Os nossos vagomestres da Tabanca Grande não têm dado notícias. Mas, nós, por cá, na Tabanca da Lourinhã, continuamos a deixar algumas iguarias, junto ao tronco do nosso poilão, porque é preciso alimentar os nossos bons irãs...que nos protegem (a saúde mental).
Por acaso, o petisco de hoje não dá partilhar. Esta semana são (ou foram) ostras. Ora as ostras nunca sobram, ficam só as cascas (, que, trituradas, sõa boas para dar às galinhas, mas a gente não criação, cá na Tabanca ). Também não sabemos se os irãs gostam de ostras. Admitindo que não, mais sobram para nós.
Não sei porquê, se é um festival de marisco...
Os portugueses não gostam de ostras,
também não sei porquê.
Mas também não importa,
este ano não haverá festa da Atalaia, Lourinhã,
Foi preciso o confinamento
para eu voltar a comer ostras.
Há muito tempo que as não comia,
e que saudades, deus meu!
Os franceses, ou melhor, os parisienses,
adoravam as nossas ostras.
E acompanhavam-nas com champanhe...
E as melhores do mundo
eram les portugaises, diziam.
Crassostrea Angulata, dizem os biólogos marinhos.
Os refugiados europeus
que encontraram um Portugal um porto de abrigo
no meio da barbárie que foi a II Guerra Mundial,
adoravam a nossa ostra
e a nossa lagosta
e a nossa amêijoa,
the small Portuguse female clams
with garlic and coriander,
vulgo amêijoa à Bulhão Pato.
Até que veio a industrialização,
a siderurgia nacional,
as químicas do Barreiro,
a ponte,
as lisnaves,
os superpetroleiros,
o capitalismo sem rei nem roque,
e mataram o Tejo e o Sado
e as ostras do estuário do Tejo e do Sado...
Estupidamente,
como todas as mortes ecológicas por ação humana.
estamos a recuperar a ostreicultura nacional,
na ria de Aveiro,
na lagoa de Óbidos,
na ria Formosa, no rio Mira,
e por aí fora...
Temos condições excecionais
para esta fileira da atividade económica
ligada aos recursos marinhos.
Uma mina de ouro, dizem-nos.
Confesso:
aprendi a comer ostras em Bissau,
no intervalo da guerra...
Ao natural, as ostras,
apenas com lima e piripiri.
Passei por Tavira
mas não me lembro das ostras que lá comi.
Se é que havia ostras, no último trimestre de 68,
na ria Formosa que servia de campo de tiro.
E, se as comi, eram amargas.
dos ex-combatentes,
aprendeu a comer ostras em Bissau...
Calhaus de ostras!...
Conglomerados!...
Com molho de lima e piripiri...
Passava-se um tarde
a matar a fome e a sede,
longe do Vietname,
A 20 pesos a travessa.
Não havia exercício mais anti-stressante
do que esse, de abrir e comer ostras,
nas esplanadas de Bissau,
à beira rio, com o cheiro a tarrafe,
Não, não havia depuradoras,
mas nunca apanhei nenhuma diarreia.
Talvez por sorte.
Em Bambadinca, no rio Geba Estreito,
não havia ostras,
mas havia belíssimos lagostins
a 50 pesos, na tasca do Zé Maria Turra.
Entre duas saídas para o mato,
no intervalo da guerra.
Hoje nem pensar comê-las, às ostras,
na Guiné-Bissau...
Já não há ostras em Bissau...
Há uma imensa cloaca a poluir a ria, o canal.
Talvez em Quinhamel, dizem-me...
E quando lá voltei, em 2008,
nem sequer o caldo de ostras provei,
O famoso pitche-patche de ostras
da nossa querida Guiné-Bissau.
Depois do 25 de abril,
gostava de ir a Vigo,
comer ostras das rias Baixas.
Nunca fui a Vigo, antes do 25 de Abril.
Muito menos antes da tropa.
Seria logo considerado refratário.
Não tinha sequer passaporte,
Nem mo dariam,
Era um luxo só para alguns privilegiados.
Temos excelentes vinhos brancos,
a começar pelo Verde e os Espumantes,
para acompanhar as ostras ao natural...
São um manjar do pecado...
(Por que é que todas as coisas boas da vida
são pecado, meu deus ?)
Um sabor intenso, a maresia,
a sol, a sal, a azul,
como diria o meu poeta O'Neil
que tinha costela céltica...
Os portugueses são mais fálicos,
gostam mais de percebes...
O'Neil devia gostar de ostras,
Temos uma gastronomia riquíssima
ligada aos frutos do mar,
de Norte a Sul do país...
Oxalá saibamos defender,
preservar e valorizar,
cada vez mais este manjar dos deuses,
que são os crustáceos, os bivalves,
o peixe, as algas,
e todas as coisas boas que o mar nos dá...
O polvo, a navalheira,
a sapateira, a sardinha,
a cavala, a sarda, a raia,
outrora comida dos pobres da minha terra.
Mais as lapas e os ouriços e os burriés.
No céu não há disto,
os deuses e os heróis têm que vir cá baixo
comer estes petiscos...
Partindo do princípio
que têm baixo ventre
A sobrepesca, a apanha de alhas,
a pesca de arrasto, a poluição urbana e industrial,
as alterações climáticas, o tráfego marítimo,
e muitos outros horrores
deram cabo de muita coisa boa,
ligada aos nossos sabores ancestrais
de quando éramos simples recoletores,
mariscadores, pescadores artesanais
e caçadores oportunísticos.
Ainda não éramos os temíveis predadores de hoje.
Felizmente que há coisas
que estão a recuperar,
da nossa bela lagoa de Óbidos,´
e que dá de comer
a mais de duas centenas de mariscadores.
Só é pena que a lagoa não vá banhar
as muralhas da bela vila das rainhas,
como no passado.
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Nota do editor:
Último poste de série > 17 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20983: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (13): Quem não tem urso come feijão confinado... à moda da Serra da Carregueira, com entremeada, chouriço, cenoura, couve coração e uma forma de arroz (Valdemar Queiroz)