é  nosso grã-tabanqueiro desde a  primeira hora (setembro de 2005) (*).

Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Mensagem do nosso camarada e amigo Paulo Salgado, cada vez mais angolano, sem perder as suas raízes transmontanas e muito menos a alma lusa:


De: Paulo Salgado

Data: 20 de Outubro de 2014 às 07:39

Assunto: Aprender a ler (**)...


Meu Caro Luís,

Grande Tertuliano,


Havia dois professores na companhia: o furriel Carvalho (enfermeiro) que dava aulas aos camaradas, e eu, menos disponível, dava uma ajuda.

O manual era o quadro preto com invenções nossas e os livros usados pelos tugas por esse "império" mal construído...eram os do  Continente...como poderíamos fazer de outra maneira?

Mas uma história que penso ter contado: a companhia estava já no puto [, metrópole,] e este modesto escriba e mestre-escola foi destacado para fazer exames da 4.ª classe em Mansabá para onde foi transportado de propósito. 

Nesse dia, ao entardecer, um forte ataque do IN e...para onde ir...? No dia seguinte, ao ditado - que fazia parte do exame - reparei que ao primeiro parágrafo cada palavra seu erro; solução: cópia...

Lá passaram mais de metade para, ao menos escreverem, sem interposto camarada, o aerograma à mulher, à noiva, à madrinha de guerra. E para "tirar" a carta de condução...

No final de dois dias, lá vim de coluna, sem arma, com a farda n.º 2...sem qualquer emboscada.

Saudação tertuliana

Paulo Salgado

 NOTA: No mato, os livros utilizados pelos professores do PAIGC de Cabral eram didáctica e pedagogicamente mais correctos e apelativos...Eles ensinavam o português...Sou testemunha.



Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > s/l > Uma escola algures numa "região libertada". Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. Tudo indica que tenha sido tirada na Guiné-Conacri, numa base de rectaguarda do PAIGC, talvez Boké, ou mais provavelmente na própria capital, Conacri, onde havia desde Março de 1965 uma escola-internato para os filhos dos militantes, dirigentes e guerrilheiros.

Fonte / Source: Nordic Africa Institute (NAI).  Foto / photo: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI / courtesy of NAI) (Edição / Edited by LG]



Guiné-Bissau > PAIGC > s/l> s/d> Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro,  2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB..

[Wretmans Boktryckeri AB era um tipografia, fundada em 1889, por Harald Wretmans, tipógrafo com formação alemã, e que  faliu em 1973, depois de ter passado por várias mãos, e de ter 40 funcionários na década de 1940. Tinha fama de apresentar boas encadernações.]

Foto: Fotógrafo desconhecido. [Imagem reproduzida e editada por LG, a partir de um exemplar gentilmente disponibilizado pelo nosso camarada Paulo Santiago].

Imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014). [Edição: LG]




PAIGC > Imagem do livro da 1ª classe, também editado em 1970, impresso e encadernado pela Wretmans Boktryckeri AB, Uppsala, Suécia.  Exemplar apreendido em 1973, no Cantanhez. numa operação "para lá do bolanha de Cafal " (Cortesia de Manuel Maia).
2. Comentário de L.G.:

No interior da Guiné, no "mato", nas "regiões libertadas", não havia estruturas, escolas, hospitais ou outros equipamentos sociais, de pedra e cal... Pela simples razão, que eram um alvo fácil para a aviação portuguesa, bem como para a artilharia e forças terrestres (que continuaram sempre a ir a todo o lado, com maior ou menor resistência dos guerrilheiros). Por outro lado,  eram difíceis os caminhos que levavam às bases de retaguarda, na Guiné-Conacri (e mais tarde, no Senegal). 

Além disso, sabemos que eram duríssimas as condições de vida e de trabalho tanto das populações controladas pelo PAIGC como dos guerrilheiros... [Por exemplo, no interior da Guiné, na zona leste, no setor L1, que eu conheci  bem, enquanto graduado da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71]....

 A propaganda para consumo essencialmente externo, contava outra história, orientada para a heroicização dos combatentes da liberdade da pátria, homens e mulheres, quer na retaguarda quer na frente... Acontece isso em todos os movimentos revolucionários. O PAIGC, de inspiração marxista-leninista, não fugia à regra. Por seu turno, Amílcar Cabral era um líder carismático e um homem sedutor, a par de um hábil diplomata,  tendo conseguido um importante capital de confiança em países nórdicos como a Suécia onde eram impressos, por exemplo, os manuais escolares do PAIGC, pelo menos os livros da 1ª e 2ª classes, ainda antes da independência...  Depois os nórdicos cansaram-se da Guiné-Bissau,,, contrariamente aos portugueses, pelo menos a alguns portugueses como nós... (LG)

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Notas do editor:

(*) 18 de setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P175: Tabanca Grande: Paulo Salgado, ex-Alf. Mil. da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)

(...) Penso que nos cruzámos na Escola Nacional de Saúde Pública,  por volta de 1982... Do outro lado da mesa [estava] o assistente, e deste lado o aluno de Administração Hospitalar. Foi assim, não foi?

Mas nunca tivemos OPORTUNIDADE DE conversar ... o raio do peso institucional... da Escola. Vou gostar de participar neste blogue.

Fiz a minha comissão no Olossato e Nhacra entre Abril de 1970 e Março de 1972.

Fiz uma segunda comissão em 1990/92, como cooperante na área da saúde. Matei fantasmas; chorei no Olossato; ri-me com as crianças que rodearam a minha viatura; revisitei o Suleiman que me reconheceu passados vinte anos!!! E depois vieram alguns homens grandes...e imensos...

Tenho ido várias vezes a Bissau desde 1996 - os amigos que tenho feito...! As desilusões que tenho sentido da parte dos guineenses. Mas também a esperança. Irei fazer outra comissão de um ano, dentro de poucos dias...! Loucura? Utopia? Talvez. (...)



(...) Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"... (...)

Guiné 63/74 - P13836: Parabéns a você (809): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13831: Parabéns a você (808): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

sábado, 1 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13835: (Ex)citações (245): Dia dos Fieis Defuntos: o povo sabe que nas campas no final fica só terra sobre terra mas para ele essa terra é sagrada (Francisco Baptista, Brunhoso, Mogadouro)

 1. Comentário de Francisco Baptista ao poste P13833 (*):


[ Foto à esquerda, Francisco Baptista, ex-alf mil inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72); transmontano de Brunhoso, Mogadouro


Quando eu era garoto, em Brunhoso, os mortos tal como os vivos tinham um tratamento pobre. No cemitério não havia campas nem jazigos. Minto,  havia somente dois jazigos de duas famílias mais ricas. A minha avó paterna, viúva desde os 40 anos, farta de amealhar DINHEIRO das tiragens da cortiça, que nunca dividiu com os filhos, também quis ser rica depois de morrer e vai daí mandou construir um grande jazigo para família.

Esse jazigo foi construído teria eu oito ou nove anos, a minha avó terá durado mais dois ou três. Nesse tempo os mortos eram enterrados, os ricos com grande pompa com missas celebradas por muitos padres, os pobres somente com o padre da paróquia. Não havia carros funerários nem para uns nem para outros, os parentes próximos, com possibilidades fisicas, transportavam a urna.

Não havia flores para o morto, a gente da minha terra nesse aspecto era muito prática, para quê flores se o morto não as vê. Havia muita gente da aldeia, quase toda, e das aldeias próximas, que aumentava na medida da riqueza ou do prestigio do morto. No cemitério o padre rezava os responsos, à medida que as moedas de uma croa ou mais iam caindo na bandeja. Finda a cerimónia cada um ia à sua vida e o morto ficava no seu descanso.

No dia de finados, dia 2 de Novembro, instituido há secúlos pela Igreja Católica ( o dia 1 de novembro sempre foi o dia de todos os santos, talvez por ser feriado as pessoas dos grandes centros passaram a homenagear os seus mortos nesse dia). A minha aldeia mais obediente à curia romana homenageava os seus mortos no dia dois. De manhã cedo o padre rezava a missa e no final ia com todos os crentes em procissão ao cemitério onde rezava alguns responsos a pedido de uns e de outros.

No final as pessoas tinham o dia livre para poderem ir para as suas fainas. Ninguem tinha a preocupação de arranjar as campas onde a erva crescia por vezes a bastante altura já que não havia animais que a pastassem. Se os falecidos não se incomodavam com o aspecto do cemitério, e aquele relvado com papoilas, malmequeres e outras flores até nem era feio, porque se haviam de incomodar os vivos. Até um dia em que o coveiro pela primavera vendo erva tão tenra e viçosa no cemitério decidiu meter lá duas mulas que tinha, de noite. Alguém do povo viu e espalhou a notícia e o povo que no seu intimo e nas suas orações respeitava muito os seus mortos, mesmo sem os visitar nem lhes enfeitar as campas, não gostou e despediu o coveiro.

O povo sabe que nas campas no final fica só terra sobre terra mas para ele essa terra é sagrada, é a melhor terra da aldeia, a terra dos seus antepassados ou filhos e não deve ser pisada por outros animais além do homem.



Portugal > Bragança >  Mogadouro > Brunhoso >  Terra com história, património e gente de carácter. Foto de Aníbal Gonçalves, grande divulgador da sua região, em particular o nordeste transmontano. Professor, alia a fotografia ao geocaching.  É natural de Bragança, vive em Vila Flor. Tem página no Facebook. Cortesia da sua  página dedicada a Brunhoso.

Isto,  camarada Luís Graça, poeta e escritor que aprendi a admirar muito para lá de reticências e preconceitos iniciais, é o poema sem rima e a prosa que não explica tudo do manancial que os povos de todas as latitudes têm para expressar a sua compreensão do sagrado, do eterno, enfim desse grande abismo que nos aguarda.

Eu, como tu,  gostava de encontrar lá esses jovens que morreram na Guiné dos nossos tempos, nessa guerra anacrónica mas em que muitos acreditaram que eram uma guerra patriótica e eu,  respeitando as ideias e a forma de sentir de uns e outros,  digo que viva Portugal.

Para acabar,  amigo Luís Graça quero dizer-te que gostei do teu poema tão expressivo e tão longo, e desejar-te muitos anos de vida, para que a tua voz não se cale e que continue a lembrar e homenagear esses nossos camaradas que tão novos nos deixaram e que com eles levaram parte da nossa alma e da nossa vida.

Um grande abraço, Francisco Baptista.



Portugal > Bragança > Mogadouro > Brunhoso > Cemitério local > 5 de novembro de 2011 > "A tradicional visita ao cemitério que costuma fazer-se no Dia dos Fieis Defuntos (que foi no dia 2 de novembro)". Foto de Aníbal Gonçalves. Cortesia da sua página dedicada a Brunhoso, freguesia do concelho de Mogadouro, distrito de Bragança.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2014 >  Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41):Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris

Guiné 63/74 - P13834: Bom ou mau tempo na bolanha (73): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (13) (Tony Borié)

Septuagésimo segundo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Resumo do décimo terceiro dia

A cidade de Homer, que muitos chamam “fim da estrada”, querendo dizer que para a frente é só água, e na verdade é, pois está localizada no sudoeste da “Península do Kenai” e distingue-se porque tem um cabo de terra, a que chamam de “Homer Spit”, em parte feito pelo homem, que entra pela baía de “Kachemak”, por uma distância de aproximadamente 4,5 milhas, ou seja 7,2 quilómetros, que dizem que é a estrada mais longa em todo o mundo, entrando em águas do oceano.


O tempo era bom, céu quase azul, fresco, mas agradável. Quem como nós nasceu na encosta da montanha, perto do mar, esta povoação piscatória tem tudo para nos prender a atenção, não importa a direcção em que colocamos o nosso olhar. William Shakespeare, escreveu: “Se a morte predomina na bravura do bronze, pedra, terra e imenso mar, pode sobreviver a formosura, tendo da flor a força a devastar”.

Nós, modestamente, acrescentamos: “se o olhar começa no pico da montanha coberta com neve, pedra e terra, terminando num imenso areal, de restos de lava de um vulcão, rodeada de um mar calmo, parecendo mais um lago, onde o espelho da água é quebrado pela rede de alguns barcos pescando, aqui não há lugar nem pensamento para a morte, é vida pura, não importa a direcção em que coloque o seu olhar, aqui sim, pode sobreviver a formosura, onde as flores e alguma vegetação, têm força para a terra e a pedra desvastar”.

Porra, já não sei onde íamos, perdi-me, vamos tomar “o fio à meada”, como dizia a minha querida avó, tudo isto está aqui retratado, onde por sua vez existe uma entrada artificial de água, (fishing hole), a que orgulhosamente chamam “The Nick Dudiak Fishing Lagon”. Quando a maré sobe, enche essa área que faz a delícia dos pescadores. Os turistas como nós, que chegam por terra, não são muitos, chegam e partem, usam os pequenos restaurantes, peixarias e casas que vendem “lembranças”, ao longo deste cabo de terra, onde também existe uma marina para barcos de pesca e, um ancoradoiro de um terminal para barcos tipo “ferry”, que levam viaturas e passageiros para as Aleutian Islands, para onde viaja, sobretudo jovens na procura de aventura.


Nas proximidades, quando a maré está baixa, fica uma área de quilómetros de extensão seca, onde muitos aproveitam para fazer reparações no casco dos barcos e onde alguns até residem. Também lá existe o famoso Salty Dawg Saloon, que é considerado um monumento em Homer, pois foi uma das primeiras casas construídas no “Homer Spit”, por volta do ano de 1897, servia de farol de sinalização, casa dos correios, estação dos caminhos de ferro, loja de conveniência e escritório de uma companhia de minas de carvão por muitos anos. Em 1909 fizeram uma segunda casa que serviu de escola, correios e loja de conveniência, mais tarde foi casa onde viveram três adultos e 11 crianças.


Em 1940 um homem de negócios comprou o edifício e passou a ser o escritório da Standard Oil Company e, finalmente em 1957, abriu como Salty Dawg Sallon, que é um bar típico do Alaska, como era no princípio do século passado, com o chão térreo e serradura, onde se pode falar de tudo, dizeer asneiras, cuspir e atirar as cascas dos amendoins para o chão, e fazer tudo o que nos der na real gana, como é normal dizer-se, claro, sem insultar ou provocar alguém e, beber cerveja local à temperatura da casa, por canecas muito grandes, algumas de barro ou porcelana. Tudo isto, além de ser talvez o local em todo o território do Alaska onde existe a maior comunidade de águias de colar branco, que passam o tempo pescando.


Saímos de Homer, seguindo pela mesma estrada, só que agora rumo ao norte, atravessando de novo a “Peninsula do Kenai”, parando na povoação de Cooper Landing, cujo nome no ano de 1884 foi dado por Joseph Cooper, um mineiro que aqui descobriu ouro, todavia, a história diz que já no ano de 1848, Peter Doroshin, um engenheiro de origem Russa, aqui tinha identificado ouro, juntamente com outros prospectores.

Esta povoação é bastante popular, principalmente no verão, sendo o destino de muitos turistas, principalmente pescadores amadores, porque não só podem pescar salmão no “Russian River”,  quando os peixes querem subir o rio, como podem apreciar a floresta.

Foi o que fizemos, ocupámos um espaço no parque de campismo, tirámos licença para dois dias, equipamento vestido, cana pronta e, depois de atravessar o rio, numa jangada que aqui existe, eis-nos no “fighting zone”, ou seja na zona de luta, junto de muitos outros pescadores amadores.


A princípio, não havia experiência e, foi ver os outros pescarem, mas depois de saber “dar-lhe a volta”, também pescámos salmão, que foi limpo ali mesmo no rio e cozinhado passadas umas horas.



Foi o resto do dia, e da manhã do próximo, pescando e desfrutando da beleza da paisagem, com os peixes saltando no rio, “desejosos que os pescassem”, e as gaivotas e águias voando rasteiras, pescando também. Foi dos dias que não esqueceremosmos mais, a água pura do “Russian River”, não gelada, mas transparente, vendo-se as rochas no fundo, em alguns lugares revoltosa, os peixes a saltar na nossa frente, com um cenário, sobretudo, selvagem.

Neste dia, percorremos apenas 217 milhas, com o preço da gasolina variando entre $4.22 e $4.37 o galão, que são aproximadamente 4 litros.

Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13800: Bom ou mau tempo na bolanha (71): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (12) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris

Lembra-te, ó homem, que és pó!...

por Luís Graça

[em dia de finados, 
lembrando os nossos entes queridos, mais os amigos e camaradas, todos os  que já partiram à nossa frente...]

O cemitério enche-se de flores,
ostensivamente;
é um jardim de mármore e granito,
com centenas de velas acesas
que à noite se transformam em fogos fátuos 
e libertam fortes odores.
Durante toda a tarde as famílias da freguesia
visitam as campas e os jazigos dos seus mortos
e convivem, ruidosamente, umas com as outras,
os vivos com os mortos,
os mortos com os que hão-de morrer.
Mistura-se a tristeza com a alegria,
mas vai-se ao cemitério de dia,
nunca de noite.

É a festa dos mortos,
mas também a celebração da vida,
a afirmação da convivialidade,
a reafirmação do poder da vida sobre a morte,

o reforço dos laços dos vivos,
que são vizinhos uns dos outros,
parentes, 

familiares,
amigos,
e que também estão na lista dos candidatos ao além.
Não sabem, porém,
nem quando, 

a que dia, hora e minuto,
nem em que lugar,
nem como nem porquê…
E mais: 

recusam-se a marcar passagem…
Só o velho barqueiro de Caronte
é que tem a lista dos passageiros
e os horários
e os percursos da última viagem
da terra dos vivos.
Aquela que poucos fazem de bom grado...

É também quiçá a recusa da morte,
da partida definitiva,
do fim da peregrinação terrena,
a reivindicação da imortalidade,
o pecado da usurpação do poder divino,
é, enfim, a manifestação da culpa por se estar vivo
em lugar daqueles de nós,
que nos eram muito queridos,
e se calhar muito melhores do que nós,
e que morreram (ou partiram),
injustamente,
antes de nós,
muito antes de nós,
alguns em tenra idade
sem sequer terem conhecido 
os sabores do leite e do mel
da terra que lhes fora prometida ao nascer...

Quem vive mais longe 
(Porto, Lisboa e até Paris...),
vem de propósito neste dia
enfeitar as campas e os jazigos dos seus mortos,
aqui erigidos neste cemitério.
em terra de antigos rendeiros,
camponeses pobres,
que ainda hoje cultivam a memória do Zé do Telhado,
herói do banditismo social oitocentista,
e que fazem questão de mostrar,
aos ricos 

e aos fidalgos de antigamente,
que a democracia e a liberdade trouxeram também
a igualdade de oportunidades
e a miragem da mobilidade social,

e o sonho do sucesso na vida,
tipificados no brasileiro 
e no francês do século passado...

No meio do pequeno cemitério da freguesia,
construído tardiamente, 
em finais do século XIX,
há ostensivamente uma capela,
a da família da casa
que, foi desde os tempos do liberalismo,
a verdadeira dona e senhora desta terra
e dos seus habitantes,
dona dos seus corpos 
e até das suas almas...
No cimo da porta da capela,
em estilo neogótico revivalista,
pode ler-se a frase niilista,
em poético latim:
Memento, homo, quia pulvis es
et in pulverem reverteris.

Como os antigos pobres rendeiros não sabiam ler,
e muito menos o latim 
dos frades absolutistas e dos juristas liberais,
alguém terá escrito a giz, branco,
no mármore liso.
a corresponde tradução em português chão:
Lembra-te, carago, que és pó
e em pó te hás-de tornar...


Mesmo na morte, os homens tentam,
pateticamente,
inutilmente,
bizantinamente,
reproduzir a segregação socioespacial,
a distância, que mantinham entre si, em vida,

conforme a classe em que nasceram
ou a que ascenderam...
É por isso que eu gosto da designação, 

filosoficamente irónica,
dada a alguns cemitérios públicos no sul, no Alentejo:
Campo da igualdade...
Metaforicamente falando,
a gadanha da morte ceifa tudo e todos,
ceifa rente a vida,
e não poupa tanto a espiga de trigo
como a erva do campo,
a papoila vermelha e o saramago,
a raposa e a abetarda,

a lebre e o cágado,
a mondadeira e o patrão,
a rosa e o espinho,
o rico e o pobre,
o herói e o cobarde,
o general e o soldado,
a bonita e a feia,
o novo e o velho,
o amo e o servo,
o poeta e a sua musa,
o médico e o doente,
o santo e o pecador,
o amigo e o inimigo...

Passei por lá,
pelos cemitérios 
de Paredes de Viadores
e Paços de Gaiolo,

a serra de Montemuro em frente,
o vale cavado pelo rio Douro, a meio,
e havia gente à volta das campas,
de todas as campas, menos de duas...
Tirei fotografias 

aos grandes,
vistosos 

e dispendiosos arranjos florais,
sobre as pedras de mármore ou granito polido,
que devem ter custado os olhos da cara 
aos parentes dos mortos...
Fotografei grupos de familiares e amigos
em amena 
 (e aqui e acolá alegre, 
viva,  franca,  saudável) cavaqueira. 
Quem disse que o cemitério não pode ser uma passerelle ?
Percebi que a homenagem aos mortos
é também (e sobretudo ?) um pretexto
para os vivos se reencontrarem
e se mostrarem uns aos outros...
e para dizerem, alto e bom som,
que estão vivos,
e de boa saúde,
e que estão prósperos,
bem de vida,
com os seus Mercedes de matrícula K,
com os exames e análises em dia,
e o certificado de robustez física,
enfim, com o corpo e todas as miudezas 

dentro do prazo de validade.
Em suma, estão vivos,
sãos,
e recomendam-se...

Mas que também têm sentimentos,
não importa se pequenos ou grandes.
E que sabem mostrar 
que têm decência
e recato e memória e saudade...
E que sabem chorar, 
sinceramente, os seus mortos,
os seus entes queridos,
que, mesmo contra toda a evidência,
estarão algures numa galáxia
a zelar por eles,
ínfimas partículas do sistema solar.
Muito simplesmente, são
ou parecem ser gente feliz
com uma lágrima furtiva ao canto do olho.
Em dia de festa dos mortos,
ou melhor, em Dia (feriado) de Todos os Santos
que é também, para o povo, 
 o Dia de Finados ou dos Fieis Defuntos.
Um dia , ao mesmo tempo,  de tristes e doces lembranças.

No sul, da Reconquista, 
de onde eu venho,
e a que eu pertenço,
mix de bárbaro, romano, judeu,
visigótico, mouro, franco, africano,

também há o culto antiquíssimo, 
megalítico, pagão,
dos mortos,
de que as antas, os menires e os cromeleques 
são um magnífico exemplo arqueológico.
Mas aqui, no norte, o cristianismo
(e a Igreja Católica Apostólica Romana)
soube quiçá enquadrá-lo melhor,
dar-lhe a necessária dimensão
escatológica, cultural, gregária, 

simbólica, normalizadora...
Por todo o país, no Portugal profundo
(ou no que resta desse mito),
os mortos são lembrados no seu dia,
e no seu sítio,
convenientemente apartados dos vivos.
All souls' day, diz-se em inglês,
o dia das alminhas 

(que ternura de termo!),
diz o nosso povo.
Leio na Enciclopédia Católica
(cuja origem remonta a 1917):
"A fundamentação teológica desta festa
é a doutrina segundo a qual
as almas que, ao partirem do corpo,
não estejam perfeitamente limpas dos pecados veniais,
ou não tenham totalmente expiado
as suas transgressões passadas,
ficam privadas da Visão Celeste.
No entanto, os fiéis sobre a terra podem ajudá-los,
por intermédio de orações, esmolas
e sobretudo do santo sacrifício da Missa".

Não sei, contudo, 
qual é o entendimento da Igreja Católica
em relação aos seus membros 

que morrem em combate,
sejam quais forem as causas, boas ou más,
por que se tenham batido...
No passado, nas Cruzadas,
ou dilatando a fé e o império, 

ao serviço do rei,
mais tarde pela Pátria, 

conceito republicano e burguês.
Pode ser-se herói,
e herói da Pátria,
e mesmo assim não se estar na lista dos eleitos,

que são todos os nomeados e lembrados...
Pode ter-se morrido pela Pátria
e mesmo assim esse sacrifício 

ter sido perfeitamente inútil...
Ou no mínimo, branqueado,
ignorado,
esquecido,
ocultado
ou até mesmo denegado.
Pode-se ter morrido pela Pátria, Mátria ou Fátria
(que o mesmo é dizer

morrer-se pelo pai, pela mãe, pelo irmão),
em Angola, Guiné ou Moçambique,
e mesmo assim ser-se completamente olvidado
(que é o pior dos abandonos),
nos nossos cemitérios,
no dia da festa dos mortos...

Para onde irão as almas dos combatentes?,
pergunta, ingénuo, o poeta…
Quase sempre, muitas vezes, 
em toda a parte,
em todos os tempos,

vão para o limbo, 
vão, quando muito, 
para o silêncio dos arquivos e das estatísticas,
vão para o purgatório do olvido,
que é esquecimento 

mas também letargia, adormecimento. 
Como em Paços de Gaiolo,
do antiquíssimo concelho,
já extinto, de Bem Viver,
ou em tantas outras freguesias
do nosso querido Portugal profundo,
que já foi medievo, mouro, visigótico, romano, celta, lusitano...
Como estas duas campas, rasas, 

de dois bravos
que deram a vida aos vinte anos, 
no ultramar português,
Joaquim Araújo, 

Francisco Soares…
Deram a vida por alguém, 

por alguma coisa,
a que eles e os seus, carinhosamente,
chamavam Pátria,
Morto pela Pátria…
Eterna saudade de mãe e irmãos…


De facto, a guerra do ultramar nunca existiu.
Os mortos do ultramar nunca existiram.
Há uma amnésia geral
em relação aos nossos mortos do ultramar,
uma espécie de má consciência,
de denegação,
de branqueamento,
de alívio...
Mesmo que hoje comecem a aparecer,
nas nossas cidades, vilas e vilórias,
monumentos ao combatente,
como antigamente proliferaram
os monumentos ao soldado desconhecido
da I Grande Guerra.
Pode-se monumentalizar os mortos,
e esquecer os vivos.
Pode-se exorcizar os fantasmas,
mas não desformatar o disco rígido
de toda uma  geração.
Por que o fim da guerra colonial
(ou do ultramar, como quiserem),
foi literalmente o fim de um pesadelo...
Para os jovens da minha geração,
um milhão e trezentos mil que por lá passaram,
fora os duzentos mil 
que não se apresentaram às sortes...
E é bom que os jovens de hoje, 
os nossos filhos e netos, 
saibam isso,
que havia então o serviço militar obrigatório
e que era altíssima a probabilidade de se ser mobilizado
para uma das três frentes de guerra,
ou teatros de operações,
que Portugal mantinha em África...
Hoje há ainda algum pudor em falar dessa guerra,
de baixa intensidade,
mas que consumia vidas e cabedais.
mesmo que o suicídio, 
os acidentes rodoviários,
os acidentes de lazer,
e os acidentes de trabalho,
matassem muito mais 
que todas as três guerras juntas...
Só o suicídio mata mais, por ano,
em todo o mundo,
que todas as guerras juntas,
locais, regionais e interbacionais..
Pudor, 

lassidão,
talvez vergonha, 
quiçá culpa...
Da guerra e dos seus mortos, 

de ambos lados,
dos trasladados e dos insepultos,
dos seus desaparecidos,
dos seus estropiados,
dos seus mortos-vivos, 

dos seus vivos-mortos,
dos que não vieram nem em caixão de chumbo,
dos que vagueiam, ainda hoje, como fantasmas
pelas margens dos Rios da Guiné,
Geba, Corubal, Mansoa,
Cacheu, Buba, Cumbijã, Cacine...
Ou dos rios de Angola e de Moçambique
cujos nomes os poetas, os bandeirantes e os geógrafos
já esqueceram...

Se calhar a amnésia é recíproca:
de nós, felizardos, safados,
que estamos vivos 
(mesmo que mais velhos, mais tristes e mais pobres),
em relação a eles 

que tiveram o supremo azar de morrer
(em combate, ou de acidente, doença,

ou até de homicídio e suicídio);
e, se calhar,  deles em relação a nós,
já que não mais nos visitam, 

escrevem,
assombram,
incomodam,
interpelam,

imploram,
gritam,
atormentam
ou questionam...

No dia dos Fiéis Defuntos, 
na festa dos mortos,
os que morreram de morte natural,

ou de morte matada
no campo de batalha, 

nas picadas
e nos aquartelamentos,
na África remota,
distante,
dos séculos passados,
na antiga vila e freguesia da germânica Fandinhães
(substituída do tempo do Marquês de Pombal
por Paços de Gaiolo),

não têm,  no cemitério local,
uma menção especial,
um pequeno talhão,
uma atenção especial,
um arranjo floral,
umas simples flores de plástico,
ou até uma singela frase
escrita a pau de giz, branco,
na pedra oxidada e suja da sua campa...

Mas será que deveriam tê-lo ?
Hoje são apenas pó,
na terra dos homens,
e sobretudo, o que é mais triste,
na memória dos vivos...

Candoz, 1/11/2008
Versão 10, revista em 1/11/2014

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13680: Manuscrito(s) (Luís Graça) (40): Selfies /autorretratos: o meu amigo F..., pintor, e eu... Queria que fôssemos, a salto, até Paris, em 1965...


Guiné 63/74 - P13832: Postos escolares militares (1): Alunos, mestres e manuais... (Jorge Araújo / Hélder Sousa / J. C. Mussá Biai / Cherno Baldé / José Câmara)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CSS/BCAÇ 3872 (1972/74) > "O mestre-escola [, o Joaquim Guimarães, ] mais o burro [, o Augusto, ] e o Mamadu Djaló, em 1972, em Galomaro, sede do batalhão. (*)...Burro, asno, jumento, jerico, cujo berço foi a nossa África Mãe, Equus africanus asinus, segundo a nomencolatura trinomial de Lineu (1758)... Mas também "besta de carga", desde há pelo menos 5 mil anos a.C. quando o seu ancestral selvagem foi domesticado, tal como o cavalo... Mas na escolinha do nosso tempo punham-se "orelhas de burro" aos mais atrasados  da classe... Pobre bicho, hoje em perigo de extinção...



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 (Galomaro) > Saltinho > CCAÇ 3490 (1972/74) > "Os professores dos Postos Escolares do Saltinho". [O Joaquim Guimarães é o terceiro a contar da esquerda; de seu nome completo, Joaquim Fernando da Silva Guimarães. ex-soldado nº 108261-7, pertenceu ao BCAÇ 3872 e vive hoje nos EUA; já há muito que não temos notícias dele].

Fotos (e legendas): © Joaquim Guimarães (2007). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) Posto Escolar Militar (PEM) nº 14  (***) > 1972 > Alunos da Escola Primária. (**)


Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição de LG]




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Candamã, aldeia (tabamca) em autodefesa do regulado de Corubal que a guerra despovoou > Um improvisado Posto Escolar Militar ?. Do lado esquerdo, ao alto, numa árvore, está afixado um cartaz de propaganda das NT: "Juntos venceremos". Sob a bandeira das quinas, duas mãos (uma branca e outra preta) apertam-se... Foto do álbum do ex-alf mil Torcato Mendonça > Fotos Falantes IV. (***)

Foto: © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; LG]



Guiné > Zona leste > região de Bafatá > Fajonquito > "O meu irmão Carlos (2 anos mais velho, hoje farmacêutico, formado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Técnica de Lisboa), durante a alocução por ocasião do dia 10 de Junho de 1971, Dia de Portugal e de Camões, na escola primária de Fajonquito. Na imagem estão dois oficiais da companhia do Cap Figueiredo (CART 2742), um dos quais, o Alferes Félix encontrou a morte no mesmo dia que o seu Capitão". Foto do álbum do Cherno Baldé.(****)

[Meu caro Cherno: durante o Estado Novo, e até ao 25 de abril, era o feriado nacional do 10 de junho, o "Dia de Portugal, de Camões e da Raça"... Depois substituímos o politica e cientificamente incorreto termo "Raça" por "Comunidades Portuguesas"...Hoje é o "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas"... LG]

Foto: © Cherno Baldé  (2012). Todos os direitos reservados [Edição; LG]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael >  Posto Escolar Militar n.º 23 (PEM nº 23, Gadamael)  > Frequentaram as aulas da instrução primária algumas dezenas de jovens alunos (também alguns adultos da população). Não era fácil dar aulas a muitos que não falavam português (nem em crioulo se exprimiam), mas registaram-se muitos casos de bom aproveitamento, com conclusão da 4.ª classe . Foto do álbum do nosso saudoso camarada Daniel Matos (1950-2011) que foi fur mil,  CCaç 3518, Gadamael, 1971/74). (*****)

Foto (e legenda):  © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição ; LG]


1. Vamos iniciar uma  nova série ("Postos Escolares Militares"), com a publicação de cinco comentários ao poste P13812, subscrito pelo Jorge Araújo (*). Esperamos os contributos de todos os camaradas que foram professores ou monitores nas PEM... Afinal, mais do que a espada e a cruz, preocupamo-nos com a transmissão da língua portuguesa, veículo de identidade nacional da Guiné-Bissau... 

A língua do Padre António Vieira, de Fernando Pessoa, de Amílcar Cabral, de Carlos Lopes, de Siza Vieira, de Paula Rego, de Mia Couto, de Paulina Chiziane, de Ondjaki, de Ana Paula Tavares, de António Houaiss, de Cecília Meireles, de Xanana Gusmão, de Cesária Évora e de mais 255 milhões de homens e mulheres lusófonos espalhados pelo mundo, incluindo a malta da Tabanca Grande, o Hélder, o Jorge, o Cherno, o Zé Carlos, o Luís, o José Câmara, o Torcato, o Daniel, o Guimarães... Temos em comum um "poilão" sob o qual nos abrigamos, e à volta do qual comunicamos, e que é a língua... portuguesa. (LG)


 
Helder Sousa
(i) Hélder Sousa
 

Caro Jorge Araújo

Já estou habituado ao rigor e seriedade com que costumas pautar os teus trabalhos. Sejam eles os mais dramáticos como os que relataste das emboscadas sofridas, sejam alguns aspectos mais ligeiros.

Desta vez a 'pancada' deu-te forte ao descobrires uma ponta de ligação ao teu passado. Sim, porque isso é história, faz parte de ti, do todo que és e foste.

Esta dupla homenagem que fazes, ao José Carlos [Mussá Biai] e ao Carvalhido da Ponte, é fruto dessa tua sensibilidade para perceberes o que é verdadeiramente importante, a amizade, o reconhecimento, a vitória daquilo que dizes que te aconteceu quando percebeste que mais do que o "EU" o que era realmente duradouro seria a partilha com o "OUTRO".

Está aqui um bom trabalho. Oxalá, e acredito que sim, que se atinja o objectivo.

Abraço, Hélder S.

 (ii) Luís Graça
Luís Graça, em Candoz, 2011


 Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"...

Imagino que não fosse fácil ao Carvalhido da Ponte explicar ao José Carlos Mussá Biai, mandinga e muçulmano, do Xime, que nunca tinha sido da sua tabanca, o que era a pátria, ou significado da bandeira nacional, ou letra do nosso hino, ou a diferença entre um minhoto e um algarvio...

Ou ainda explicar as lendas das mouras encantadas do nosso romanceiro popular. Ou a conquista de Lisboa aos mouros. Ou ainda a lenda do Infante Santo... Muito menos as guerras de religião, no passado, entre cristãos e mouros...

Em todo o caso, o mais importante é que o José Carlos Mussá tenha aprendido a ler escrever, graças ao posta escolar militar do Xime, e a tenha chegado à universidade, sendo engenheiro florestal, se não erro. E trabalhando e vivendo em Portugal, como português e sem nunca esquecer as sua raízes guineenses.


Xime, PEM 14, 1972
(iii) José Carlos Mussá Biai

Olá. Luís,

Ao contrário que possa imaginar, quando andava na primária, sabiamos mais da metrópole, Angola e Moçambique do que da Guiné.

Os nomes dos rios, linhas de caminho de ferro, regiões e conquistas portuguesas, não havia nada que não era ensinado. O hino e a bandeira que era hasteada todos os dias não podiam faltar.

Quanto aos manuais, não me recordo bem, mas acho que nos de 1973 já vinham, como disse com o "pretinho da Guiné" (risos...).

Tenho uma vaga ideia de ter visto o Capitão João Bacar Djaló bem fardado. Mas o curioso é que nunca esqueci as letras do hino da metrópole sem nunca ter aprendido o hino da Guiné "independente".

Mas, são coisas de mininos. Quando acabou a guerra,  eu já tinha a 4ª classe feita e no preparatório não se ensinava o hino...

Um abraço, José C. Mussá Biai



Portugal. Ministério da Educação Nacional. Ensino Primário Elementar  - Livro de Leitura Segunda Classe. 5ª edição. Porto:  Editora Educação Nacional, de Adolfo Machado, 1958, 140 pp, capa dura. Dimensões: 17 x 22 x 1,5 cm. [Cortesia de Loja A Vida Portuguesa].... [Adorei este livrinho: foi ele que me ensinou a ler, escrever e contar... LG]. 


Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho , 1970/72)... [Afinal, em português nos entende(re)mos,,, LG].



Cherno Baldé, estudante

Kichinev, Moldavia, 
dezembro de 1985
(iv) Cherno Baldé:

Caro Luís Graça e amigos,

O Carlos Mussa diz "...Hino da Metropole...", errado.

O Hino a que se refere não era da metrópole, mas sim de Portugal e, na altura, éramos todos portugueses, de facto ou de jure.

Ainda em 1972 o meu irmão mais velho que veio a Bissau para prosseguir os seus estudos, já tinha o seu Bilhete de Identidade de cidadão português.

Acho que os manuais do ensino primário, na altura, eram iguais para as Provincias ultramarinas e não me recordo de ter visto a cara de nenhum "pretinho da Guiné".

Tal como o Carlos Mussá refere, tambem sabia entoar o Hino de Portugal da mesma forma que a partir de Setembro 1974 já entoava o novo Hino da Guiné-Bissau, cada qual o mais aguerrido e heróico que o outro, umas tretas.

Com abraço, amigos, Cherno Baldé

José Câmara
(,hoje, nos EUA)

(v) José Câmara:

Meus amigos,

Nós, os meninos açorianos e madeirenses, aprendemos por cartilhas iguais aqui referenciadas pelo Luís Graça. Até deu para não nos perdermos durante a nossa descoberta do caminho marítimo para a Guiné. Bem bom!

O que importa é que o José Carlos aprendeu connosco e depois, por si, conseguiu ir mais longe nos seus estudos. Hoje põe o que aprendeu ao serviço das populações em que está inserido. E nós fazemos parte dessa comunidade.

Cumprimentos, José Câmara,
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

Guiné 63/74 - P13831: Parabéns a você (808): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13817: Parabéns a você (807): Mário Vasconcelos, ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13830: Agenda cultural (349): Primeira sessão de divulgação da Colecção Literária "Fim do Império", dia 5 de Novembro de 2014, pelas 15h00, na Fundação Marquês de Pombal, Palácio dos Ciprestes, Linda-a-Velha (Manuel Barão da Cunha)

1.ª SESSÃO DE DIVULGAÇÃO DA COLECÇÃO LITERÁRIA "FIM DO IMPÉRIO", DIA 5 DE NOVEMBRO DE 2014, PELAS 15H00, NA FUNDAÇÃO MARQUÊS DE POMBAL, LINDA-A-VELHA


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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13829: Agenda cultural (348): Conferência promovida pela Secção de História da Sociedade de Geografia de Lisboa, dia 5 de Novembro de 2014, pelas 17h30, subordinada ao tema: "O impacto da Sociedade de Geografia de Lisboa na produção científica do Almirante Teixeira da Mota"

Guiné 63/74 - P13829: Agenda cultural (348): Conferência promovida pela Secção de História da Sociedade de Geografia de Lisboa, dia 5 de Novembro de 2014, pelas 17h30, subordinada ao tema: "O impacto da Sociedade de Geografia de Lisboa na produção científica do Almirante Teixeira da Mota"

CONFERÊNCIA PROMOVIDA PELA SECÇÃO DE HISTÓRIA DA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA, DIA 5 DE NOVEMBRO DE 2014, PELAS 17H30, SUBORDINADA AO TEMA: "O IMPACTO DA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO ALMIRANTE TEIXEIRA DA MOTA".
SERÁ ORADOR O SR. COMANDANTE CARLOS VALENTIM

C O N V I T E

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13825: Agenda cultural (347): Apresentação do livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau - Um Roteiro", da autoria de Francisco Henriques da Silva e de Mário Beja Santos, dia 6 de Novembro de 2014, às 18h00, na Sociedade de Geografia, Lisboa

Guiné 63/74 - P13828: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (36): Vídeo de homenagem ao Pepito (1949-2014)


Vídeo (2' 29''). Alojado no You Tube > ADBissau. Publicado  em  2/4/2014. Produção da TV Klele. No curto vídeo da TV Klele (que ele tanto acarinhava e apoiava) passam algumas imagens recentes da sua vida e das iniciativas que liderou no âmbito da AD de que foi cofundador e diretor executivo: Simpósio Internacional de Guiledje,  Assembleia Geral da ONG,. Festival da Escravatura (Quilambola), 2º Acampamento das EVA [Escolas de Verificação Ambiental].


1. Homenagem da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento ao seu mítico cofundador e líder, o carismático eng agr Carlos Augusto Schwarz da Silva (1/12/1949-18/2/2014). mais conhecido por Pepito, e nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, além de amigo pessoal.

Passaram-se oito meses depois da sua morte, em Lisboa, por doença súbita, e  a saudade continua a ser imensa. Ele morreu, fisicamente, mas a força do seu exemplo e a sua pedagogia do desenvolvimento sustentado, integrado e participado continuarão a inspirar os seus amigos e antigos colaboradores. Não era apenas um homem de ação, mas também de ideias, memórias e afetos. Daqueles  fazem falta ao mundo. E, seguramente, à Guiné-Bissau. sua terra,  que ele amava apaixonadamente, apesar de todos sobressaltos, contrariedades, ameaças, riscos e desencantos. (LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de março de 2014 >  Guiné 63/74 - P12904: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (35): Grande e sentida homenagem ao Pepito (1949-2014), no bairro do Quelelé, em Bissau, onde fica a sede da ONDG e a casa de família

Guiné 63/74 - P13827: Ser solidário (171): SOS, Ébola!... Vídeo de informação e sensibilização, em crioulo, acabado de lançar, em Bissau, pelos nossos amigos da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento



Vídeo (3' 33''): Campanha de Comunicação e Prevenção da Doença por Vírus Ébola. Publicado a 17/10/2014. Alojado enm You Tube >  ADBissau. Produção da TV Klele. (Em crioulo. Contem imagens que podem ferir a suscetibilidade de alguns leitores).

1. Os nossos amigos da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento lançaram  uma Campanha de Comunicação e Prevenção da Doença por Vírus Ébola  no dia 22 de setembro em Bissau. Esta campanha durará um ano até agosto de 2015. Este recente vídeo, da sua autoria, faz parte dessa campanha, devendo passar, além da Internet, nas televisões comunitárias, como a TV Quelelé
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de outubro de 2014 > Guiné 53/74 - P13785: Ser solidário (170): SOS, Ébola!... Cooperação Portugal- Guiné-Bissau... Hospital Militar de Bissau vai ter equipas de saúde portuguesas na prevenção e combate a eventuais casos de doença por vírus ébola