sábado, 9 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19566: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (2): domingo de carnaval

Luís Mourato Oliveira

1. Segunda crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol; lisboeta, tem fortes ligações à Lourinhã,  Oeste, Estremadura...

Acabou de chegar a Bissau onde vai estar 3 meses como voluntário  na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo. (*)




Guiné-Bissau > Bissau > Carnaval 2019. 

Vídeo de Luís Oliveira (2019)

Domingo de Carnaval

por Luís Oliveira



Após o sono reparador que apagou completamente a imagem da viagem e do local onde me encontrava (*), acordei em total conflito com a rede mosquiteira e tive a desagradável sensação do carapau quando traiçoeiramente cai nas redes que o trazem para o nosso prato.

Após a breve luta para me libertar da confusão do tecido, abri finalmente os olhos para a realidade. Este não é o meu quarto! Afinal estou mesmo na Guiné-Bissau. E agora?

Primeiro esfregar os olhos, fazer o reconhecimento do terreno, identificar as malas... onde estarão as cuecas? Na mala de porão ou na dos cento e cinco euros da TAP? As t-shirts estão na verde, de certeza. Os comprimidos para quase tudo,  que fazem parte do pequeno almoço,  estavam naquele saco de plástico da farmácia, disso tenho a certeza,  o único problema é encontrá-lo.

Cinquenta voltas ao quarto de treze metros quadrados, mas enorme dado o único mobiliário ser a cama.




Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) > Natal de 1973 > Agestão (complexa) de um destacamento, isolado,no mato, na margem direita do Rio Geba Estreito.  No foto, o Luís Mourato Oliveira, que era o "dono da tasca"...


Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Há quarenta e tal anos também não havia mobiliário para arrumos mas o bricolage transformou uns cunhetes de munições em armários que fariam inveja aos dos dias de hoje no Ikea. Agora toca a reciclar o que aparecer para arrumar e organizar.

Depois dos vinte minutos do exercício de orientação,  estava pronto e junto com as minhas companheiras de missão e da casa, a Leonor, a partir de agora Nôno, e a Sílvia. A nossa veterana é a Nonô que abancou sozinha na casa, serviu na escola com sucesso e demonstrou grande coragem e capacidade de adaptação. O mesmo sucede com a Sílvia, mulheres do Porto são assim, afirmo eu, mesmo sendo do Oeste.

A Nonô dirigiu as operações. Deslocação ao centro, levantar moeda local, comprar um cartão de dados que são comercializados e carregados em plena rua ou em contentores adaptados a quiosques ou até numa cadeira de praia sob um chapéu de sol com a marca da operadora. A tecnologia não conhece fronteiras nem estados de desenvolvimento social e por essa razão esta compra até antecedeu as nossas necessidades de abastecimento no supermercado.

Qualquer cidadão desprevenido, acabado de chegar da Europa, corre grave risco de síncope cardíaca, confirmei imediatamente se trazia o kit de comprimidos SOS Nitromint (0,5 mg de Nitroglicerina). Estão no bolso felizmente, mas a garrafa de água de Penacova continua marcada por quinhentos francos! 

Estou a falar a sério quinhentos francos! Só após um raciocínio complicado para o dia me lembrei que um euro vale cerca de seiscentos e cinquenta francos [, CFA,] e portanto a coisa não estava assim tão feia e não corria o risco de desidratação.

Regresso a casa, almoço com o professor Humberto [Braima Sambu]  num restaurante de portugueses onde foi servido “arroz de pato”... Se não lhes der a minha receita do verdadeiro Arroz de Pato ou se decidir eu próprio abrir uma tasca ao lado, vão perder clientela...

Por fim, o Carnaval. Um divertido desfile constituído por diversas associações e onde são representadas as diversas etnias com seus cânticos usos e costumes. Gostei imenso e foi deveras divertido. Apesar de tudo,  não consegui deixar de lembrar Torres Vedras e as inimitáveis Matrafonas.

Bissau, 3 de Março de 2019.

Luís Oliveira

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Nota do editor:

(*) Poste anterior da série > 6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19554: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (1): a ansiedade da partida e o calor humano da chegada, em 2 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19565: Os nossos seres, saberes e lazeres (311): Viagem à Holanda acima das águas (15) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
No rescaldo de qualquer viagem, seguramente que nos confrontamos com livros, brochuras, postais, mapas, fotografias, são momentos de um certo embaraço, justifica-se mostrar dentro do nosso anfiteatro de comunicação tudo aquilo que nos maravilhou, não haverá para aí uma postura excessiva de cromos? Cada viandante cala fundo as suas impressões, há olhares que não desaparecem, filtram-se imagens e numa nova visita ao remanescente deplora-se não ofertar tudo aquilo que se viu e que tanto se apreciou: as flores, as pinturas, os canais, os edifícios religiosos e os outros, a gente anónima com quem nos cruzámos no caminho.
Em dado momento, no corredor principal do Rijksmuseum de Amesterdão, senti necessidade de me pôr a um canto a bisbilhotar comentários, a ouvir conversas. Só tinha aquele dia para Amesterdão, escolhi o Rijks, a Sinagoga Portuguesa e passear-me pelas ruas, e havia tanto mais para ver, a casa de Anne Frank, o museu Cobre, o museu dos Diamantes, o Teylers, o Van Loon e o Van Gogh, entre tantos outros, paciência, a viagem nunca acaba se o viajante não se torna esquecido ou perde a curiosidade de ali voltar.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (15)

Beja Santos

Sobre os povos e as suas culturas é certo e sabido que procuramos conotações com a música, certas produções, lugares míticos, posturas de civilização: a Espanha tem flamenco, os escoceses são avarentos, a Holanda tem tulipas, Portugal é fado. São abreviaturas e siglas que camuflam a dimensão da floresta, a diversidade de manifestações de qualquer cultura, obrigatoriamente poliédrica. A Holanda tem mais que tulipas, graças ao clima e a um Verão habitualmente curto, aos céus nublados, a produção de flores é muito mais do que uma exportação que define a economia holandesa, há flores por toda a parte, são cores que enchem as casas, os jardins, as ruas, um colorido que ameniza os tons pardacentos, que os alivia dos dias cinzentos, das brumas e neblinas persistentes, são os avisos de que vem aí o bom tempo, de que a primavera está sorridente e a seguir vem o verão pletórico, a encher de calor a nossa pele, a trazer mais bonomia às nossas vidas. Mal sabia o viandante que a Holanda sofria a estiagem, em qualquer conversa vinha à tona os problemas agrícolas, a alimentação do gado, conversa um tanto embaraçante com tanto fio de água à volta…





O viandante revê a sua colheita de imagens, é um dó de alma deitar para o lixo aquilo que hoje, na nossa sociedade digital e de redes sociais dá pelo nome de partilha, que pode ser um equívoco, uma nova manifestação estatutária, toma lá mais imagens das boas viagens que faço, é para tu veres por onde ando, por onde me movo,… No caso vertente, seria doloroso ao viandante não repartir com quem o lê e vê estas imagens subtraídas a museus já visitados, o Rijksmuseum de Amesterdão e o Kröller-Müller, perto de Arnhem, onde houve uma batalha entre os Aliados e os Alemães, correu mal para os primeiros, queriam tomar uma ponte, levaram uma coça.


O Rijksmuseum, voltemos às siglas e abreviaturas, não é só um expoente do século de ouro da pintura holandesa, pode ser um prato forte mas as suas coleções de pintura, de artes decorativas, de doações fabulosas de ourivesaria, por exemplo, são de tal valor que se sugere ao viandante a preocupação de percorrer certas salas onde o esperam obras excecionais, aqui ficam alguns exemplos.






Também a alma se lava com a introdução de beneficiações museológicas e museográficas que asseguram ao visitante conforto e o mais agradável confronto com as obras de arte, maior aprazimento com o meio envolvente. Veja-se este troço do museu como se transformou um magnificente edifício do século XIX, desadequado às necessidades de hoje, num museu remodelado onde se respira a modernidade.


Também o Kröller-Müller é muito mais que um museu que tem a maior coleção privada de obras de Van Gogh. A multimilionária que inspirou esta fabulosa coleção tinha ideias próprias sobre os movimentos artísticos, dividia as grandes correntes entre o realismo e o idealismo, era uma colecionadora dotada de grande ecletismo, daí ter adquirido um conjunto de obras desde o fim da Idade Média até aos tempos modernos, e deixou a obrigação da fundação que tem o seu nome continuar a adquirir peças preciosas da contemporaneidade. E o resultado salta à vista, vejam-se estas três telas, nem sempre os nomes que lhes estão associados têm a retumbância de Van Gogh ou Picasso, mas a grandessíssima beleza ninguém lha tira.




E já que o viandante está em maré de recapitulações, neste seu afã de repartir o que ele dá como significativo da viagem inesquecível pelos Países Baixos, salta-se para o Museu Municipal de Haia. E que magnificência!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19544: Os nossos seres, saberes e lazeres (310): Viagem à Holanda acima das águas (14) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19564: A Galeria dos Meus Heróis (24): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - II (e última) Parte (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12, CIM Contuboel,
 c. jun/jul 1969


A Galeria dos Meus Heróis >

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - II (e última) Parte  (Luís Graça)


(Continuação)




Recordo-me da péssima disposição com que me levantei, nessa sexta-feira, dia 26 de fevereiro de 2010 (*). Era o meu último dia de trabalho. Segunda feira era já o início de outro mês. Costumo dizer que só faço anos de quatro em quatro anos, nos anos bissextos.

Nessa semana eu atingia o limite legal de idade para trabalhar na função pública, neste caso no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já me podia ter reformado alguns anos antes, acumulando os anos de função pública com o tempo da tropa. Mas não quis. Chamavam-me o “dinossauro” do Hospital. 


É uma imposição estúpida: sentia-me ainda, aos 70 anos, em boa forma, física e mental, com forças para continuar a dirigir o serviço de ortopedia. É certo que já não operava há uns tempos. Ou melhor: ia fazendo uns “biscates” para não perder a firmeza da mão… Enfim, umas coisas mais leves: fraturas simples, joanetes, uma ou outra artroplastia da anca…

De qualquer modo reconheço que um tipo, aos 70 anos,  já não tem o mesmo treino de mão, a mesma agilidade, a mesma paciência, a mesma resistência e os mesmos reflexos de quando era mais novo. E sobretudo a mesma pachorra para aturar os diretores clínicos e os administradores hospitalares e as suas folhas de excel, enfim, para lidar com a burocracia e a numeracia da saúde. Um hospital, público ou privado, é uma fábrica e é cada vez mais gerido como uma fábrica.

A maior parte dos meus colegas reformam-se do público, logo que preenchem os requisitos legais, na expetativa de virem a poder trabalhar na privada. Alguns até aceitam ser penalizados na contagem de tempo. Mas é uma ilusão. No privado são esmifrados até ao tutano. E têm que alimentar todos os setores da fábrica, da imagiologia ao bloco operatório, da hotelaria aos cuidados médicos e de enfermagem, do nascer ao morrer...


Nunca pensei em vir a trabalhar na privada, quero eu dizer, numa clínica ou num hospital fora do SNS. E muito menos depois de acabar a carreira no público. Afinal estava cansado de aturar doentes cada vez mais reivindicativos, para além dos constrangimentos impostos pela direção técnica e o conselho de administração, da escassez de recursos humanos e materiais, das birras dos anestesistas, dos narizes empinados das senhoras doutoras enfermeiras… 

Acho que fiz bem em pôr um ponto final na minha aventura terrena no domínio da saúde… Na próxima encarnação, serei o que  Deus ou o Diabo quiserem…

Estava em regime de exclusividade, o que era raro na minha especialidade. De qualquer modo, aos 70 anos,   punha-se o dilema: o que vais fazer agora, com todo o tempo do mundo à tua frente ?!... Cedo me apercebi, depois de reformado,que o tempo é, afinal, depois da saúde e da liberdade, o recurso mais precioso que temos, e que o gerimos mal... Afinal, desperdiçamos uma boa parte da vida. E, de ciência certa, só se vive uma vez.

Não era escritor nem pintor como alguns dos meus colegas médicos, mais talentosos. Vivia em Lisboa e tinha perdido as minhas raízes em Setúbal e no Alentejo. Perdi completamente o rasto aos meus parentes de Grândola e de Estremoz. Também nunca tive o culto da família. E infelizmente também nunca tive um filho. A minha vida conjugal não foi feliz. Casei-me, descasei-me, e acho que fiquei ou estou a ficar cada vez mais... misógino.

Mas,  voltando ao meu almoço de despedida e à minha retirada de cena…

Desde o início do ano de 2010, tinha o sacana do meu adjunto à perna, a contar os dias do calendário, sempre  à espera do "grande dia" em que o "o filho da puta do velho" (sic) arrumasse de vez o bisturi… Se ele não o dizia, bem o pensava: “O filho da puta do velho”…

Reconheço que eu era o último obstáculo para ele subir até ao topo da hierarquia do serviço… Para isso, era preciso "matar o pai"…

Mas eu não o condeno… No lugar dele, eu faria o mesmo. De certo modo, aconteceu-me o mesmo com o meu "patrão" no Hospital anterior, onde comecei a minha carreira. Desisti de esperar que ele arrumasse as botas, tinha mais três ou quatro rivais à frente… O que fiz foi concorrer para outro hospital, que ia abrir e que tinha vagas para ortopedistas. Aliás, fui eu que, aos quarenta e tal anos, fui montar o serviço… 


Em suma,já estava ali, no último Hospital em que trabalhei, há um eternidade… Enfim, chegara a vez do render da guarda, por muito que isso me custasse.

Mas voltando ao meu sucessor: e se eu fui um pai para ele!... Recebi-o de braços abertos, ajudei-o a fazer o internato da especialidade e, se ele hoje é um grande ortopedista, muito melhor do que eu,  talvez o melhor ou o segundo melhor do Hospital, a mim também o deve. Pelo menos em parte. O resto é mérito dele e da estrelinha da sorte que o levou até ao estrangeiro onde aprendeu novas técnicas que eu não dominava... Em contrapartida, ele foi o filho que eu nunca tive.


Reconheço igualmente que eu fui uma espécie de pai tirano. Fui muito mais exigente e menos condescendente com ele do que com qualquer outro dos internos que por cá passaram. Porque ele era melhor do que os outros, ou tinha que ser o melhor. Provavelmente ficou-me a odiar… Mas nunca o deixou transparecer. É apenas o meu “feeling”…

Em suma, tínhamos então, na véspera da minha passagem à reforma, uma relação de amor-ódio, latente.

No almoço, nesse tal sábado, foi ele que fez o discurso da praxe… E que discurso! Deixou-me sensibilizado, quase até às lágrimas… É difícil, se não impossível, saber se foi sincero, ele era um homem, ainda jovem, de verbo fácil, de grande inteligência e um sedutor nato, um "charmoso",  bendito entre as mulheres.

Foi ele e a minha secretária clínica que organizaram tudo… Apareceu quase toda a gente, médicos, enfermeiras, assistentes técnicas e administrativas… O mulherio em peso, não tanto por mim mas mais provavelmente por ele, que era o meu sucessor. 

Veio também o meu colega de Ortopedia B, que nunca foi meu amigo, mas era um colega leal, e mais alguns médicos, esses, sim, amigos, dos poucos que eu tinha no Hospital. Nunca fui um homem muito sociável mas sempre foram vinte e tal anos passados neste Hospital. Acho que era respeitado e até estimado.

O Hospital, ou seja, o conselho de administração, ofereceu-me uma salva de prata com o meu nome gravado, e duas linhas de blá-blá de cujo teor já não me lembro; e o pessoal do serviço, incluindo os participantes no almoço, tiveram a gentileza de me presentear com um “voucher” para eu fazer um cruzeiro à Grécia, com visita ao sul da Itália (Vesúvio,Nápoles, Pompeia...), e uma excursão ao templo de Asclépio, em Epidauro, no Peloponeso, na Grécia, onde começou a aventura da medicina ocidental de que eu, embora insignificante ator, fazia parte.



Não sei porque é que estou agora a recordar o meu passado. E depois, camarada (posso tratá-lo por camarada ?!), a conversa é como as cerejas. Tem piada, há séculos que não falava do meu passado como alferes miliciano médico, entre 1968 e 1970, na Guiné de má memória. Em boa verdade, desde que regressei em 1970... 


Confesso que não tenho saudades desse tempo, a não ser pelo que aprendi como médico e como ser humano.

Com os primeiros tempos de Spínola, logo em meados de 1968, tenho a ideia de que a guerra se agravou, de um lado e do outro. Chegavam feridos graves e muito graves ao Hospital de Bissau, bastante politraumatizados, que era preciso tratar de imediato. O meu maior orgulho foram as muitas vidas que conseguimos salvar, embora alguns tenham ficado deficientes para o resto da vida. 


A Guiné era pequena, aí do tamanho do Alentejo, a Força Aérea chegava a todo o lado, nomeadamente os helicópteros, os Al III, que faziam as evacuações Ypsilon. Eram as nossas ambulâncias, o nosso 112, que estavam equipadas com bom material de suporte de vida, e enfermeiras paraquedistas que prestavam logo, "in loco", no mato, os primeiros socorros, essenciais para manter o fio da vida até Bissau.

Elas eram poucas, mas desdobravam-se em múltiplas missões e foram uma mais-valia para os serviços de saúde militares. Eram muito jovens mas corajosas e competentes. Já não me lembro do nome de nenhuma delas, nem sequer da cara. Sei que, às vezes, ao domingo, chegávamos a almoçar juntos, os médicos do HM 241 e elas. Se bem recordo, os oficiais paraquedistas e os pilotos de Bissalanca guardavam-nas com algum ciúme... patológico. Na realidade, elas pertenciam à Força Aérea, se bem que não dormissem na base de Bissalanca.


Do mato, propriamente dito, tenho poucas recordações. Fotos, devo ter, mas não sei onde param. Uma das situações que me marcou, talvez pela positiva, foi a receção que me fizeram em Bambadinca, ao tempo do batalhão de artilharia, já não me recordo o número do número, talvez o 1904,se a memória não me atraiçoa. 

Eu já estava avisada que os gajos mais velhos gostavam de pregar partidas aos "periquitos"… Mas nunca mais me lembrei desse precioso "lembrete", que já trazia de Mafra… (Ou Máfrica, não era?!)

Recordo-me de ter chegado a Bambadinca, por volta de meados de março de 1968, ainda na estação seca, a de maior atividade operacional, de parte a parte. Creio que o quartel nunca tinha sido atacado, nem nas proximidades havia atividade inimiga, a não ser a norte do rio Geba e ao longo da margem direita do rio Corubal donde o PAIGC nunca fora desalojado...

Fui de avioneta, pelo que nunca cheguei a conhecer o Xime e a temível picada que seguia até Bambadinca. Era a porta de entrada na zona leste. Conhecerei o Xime mais tarde.

Mal acabara de arrumar os meus pertences, num quarto partilhado com mais dois alferes, no edifício do comando, oiço alguns rebentamentos e rajadas de armas automáticas. E depois um profundo silêncio… Nem tive tempo de ficar acagaçado, veio logo um militar chamar-me à pressa, porque tinha havido uma emboscada com mina anticarro, ao fundo da pista, ali a menos de um quilómetro… Havia “manga de mortos e feridos”!…

Logo as Daimlers e o piquete que estava de serviço, partiram a toda a velocidade pela pista fora, ao longo do arame farpado…

Um dos majores, talvez o segundo comandante, já não posso precisar, eufórico, quase histérico, apareceu, equipado a rigor (, o que me surpreendeu, já que tinha estado com ele, há meia-hora!), a conduzir um jipe, mais o furriel enfermeiro, com a bolsa dos primeiros socorros… Os maqueiros já tinham seguido com o piquete, garantia-me o furriel. Havia uma grande excitação no ar, com gente a correr pelo corredor que ia dar à messe, atropelando-se uns aos outros...

O major deu-me ordens, com voz grossa (mas que me pareceu... teatral), para eu subir para o jipe… Eu não sequer estava fardado, de camuflado, nem tinha nenhuma arma de defesa distribuída… Fiquei sem pinga de sangue, devo confessá-lo, mas veio ao de cima o meu sentido do dever hipocrátrico, mais forte do que o do cagarolas do militar "periquito"… Peguei no meu estojo, ali à mão, e lá seguimos a todo o gás…

Só faltavam os helicópteros para as evacuações… Até apareceu uma "enfermeira paraquedista", vinda de não sei donde, de calça de camuflado e T-shirt branca, que, para minha vergonha, era bem  bem expedita do que eu, no socorro aos "feridos"… Eles eram tantos que eu não sabia para onde me virar…


Ainda levou uns bons minutos até eu perceber que tinha caído… na esparrela!... Fora praxado, para gáudio daqueles malandros todos, que estavam a escassos meses de acabar a comissão!... Disseram-me depois que os oficiais "periquitos", de rendição individual, eram todos praxados à chegada... Mas nem todos gostavam da brincadeira!...

A encenação estava tão bem feita que até o sangue era sangue mesmo, embora de galinha ou de vaca, não era mercurocromo, como nos filmes … Soube mais tarde que a "enfermeira paraquedista" era a esposa de um dos furriéis ou dos alferes da CCS, e o que o furriel enfermeiro tinha sido o "cérebro" da brincadeira, com a cumplicidade do major…

Não levei a mal, mostrei o "fair play", fomos para o bar, paguei logo uma rodada de uísque a toda a malta, atores e figurantes… Em boa verdade, duas rodadas, que me custaram o equivalente a duas ou três garrafas!

Pronto, meu caro, são estas as histórias de que ainda me lembro do meu passado, da infância, da juventude, e da guerra, ou das guerras, a da Guiné e dos hospitais onde, num caso como noutro, procurei sempre fazer (e dar) o meu melhor…

Espero que o camarada faça também tão bom uso destas histórias como eu fiz da minha vida (sem falsa modéstia).

© Luís Graça (2019). Revisáo; 5/8/2023
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Nota do editor:

sexta-feira, 8 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19563: A Galeria dos Meus Heróis (23): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - Parte I (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12,
CIM Contuboel,
 junho/julho de 1969

A Galeria dos Meus Heróis > 

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - Parte I (Luís Graça)





Fizeram-me um almoço de despedida nessa semana em que passei à reforma.

Sempre detestei as festas de despedida. É como partir, de barco, de um porto seguro para uma viagem desconhecida. Sabes o que tens, ou o que acabas de perder, desconheces o que te espera.

Aconteceu-me isso, talvez pela primeira vez, quando fui mobilizado para a Guiné, em rendição individual, aos 28 anos, em março de 1968. Amigos da faculdade e do hospital, colegas de curso e um ou outro antigo colega do tempo do liceu de Setúbal, fizeram-me uma festa, discreta mas comovente, de despedida.

Foi num café-restaurante das Avenidas Novas, em Lisboa, que já não existe, hoje é uma agência bancária ou coisa parecida. Na altura, eu era monitor de Anatomia na Faculdade de Medicina e trabalhava no Hospital de Santa Maria, à borla, na equipa de um dos "barões" que eram os donos dos serviços… Não havia ainda carreiras médicas, os jovens licenciados em medicina tinham que "pagar para aprender", com um patrono, um grande clínico ou um grande cirurgião…

Como o local do almoço era público e a PIDE costumava vigiar aqueles sítios, não houve grande discursos, e muito menos efusivos, e muito menos ainda contestatários… Aquilo era mais um velório do que outra coisa... Bolas, eu era médico, ia para a Guiné, haveria de voltar, com vida e saúde. Fui eu que tive de animar os meus amigos!

Só muito mais tarde, há uns anos atrás, é que fui à Torre do Tombo, movido por uma curiosidade legítima, mas algo mórbida, e acabei por saber que tinha uma ficha no arquivo da PIDE/DGS… Alegadamente por ser amigo de um tipo da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina, envolvido na crise estudantil de 1962… 

Fator aparentemente abonatório para a minha pessoa: ser filho de militar de carreira, com boa folha de serviços no Ultramar e tido como “adepto da situação”…

Em boa verdade, eu nunca me tinha metido em encrencas até acabar o curso de medicina, não queria ver o meu pobre pai embrulhado em maus lençóis, e sobretudo perder a minha valiosa bolsa de estudos, paga pelo Exército.

Em suma, não tinha liberdade económica para me poder armar em herói antifascista e anticolonialista, como alguns colegas (que papás da classe média alta). Mas confesso, em 1968, era contra o regime e contra a guerra colonial, tal como parte da juventude universitária daquele tempo.

Não vou dizer "boa parte da juventude universitária",  porque quem estudava naquela época eram filhos e filhas de gente da situação, ou que tinha algum poder económico, empresários, proprietários, comerciantes, professores, advogados, médicos, médio e alto funcionalismo público… Mas a maior parte da juventude estudantil, liceal e universitária, acomodava-se e tratava da vidinha, como acontece em todas as ditaduras. Para mais a nossa que até tinha a benção da Igreja...
 Bom, já não era bem assim, tive colegas, católicos, que já não liam a missa pelo mesmo missal...

Entretanto, eu dava conta de que a guerra , de que pouco ou nada se falava em público, começava a mexer com a malta. Havia mortos e feridos, havia refratários e desertores, e alguns até eram da nossa rede de relações ou conhecimentos… 

Guerra, em todo o caso, que era bem longe da nossa terra, da nossa casa, da nossa família, das nossas escolas e locais de trabalho, enfim, dos nossos cafés das Avenidas Novas... (Na altura, eu morava por ali, perto do Campo Grande.)

Quando chegava a hora da verdade, poucos afinal davam o corpo ao manifesto. Participei, em 1962, num ou noutra manifestação de estudantes, com cargas da polícia de choque, tinha 22 anos, sangue na guelra e asco ao autoritarismo, mas sem nunca me meter em nenhuma organização clandestina, nem muito menos assinar papéis que me comprometessem.

Também nunca tive conversas, nem grandes nem pequenas, com o meu pai, quando vinha de férias, ou regressava de mais um comissão de serviço, sobre a situação nos territórios ultramarinos, como então se dizia e escrevia. Sei que ele "não morria de amores pelo regime" mas não podia dar-se ao luxo de morder a mão de quem lhe pagava o vencimento ao fim do mês. Além disso, era um militar de secretaria.


A minha mãe, embora apenas com a 4ª classe mal tirada, era mais politizada do que o meu pai. Ela era natural de Grândola, emigrara, muito jovem, para Setúbal com a família. Trabalhara como empregada doméstica, logo acabada a escola, e depois como operária na indústria conserveira. Foi em Setúbal que os meus pais se conheceram. E foi aí que eu nasci. Tempos difíceis. Valeu-me uma bolsa de estudos do Exército que me permitiu ir fazer, em Lisboa, o curso de medicina, em 1958. Sou do curso de 1958/59.

Em solteira, quando operária conserveira, aos 17/18 anos, a minha mãe terá chegado a distribuir o clandestino jornal "Avante", na fábrica e no bairro onde residia. Não sei se alguma vez foi "antifascista", foi palavrão que nunca lhe ouvi, da sua boca. 

De qualquer modo, depois de casada, acabou o seu eventual "antifascismo". Julgo que ainda viveu, com alguma euforia e esperança, o fim da II Guerra Mundial. Mas teve que ser pai e mãe durante o resto da vida.

A minha mãe também não era beata, se bem que fosse à igreja, uma vez por outra, em cerimónias militares oficiais e em certas datas, por conveniência social: na festa de Natal, no dia do Regimento, no dia nacional da infantaria, etc. Afinal, era casada com um militar de carreira e a tropa era também um pouco a sua família alargada… Se bem que não houvesse grandes misturas, entre as famílias dos senhores oficiais e as dos sargentos…


Em todo o caso, para completar o magro vencimento do meu pai, a minha mãe via-se obrigada a trabalhar de costura, em casa, e fazer bolos para festinhas, nomeadamente para as famílias dos oficiais e sargentos do RI 11, em Setúbal.

Nunca acompanhou o meu pai nas quatro comissões de serviço no ultramar (Cabo Verde, Índia, Angola e Moçambique), ou nas mudanças de regimentos (além do RI 11, em Setubal, esteve em Tomar e nas Caldas da Rainha). E ficaria viúva bastante cedo, aos quarenta e tal anos. 

Era mais nova nove anos do que o meu pai. Nascera em 1920 e teve-me, a mim, aos 20 anos e à minha irmã, mais nova, aos 26, já depois do meu pai regressar de Cabo Verde. (Essa minha irmã, já falecida, foi enfermeira, estava nos finais dos anos 60 no Alcoitão, quando o meu pai faleceu em maio de 1968, ia completar os 57 anos.)


Nasci num ano bissexto, em 1940, no dia 29 de fevereiro, uma quinta-feira, recordava a minha falecida mãe. Nasci em casa, de um parto difícil, já quase de madrugada. Daí talvez eu ser mais mocho do que cotovia.

Não chegou a ser preciso chamar o médico do regimento, o RI 11, onde o meu pai estava colocado, na altura já 2º sargento de infantaria. O médico era um bom homem, alentejano de Évora. O meu pai era de Estremoz. E até se dizia que era do reviralho, só por ser alentejano e republicano.

Tenho uma vaga ideia de o ter ido esperar, ao meu pai, já criança com quatro anos,ou coisa assim,  a Lisboa, ao Cais da Rocha Conde de Óbidos. Regressava de Cabo Verde, com a sua companhia ou batalhão, não sei ao certo.

Terá sido a primeira vez que andei de automóvel e, depois, de barco. Fomos, eu e a minha mãe, de carro, à boleia. Não sei de quem era o carro, penso que era conduzido por um amigo da família, que tinha carros de aluguer na praça de Setúbal. Talvez também fosse de Estremoz, conterrâneo e amigo do meu pai. 

Fomos até Cacilhas, ainda não havia a ponte sobre o Tejo. Apanhámos um cacilheiro até ao cais do Sodré. Não reconheci o meu pai, naturalmente, ele andara fora trinta e tal meses. E não terá vindo bem de saúde, segundo contava a minha mãe. Tinha estado na ilha do Sal e depois na ilha de São Vicente, já para o fim, antes do regresso.

Ou, se calhar, foi mais tarde. Tenho as memórias de infância baralhadas. Se calhar foi quando ele voltou a partir para outra comissão, desta vez para a Índia, já como 1º sargento, aí por volta de 1947 ou 1948. Eu devia ter 7 ou 8 anos. Já andava na escola, deve ter sido, pois, em 1948.

Ele acabou por fazer lá duas comissões, a segunda como voluntário, com direito a vir de férias em 1950. Aproveitou para fazer o 7º ano no liceu de Goa. Virá depois a frequentar, em 1956, a Escola Central de Sargentos, que era em Águeda. Ainda esteve em Angola, em 1961, aqui já com o posto de tenente SGE. Acabou a sua carreira militar em Moçambique, em 1965… 


Regressou em 1967, para morrer um ano depois, já eu estava na Guiné. Morreu cedo demais, o meu pai, ainda primeiro que o Salazar. Foi em maio de 1968. Estava o Schulz a ir-se embora. E eu em Bambadinca, quando recebi a triste notícia. Não fui ao funeral do meu pai, não me deram a devida autorização a tempo de apanhar o avião da TAP. Uma prepotência que nunca perdoei ao comandante do batalhão. Talvez por esse motivo nunca morremos de amores um pelo outro.

Escassos meses depois de chegar à Guiné, fui colocado no Hospital Militar de Bissau, "onde fazia muito mais falta do que no mato", segundo a ordem pessoal que recebi de Spínola, ainda brigaddeira,  que tive a honra de conhecer na altura. 

Com o recrudescimento da guerra e o aumento dos efetivos, havia falta de cirurgiões, anestesistas, estomatologistas, para além dos tipos da medicina tropical, que as doenças infectocontagiosas eram mais do que muitas.

Se não erro, o Hospital Militar de Bissau era o HM 241. E, em boa verdade, foi um grande escola para mim e outros cirurgiões. Foi lá que fiz verdadeiramente o meu internato de ortopedia. Tive lá grandes mestres de cirurgia e medicina. E depois, com o Spínola, o Hospital tornou-se um verdadeiro orgulho para todos nós. Dizia-se, sem exagero, que era o melhor hospital da África Subsariana, só tendo paralelo nos hospitais centrais da África do Sul… (Não sei, nunca lá estive.)

Em suma, cresci com um pai ausente, que eu mal conhecia, a não ser pelos retratos que a minha espalhava pela casa. Quando vinha a casa, recompensava-me com alguns brinquedos, baratos, e sobretudo muitas histórias. Era um bom contador de histórias, sabia as aventuras todos do Tigre da Malásia, dos livros do Emílio Salgari. Mas não falava da guerra do ultramar...


Era um homem meigo, contrariamente à minha mãe, que tinha de ser pai e mãe, que tinha de nos dar o pão, o amor e a educação. Era uma mulher precocemente marcada pela dureza da vida e pelas agruras do casamento. 

Por tudo isto, é difícil responder à pergunta se eu tive uma infância feliz...

Na semana em que fiz 70 anos, o dia 28 de fevereiro de 2010 calhava a um domingo e o dia 1 de março era segunda-feira. Alguém sugeriu fazer a minha festinha de despedida na sexta-feira à noite, mas eu opus-me logo.

Durante os dias úteis da semana não dava jeito, porque afetava o normal funcionamento do serviço e muita gente não poderia vir. E depois nunca se deve comemorar o aniversário natalício, na véspera, porque dá azar. E eu nessas coisas, sou mesmo supersticioso. Ou não fosse cirurgião.

As profissões de risco têm os seus mecanismos de defesa mental. Já alguém me explicou isso: dos toureiros aos pilotos de avião, dos mineiros aos tipos que trabalham nos arranha-céus, dos artistas de circo aos pescadores de alto mar, sem esquecer os polícias e os militares… Todos temos que saber racionalizar os riscos a que estamos expostos. 

No caso dos médicos, lidamos todos os dias com a doença e a morte, pelo que acabamos por ter a perigosa ilusão de que somos invulneráveis e imortais. Por outro lado, estamos sujeitos ao erro.

Enfim, a minha festa acabou por ser marcada para um sábado, dia 6 de março de 2010.

Bolas, já lá vão 9 anos!... Como o tempo passa. Para o ano, se lá chegar, farei os oitenta. Há meio século atrás andava em Bissau a amputar pernas e braços, de homens, brancos e pretos, apanhados pelas malditas minas e armadilhas que o PAIGC punha nos trilhos e picadas. Mas também da população civil, nomeadamente fula, que era atacada com armas pesadas, nas suas tabancas, sem dó nem piada. 

Com Spínola, há uma escalada da guerra. Mas não discriminávamos ninguém: cheguei a operar guerrilheiros do PAIGC, feridos e aprisionados pelas nossas tropas, e evacuados de helicóptero.

(Continua)

© Luís Graça (2019). Revisão; 5/8/2023
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro e 2019 > Guiné 61/74 - P19491: A Galeria dos Meus Heróis (22): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - II (e última) Parte (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
É certo e seguro que virá o dia em que se procederá a um estudo minucioso sobre a Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, as duas grandes empresas funcionarão nas últimas décadas da Guiné colonial.
O BNU foi gradualmente interessado em fazer crescer o seu capital na Sociedade, atenda-se ao importante relatório elaborado em 1957 por Castro Fernandes, sem ambiguidades defendia que o BNU devia entrar numa concorrência mais agressiva com a Casa Gouveia, e preconizava negócios. O que a documentação permite registar são perdas sucessivas até anteriores ao início da luta armada, depois desta gerara-se uma situação artificial que eram as importações para os contingentes militares, mas não havia ilusão que os objetivos fundamentais à volta do descasque de arroz, do coconote, da mancarra, das experiências com o caju, o fabrico de óleo, tudo aparecia ameaçado. E a documentação também permite verificar que os últimos negócios em companhias de pesca e de cervejas não iriam ter um futuro lisonjeiro, tudo se esbarrondou e no caso da CICER com muitas culpas para a governação da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76)

Beja Santos

É chegado o momento de apreciar no acervo da documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU o que nele consta da Sociedade Comercial Ultramarina.

Importa esclarecer que esta Sociedade se constituiu em 19 de fevereiro de 1923, o seu capital social foi engrossando ao longo do tempo e se inicialmente era de 2 mil contos em 8 de janeiro de 1968, por incorporação de créditos do BNU e da Sociedade Nacional de Sabões, em partes iguais, o capital social foi elevado para 46.500 contos. A participação do BNU correspondia, à data de 1968, a aproximadamente 44% do total.

A Sociedade dedicou-se ao comércio em geral e à exportação, teve uma existência atribulada, com prejuízos sucessivos que chegaram a totalizar, no termo do exercício de 1967, a uma verba aproximada de 40 mil contos, além de ter o ativo deteriorado, por ausência das devidas amortizações e provisões.

Chegou a ser prevista a liquidação da Sociedade, mas a partir de 1968 passou a apresentar alguns lucros e assim foi reduzindo o prejuízo acumulado para cerca de 32 mil contos em 1972. Houvera recuperação. Em janeiro de 1973, o Conselho do BNU autorizou novos financiamentos, sob a forma de novo crédito destinado a determinados investimentos ou para adiantamentos sobre vendas, desdobramento de crédito para compra de mancarra, etc.

Terá talvez interesse vermos o relatório de 1963, ano em que eclodiu a luta armada. Começa por se dizer que os acontecimentos político-militares que afetaram o Sul da Província tiveram graves repercussões na cultura do arroz, nas transações comerciais, nos transportes, nos encargos e no sossego das populações. O total dos prejuízos verificados em consequência das pilhagens e destruições feitas pelos agitadores atingiu os 3.777.369$60. A estes prejuízos diretos haveria que adicionar o decréscimo de receitas resultante da paralisação e redução de certas atividades. Haveria também a contar com o agravamento da tributação fiscal. A campanha de arroz processara-se normalmente. Relativamente ao coconote, as fracas cotações dos mercados internacionais tinham-se repercutido no preço de compra ao produtor. Houve decréscimo em relação às compras de anos anteriores e no que respeita ao arroz também a baixa foi substancial, o Governo fora forçado a proceder à importação para ocorrer às necessidades da população. Registava-se um aspeto positivo, e assim se escreveu: “Se por um lado se reduziu a actividade de descasque de arroz em virtude da baixa de produção verificada, podemos anunciar, após a conclusão das morosas e indispensáveis obras na central de vapor a reentrada em funcionamento da nossa fábrica de óleos, estando a aumentar consideravelmente a colocação no mercado interno do óleo de amendoim e do sabão produzidos nas nossas instalações”. Propunham-se medidas cautelares, no contexto da subversão: “As especiais circunstâncias em que actualmente vive a Província, criando à empresa dificuldades de várias ordens que se não pode prever quando terminarão, parecem justificar a utilização, embora discutível do ponto de vista técnico, dos saldos de todas as contas Amortizações e Provisões na redução do saldo dos prejuízos do exercício de 1960”.

Em 28 de abril de 1966 apresenta-se aos acionistas o balanço do ano anterior, assim se inicia o texto:
“Apesar do esforço militar desenvolvido na Província no ano de 1965, vários factores em que sobressaem o auxílio efectivo dado aos rebeldes pelos Estados vizinhos, o apoio internacional de carácter político e financeiro de que beneficiam e a vulnerabilidade das nossas fronteiras impediram uma melhoria da situação com reflexos sensíveis na vida económica da Província. Pelo contrário, os reflexos da agitação e da repressão nos anos anteriores fizeram-se sentir profundamente na cultura e comercialização dos produtos agrícolas que se situou em 50% do volume normal. Infelizmente, no seu conjunto, prevê-se um agravamento para o ano em curso do qual, nesta data, já estamos a sofrer as incidências de ordem financeira”.
Dava-se conta da compressão de despesas, do afastamento de alguns empregados, do atraso nas reparações nos barcos, na privação de transportes em meios terrestres. O afluxo crescente de tropas trouxeram aspeto de prosperidade comercial em Bissau, era facto que o comércio florescia graças à importação de bens de consumo destinados aos europeus. A Sociedade Comercial Ultramarina procurava reduzir o saldo negativo e informava-se que a cerveja Sagres ocupava o primeiro lugar nas importações. Decrescera a campanha da mancarra em 1965, felizmente que o preço internacional do coconote já era mais favorável, importava-se maciçamente arroz mas as dificuldades saltavam à vista, como se redigiu: 
“As nossas instalações fabris, dada a falta de matéria-prima, trabalharam durante uns curtos períodos ao longo de todo o ano, bem se podendo dizer que o fizeram com o duplo intuito de não dispensar pessoal e de não encerrar uma das duas instalações fabris com significado na vida da Província. A necessidade de mantermos as oficinas em funcionamento para prestação de serviços às nossas frotas de transportes e reparação urgente de edifícios, assim como a utilização de armazéns de produtos ultramarinos impediriam, em qualquer caso, o encerramento do Bloco Industrial e a completa supressão dos encargos com a sua administração, guarda e conservação”.

A situação da Sociedade degradara-se e muito, explicava-se porquê:
“Três anos de guerra na Província causaram até agora a esta empresa avultados prejuízos que atingem a dezena de milhares de contos, sendo 4 mil de prejuízos directos resultando de actos de terrorismo e das operações militares de repressão. Em consequência de se terem agravado ultimamente os reflexos da situação política e militar na vida económica da Província e na actividade da empresa, agravou-se a situação de tesouraria desta Sociedade, em condições que causam estrangulamento na sua actividade comercial.
Nestas condições, considerando que o BNU é o principal e mais directo interessado nos resultados desta empresa, pelo que eles significam como possibilidade de amortização de passivo e pagamento normal de juros, foram iniciadas diligências junto da respectiva Administração com vista a ser encontrada uma solução que alivie a empresa temporária ou definitivamente de alguns dos seus encargos financeiros.”

Bem elucidativa é a ata do Conselho de Administração da Sociedade com a data de 20 de março de 1970. O administrador fez uma larga e pormenorizada exposição da sua recente visita à Guiné, assistira à inauguração do descasque de Bafatá. Era crescente a importação de mercadorias, caso das importações de cerveja e combustíveis. Mas não era eludível a situação bastante crítica em que se encontrava a Sociedade, com o elevado dispêndio de gastos gerais, o equipamento estava decrépito, afora alguns bacos e o descasque de arroz, o resto era um amontoado velhíssimo de máquinas e motores, totalmente arruinados. O quadro geral era assumidamente lastimável: a fábrica de óleo não estava operacional e não era competitiva; a fábrica de sabão, além de primitiva, não tinha condições de subsistência; os descasques de mancarra, todos com mais de dez anos, estavam quase arruinados; a estrutura humana dos serviços que funcionava na Província era um dos males maiores da Sociedade, com uma única exceção para o gerente, experiente e probo, com invulgares qualidades de trabalho. Enfim, impunha-se repensar o funcionamento da empresa em novas linhas mestras e propunha-se que no futuro imediato as operações da empresa tivessem as seguintes direções: compra de mancarra, descasque e venda de ginguba; importação de cerveja; importação de combustíveis; fornecimento direto às Forças Armadas; comercialização de mercadorias cujo prazo de crédito exceda o da venda e liquidação; e fretes fluviais.

Em 1972, apresenta-se uma súmula da situação económica e financeira da Sociedade, começando por se dizer que havia uma baixa margem de lucro nas mercadorias, uma deterioração da margem de lucro nos produtos ultramarinos, não se dera a recuperação financeira que se esperava a partir de 1967, eram solicitados mais apoios ao BNU. A Sociedade Comercial Ultramarina entrara na Sociedade Vinícola da Guiné, auguravam-se grandes vantagens, registavam-se atrasos de pagamentos das Forças Armadas, pediam-se mais créditos em conta-corrente.

Estamos com a documentação avulsa praticamente esgotada. Iremos no derradeiro texto referir o que consta no acervo sobre a CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, uma participação do BNU para a edificação de um monumento aos mártires do colonialismo, ainda existe um dossiê com data de outubro de 1974 acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá, as negociações do Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina e os impostos a pagar pelo BNU referentes ao ano de 1974. Seguir-se-ão as conversações entre o Governo da Guiné-Bissau e a Administração do BNU para a transferência do BNU de Bissau para o novo Estado da Guiné-Bissau.

(Continua)

Fotografia da década de 1920. 
Imagem retirada da Wikimedia Commons, com a devida vénia.


Imagem extraída do livro Guiné – Alvorada do Império, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.
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Nota do editor

Poste anterior de1 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19543: Notas de leitura (1154): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (75) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19548: Notas de leitura (1155): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19561: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 25 de Maio de 2019 (2): Duas baixas de vulto, o David Guimarães (ex-fur mil MA, CART 2716, Xitole, 1970 / 72) e a sua esposa Lígia, um casal histórico de grã-tabanqueiros, residente em Espinho, que, pela primeira vez, desde 2006, falha à chamada!... Mas já temos as primeiras 18 inscrições...



Montemor-o-Novo > Ameira > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de outubro de 2006 >  Dois históricos da nossa tertúlia, assinalados a amarelos,o David Guimarães e a esposa Lígia, que vivem em Espinho. (*)

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2006) . Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné).


Leiria > Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > Os nossos 'totalistas' David e Lígia Guimarães (**)... Eram, até então, o único casal que tinha ido a todos os nossos 13 encontros, a começar pela Ameira, em Montemor-O-Novo (2006)... Por isso, a Lígia passou a  figurar, com todo o mérito, na lista dos membros da Tabanca Grande, com o nº 643 (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de David Guimarães (ex-fur mil, MA, CART 2716, Xitole, 1970/72), ao poste P 19492 (****):

Azar!!!!...

Dentro dos convívios da querida Tabanca Grande (, para mim é!), nunca faltei a nenhum deles, desde a Ameira [, em 2006,]  e por aí fora. Dei as voltas todas,  fiz todas as ginásticas e lá estive eu, em todos [os 13 encontros nacionais d Tabaanca Grande realizados até a 2018]... Não me achava eu assim tão importante, achava que a causa é que era importantíssima.

Havia no entanto sempre uma data em que me era impossível ir, o último sábado de Maio,  por uma razão bem simples: aqueles que comigo lutaram, da CART 2716 a que pertenci, e alguns por aí a conheceram e bem, combatentes que, como por exemplo os da CCAÇ 12,  nos iam levar os comes & bebes ao Xitole. 

Toda esta companhia, a CART 2716, resolveu junto comigo, há muitos anos, ter sempre o convívio no último sábado de Maio (*****). Que justificação daria eu a quem lutou ao meu lado alinhar noutra companhia ou trocá-los ?!

"Lixei-me e bem lixado", eu que queria nunca faltar, desta vez foi isto que calhou. E fica já marcado como lá consta e pronto, quem quiser vem, quem não puder não vem, o  que é que  se há-de fazer?!...

Tive azar, o primeiro azar dentro dessa magnífica Tabanca!... Afinal o factor presença é importante de facto. Sei que seremos todos iguais, ou não ?!. Fiquei triste, muito triste, e agora?!...

"David,  é para aprenderes mas conscientemente não podes faltar àqueles que combateram contigo, isso nunca...."

Azar, dos 365 dias do ano de 2019,  foram logo acertar no único em que eu não posso ir de todo!...  Enfim como que saio derrotado na minha teimosia em ir a todos, agora não vais, disse-me a consciência, e a razão é... o dia apontado,  vinte e cinco de Maio.

David,  que pela 1ª vez assina a falta e diz porquê! 


2. Nota dos editores:

Lígia e David, estamos desolados.... mas não é nenhum tragédia!... Vocês estão vivos e recomendam-se!... Em contrapartida,  não são deuses, não têm o dom da ubiquidade, não podem estar em dois sítios ao mesmo tempo!...

Há, de facto, um conflito de agenda, todos os anos, e alguns dos nossos grã-tabanqueiros têm que fazer a dolorosa opção: estar em Monte Real ou no local do convívio anual da sua unidade ou subunidade...

De qualquer modo, o vosso recorde é histórico e imbatível, enquanto "casal totalista" dos nossos 13 primeiros encontros... Obrigados pela vossa fidelidade, amizade e camaradagem... Oxalá possamos para o ano voltar a reunir-nos, e desta vez em data compatível com a vossa agenda. Iremos brindar à vossa saúde, no nosso próximo encontro em Monte Real, marcado para o dia 25 de maio de 2019, sábado.

Aproveitamos para publicar a lista das 18 primeiras inscrições. 

Recorde-se que as inscrições no encontro e os pedidos de reserva no Palace Hotel Monte Real devem ser dirigidas ao nosso coeditor e membro da comissão orgnizadora Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):

carlos.vinhal@gmail.com



AS 18 INSCRIÇÕES NO XIV ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE

António João Sampaio e Maria Clara - Leça da Palmeira / Matosinhos
António José Pereira da Costa e Maria Isabel - Mem Martins / Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira / Matosinhos
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria
Lucinda Aranha e José António - Torres Vedras
Luís Graça e Maria Alice Carneiro - Lourinhã
Luís Paulino e Maria da Cruz - Lisboa
Manuel José Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira / Matosinhos
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de outubro de  2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira, Montemor-o-Novo, em 14/10/2006 : foi bonita a festa, pá!... A próxima será em Pombal (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 6 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18610: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (20): Monte Real, sábado, 5 de maio de 2018: mais caras, "novas" e "velhas"... É uma alegria ver gente desta geração que faz 100, 200, 300, 400, 500 quilómetros ou mais (ida e volta) para se encontrar e "matar saudades"... Outros vêm pela primeira vez à procura dos camaradas da Guiné...

(***) Vd. poste de 23 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14511: X Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 18 de abril de 2015 (17): Distribuição de Certificados aos tertulianos totalistas dos 10 Encontros nacionais e admissão de duas novas tertulianas: Graciela Santos (hnº 682) e Lígia Guimarães (nº 683)

(****) Último poste da série > 12 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19492: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 25 de Maio de 2019 (1): Primeiras informações e abertura das inscrições (A Comissão Organizadora)

(*****) Vd. poste de 5 de jullho de 2007 > Guiné 63/74 - P1924: Convívios (20): CART 2716 (Xitole, 1970/72), em Fátima, no dia 26 de Maio último (David Guimarães)

Guiné 61/74 - P19560: Parabéns a você (1583): Cor Art Ref DFA António Marques Lopes, ex-Alf Mil da CCÇ 1690 (Guiné, 1967-69)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19538: Parabéns a você (1582): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

quinta-feira, 7 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19559: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (7): 4 - Os Pelotões de Canhão S/Recuo que estiveram em Gadamael




1. Conclusão da publicação do trabalho sobre os Pelotões Independentes que estacionaram em Gadamael, da autoria do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67).










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Nota do editor

Vd. postes da série de:

6 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19261: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (1): 1 - O contexto operacional e 2 - Os Pelotões de Reconhecimento que estiveram em Gadamael

20 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19309: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (2): 2 - Os Pelotões de Reconhecimento que estiveram em Gadamael (continuação)

10 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19388: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (3): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael

24 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19432: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (4): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael (Continuação)

7 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19477: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (5): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael (Continuação)
e
21 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19515: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (6): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael (Continuação)

Guiné 61/74 - P19558: Tabanca Grande (473): António C. Morais da Silva, cor art ref, ex-cap art, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga e adjunto do COP 6 em Mansabá (em 1970) e cmdt da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1971/72)


Foto nº 1> Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2796 > 1971 > Chegada da coluna a Guileje > Ao centro, o cap art Morais da Silva, empunhando a sua Kalash; à sua esquerda, que o  o alf mil  Esteves;  à direita, o furriel vaguemestre Oliveira...  Das flagelações e ataques do PAIGC estão  há fortes vestígios nas paredes do edifício do Comando.


Foto nº 1 > > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2796 > 1971 > Chegada da coluna a Guileje > À esquerda, o  cap art Morais da Silva, empunhando a sua Kalash; à direita, o alf mil  Esteves.


Foto nº 2 > O cor art ref António C. Morais da Silva, que vive na Amadora, e que foi também professor na Academia Militar, e é especialista em investigação operacional

Fotos (e legendas): © António C. Morais da Silva  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do nosso novo grã-tabanqueiro, cor art ref António Carlos Morais da Silva,  que vem na sequência do convite formulado pelo editor Luís Graça (*)

Data: quarta, 6/03/2019 à(s) 16:08

 Meu caro camarada Luís Graça

Já devia ter respondido à mensagem anterior mas deve ter havido uma gatilhada e … lá foi ela. Felizmente surgiu agora nova oportunidade…

Não sei como lhe "pagar" a gentileza, paciência e tempo que tem gasto comigo, que não seja anuir ao seu convite e pedir-lhe a bênção para ser aceite nesse alfobre, que admiro e estimo, dos "amigos e camaradas da Guiné".

Estou umbilicalmente ligado ao TO da Guiné onde nunca voltei por me saber incapaz de "sobreviver fisicamente" ao deslocamento até Gadamael onde ficou uma parte de mim.

Nas 3 linhas curriculares que sugere, gravo o seguinte:

Cadete aluno nº 45/63,
Morais da Silva
(i) Nascido em Lamego,  descendente de centenários lamecenses, cresci no liceu Latino Coelho rodeado de gente a que me ligam laços de grande fraternidade;

(ii) ingressei na Academia Militar em 1963  [, sendo o cadete-aluno nº 45/63,  e]  cumprindo o sonho da infância;

(iii) terminado o curso,  demandei Angola como Alferes, pisei as terras do Leste no Lucusse e posteriormente em Ninda nas CArt 1452 e 1701;

Galhardete da CCAÇ 2796, os "Gaviões"
(Gadamael e Quinhamel, 1970/72).
Cortesia de Adolfo Cruz.
(iv) ainda continuei a comer "o pão que o diabo amassou" no CIC [, Centro de Instrução de Comandos], onde frequentei, com sucesso, o curso de Comandos.

(v) regressado a Lamego, casei, fui bafejado com um filho e por lá andei como instrutor nos cursos de Comandos;

(vi) em Setembro de 1970 fui "escolhido = empurrado" para zarpar para a Guiné onde fui andarilho: Instrutor dos Comandos Africanos do João Bacar Jaló, adjunto do COP 6 em Mansabá e em Janeiro de 1971 "escolhido=empurrado" para voar para Gadamael e assumir o comando da CCaç 2796  [, Gadamael e Quinhamel, 1970-1972],  que tinha perdido em combate o seu comandante, Cap Assunção Silva, meu amigo e camarada de curso;

(vii) uma vez mais repeti a toma do "pão que o diabo amassou" mas logrei conduzir a minha tropa a "terra firme", parafraseando o meu amigo artilheiro Alferes Vasco Pires, que Deus tem;

(viii) de volta ao chão natal, andei cerca de duas dezenas de anos a comandar e ensinar "coisas artilheiras" e da matemática na Academia Militar, onde cabe referir a participação no pronunciamento do 25 de Abril; ainda, deslocamentos para a EPA, GAC/Brigada Mecanizada Independente, RALIS, IAEM e Fort Sill (EUA);

(ix)  como sempre me dei bem com os números e com a racionalidade da matemática, dediquei-me à Investigação Operacional de que sou um dos pioneiros cá do burgo quer na AM [Academia Militar,] quer na universidade;

(x) um dia "vasculharam" a minha coluna quatro vezes sem sucesso o que coincidiu com o fim do SMO [Serviço Militar Obrigatório]; alquebrado e incapaz de acompanhar a mudança no Exército, considerei terminado o meu sonho de prosseguir na carreira,  reformando-me com o posto de Coronel.

Afinal, falhei ao prometido das 3 linhas e deslizei para 4 (longas). Como "Papa do blogue",  fará o favor de extrair o que entender conveniente.

António C. Morais da Silva,
 hoje
A foto [nº 1, acima] que envio foi obtida em Gadamael quando da chegada de mais uma longa coluna a Guilege. Empunhando uma AK, aguardo que o pessoal se apronte para controlo estando à minha esquerda o meu Alferes Esteves, à direita, recostado, o meu vaguemestre Furriel Oliveira e rodeado pelo PAIGC sempre presente nas mazelas das paredes do edifício do Comando.

Na outra foto brindo à nossa saúde [, foto n.º 2, acima].

Com um abraço e o meu obrigado,

Morais Silva
Amadora


2. Comentário do editor Luís Graça:

Temos já mais de quatro  dezenas de referências ao cor Morais da Silva [ou Morais Silva, como ele assina as suas mensagens].  O nosso camarada de armas (e meu colega do ensino superior universitário] passa a sentar-se  no lugar nº 784, à sombra do poilão da Tabanca Grande. (**)

É uma pessoa que muito prezo, pela sua independência, frontalidade e exigência intelectual e moral. Nas "3 linhas curriculares" que lhe pedi, ele não mencionou, certamente por modéstia, a atribuição que lhe foi feita da Medalha de Prata de Serviços Distintos com Palma, pela sua brilhante e corajosa atuação no TO da Guiné, nomeadamente à frente da CCAÇ 2796, em Gadamael.

Temos vindo a publicar, da sua autoria, a série  "In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva)" (***).

O Morais da Silva acompanha de há muito o blogue e conhece as nossas regras de convívio. Resta-nos agradecer-lhe, em nome de toda a Tabanca Grande, a honra que nos dá, e sobretudo pela partilha do seu labor e do seu saber. 
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19553: Dando a mão à palmatória (30): o cap inf Cirilo de Bismarck Freitas Soares, natural de Matosinhos, morreu em 26/5/1965, quando atingido por fogo inimigo numa emboscada na zona de Piri, norte de Angola (Morais Silva, cor art ref)

(**) Último poste da série >19 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19305: Tabanca Grande (472): Carlos Silvério, natural de Ribamar, Lourinhã, ex-fur mil at cav, CCAV 3378 (Olossato e Brá, 1971/73)... Senta-se finalmente à sombra do nosso poilão no lugar nº 783, o número (azarento) do seu tempo de recruta na EPC, em Santarém...

(***) Vd. último poste da série > 1 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19542: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XVI: Cirilo Bismarck Freitas Soares (Matosinhos, 1918 - Piri, Angola, 1965)