Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 30 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21209: Parabéns a você (1841): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Jaime Mendes, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21182: Parabéns a você (1840): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)
quarta-feira, 29 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21208: Os nossos regressos (37): O pessoal do Comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968 / 70) chegou a Lisboa, no T/T Carvalho Araújo, a 26 de junho de 1970 (Fernando Calado)
I. Mensagem de Fernando Calado (ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70) [, na foto ao lado, em Brá, no início da comissão, é o primeiro à direita, acompanhado do nosso saudoso João Rocha, 1955-2018]
Data: segunda, 27/07/2020 à(s) 16:00
Assunto: Regresso da guerra na Guiné
Caro amigo,
Data: segunda, 27/07/2020 à(s) 16:00
Assunto: Regresso da guerra na Guiné
Caro amigo,
Relativamente à data da chegada a Lisboa, a bordo do "Carvalho Araujo", da CCS do BCaç 2852, esclareço seguinte (*):
1- A data referida de 19.07.70 está registada no único documento que anexei e que me foi entregue no dia da chegada em Abrantes (**). É referido ainda que o documento substitui a caderneta militar e dele consta a passagem à disponibilidade no dia seguinte. Tanto quanto me lembro os oficiais milicianos não tinham caderneta militar.
2- Naturalmente que fui sensível às dúvidas levantadas e consultei dois camaradas e amigos que vieram comigo no barco e ainda detentores de caderneta militar onde foram registadas as datas de partida e de chegada do "Carvalho Araújo#. Refiro-me ao Furriel Miliciano de Transmissões Sérgio Fernandes Velho e ao Furriel Miliciano do Pelotão de Sapadores José Manuel Amaral Soares.
3- Na verdade aqueles registos referem que o barco que transportou a nossa companhia, partiu de Bissau em 16.06.70 e chegou a Lisboa em 25.06.70.
Já agora a companhia saiu de Bambadinca para Bissau via Xime [, em LDG,] , no dia 08.06.70, de acordo com o registo que consta da colectânea de documentos reservados da autoria do Furriel Miliciano José Duarte Martins Pinto dos Santos.
4- Assim, apresento as minhas desculpas pela informação errada, que resultou provavelmente de um lapso de quem há 50 anos preencheu o documento.
Um grande abraço
Fernando Calado
II. Comentário do editor:
Consultada a história da Unidade, em formato de papel, lê-se a seguinte informação sucinta (HU - Cap Ii - Pág. 153):
(...) "No dia 29 e 31 de maio [de 1970] chegaram as forlas do BART 2917, começando-se assim a sobreposição. Durante este período, para que as novas companhias [CART 2714, Mansambo; CART 2715, Xime; e CART 2716, Xitole] ficassem a conhecer as suas zonas de ação, realizaram-se várias ações.
"Em 8 de junho de 1970, o BCAÇ2852 deixou o Setor L-1, indo para Bissau, aguardando embarque para a Metrópole".
A História da Unidade acaba com o resumo, de 4 páginas, dos "factos e feitos mais importantes do batalhão" que talvez valha a pena, um dia, publicar aqui no blogue. Fica ao cuidado do Fernando Calado...
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 25 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21196: Os nossos regressos (37): Comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70): foi há 50 anos, no T/T Carvalho Araújo, com algumas pequenas peripécias... (Fernando Calado)
(**) Vd. poste de 19 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21185: Efemérides (330): Faz hoje 50 anos que regressou, do CTIG, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Fernando Calado)
II. Comentário do editor:
Consultada a história da Unidade, em formato de papel, lê-se a seguinte informação sucinta (HU - Cap Ii - Pág. 153):
(...) "No dia 29 e 31 de maio [de 1970] chegaram as forlas do BART 2917, começando-se assim a sobreposição. Durante este período, para que as novas companhias [CART 2714, Mansambo; CART 2715, Xime; e CART 2716, Xitole] ficassem a conhecer as suas zonas de ação, realizaram-se várias ações.
"Em 8 de junho de 1970, o BCAÇ2852 deixou o Setor L-1, indo para Bissau, aguardando embarque para a Metrópole".
A História da Unidade acaba com o resumo, de 4 páginas, dos "factos e feitos mais importantes do batalhão" que talvez valha a pena, um dia, publicar aqui no blogue. Fica ao cuidado do Fernando Calado...
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 25 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21196: Os nossos regressos (37): Comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70): foi há 50 anos, no T/T Carvalho Araújo, com algumas pequenas peripécias... (Fernando Calado)
(**) Vd. poste de 19 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21185: Efemérides (330): Faz hoje 50 anos que regressou, do CTIG, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Fernando Calado)
Guiné 61/74 - P21207: Historiografia da presença portuguesa em África (224): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2019:
Queridos amigos,
Dou como totalmente incompreensível o silenciamento de um texto tão precioso, redigido no exato momento em que tomávamos posse da península de Cacine e entregávamos a bacia de Casamansa à França.
O Capitão-de-Fragata Costa Oliveira é minucioso e não esconde a paixão desta descoberta guineense.
Deixa-nos um excelente relato sobre o chão Felupe. Alerta as autoridades para a importância do presídio de Bolor, era preciso muita firmeza para manter os Felupes respeitosos à presença portuguesa, cita Marques Geraldes que combatera com bravura Mussá-Moló na região do Geba, era indispensável "um severo corretivo àqueles selvagens, ocuparmos novamente o antigo presídio de Bolor".
E conclui, como bom marinheiro: "Será bom não esquecer que para auxiliar esta ou qualquer outra expedição que tenha de operar à beira-mar são indispensáveis as lanchas a vapor adequadas a esta perigosa navegação e um navio de guerra de maior lotação, que possa com o fogo da sua artilharia e escaleres armados, proteger o embarque e desembarque das forças militares e auxiliares".
E há outro dado fundamental deste documento: a Guiné não estava pacificada nem a Norte, nem no Centro, nem no Sul, e bem sabemos os sustos com que se vivia dentro das muralhas de Bissau, com os Grumetes e os Papéis prontos para as escaramuças. São dados que se pretendem silenciar quando se fala na nossa presença de cinco séculos na Guiné Portuguesa...
Um abraço do
Mário
Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (4)
Beja Santos
O Boletim da Sociedade de Geografia, 8.ª Série, N.º 11 e 12, 1888-1889, traz um importantíssimo trabalho do Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira, sócio da Sociedade de Geografia e que fora o comissário português encarregado de estudar a demarcação das fronteiras à luz da Convenção Luso-Francesa.
É um documento precioso, na minha modesta opinião, um dos mais valiosos sobre a época em referência. Como se poderá ver neste e textos subsequentes. Costa Oliveira fora nomeado para dar execução ao tratado assinado por Portugal e a França, parte com o adjunto, um antigo secretário-geral da Guiné, o Sr. Augusto César de Moura Cabral.
O comissário português para a demarcação das fronteiras da Província da Guiné, em consonância com a Convenção Luso-Francesa de 1886, deixou-nos um esplêndido relato das suas incursões, repleto de observações vivacíssimas e considerações políticas de inestimável valor político. A Província de Cacine subiu até ao Corubal, vemo-lo agora no Geba, onde escreve:
“O futuro da Senegâmbia está ligado ao rio Geba. Geba e Dandum são pontos estratégicos e importantes do sertão, e, se fossem convenientemente guarnecidos e defendidos, assim como Sambel Nhantá, S. Belchior e outros pontos no Corubal, à sombra dessa protecção, havia de desenvolver-se rapidamente”.
Relata com imensa intensidade um ataque de formigas, bebe água como uma sanguessuga, um guineense resolve o problema preparando-lhe uma beberragem com sabão. Sente-se fascinado pela floresta, pelos rios e rias, é recorrente em exclamativas, assim: “É formosíssimo o sertão de Buba!”.
Estão agora a caminho de Contabane e não esconde a sua atração por todo este fascínio:
“Quem vê a Guiné de fora, e conhece somente os seus mangais e os lodos das suas extensas planícies, morbíficas e pestilenciais, não pode sequer imaginar as belezas que o seu interior encerra. Cursos de água cristalina correm em todas as direcções e sentidos; grandes manadas de gado vacum pastam sossegadamente na erva viçosa e fresca de seus vastos prados, matizados pelas cores variegadas de mimosas boninas; campos cultivados pela mão da mulher africana que, com o filho às costas e vergada sob o peso das costas cheias de maçarocas de milho, lá vai a caminho da povoação; florestas impenetráveis aonde abundam o ébano, o mogno, o pau-sangue e tantas outras madeiras apreciadas na Europa; caça variada e em prodigiosa quantidade, enfim, um encanto para quem pela primeira vez pisa o interior do tão cobiçado continente negro!
E dizem ser pobre a Guiné!
Pois será pobre um país onde a vegetação é tão vigorosa e rica; aonde há milhares de cabeças de gado bovino e lanígero; aonde vive o elefante em numerosos rebanhos; aonde há mel, cera e oiro nativo; aonde a árvore-da-borracha é vulgaríssima, e como que a completar todo este esplendor, rios enormes e navegáveis por onde se podem conduzir todas estas riquezas às capitais? Não, não pode ser! A Guiné é rica, muito rica, mas… desconhecida, e tanto basta!”.
Voltam a Buba, e a sua narrativa quase que ganha um cunho épico, vê-se que tem o condão para a literatura de viagens:
“Cobertos de pó e lodo, com o fato esfarrapado pelos acerados espinhos das florestas e extenuados de fadiga, entrámos em Buba, aonde éramos esperados pelos membros da Comissão Francesa, Comandante da Praça e destacamento, Capitão Bacelar, nosso companheiro de trabalhos, e muitos indígenas que, com verdadeira curiosidade infantil, se acotovelavam e apertavam para verem mais de perto os viajantes portugueses.
Buba, cabeça do concelho de Bolola, magnificamente situada na margem direita do rio Grande, defendida pelo lado de terra por forte paliçada e onze peças de artilharia e duas metralhadoras – mas sujeita a qualquer insulto pelo lado do rio – com um clima relativamente saudável, foi uma estação comercial florescente, quando a mancarra era cultivada naquela região”.
A terceira e última parte da sua viagem começa com algumas explorações na ilha de Bolama e depois partem para Carabane – Casamansa – Zinguinchor, que eram territórios portugueses que foram ocupados pelos franceses. Sobre a ilha de Carabane observa:
“A ilha é pequena e pantanosa. Ao NE e sobre areia fina e branca edificaram os franceses, em 1836, a povoação, que pouco tem prosperado. Apenas se notam uns três edifícios construídos à europeia, o posto ou residência do administrador, as casas Blanchard, Maurel Frère & Cª. e a residência do missionário. Na retaguarda do posto estende-se um vasto pântano, exalando continuamente miasmas paludosos. Há um posto aduaneiro, dirigido por europeus, e parece-me ser importante o movimento comercial. Carabane está abaixo de tudo quanto vimos na Guiné!”.
Seguidamente, temos uma descrição do Casamansa em que Costa Oliveira dá a palavra a Brosselard, o comissário francês. De facto, esta viagem formalizava a tomada de posse da região do Casamansa pelos franceses. Insista-se na riqueza dos pormenores, a sua narrativa, é bem perceptível, envia recados para os governantes de Lisboa. Por exemplo, explica a importância do presídio de Bolor e a necessidade de intensificar a presença portuguesa em chão Felupe.
É um texto irresistível:
“Naquele país sem outeiros nem vales por toda a parte se navega (e navegando se vai a toda a parte), por entre muralhas impenetráveis de viçosíssimos mangues que tapam as margens, sotopostos às verdes palmeiras de dez castas diferentes, aos corpulentos poilões, aos elevados cedros e a mil outras espécies de árvores tão antigas como o solo onde se prendem.
A perspectiva exterior da Guiné é, pois, encantadora; mas assim como entre essas ramagens floridas se aninham venenosas serpentes, também à sombra desse arvoredo parrado se aspiram miasmas que ameaçam morte; tudo está em resistir ao primeiro combate: a vitória fica segura para sempre.
É nesses plainos intermináveis e paludosos da Guiné Portuguesa que correm os rios de S. Domingos, de Geba ou Corubal, o Grande de Bolola, o Tombali, o Cumbijã e o Cacine, e seus muitos braços e esteiros que neles desaguam.”
É neste contexto que nos fala das ruínas do presídio de Bolor, em chão Felupe, e o porto de Bolor, deploravelmente em ruína. E observa:
“De toda a nossa Guiné, é esta a posição mais saudável e para lá vão convalescer os doentes de Cacheu, por ser um solo de areia desassombrado de matas em derredor e exposto às direcções frescas do mar”.
A mensagem que deixa nas suas conclusões é como que uma sacudidela aos governantes, aos políticos, enfim, aos vindouros:
“A Guiné é rica ou não é. Se é rica e pode ter ainda um futuro brilhante, dê-se-lhe o que for preciso para a fazer desenvolver. Se não é rica e o défice cresce anualmente em progressão assustadora, ceda-se à França”.
O capitão-de-fragata deixa-nos um testemunho espantoso da sua viagem em que concebeu uma carta da Guiné com várias limitações, circunscreve a topografia aos pontos por onde passou, mas é um documento riquíssimo. E a sua mensagem final tem algo de pungente, um território rico e fértil entregue à indiferença.
Extratos da Carta da Guiné Portuguesa, elaborada pelo capitão-de-fragata Eduardo João da Costa Oliveira.
Nota do editor
Último poste da série de 22 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21191: Historiografia da presença portuguesa em África (223): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (3) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P21206: (Ex)citações (363): Colonialismo e pós-colonialismo: as três cidades da África Ocidental: Bissau, Conacri e Dacar (António Rosinha / Cherno Baldé)
Guiné.Bissau > Bissau > c. 2010 > Ao centro, o Palácio Colinas de Boé, sede da Assembleia Nacional Popular (Parlamento), sito na Av Francisco Mendes...
O edífício, de arquitetura moderna, foi construida pela China. Foi inaugurado em 2005. À esquerda, frente ao Palácio Colinas do Boé, fica o CEIBA Hotel.
E, assinalado, com um círculo a vermelho (,depois de chamada de atenção do nosso camarada António Rosinha) (*), está " a mãe-de-água, depósito de água (colonial), pintado de côr amarela, no espaço da Assembleia da República"... E acrescenta o Rsoinha: "Esse espaço foi um lindo jardim colonial, o jardim do Alto [do] Crim, mandado arrasar pelo Luís Cabral"... [O sistema de abastecimento de água à cidade foi obra do governador Sarmento Rodrigues, inaugurado em 1947].(**)
Foto: © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Bissau > c. 1975 > Novo mapa, pós-colonial, da capital da nova república, já com as novas designações das ruas, avenidas e praças, que vieram substituir, em 1975, o roteiro português: Av Unidade Guiné-Cabo Verde, Av 3 de Agosto, Av Pansau Na Isna, Av Amílcar Cabral, etc.
Na parte superior do mapa, do lado esquerdo, ficava o Alto [do] Crim (, assinalado com um retângulo a verde), (Mapa gentilmente fornecido por A. Marques Lopes, em 2006).
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020).
1. Comentário de Antº Rosinha ao poste P20344 (*)
Antº Rosinha, topógrafo da TECNIL, Bissau, ao tempo de Luís Cabral... É membro da nossa Tabanca Grande desde 29 de novembro de 2006: tem 120 referências no blogue. |
A maior obra, a grande avenida, Combatentes da Liberdade da Patria, projectada como "Avenida Unidade Guiné-Cabo Verde", única saída da ilha de Bissau, quer de carro ou de avião, congestionadíssima, tinha na ideia de Luís Cabral, já com projecto em estudo, uma alternativa de saída da ilha através de Antula a sair para os lados de Cuméré.
Desafogava aquilo que prevemos que deve ser uma autêntica IC 19 (Sintra) em hora de ponta, mas 24 horas por dia.
Havia outro projecto de Luís Cabral, este não urbanístico mas político, segurar democraticamente à cacetada, cada guineense, na sua tabanca de origem, prendendo todos aqueles que se passeasse em Bissau, sem actividade comprovada, ou seja não podia fazer turismo, aí também ajudava a descongestionar.
Aliás, todos os dirigentes dos partidos vencedores, MPLA, FRELIMO e PAIGC gabavam-se que iam transformar as suas capitais mais bonitas e mais modernas do que aquio que os atrasados dos portugueses conseguiam fazer.
Pessoalmente penso que não seria difícil, porque nós, os colonialistas, não eramos nem somos lá muito competentes. Só que penso que eles apenas ampliaram as asneiras que nós tinhamos feito.Luanda tem mais muceques, Lourenço Marques (Maputo) não conheço, mas as noticias só mostram decadência, no caso do PAIGC de Bissau, ficamos na eterna dúvida se os dirigentes iam ou não conseguir fazer melhor que nós, a um dirigente assassinaram-no, a outro expulssaram-no, e os restantes ficaram sem grande voz activa.
2. Comentários ao poste P21199 (***):
Cherno Baldé, Bissau, quadro superior na área de gestão de projetos |
(i) Chermo Baldé
De facto, se há alguma coisa que se perdeu com a independência da Guiné é aquele orgulho, o sentimento de autoestima com uma mistura de uma certa superioridade que os guineenses tinham relativamente aos paises vizinhos.
Durante muito tempo (até princípios dos anos 80) Bissau foi ponto de referência para as populaçoes de origem guineense, residentes em Dacar, Ziguinchor e Conacri, entre outras cidades, aos quais tentavam copiar o modo de vida, a vestimenta, a culinária, a boa educaçao, etc...etc (tudo à portuguesa).
Caro Rosinha, a preferência do PAIGC do Amílcar por Conacri é mais politica que outra coisa, porque quando chegaram em Dacar em 1959/60, já a FLING de Kankola Mendy, que parecia politicamente mais moderado, tinha conseguido o apoio do LS Senghor, assim Conacri serviu de alternativa, também com as dificuldades que se sabem.
Na verdade, desde a independência, a Guiné-Bissau não deixa de perder os seus antigos "valores" coloniais a favor de uma maior e melhor integração na subregião onde está inserida, o que, para muitos, não passa de uma banalização do que era a cultura guineense que, na realidade, não passava de uma cultura de alienação colonial, conseguida com base na politica da assimilação mal efetivada, bem distante da nossa realidade quase feudal e africana.
Eu conheci Bissau muito mais tarde, aliás na altura, a circulação de pessoas e bens era muito limitada e bem controlada pelo regime e pouca gente se deslocava a capital, porque também as outras localidades tinham o mínimo necessário.
Mas, como diz o Valdemar (***), provavelmente Bissau só começou a concentrar mais população à procura de trabalho no consulado do Sarmento Rodrigues (1945-49) e início das "grandes" obras da construção da cidade. (**)
Antes desse periodo, provavelmente Bissau se resumia ao Porto e ao pequeno Bairro de Chão-de-Papel, junto à bolanha ao lado do rio, habitado por grumetes e emigrantes cabo-verdianos.
De resto, o crescimento da cidade arranca com o inicio da Guerra em 1963/64.
Por isso, quando vejo na biografia do Bobo Keita que ele teria nascido em Bissau em 1939, não deixa de criar algumas dúvidas, posto que era pouco provável a existência do Bairro do Pilum onde diz que habitavam os seus pais.
(ii) Antº Rosinha:
Havia algum cinismo e alguma mentira na cabeça de muitos guineenses do PAIGC quanto às preferências por Conacri e contra Dacar, antes do multipatidarismo.
Havia uma necessidade de apregoar as virtudes do comunismo (sem o praticarem pessoalmente), e ai de quem se atrevesse a opinar com um ministro ou outro dirigente do PAIGC, que o unipartdarismo do Sekou Touré amachucava o povo guineense ao contrário do multipartidarismo de Senghor.
De facto, Cherno, eram os valores coloniais a serem banalizados, e trocados por outros valores ainda mais estranhos ao povo da(s) Guiné(s), e até que lentamente a Guiné-Bissau se integrou no ambiente que a rodeia num multipartidarismo que é um mimetismo do que se faz na Europa.
Mas, apesar do ambiente em redor não falar português, a Guiné será sempre um PALOP, porque se não falar português nem crioulo em Bissau, fala-se em Lisboa, porque são guineenses, muitos milhares de portugueses à volta de Lisboa.
E se juntarmos os guineenses de Bissau, com passaporte português e que podem votar em Lisboa, (assim como os angolanos e moçambicanos nas mesmas condições), qualquer dia é Portugal que se transforma em PALOP.
Ainda outro dia o SEF quis fazer o teste do Covid-19 num avião de moçambicanos no aeroporto Humberto Delgado e não pôde testar porque eram portugueses.
PS - Só não é português quem não é filho, neto ou bisneto de uma das esposas ou filhas de um antigo grande dirigente do PAIGC, FRELIMO ou MPLA.
Se aparecer algum a provar o contrário é a excepção à regra.
Cherno, esta conversa toda, não é só para ti, porque tu já sabes muito mais que isto. (****)
__________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20344: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte I
(**) Vd. também postes de:
10 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)
18 de outuhro de 2017 > Guiné 61/74 - P17877: Historiografia da presença portuguesa em África (98): Bissau, em 1947, ao tempo de Sarmento Rodrigues, revisitada por Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"
(***) Vd. poste de 26 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21199: Da Suécia com saudade (78): “O que teria sido se....?” ... A propósito da Bissau dos anos 60/70, recordados por Carlos Pinheiro... (José Belo)
(****) Último poste da série > 28 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21204: (Ex)citações (362): "O que vemos não é o que vemos mas sim o que somos" (Bernardo Soares / Fernando Pessoa, com o 'colon' António Rosinha e o 'luso-sami' José Belo, a assinarem por baixo)
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terça-feira, 28 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21205: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (16): Álbum fotográfico - Parte IX
1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado
Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 27 de Julho de 2020:
Bom Dia e boa semana Carlos Vinhal,
Aqui te envio mais uma página do meu Álbum de Fotos, é por isso a N.º 9, e também a última. Estas são as fotos que ainda guardo como boa recordação pois muitas mais teria se não se tivessem estragado, talvez pela fraca qualidade do papel, ficaram umas debotadas e outras amareladas. Talvez até pela velhice.
Dentro de dias entrará o mês de Agosto e, por isso, durante esse mês não enviarei mais trabalho mas voltarei depois das férias, se é que vai haver férias.
Desde jà envio abraços para todos os Membros da Tabanca Grande e, em especial, para o Carlos, Luís Graça e todos os restantes Chefes de Tabanca, com votos de que tenham umas boas férias, bem gozadas, mas com o devido cuidado desse tão grande inimigo que sempre que pode ataca, obrigando-nos a usar máscara.
Albino Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21173: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (15): Álbum fotográfico - Parte VIII
Bom Dia e boa semana Carlos Vinhal,
Aqui te envio mais uma página do meu Álbum de Fotos, é por isso a N.º 9, e também a última. Estas são as fotos que ainda guardo como boa recordação pois muitas mais teria se não se tivessem estragado, talvez pela fraca qualidade do papel, ficaram umas debotadas e outras amareladas. Talvez até pela velhice.
Dentro de dias entrará o mês de Agosto e, por isso, durante esse mês não enviarei mais trabalho mas voltarei depois das férias, se é que vai haver férias.
Desde jà envio abraços para todos os Membros da Tabanca Grande e, em especial, para o Carlos, Luís Graça e todos os restantes Chefes de Tabanca, com votos de que tenham umas boas férias, bem gozadas, mas com o devido cuidado desse tão grande inimigo que sempre que pode ataca, obrigando-nos a usar máscara.
Albino Silva
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21173: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (15): Álbum fotográfico - Parte VIII
Guiné 61/74 - P21204: (Ex)citações (362): "O que vemos não é o que vemos mas sim o que somos" (Bernardo Soares / Fernando Pessoa, com o 'colon' António Rosinha e o 'luso-sami' José Belo, a assinarem por baixo)
Bilhetes postais da coleção do nosso camarada Agostinho Gaspar / Digitalização, legenda e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)
A tropa portuguesa via o desenvolvimento das cidades de uma maneira, o PAIGC via de outra maneira.
Então o caso de Dacar ser melhor que Bissau, era coisa que eles nem ambicionavam imitar porque para eles era Conacri o bom, pois era o Sekou [Touré] que mandava, em Dacar eram os franceses que continuavam a pôr e dispor, uma vergonha.
E quem pensa que a Guiné estava muito atrasada, não conheceu em Angola territórios do tamanho da Guiné, que eram atravessados por uma ou duas picadas onde podia haver um ou dois chefes de posto e um administrador e 4 ou 5 comerciantres de permuta. (Por exemplo, em 1966, Cuando Cubango).
Em Moçambique nunca lá pus os pés, tenho pena, diziam que estava muito mais desenvolvido a imitar os ingleses que os rodeavam. (Ponto de vista de colon, o que era bom para branco ver.)
Mas uma coisa é certa: o PAIGC e os outros movimentos onde imperavam os "estudantes do império", eles não queriam saber, antes pelo contrário, de qualquer benefício vindo de Portugal, quer na educação, na agricultura ou industria..., "porque eles queriam fazer tudo à maneira deles".
E foi exactamente o que aconteceu.
Agora, desenvolver as cidades africanas, de que maneira (Europeia? Asiática? Árabe?...), quando as ajudas, os conselheiros e os projectos vêm de onde calha?!
O melhor para a Guiné ainda era à maneira portuguesa ou cabo-verdeana, mas isso era impossível, as rédeas ficaram à solta, com aquele tipo de 25 de Abril... Com o 24 de Setembro o PAIGC ainda se aguentou, depois perdeu a cabeça.
Mas Bissau era uma cidade porreirinha, os guineenses, o povo, gostavam, apreciavam muito a Bissau portuguesa.
Havia um jardim no Alto Crim, onde hoje está a Assembleia da República, jardim lindíssimo, com guardas e jardineiros, em que, a mando de Luís Cabral, eu, moi, a Tecnil, mandei avançar um bulldozer... Isto em 1980, e vi, desde jovens que estudavam lá nos bancos à sombra das árvores até velhotes que lá descansavam, tudo revoltado... Mas, passados umas semanas, o Luís foi-se.
Eu penso que, pelo povo, se lhe perguntassem sobre as estátuas... Sei não!
Só que o povo perdeu a voz.
A História como resultado de dinâmicas em entrechoques sempre dramáticos para os apanhados nos seus “redemoinhos”.
Por muito profundos e sinceros nos seus valores humanos, nas suas criativas leituras políticas das situações, fazem-no sempre.... de fora!
Mas o António Rosinha...NÃO ATIRA estas pedras. Procura antes construir com elas o edifício de uma realidade por ele experimentada.
E acabamos por cair nas verdades do poeta de alguns favorito: “O que vemos não é o que vemos mas sim o que somos “ [Bernardo Soares / Fernando Pessoa]. (**)
Um abraço do J.Belo
______________
(*) Vd. poste de 26 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21199: Da Suécia com saudade (78): “O que teria sido se....?” ... A propósito da Bissau dos anos 60/70, recordados por Carlos Pinheiro... (José Belo)
(**) Último poste da série > 12 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21162: (Ex)citações (361): Lendas e narrativas: nós, os víquingues e os suecos (Manuel Luís Lomba / José Belo)
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segunda-feira, 27 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21203: Efemérides (331): Os 100 anos de Amália, "o povo que lavas no rio" e Afife (onde vivi até aos 9 anos) (Valdemar Queiroz)
Infografia: Fundação Amália Rodrigues
(com a devida vénia...)
Data - sexta, 24/07, 17:48 (há 22 horas)
Assunto - Amália, o 'Povo que lavas no rio' e Afife
Luís,
Os 100 anos da Amália merecem aparecer no nosso blogue.
Agora, e sempre, ouvir a Amália cantar este fado [, o Povo que lavas no rio,]é estar em Afife com nove anos de idade.
O poema de Pedro Homem de Melo [, Porto, 1904 - Porto, 1984] é sobre o povo, também o povo de Afife, Viana do Castelo.
O poema de Pedro Homem de Melo [, Porto, 1904 - Porto, 1984] é sobre o povo, também o povo de Afife, Viana do Castelo.
É imperdível a consulta ao blogue lopesdareosa (vd. anexo) e a explicação tim-tim-por-tim sobre do poema, e não só, é uma pérola.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
________________Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Povo que lavas no rio
Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.
Fui ter à mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão
Era vinho que me deste
Água pura e fruto agreste
Mas a tua vida não
Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não
Letra: Pedro Homem de Melo / Música: Fado Vitória / Criação: Amália Rodrigues (1963) (com a devida vénia...)
2. Excertos de um poste do blogue lopesdareosa, de António Alves de Barros Lopes >
sábado, 29 de dezembro de 2012 > Povo que Lavas no Rio (com a devida vénia...)
Até sei onde eram os rios e seus nomes. Era o da Maganhão, era o dos Ôlhos, era o da Ponte Nova. era o do Rapido, era o das Pontes do Cascudo era o do Poço da Baeta o do Poço da Arrinca. Era o da Romenda, Era o de Fontes era o do Fincão onde até as da Ribeira vinham lavar.
Depois o tal Povo que ía à feira e à tenda eu o conheci. Era o meu avô que dizia que ir a Ponte de Lima e não ir à tenda do Cachadinha ou da Rosa Paula era como ir a Roma e não ver o Papa. Ainda reconheço esse Povo nas feiras de Ponte e do Cerdal nas tendas de S. João ou da Peneda. Eram todos os lavradores que se debatiam com os regatões por umas quantas notas, por uma vaca.
A malga de mão em mão eu por ela bebi nos tempos em que os artistas no regresso a casa paravam na Loja do Perrito e de lá não saíam sem que antes tivessem pago cada um a sua rodada daquele verde tinto intragável. Se no beijo na tigela que passava de mão em mão o Poeta viu irmandade, comunhão ou outra coisa qualquer, por isso era Poeta:
Procissões, praias e montes, areais, píncaros passos, braços e fontes, quem não os conheceu???
Montanhas veredas e cangostas foi Pedro Homem de Mello que as inventou?
Buxas, lobas, estrelas. Vozes na casa deserta, almas penadas, chascas nas encruzilhadas? - Quem não ouviu histórias medonhas?
Quem não sabe ao que o Poeta se refere quando afirma que tinha rasgado certo corpo ao meio e que tinha visto certa curva em certo seio?
Apesar de tudo e mesmo assim o Poeta se confessa apartado da essência do Povo que tão bem canta.
- Pertenço-te e deste-me alturas de incenso, mas não me deste o teu modo de viver porque esse é inatingivel.
(...) Resumindo, Povo que Lavas no Rio é um hino ao Povo. Pelo menos ao Povo do Alto Minho, em relação aos quais já pressenti muito desdém.
Talvez por inveja. Talvez porque haja muita boa gente que não aceitou em Pedro Homem de Mello a sua rebeldia.
"- Monárquico em todas as repúblicas do mundo."
Ou que, apesar disso, ousou afastar-se dos seus, cujo desprezo presenciei na muralha inultrapassável em frente à Havaneza em noites de Feiras Novas.
Outros porque não perdoaram ao Poeta ter-se misturado com o tal povo e cantado essa vivência roubando assim a iniciativa aos especialistas.
Outros porque não lhe chegando à bitola se apressaram a classificar Pedro Homem de Mello como poeta de segunda!
Sei lá! (...)
________________
Nota do editor:
Último poste da série > 19 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21185: Efemérides (330): Faz hoje 50 anos que regressou, do CTIG, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Fernando Calado)
Último poste da série > 19 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21185: Efemérides (330): Faz hoje 50 anos que regressou, do CTIG, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Fernando Calado)
Guiné 61/74 - P21202: Notas de leitura (1295): “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega; Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2017:
Queridos amigos,
Dá-se continuidade à análise de um livro que consideramos de leitura obrigatória para todo aquele que se sente motivado pelo estudo da história da Guiné. Trabalho de rigor, e uma análise muito cuidada, que inclui leituras, entrevistas e o estudo dos números e dos inquéritos. Álvaro Nóbrega não se circunscreve aos 10 anos de democratização, procede ao levantamento do antes a independência, estuda as diferentes elites que se formaram na Guiné-Bissau, identifica as ambiguidades, os obstáculos e os antagonismos entre um Estado que não cobre o que se chama o território nacional e um território nacional onde é muito forte o peso da sociedade civil rural, das tradições. Com esta análise, lembra o autor, torna-se mais claro o papel político dos militares, a fragmentação dos partidos e a inoperância das instituições.
Um livro precioso, tanto na Guiné-Bissau como em Portugal.
Um abraço do
Mário
Os ziguezagues da democracia guineense:
Uma obra indispensável de Álvaro Nóbrega (2)
Beja Santos
Em “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, Álvaro Nóbrega, edição do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015, dá-nos um estudo admirável sobre as sinuosidades do processo democrático guineense, a partir da luta de libertação, das tensões que esta mesma provocou, dos equívocos entre um sonho de modernização e as múltiplas dificuldades do Estado se encontrar com a nação e com as populações nela residentes.
O Estado existe mas é negligente, descura a sua própria história e o autor cita um artigo publicado em 2003 em Kansaré, de algo de grave que se viu em Lugajole: “As ruínas da Casa da Independência continuam a cair pedra a pedra nas brumas das preocupações dos governantes (…) A placa comemorativa da proclamação da independência já desapareceu. Onde foi parar? Ninguém sabe. É provável que o metal deste símbolo da liberdade já tenha sido fundido para fabricar algum objeto fútil. Triste reciclagem dos valores da independência!”. Na euforia da chegada a Bissau, em Outubro de 1974, os líderes entenderam mandar arrancar os símbolos da presença colonial, as estátuas foram enviadas para a fortaleza de Cacheu. A estátua do presidente norte-americano Ulisses Grant, que tivera um papel primordial na questão de Bolama, foi pilhada e fundida. Perderam-se memórias preciosas, a começar pela destruição do património que pertencera ao Museu da Guiné e que estava nas instalações do INEP que foram vandalizadas pelas tropas senegalesas que fizeram fogueiras com mapas antigos. E o narcotráfico fez relevar outra questão que comporta alta perigosidade, como observa o autor: “A sede real do poder tem sido pretensa de um núcleo de poder, sem enquadramento constitucional, que envolve militares e civis ligados por interesses patrimoniais e por outros níveis de solidariedade. É este núcleo informal que detém, em última instância, a capacidade de determinar o exercício da força e da violência do Estado”. Isto ocorre na falta de autenticidade do poder, de uma verdadeira criminalização do Estado, na incapacidade de se praticar com independência e rigor a justiça e onde o funcionalismo, cronicamente mal pago, é a própria bandeira da corrupção.
E temos a efemeridade das governações, como o autor comenta: “Quando os governos não são inexperientes, não são coesos, resultando de coligações precárias intra e interpartidárias que se fazem e desfazem ao sabor das intrigas políticas, das pressões militares e das vontades presidenciais. Essa tem sido uma constante dos governos guineenses cujo tempo máximo de vida, depois da abertura política de 1991, tem rondado os dois anos de mandato”. E a governação precária anda também a reboque da instabilidade política e militar: “Em 2008, as eleições trouxeram de novo Carlos Gomes Júnior ao poder, que iniciou um ciclo de crescimento económico, mas a luta pelo poder e instabilidade política e militar continuaram a marcar na vida guineense, como ficou bem expresso nos assassinatos de 2009, na deposição do CEMGFA Zamora Induta, em 1 de Abril de 2010, e no golpe de Estado de 12 de Abril de 2010, que o obrigou ao exílio”.
É pois importante apurar o papel dos atores. Logo a elite política. Na década de 1980 uma camada social ou grupo de pessoas, a propósito da liberalização que então estava a ocorrer, passaram a intervir fortemente na vida política. Nesta elite moderna entram famílias de cultura crioula com peso histórico, invejada e detestada pelos grupos intervenientes de diferentes camadas étnicas, que não lhes reconhecem legitimidade. Daí os apodos, sempre depreciativos: à quem considere Carlos Gomes Júnior, cabo-verdiano, o ex-presidente Henrique Pereira Rosa, português e Francisco Fadul, libanês. As discriminações sucedem-se, não há pior insulto que chamar alguém Burmedjo (vermelho), uma tez clara que faz com que uma pessoa seja considerada de “cor”.
Há outro percurso das elites, que é o das habilitações, há os pergaminhos da luta, e depois da independência chegaram muitos jovens educados no exterior. O autor observa: “Estes jovens forneceram os quadros necessários aos muitos partidos que se criaram para competir pela sede do poder, vão dar origem a uma elite política onde se irá integrar uma elite tradicional”.
Procedeu-se a um estudo para identificar a composição desta elite política, enorme, se atendermos à presidência e aos seus conselheiros e assessores; ao governo com os seus ministros, secretários de Estado, chefes de gabinete, diretores-gerais, diretores das empresas públicas, governadores regionais, administradores de setor; pelos deputados e pela legião que são as fileiras dos partidos políticos. O estudo em apreço sobre a elite política teve em conta os representados na Assembleia Nacional Popular. Apura-se a ver subalternização da mulher, são 10% da composição do parlamento; os grupos etários dominantes estão entre os 30 e 59 anos; analisando a distribuição dos deputados por profissão constata-se que o peso dominante vai para os comerciantes, professores, engenheiros e trabalhadores da função pública e o nível de escolaridade que mais pesa (41%) é dado pelos licenciados; não surpreende os problemas complexos da etnicidade por várias razões: a dupla e tripla pertenças étnicas são uma realidade comum e frequente. A identificação étnica pode variar no tempo e no espaço, pode mudar para processos de convergência étnica e, por exemplo, os processos de mandiguização e de fulanização levaram as etnias sujeitas a tais processos de aculturação a adotar a mesma antroponímia; quanto à cultura religiosa, os números não são devidamente esclarecedores, temos cerca de 42% deputados islamizados e 60% que se dividem entre o animismo e o cristianismo.
Já fora deste inquérito, o autor disseca o papel político dos militares. Nas democracias estabilizadas, as forças armadas permanecem submetidas ao poder civil. Recorde-se na Guiné-Bissau nunca houve uma separação efetiva entre a política e as armas. Em Cassacá estruturou-se o corpo de guerrilha do PAIGC que ficou dependente da direção política. Com o golpe de Estado de 1980, a regra subverteu-se e com o multipartidarismo estabeleceu-se a promiscuidade e daí as acusações recíprocas entre partidos de acusações das interferências políticas, dos assassinatos de militares da conivência com os golpes. O autor sublinha existir promiscuidade entre políticos e soldados nas bases militares. Tagme Na Wai, o terceiro CEMGFA desde 1999 estava consciente desta situação perigosa e de que as lutas partidárias nos quartéis podiam ser mortíferas. E daí ter lançado um aviso: “Queremos dizer aos partidos políticos da Guiné-Bissau, cujos elementos são nossos familiares – irmãos, sobrinhos, tios –, que nos deixem fazer o nosso trabalho militar nos quartéis, que cada vá organizar o seu partido na sua sede. Para nós, os militares, as nossas sedes são os quartéis e os nossos militares são os nossos militantes”.
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 20 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21188: Notas de leitura (1294): “Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)”, por Álvaro Nóbrega; Coleção Estudos Políticos e Sociais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2015 (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 – P21201: Memórias de Gabú (José Saúde) (94): Dois guerrilheiros do PAIGC piraram-se da prisão de Gabu (José Saúde)
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Camaradas,
Deixo-vos mais um
pequeno texto inserido no meu último livro intitulado, nono, “Um Ranger naGuerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” e já à venda ao público nas livrarias (Edições Colibri, 2019).
Memórias de GabuDois guerrilheiros do PAIGC piraram-se da prisão de Gabu
A fuga
Foi por aquele pequeno espaço feito em tijolos que os guerrilheiros do PAIGC se piraram [Vd. foto acima],
Relato, com um
saudosismo que é próprio da minha pessoa, o conteúdo de uma fuga protagonizada por
dois guerrilheiros do PAIGC, feitos prisioneiros, que numa bela noite se piraram de
uma modesta e casual prisão existente no quartel.
Assevero, que o meu
primeiro aposento em chão fula foi precisamente de paredes-meias com a dita
cadeia. Naquele tempo alguém terá comentado a razão do espaço. Todavia, a
coisa, dita com verdade, pareceu soar a “bocas da velhada” – em final do seu
ciclo de rendição - para amedrontar o pessoal piriquito acabado
de chegar àquelas paragens guineenses.
Recordo que a temática
acerca da prisão dos dois inimigos de guerra – usualmente conhecidos por
“turras” pelas nossas tropas - suou a silêncio. Falou-se, sim, sorrateiramente
no assunto, todavia as impressões sobre o caso caíram num pressuposto saco
roto.
Lembro, que foram
alguns os camaradas no quartel que se aperceberam da endiabrada e hábil
aventura dos lestos homens. Tanto mais que o acontecimento passou quase
despercebido à generalidade da maralha. Falou-se do tema à socapa, mas na
verdade o assunto comentou-se.
Naquele tempo, e com
a guerrilha em plena atividade no terreno, tudo o que transpirasse a eventual
curiosidade, ou saísse fora da rotina, era normalmente abafada. Assim, tudo ou
quase tudo, digo eu, era restrito a conversações entre graduados. A malta, o
tal soldado desconhecido, combatente exímio e corajoso, cumpria deveres e
recreava-se com momentos de ócio que os instantes livres lhes proporcionavam.
Mas nem tudo era
sinónimo de desinteresse. A novidade carecia sempre de dois dedos de conversa.
Dois turras presos no quartel sintetizava atenção
acrescentada. Mormente para ver in loco o rosto de dois
guerrilheiros com os quais o pessoal da Metrópole combatia no terreno.
Sei que a sua
estadia foi efémera. Desconheço pormenores da sua captura e o local onde o
aprisionamento ocorrera. Portanto, debitarei aquilo que, na ocasião, me foi
dado saber. Evoco, como dado adquirido, que a chegada ao quartel foi marcada
pelo secretismo. Seguiu-se, naturalmente, a sua instalação num espaço
considerado de segurança. Uma espécie de “jaula” assegurava, fortuitamente, uma
vigia apertada. Um pequeno quarto com uma porta que acusava já algum desgaste,
sendo o espaço exíguo, parecia apresentar-se com as condições ideais para os
homens pernoitarem sob o segredo dos deuses. Depois, sucedia-se o
imprescindível interrogatório, como era hábito acontecer.
Elementos da PIDE
encarregar-se-iam de lhes sacarem informações, nem que para tal a sua ação
passasse por utilizar os métodos mais rudes. O importante, para eles, agentes
do Estado Novo, passava por colocar os homens a confessar tudo aquilo que
sabiam.
Mas, nem tudo o que
parece é. Ou seja, existiam pequenos pormenores que tacitamente fugiam à
intenção dos graduados, homens que já pareciam denotar algum traquejo na
guerrilha. Aquele pequeníssimo recanto virava para uma área totalmente livre.
Havia, é certo, os arames que limitavam o espaço do quartel a que acresce a
presença das sentinelas cuja missão era garantir a segurança àqueles que
dormiam, logo pressupunha-se, sim, que a seguridade dos guerrilheiros inimigos
apresentava fiança.
Porém, tudo se esfumou
num horizonte de incertezas, ou contrariamente de profícuas certezas,
clarificando melhor este filme a preto e branco entretanto visualizado. Na
noite da chegada às novas instalações, e sob o silêncio da madrugada,
consumou-se a fuga. Os homens, quiçá mestres em escaramuças de guerra e sabendo
o que os esperava, piraram-se sem que ao menos deixassem um pequeno rasto da
sua auspiciosa fuga.
Acrescente-se que a
sua porta de saída foi simplesmente uma pequena janela vedada em tijolos de
cimento. Os homens escavaram o espaço sem o mínimo de barulho, concentraram no
interior tudo o que era entulho e calmamente soltaram o afiado grito de Ipiranga,
como quem diz, o da liberdade.
Seguiu-se a passagem
do arame, facto este ultrapassado, e lá marcharam pela calada do breu rumo aos
seus camaradas. A guerra, para eles, apresentava-se também como um pesaroso
calvário, sabendo-se que a razão da sua luta no mato era levar o seu povo à
independência.
Dessa enlouquecida
aventura nunca mais nada se soube!... Peripécias de uma peleja onde o
sistemático envolvimento das forças em confronto transmitiam arte no saber
contrariar as liças que o IN a todo o instante impunha.
Em Gabu, os dois
homens do PAIGC trocaram as voltas ao inimigo, prepararam e concretizaram a
fuga que parecia, em princípio, condenada ao fracasso. Mas assim não o foi. “Os
turras piraram-se, pá”, comentava-se depois no aquartelamento, mas em
sigilo.
Passados todos estes
anos dessa famigerada fuga que deixou de boquiaberta o pessoal que soube da
estratégia montada pelos guerrilheiros, revejo a história e ainda admiro a
audácia dos afoitos prisioneiros.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: ©
Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. também
o último poste desta série em:
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