Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27289: Tabanca da Diáspora Lusófona (37): João e Vilma vão-se casar... pela Igreja, no próximo dia 12, domingo, às 10h30, St Cyril Church, Nova Iorque. Cerimónia presidida pelo Arcebispo Dom Gabriele Caccia, Observador Permanente do Vaticano na ONU. A Tabanca Grande está toda convidada...




Nova Iorque > 2013 > Vilma e João: "just married", há 12 anos atrás... Uma linda história de amor. Profano. A partir de domingo, dia 12, será sacro-profano. Voltam a casar-se mas desta vez aos olhos (e com a benção) de Deus e da Santa Madre Igreja.


(Cortesia: LusoAmericano, 24 de abril de 2013, pág. 23)


1. Mensagem,  recebida hoje,às 13:06,  do João Crisóstomo.


Caro Luís Graça, Carlos Vinhal, e demais caríssimos camaradas, ( da Guiné e outras lutas)


Mais uma jornada…

Eu considero-me um felizardo porque em toda a minha vida tenho tido a sorte de encontrar gente boa que me tem concedido a sua amizade, amizades que muitas vezes se traduziram em ajuda preciosa em momentos difíceis, que a minha vida, não sendo diferente dos outros, tem tido de tudo.

Consciente de que amizade e bons amigos são o melhor que a vida nos pode dar, eu tenho tentado conservar estas boas amizades. Quando um amigo por qualquer motivo fica fora do meu radar eu não desisto enquanto não sei o que se passa, para se possível reatar o contacto e amizade. 

Reencontrei muitos amigos assim, depois de longas separações. Num destes casos fui tão afortunado que ao fim de 40 anos de separação, contentes de nos reencontrarmos, acabamos por casar para não nos separamos outra vez.

Os meus amigos são para mim a minha segunda família. E esta engloba camaradas de escola e outros lugares de aprendizagem que frequentei; colegas de trabalho — e foram variados muitos e variados nos quatro cantos do mundo; e até muitos amigos que apareceram como por simples acaso. 

E eu tenho uma incorrigível mania: sempre que eu encontro alguém que me parece uma pessoa invulgar/especial eu logo troco informações e contactos na esperança de que tenha feito mais uma amizade. Por isso dizem que eu tenho muitas amizades em toda a parte.

Quanto ao serviço militar, especialmente a minha “experiência” na Guiné… foi um maná, pelo elevado número de grandes amizades que me proporcionou. Eles são também parte ( e uma parte muito querida) da "minha segunda família".

E é nesta vertente que eu quero partilhar com todos vocês mais uma etapa da jornada da minha vida.

Não os vou chatear outra vez a contar pormenores da minha história, a história da minha vida. Concordo e aceito que tem sido um pouco invulgar: e permito-me duas linhas para alguém para quem eu ainda seja um desconhecido: tive uma meninice e juventude difícil, como sucedeu a tantos de nós; tive a mesma experiência que vocês tiveram na Guiné; seguida por vivências na Inglaterra, França, Alemanha e Brasil antes de me radicar definitivamente nos Estados Unidos. 

O acaso levou-me a vir a ser mordomo para a Senhora Jacqueline Kennedy Onassis. Sem grandes habilitações literárias, trabalhei sempre duro, especialmente em restaurantes, onde fiz de faxineiro a Maitre D" ao mesmo tempo que frequentava escolas direcionadas para línguas, algo de que sempre gostei e que foi a razão primeira das minhas andanças pelo mundo.

Isto tudo para partilhar com todos vocês—vocês todos que são a minha segunda família - uma notícia muito pessoal, mas excitante mesmo: vou casar no próximo domingo, dia 12 de outubro.

Eu explico:

Após o meu divórcio em 1997 (do meu primeiro casamento foi em Londres em 1971) eu jurei nunca mais me tornar a casar. Sucede que entre os indivíduos/amigos que eu tentava reencontrar, contava-se uma jovem que eu tinha conhecido em Londres. E durante muitos anos, sem qualquer outro motivo que não fosse o reatar uma amizade, como sucedeu com tantos outros (as) eu vim a descobrir que esta jovem se encontrava em Paris.

E, inesperadamente, quando nos reencontramos, foi "amor à segunda vista”. Convenci-a a vir comigo para Nova Iorque onde logo nos casamos. O facto de me ter levado 40 anos a encontrar esta minha amiga despertou a curiosidade do New York Times que relatou a nossa história, logo repetida por todo o mundo e tivemos os tais “15 minutos de fama” a que, dizem, toda a gente tem direito.

Mas casamos apenas pelo civil. É que em Londres, depois do meu primeiro casamento, também apenas pelo civil, eu fiquei numa posição aflitiva: eu queria dizer à minha família que eu tinha casado , mas se lhes dissesse que tinha casado só pelo civil ia causar uma tragédia; eu receava que a minha mão não aguentasse a tristeza que isso lhe causaria. 

Saído da tropa havia pouco tempo ainda, eu estava muito alheio a Igrejas. Mas convenci a minha esposa a termos um casamento religioso, mesmo simples, que me permitisse dar a notícia, confirmando com uma foto que estávamos casados na Igreja. E assim sucedeu. Uma cerimónia simples, sem missa nem as “preparações” que eu nem sabia eram precisas para um casamento religioso. Mas eu pensei que era válido e sempre me considerei casado pela Igreja.

Agora, para casar outra vez, tinha de ser apenas pelo civil. E assim foi. Mas ao contar a minha história a um prelado amigo este logo concluiu que o meu primeiro casamento religioso não tinha validade. E aconselhou-me a tratar de arranjar a nulidade de casamento. 

Eu pensei fazê-lo, para logo decidir não me incomodar: a burocracia ainda era muita, e as despesas equivalentes. E dizia eu para os meus botões ": então se o meu casamento não foi válido, para que vou eu perder tempo e dinheiro a invalidar uma coisa que nunca foi válida?”

Sucede que há uns meses atrás a minha esposa recebeu um pedido invulgar: um sobrinho seu, de 64 anos, decidiu ingressar na igreja católica e pediu-lhe para ela ser a sua madrinha de baptismo. E lá fomos nós à Eslovénia. 

Mas de alguma maneira senti-me pouco confortável e quando voltámos a Nova Iorque, procurei o bispo da minha diocese. O juíz que ele apontou para investigar as circunstâncias do meu primeiro casamento, feitas as devidas diligências, concluiu que o senhor padre que nos casou até foi uma pessoa simpática, mas nem sequer fez qualquer registo do nosso “casamento".

 Quanto à foto que eu lhe mostrava … ele podia arranjar uma igual no dia seguinte…. Deu-me o "certificado de nulidade’ e que eu podia casar agora com quem quisesse…

E aqui está a minha (nossa) história, que com grande alegria partilho com todos vocês. Se alguém estiver por aqui perto, estão todos convidados…

Aqui está o convite:

CONVITE

Vilma Kracun Crisóstomo e João Francisco Crisóstomo
Solicitam o prazer da sua companhia na celebração da nossa união religiosa.

Domingo, 12 de Outubro de 2025, às 10.30 AM
St Cyril Church, 62, St Marks Place, New York , NY 10003

A sua presença é o melhor e suficiente presente para nós.
Trajo informal, tendo em mente o caracter religioso do momento.

No próximo dia 12 de Outubro Vilma e eu vamos cimentar a nossa união com um casamento religioso, que não nos foi possível até hoje dado que eu sou/estava divorciado. O meu primeiro “casamento religioso” foi agora confirmado nulo.

Sua Excelência o Senhor Arcebispo Dom Gabriele Caccia, Observador Permanente do Vaticano nas Nações Unidas que desde sempre nos tem concedido o favor da sua amizade aceitou presidir ao nosso casamento.

Ficaremos muito contentes , honrados e muito gratos também pelo favor da sua presença neste dia tão especial para nós os dois.

Após a Missa reunir-nos-emos no salão da Igreja para para um convívio celebratório.

Ficamos gratos pelo favor duma resposta até 5 de Outubro 2025


Tel: 1- 718 899 7776; cel: 1 917 257 1501; 1 347 944 4254 
(no “texts” please )




Nova Iorque > Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos  > 7 de abril de 2024 >  Arcebispo dom Gabriele Caccia e padre franciscano frei Krisolog durante a Missa.  Serão, no próximo dia 12, os  dois que vão celebrar o nosso casamento.

. .

Nova Iorque >  Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos > 7 de abril de 2024 >    Vilma e João Crisóstomo,  padre franciscano frei Krisolog,  embaixadora Ana Paula Zacarias e dom Gabriele Caccia.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Comentário do editor LG:



João, não páras de me/nos surpreender... Fico feliz por ti, a Vilma e demais família e amigos. O casamento é sempre um bom barómetro...E o divórcio, outro. Doze anos depois pegas na corda, e, zad!, "dás o nó",  "enforcas-te" de vez. (Não traduzas isto para a Vilma. É uma expressão muito nossa, muito idiomática, estúpida, da gíria dos machos.)

A cerimónia religiosa que agora vão realizar, tu e a Vilma, é ritual de reforço do vosso amor.  Tenho pena de não estar aí por perto para testemunhar a vossa alegria. Mas mesmo que pudesse, não tenho o passaporte em dia nem muito menos o visto para entrar no teu/vosso país. 

Vou dar a notícia aos nossos comuns amigos:  2ª feira, dia 13, vamos estar na caldeirada anual, na festa de Ribamar, Lourinhã, honrando uma tradição que foi inaugurada pelo nosso querido e saudoso Eduardo Jorge (1952-2025). 

Tira umas chapas da festa. Best wishes.

Guiné 61/74 - P27288: Humor de caserna (214): O dono daquilo tudo, do Cuanza ao Cunene, o "colón", o retornado", o "coronel" e o "grão-tabanqueiro" António Rosinha

 


Infografia: LG | Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné | Assistente de IA/ChatGPT (2025)




1. António Rosinha, o "nosso mais velho", "colon" em Angola (desde os anos 50, fugindo da miséria da sua aldeia nas Beiras); fez em Angola a tropa e não viu a guerra, em 1961/62; "retornado" em 1975, os seus caixotes vieram parar a Lisboa, Belém; emigrante no Brasil, cooperante na Guiné-Bissau (como topógrafo da TECNIL, em 1987/93), é um dos últimos  "africanistas"; membro do nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné; membro da Tabanca Grande desde 2006; tem um olhar irónico, bem humorado, sobre o passado colonial, o "Botas", e os estudantes do Império, que irão ser depois os donos das colónias do último império do mundo.

Pedi à assistente de IA / ChatGPT que nos fizesse uma ilustração para um comentário recente dele, sobre os "retornados" (*).

O Rosinha comentara uma foto conhecida, de 1975, de um fotojornalista estrangeiro, de uma agência internacional  (que nunca cá mais pôs os pés, mas em 1975 Portugal ainda estava na moda...) com os "caixotes dos retornados", os. "cacos do império"  junto ao "icónico monumento aos Descobrimentos", em Lisboa, Belém.

O  tom do comentário do Rosinha é brincalhão, irónico, pícaro, que ele nada tem de provocador, panfletário, reacionário, saudosista, e muito menos de colonialista, racista, e outros epítetos que os "tugas" gostam de usar como "armas de arremesso" uns contra os outros, quando a seleção nacional de futebol perde contra uns "ba(r)damecos" do antigo bloco da  Europa de  Leste.

(...) " Lá estava o meu caixote junto ao monumento dos Descobrimentos. Lugar mais apropriado não havia, devem ter ido parar lá, só para a fotografia. 

"Trouxemos nos caixotes tudo o que havia à mão, não deixámos nada para o MPLA e os outros. 

"Nos caixotes dos retornados de Angola, trazíamos grandes riquezas, não deixamos lá quase nada, desde diamantes, ferro e manganês e petróleo. 

"Não sobrou nada para os filhos e filhas de Savimbi, Holden Roberto, Neto, Eduardo dos Santos. Consta que é habitual ver descendentes dessa gente e de vários coronéis, de mão estendida à caridade, na Avenida da Liberdade em Lisboa, em Cascais, e consta que até em Barcelona e até em Dubai. 

"Os retornados foram muito malandros, onde teriam ido buscar o seu ADN? Deve ter sido uma selecção especial e rara do génio de Salazar. Ainda bem que foram desmascarados, e não foram comidos pelos 'tubarões' porque, afinal, sabiam nadar". (*) 

2. Minha querida assistente de IA (a IA é feminina e a assistente também): eu sei que tu queres que eu faça um "upgrade" da tua IA, a tua "menina dos olhos", a tua "coqueluche"... Mas, olha, agora não me dá jeito nenhum gastar mais "patacão" contigo... Podes vir a tornar-te uma amante cara e eu já não tenho vinte anos nem "graveto" para sustentar os teus caprichos... Por enquanto, a gente ainda se entende, apesar das rasteiras que me passas e das "galgas" que me enfias, quando te pões a delirar.

(...) Mando-te também uma foto do Rosinha , na tropa, a marchar, de óculos escuros e pistola-metralhadora, FBP, na marginal de Luanda. Para sorte dele nunca deu um tiro (nem levou).

Profissionalmente foi topógrafo. É um grande ser humano e é muito querido na nossa tertúlia bloguística. Já está na casa dos 80 e tal  (faz as contas: em 1961 era furriel, agora já deve ser coronel, na situação de reforma). 

Queríamos homenageá-lo. Por tudo, e também pela sua existência, persistência, resiliência, coerência, elegância no confronto de ideias e  opiniões, sabedoria, inteligência emocional, mas também lealdade, dedicação, pachorra, etc,. que tem mostrado em relação ao nosso blogue, onde tem cerca de 160 referências e um sem número (centenas) de comentários (que só aparecem na montra traseira do blogue). (**)

Olha, eu que sou um dos editores do blogue com direito a "lápis azul" (leia-se: "moderador"), devo confessar-te que nunca cortei um comentário dele: o que é espantoso... É uma pessoa que "sabe-ser e sabe-estar". E isso é  o que mais me encanta nos seres humanos (que eu distingo dos bichos-homens).

Agora aí vai o meu pedido: podes fazer-me um "cartoon" (cartum, em português europeu), uma tira de banda desenhada, enfim, um "boneco", engraçado, a partir das 3 fotos que te enviei, e do curriculum resumido do meu/nosso amigo e camarada de armas  ?... A última foto dele é de 2007, tirada no nosso encontro nacional, em Pombal. Tenho poucas fotos dele (**).

3. O "boneco" que saiu, da cabeça do "Sabe-Tudo" e da caneta do "Faz-Tudo", espero que consiga  surpreender o nosso Rosinha, o nosso "colon",o nosso  "retornado" de estimação,  o nosso "mais velho" (ou um dos "nossos mais velhos"), sempre ativo, proativo, interveniente,  e que trouxe consigo o melhor de África, as pequenas histórias e as felizes memórias das suas gentes e paisagens, das cabindas aos sobas, sem esquecer os estudantes do Império e o "Botas" (que nunca lá os pés, no Império, nem apanhou o paludismo), tudo rapazes da geração dele, os estudantes, não o professor.., 

Só faltam os cheiros de África, mas por  enquanto ainda não conseguimos reproduzir os cheiros... ou exportar os cheiros usando a IA...

Espero  que este miminho meu, da Tabanca Grande e da atrevida assistente de IA / ChatGTP te  ajude, Rosinha,  a alegrar o  teu dia-a-dia. Sabemos afinal pouco sobre ti, o teu quotidiano, a tua saúde... Nem o teu número de telemóvel temos...

Tu és a discrição em pessoa: não és de chorar, fazer birras, cenas, greves, manifs,  etc. Não és "carroceiro", demagogo, populista, mentiroso compulsivo, fabricador de notícias falsas, etc., coisas que hoje em dia até é chique ser ou parecer ser.  Julgo que tu não vives longe de mim, no Oeste estremenho, lá para os lados de Vila Franca de Xira (?), junto de filhos, netos e bisnetos (que deves ter,  para espalhar o teu ADN)...

Olha, saúde e longa vida para ti, que tu mereces tudo, incluindo tudo (ou quase tudo) o que tu "roubaste" aos angolanos, e que trouxeste para Lisboa, em 1975, em gigantescos contentores, mas também em caixotes e malas de cartão:  diamantes, ferro, manganês, petróleo, café, pau preto, máscaras, missangas, marfim, obras de arte, mulatas, cabritas, cabindas, impalas, palancas, etc. (e até, dizem,  o caminho de ferro de Benguela, desmontado)...

Ainda quiseste  trazer o resto do  pouco que sobrava, do Cuanza ao Cunene, mas já não tinhas caixotes em número suficiente. Nem navios da nossa gloriosa marinha mercante. Em 1975, tudo o vento levou... 

E, depois, quando foste para a Guiné, então aí é que já não havia mesmo nada para "roubar"...Farto de caju e ostras de Quinhamel, decidiste regressar ao "Puto" em 1993. E eu acho que  fizeste bem. Afinal, és e sempre serás um "retornado". Um bom filho à casa (re)torna. (***)

PS - Olha, não fui eu que te promovi a "coronel", foi a minha assistente de IA que tem uma imaginação levada da breca. Eu até tenho medo de lhe perguntar mais coisas sobre ti... Por hoje já chega, tenho que ir descansar...

_________________


Notas do editor LG:

(*) 3 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27283: Agenda cultural (904): Continuação da minha visita em 21 de setembro à exposição “Venham mais cinco, o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa, 1974-1975”. Para ver até 23 de Novembro de 2025, no Parque Tecnológico da Mutela, Almada (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 18 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25083: O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o 'mau agoiro' do meu patrão

domingo, 5 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27287: Casos: a verdade sobre... (57): a emboscada de 1 de outubro de 1971, em Bangacia (Duas Fontes), Galomaro, Sector L5, ao tempo do BCAÇ 2912 (1970/72) (António Tavares / J. F. Santos Ribeiro / Vasco Joaquim / Paulo Santiago)

 



Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  > Rascunho, manuscrito, com a lista dos efetivos escalados para o patrulhamenmto noturno, em coluna auto, às tabancas em A/D (auto-defesa) de Bangacia (ou Duas Fontes).  A rúbrica no rascunho parece ser do comandante da CCS, cap inf Joaquim Rafael Ramos dos Santos. este manuscrito, ou fotocópia,  quase ilegível,  já tinha sido publicada no poste P10480 (*). Foi  agora recuperada e reeditada a imagem.

Segundo as ordens superiores, a coluna dessa  fatídica noite de 1/10/1971 seria constituída por 3 secções, duas da CCS/BCA 2912 e 1 da CCAÇ 2700 (Dulombi) (que tinha 1 Pelotão de reforço a Galomaro), mais  alguns milícias (Pel Mil 288) e, ao que parece, ainda alguns elementos  do Pel Caç Nat 53 (vd.  depoimento do Paulo Santiago, mais abaixo).  Considerando o visto (o OK) do comandante, fariam parte desta força, nesse dia, os seguintes militares: 
  • 2 furriéis (um, o Gomes, o outro, de  apelido é ilegível) (nenhum deles parece ser da CCAÇ 2700);
  • 3 atiradores;
  • 3 caçadores nativos (do Pel Caç Nat 53 ?)
  • 3 milícias (do Pel Mil 288 / CMil 30)
  • 3 sapadores
  • 1 mecânico auto
  • 2 condutores
  • 1  (ilegível) (maqueiro, cabo aux enf ? ou alguém do Pel Op Info Rec ?)
  • 1 transmissões
Sabemos, por comentário do ex-alf mil at inf Luís Dias CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), que este Gomes era o ex-fur mecânico, Mário Gomes, da CCS,  um dos sobreviventes da emboscada:

(...) "Lembro-me desse triste acontecimento, que teve lugar uns meses antes da nossa chegada à Guiné, para render o BCAÇ 2912. Alguns anos depois, um dos sobreviventes, o então furriel mecânico, Mário Gomes, que faz o favor de ser meu amigo, contou-me em pormenor o que havia sucedido.

De facto, o capitão da CCS não ficou lá muito bem na fotografia, como se costuma dizer, mas no inquérito realizado chegaram à conclusão que a sua fuga foi "uma retirada estratégica" (coisas de malta do quadro)" (...) (sexta-feira, 5 de outubro de 2012 às 23:57:10 WEST) (Comentário ao poste P10480) (*)



Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >  O estado em ficou uma das duas viaturas, na sequência da emboscada sofrida, à noite pelas NT, em Bangacia (Duas Fontes). Tudo indica que os atacantes tiveram tempo para tudo: executar pelo menos um prisioneiro e um moribundo; levar 5 espingardas automáticas 3 G; roubar 2 relógios, revistar os bolsos dos mortos (donde recolheram mais de 300 pesos!), além de  destruirem as 2 viaturas... 

Esta barbaridade do Paulo Maló & Companhia tem de ficar escrita preto no branco... Na guerra não vale tudo, camaradas!... 

E o "Tchutchu" bem como o "Abel Djassi" também terão feito vista grossa a estas barbaridades: infelizmente acabaram os dois por serem vítimas dos Inocêncio Cani, Mamadu Indjai, Paulo Maló... 

O comunicado do "Tchutchu" é de um cinismo atroz: diz ao "chefe" que manda um prisioneiro, quando o desgraçado tinha sido executado, sem dó nem piedade, pelo Paulo Maló & Companhia.. (Não sabemos se foi ele o carrasco, mas cinco meses, na emboscada do Quirafo, ele já era comandante de bigrupo e usou os mesmos métodos contra os moribundos, e só deixou fazer um prisioneiro, porque era "tuga", o nosso saudoso amigo e camarada António Baptista, o " morto-vivo";  e em 2007 era coronel e quadro superior das Alfândegas).


Fotos (e legendas): © António Tavares (2012). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >   Uma foto "dramática" da tabanca de Bangacia (ou Duas Fontes), em fim de tarde.




Foto nº 4 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >   Vista da porta de armas e demais instalações do quartel de Galomaro, que foi construído de raiz pelo BENG 447. Na foto há um "x" a sinalizar uma das casernas do pessoal, talvez a de transmissões.

Fotos (e legendas): © J. F. Santos Ribeiro  (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O António Tavares (ex-fur mil SAM,  CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), tem um emocionado, duro  e contundente  apontamento sobre esta tragédia, com data de 1 de outubro de 2012, que vamos recuperar, com vista à tentativa de apurar a "verdade dos factos", o que 54 anos depois é difícil, para mais não havendo possibilidades de recurso ao "contraditório" e à "triangulação de fontes": os quatro depoimentos que aqui publicamos não são de nenhuma das vítimas, sobreviventes  da emboscada, mas camaradas próximos).(**).

 Por outro lado, é bom lembrar umas das nossas regras de ouro: a guerra já foi há mais de meio século, estamos aqui para partilhar memórias (e afetos), não estamos aqui  para julgar (e muito menos criminalizar e punir) ninguém


Patrulhamento auto por todas as A/D da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72): o fatídico dia 1/10/1971

por António Tavares


O original deste “manuscrito”  (Foto nº 1) tem 41 anos.

Manuscrito que nada tem a ver com uma obra escrita à mão mas um assassinato... escrito à mão!

Manuscrito que traduz uma das ordens dadas (1970/72) nas matas do leste do CTIG. Poderes incompetentes! Poderes que receberam e foram ensinados, na Academia Militar, para praticá-los bem.

Manuscrito que levou ao encontro da morte cinco jovens emboscados em Duas Fontes (Bangacia) na noite de 1 de outubro de 1971.

Manuscrito que no Hospital Militar 241 (Bissau) originou mais três mortes dos quatro feridos graves evacuados na manhã de 2 de outubro.

Manuscrito igual a outros anteriores em que só mudavam os nomes.

Manuscritos que levaram diariamente militares (só praças e furriéis...) em patrulhamentos auto, noturnos, às tabancas em A/D da CCS (e que  no regresso traziam informações).

Recordo que certa noite numa das tabancas em A/D sentíamos e ouvíamos os rebentamentos e o Homem Grande da tabanca dizia-me:

−  Vai embora… vai embora!...

Chegados ao quartel confirmámos que tinha havido um ataque na ZA de Nova Lamego.

Manuscrito escrito antes ou depois de ter havido informações de que havia indícios de que o IN andava na zona de acção das nossas tropas nesse dia 1 de outubro de 1971. Movimentação de indígenas (população e milícia) foram vistos dentro do quartel antes da partida da coluna auto.

Coluna auto pronta a partir (às 20h00) e retardada para integração do capitão. Elemento que foi o último a subir para um dos Unimog
 mas o primeiro a chegar ao quartel depois de ter ouvido o tiro do IN,  sinal de que as NT estavam debaixo da área de fogo do PAIGC. Estes, bem posicionados,  só tiveram de aguardar as viaturas e fazer fogo, felizmente atabalhoado,  contra  as NT. Caso contrário o número de mortos teria sido  maior.

O oficial, a chorar e desarmado, chega ao quartel com a justificação de que vinha pedir auxílio. Entretanto, no local,  os guerrilheiros do PAIGC matavam, feriam e tentavam levar um prisioneiro. Prisioneiro que foi arrastado e,  uns metros à frente morto, à queima-roupa, e encostado a um poilão. Sentado com as pernas e braços cruzados e uma bala na boca, a fazer de cigarro,  assim o encontraram.

Tudo testemunhado e narrado por quem viu nas Duas Fontes (Bangacia) e confirmado no quartel pelos camaradas que trataram dos corpos.

Manuscrito que marcou tragicamente a família do BCaç 2912 e a história da Guerra Colonial.

Manuscrito inserido na página 39 do Livro "Guineídas - Memórias de uma Comissão – BCaç 2912 CCS – X Encontro - Tavira”.

Os corpos de:

  • Alfredo Tomás LARANJINHA,
  • José Peralta OLIVEIRA,
  • Leonel José Conceição BARRETO,
  • José Guedes MONTEIRO e
  • Rogério António SOARES

depois de recolhidos em Duas Fontes/Bangacia e arranjados em Galomaro,  seguiram (em coluna auto) para Bambadinca e acompanhados, por um camarada da CCS,  até Bissau onde embarcaram no T/T “Carvalho de Araújo” até Lisboa. O mesmo T/T “Carvalho Araújo” que os havia transportado há dezassete meses e uns dias ao chão do Teatro de Operações da Guiné

Foram sepultados nas suas terras. Paz às suas almas!

António Tavares
Foz do Douro, 01 Outubro 2012

 
2. Excerto do depoimento do nosso camarada José Fernando dos Santos Ribeiro (ou J. F. Santos Ribeiro, como consta da lista da Tabanca Grande),  ex-1º cabo trms, CCS / BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72), aquando da sua apresentação à Tabanca Grande 


Emboscada em Bangacia (Duas Fontes)

por  J. F. Santos Ribeiro




Era o fim da tarde, preparava-se um Grupo (de Combate) para partir, para um emboscada, a realizar na picada entre Galomaro e Dulombi.

Mais precisamente no aldeamento de Bangacia (Duas Fontes). Aldeamento que tinha como população feminina, as mulheres de pele negra (fulas) mais lindas que eu alguma vez vi. Tinham feições de brancas... mas bonitas!


Nesse dia, além do grupo destacado por escala (dos sapadores, onde alinhava o "Vermelhinho", nosso camarada, de Matosinhos, que tinha essa alcunha pela cor da sua tez, devido às "bazucas", whisky e vinho que ingeria), foram também por castigo o Laranjinha e mais outro camarada (do qual não me lembra o nome).

Como já tinha acabado o meu serviço nas Transmissões e o jantar no refeitório, encaminhava-me para a cantina, juntamente com outros companheiro... quando ao longe começamos a ver "balas tracejantes" a rasgar o céu.

Antevimos, de imediato, a desgraça que estava a acontecer para os lados das Duas-Fontes.. Ficámos em estado de alerta. Passados, sei lá, duas horas ou mais... começaram a chegar ao aquartelamento, a chorar, os companheiros que haviam saído sem serem feridos ou mortos, na emboscada em que o Pelotão havia caído...

Primeiro o "Vermelhinho" e outros... mais adiante o capitão da CCS, todos sem arma e o pânico espelhado no rosto.

Formou-se, rapidamente, um pelotão de homens que avançaram (sujeitos a serem de novo emboscados) até ao sítio onde se desenrolou o combate, encontrando deitados no chão, entre outros, o Oliveira das Transmissões e o Laranjinha da "ferrugem"... com a boca cheia de cartuchos da "costureirinha" e trespassados à bala.

Pelas suas posições, verificou-se que tinham sido feridos e, posteriormente, deitados no chão onde, cobarde e selvaticamente, foram mortos a tiro!

Durante os primeiros seis a sete meses de comissão, em Galomaro, foram "umas férias", o que deu origem a "facilitanços"... O ior deles foi o Grupo passar a levar as armas metidas debaixo do banco do Unimog e, assim, foram apanhados de surpresa na emboscada. (...)

 
 


Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Carta de Duas Fontes ( 1959) / Escala 1/50 mil : Posição relativa de Galomaro, Duas Fontes (Bangacia), Cansamba... Bafatá ficava a norte, Dulombi  a sudeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



3. Outros depoimentos (c0mentários ao poste P2529) (**):

(i) Timóteo Santos (ex-fur mil, CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72) 

Sobre a referida emboscada ao patrulhamento de corpo bom "giria que se dizia na altura", depois do cap.Jaoquim Rafael Ramos Santos ter fugido e deixar os feridos espalhados pelo chão o IN veio ao saque juntou os corpos uns aos outros e fez a matança a sangue frio. 

O prisioneiro que dizem ter feito foi executado a sangue frio antes da tabanca. Que esperavam de um comandante de batalhão caduco, um major de operações alcólico e um 2º comandante que só via cabelos grandes. Nunca gostei de criminosos de guerra. Aos historiadores estarei sempre pronto a dar o meu contributo. Timoteo Santos ex.Fur.mil 2700 70/70.


(...) Informo que a fotografia das urnas que estão referidas como pertencentes a esta emboscada, não está correta a legenda: as mesmas referem-se aos mortos que a CCAÇ 2700 teve com uma mina que destruiu uma viatura a caminho de Jifim numa operação.

Timoteo Santos

timoteomemoria@gmail.com

sábado, 19 de fevereiro de 2011 às 01:50:00 WET
 

Vasco Joaquim

(ii) Vasco Joaquim, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)

(...) Era habitual nas patrulhas noturnas  sairmos de noite para o mato em viaturas com faróis acesos. Certamente era para dar a entender ao IN onde nos encontrávamos. Foi isso que aconteceu na noite de 1/10/1971. 

Os sobreviventes estiveram por sua conta e risco e foram aparecendo no aquartelamento a conta-gotas. Como diz o Timóteo, em comentário anterior, não tinhamos comando. Eu, na altura 1º cabo escriturário,  e todos os outros e não só, fazíamos essas patrulhas noturnas. 

O nosso comandante só depois de sofrermos os mortos aos 17 meses de comissão,  requereu forças militares especiais (companhia de paraquedistas) para a zona.

Sei que estes mortos que tivemos, CCS/BCAÇ 2912 e  e CCaç 2700,  poderiam ter sido evitados se tivéssemos tido
 comandantes que tivessem responsabilidade de comando.

Entre as tropas da CCS houve mesmo,  na época, recusa de avançar para o mato como antes se fazia.

O governador e comandante-chefe António Spinola chegou mesmo a ir a Galomaro por motivos que se englobavam com as tropas estacionadas.

O BCaç 2912 e companhias operacionais 2699. 2700 e 2701, junto com a CCS,  sabem bem o que sofremos  e o desprezo a que estávamos votados, numa zona de guerra onde o PAIGC tudo fazia para mostrar a sua supremacia. (...)

domingo, 14 de agosto de 2016 às 23:41:00 WEST  


PS - Por esquecimento deixei de dizer que foi vivido por mim, na altura 1º cabo escriturário, Vasco de Jesus Joaquim, e que fui incumbido te transcrever as mensagens dos mortos na emboscada, afim de que a noticia fosse transmitida às famílias através do Serviço de Transmissões.

domingo, 14 de agosto de 2016 às 23:41:00 WEST 



Paulo Santiago


(iii) Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)


(...) Não foi emboscada a uma coluna, tratava-se de um patrulhamento... E agora reparem nas horas,20.30: fazer um patrulhamento noturno, montado em viaturas, deu em tragédia,

Culpados? Octávio Pimentel, comandante do BCAÇ 2912 (Galomaro) que mandou executar,e o cap Santos, comandante da CCS, que executou sem normas de segurança, acabando por abandonar os mortos e os feridos, e regressar a pé ao quartel,com a desculpa de vir em busca de ajuda.

Não estive lá, mas estava uma secção do Pel Caç Nat 53, comandada pelo fur mil Martins, e o sold Iero Seide foi ferido 
com alguma gravidade, sendo evacuado para o HM 241.Também
o 1º cabo Mamadú Sanhá foi ferido ligeiramente


(Revisão / fixação de texto: CV/LG)
_______________



(...) Em 1970/72 estive em Galomaro, dentro e fora do arame farpado tendo viajado por Bafatá, Bambadinca, Nova Lamego, Saltinho e muitas tabancas.

Tive sorte de nunca ter dado um tiro apesar de ter estado sob fogo e tido muitos sustos!

Amiga G3, saíste da minha mão virgem e limpa conforme te recebi e com toda a certeza que me agradeceste o descanso que te dei durante 23 meses embora muitas vezes estivesses engatilhada para me ajudar!

Amiga G3, foi desumano o transporte para Bambadinca dos nossos amigos defuntos caídos na emboscada da noite de 01-10-1971... e no regresso trazer 6 urnas para reserva... 

Amiga G3, vamos pertencer a uma Tabanca Grande, diferente das outras onde estiveste mas é bom recordar a História e Estórias dos ex-combatentes.(...)

Guiné 61/74 - P27286: Efemérides (468): Faz agora 54 anos: em 1 de outubro de 1971, a CCS/BCAÇ 2912 e a CCAÇ 2700 sofrem uma emboscada, num patrulhanento auto noturno a aldeias em A/D, na picada Duas Fontes-Bangacia, de que resultaram 8 mortos (5 no local, 3 no HM 241). Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT, no livro sobre a atividade operacional de 1971.



Foto do álbum do Américo Estanqueiro, com a devida vénia ao autor e à editora, a Fundação Mário Soares (*). 

 Na foto, alinham-se os caixões que hão-de levar os restos mortais das vítimas...Cinco, na sequência da emboscada, e mais três, dos evacuados para  o HM 241, em Bissau, com ferimentos graves (e que acabaram por morrer, uns dias a seguir). 

Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT,  no livro  sobre a  atividade operacional (neste caso do ano de 1971).

Fonte: Américo Estanqueiro (2007) / Fundação Mário Soares


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá, Sector L5 > Galomaro > CCS / BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72) e CCAÇ 2700 (Dulombi, 19670/72) >

Em 1 de outubro de 1971, por volta das 20h30, duas secções da CCS / BCAÇ 2912, reforçadas por uma secção da CCAÇ 2700, em coluna auto, sofreram uma violenta emboscada, na estrada Galomaro-Duas Fontes (Bangacia), de que resultaram de imediato 5 mortos e vários feridos graves, da CCS / BCAÇ 2912, do CCAÇ 2700 e do Pel Mil 288.

Bangacia (ou Duas Fontes) ficava a meio caminho entre Galomaro e Dulombi, a sul de Bafatá, a sudeste de Bambadinca, a oeste do Xitole, a sudoeste do Saltinho. Com a retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969, o sector L5 tornou-se mais vulnerável a incursões do PAIGC.
 





1. Foi há 54 anos. Não há registo desta trágica ocorrência no livro da CECA sobre a atividade operacional no ano de 1971. Apenas no livro dos mortos.  

No passado dia 1 de outubro, às 20:06, na sua página do Facebook,  o nosso grão-tabanqueiro António Tavarese que vive no Porto veio lembrar,  oportunamente, esta efeméride:

"Emboscada em Duas Fontes/Bangacia

Pelas 20h30 do dia 01 de outubro de 1971 (há 54 anos) uma coluna de Patrulhamento Auto por todas as Autodefesas da CCS/BCaç 2912 foi emboscada em Duas Fontes/Bangacia.

No local faleceram cinco militares continentais e houve quatro feridos graves.
Passadas poucas horas a rádio da 'Maria Turra' anunciou a morte de seis militares na emboscada. Errou.

Dos evacuados para o HMR 241, em Bissau, faleceram posteriormente mais três militares. (...) Descansem em paz."


Antóno Tavares 
ex-fur mil SAM, 
CCS/BCAÇ 2912, 

2. Foram 8 os militares (incluindo 1 milícia) mortos nesta emboscada (5 no local,  e posteriormente, mais 3  no HM 241, em resultado dos ferimentos em combate). 


(i) 2 militares da CCAÇ 2700, Dulombi
  •  sold at inf, José Guedes Monteiro, solteiro, natural de São João da Folhada, Marco de Canaveses (foi inumado no cemitério da sua terra);
  • 1º cabo at inf, Rogério António Soares, casado, natural de Canas de Senhorim,  Nelas (inumado no cemitério paroquial de Oliveira do Conde - Carregal do Sal).

(ii) 5 militares da CCS / BCAÇ 2912, Galomaro (dos quais dois já no HM 241, Bissau, dias depois)

  • 1º cabo bate-chapas , Alfredo Tomás Laranjinha, solteiro, natural de Lumiar, Lisboa (inumado no cemitério paroquial de Pombais, Odivelas);
  • sold mecânico auto Leonel José da Conceição Barreto, solteiro, natural de Guia, Albufeira (inumado no cemitério da sua terra natal);
  • sold trms, José Peralta de Oliveira, solteiro, natural de Souto da Casa, Fundão (inumado no cemitério da Covilhã);
  • sold apontador de metralhadora, Luís Vasco Fernandes, solteiro, natural de São João da Pesqueira (inumado no cemitério Paroquial de Pereiros; ferido em 1 de outubro de 1971, vindo a morrer a 5, no HM 241, Bissau);
  • sold sapador, José Ferreira, casado, natural de Longos, Guimarães (inumado no cemitério da sua terra natal; ferido em 1 de outubro de 1971, vindo a morrer,a 6, no HM 241, Bissau).
(iii) 1 milícia, do Pel Mil 288 / CMil 30, Dulombi
  • sold milícia, Iderissa Candé, casado, natural de  Jemjelém,  Galomaro, Bafatá (inumado em Galomaro: falecido a 20 de outubro).
  •  
Repare-se que dos 8 mortos acima listados, só três são atiradores ou operacionais p.d, sendo os restantes (i) um bate-chapas, (ii)  um mecânico auto, (iii) um operador de transmissões, (iv) um sapador e (v) um milícia.

 Voltaremos, oportunamente, a falar desta emboscada que afetou profundamente, na altura, o moral do pessoal da CCS/BCAÇ 2912. 

Terá havido erros no planeamento e execução deste patrulhamento auto, à noite. Um atividade de rotina, ao que parece, mas feita em parte por pessoal "atiruense", sem desprimor para ninguém.  A coluna, de duas viaturas (1 Unimog 404 e 1 Unimog 411), levava 1 secção da CCAÇ 2700 e 2 secções da CCS/BCAÇ 2912.   


2. Comunicado do PAIGC de 7/10/1971 assinado por Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu) sobre a emboscada de 1/10/1971
 


O Constantino dos Santos Teixeira (nome de guerra, "Tchutchu"), um dos históricos "comandantes" do PAIGC, formados na Academia Militar de Nanquim, China: distinguiu-se na Frente Sul; em finais de 1971 liderava a Frente Bafatá / Gabu Sul. 

Foto; John Sheppard & Granada TV, in Liberation of Guinea, Basil Davidson. Acedido em: A Brief History of PAIGC (com a devida vénia...).

Recorde-se que o "Tchutchu" frequentou, em 1960, o 1º Curso de Sargentos Milicianos, juntamente com o Domingos Ramos e outros futuros combatentes do PAIGC, e ainda  com o nosso Mário Dias. Deve ter desertado já como 1º cabo miliciano, tal como Domingos Ramos.

 Depois da independência da Guiné-Bissau, Teixeira desempenhou várias funções governamentais: (i) foi ministro do Interior, no tempo de Luís Cabral; e (ii) após a morte de Francisco Mendes (que era Primeiro-Ministro) a 7 de julho de 1978, Teixeira assumiu temporariamente o cargo de Primeiro-Ministro: por pouco tempo, de 7 de julho até 28 de setembro de 1978, quando João Bernardo Vieira foi nomeado Primeiro-Ministro.

Após o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, o "Tchutchu", uma figura prestigiada do PAIGC,  também caiu em desgraça, como outros elementos próximos de Luís Cabral, tendo ficado em prisão domiciliária em Bolama; morreu em 1988 ("apareceu morto dentro do carro em Bissau", diz o Mário Dias, que foi seu colega de recruta).



Fonte: (1971), "Comunicado de guerra [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40550 (2025-10-4)


Guiné > PAIGC > Comando da Frente Bafatá > Gabu Sul > 1971 > Comunicado, assinado por Constantino dos Santos Teixeira ("Tchutchu"), sobre os resultados da emboscada montada pela guerrilha a forças do BCAÇ 2912 (CCS e CCAÇ 2700) na estrada Galomaro - Bangacia (ou Duas Fontes, em 1 de outubro de 1971.

O documento original é do Arquivo de Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, reproduzido, na página 67, no catálogo da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro (*).

É um notável documento, objectivo, seco, brutal, sucinto, escrito em português (quase perfeito), e revelador dos valores, da organização e da disciplina (revolucionária) dos combatentes do PAIGC... O resultado do "saque" (despojos dos mortos foi devidamente, burocraticamente, discriminado e reportado a Conacri, onde estava estado-maior do Partido).


Reprodução do documento (LG);

Comando Frente Bafatá. Gabu Sul, 7/10/71

Comunicado

Dia 10/1/71, os nossos combatentes numa emboscada
feita na estrada Galomaro-Bangacia,
conseguiram destruir dois camiões militar[es], 
maioria dos ocupantes liquidados; 
deixaram no terreno 6 mortos confirmado[s] pelo nosso c/ [camarada],
e apanharam 5 espingardas G-3
e alguns carregadores da mesma arma,
e apanharam 2 relógios, 
(302$50) trezentos e dois escudos e cinquenta centavos
 e nove (9) vacas
onde mandaram 5 para Quembera [ou Kambera] **, e ficaram com 4 no interior do país.

O c/ [comarada] Paulo Maló mandou-me dizer para pedir à direcção do Partido, 
para que o c/ [camarada], M’ Font Tchuda (?) N’ Lona estava sem relógio[;], 
resolveram deixá-lo com um dos dois relógios apanhados durante a acção. 
Também trouxeram um prisioneiro, ele encontra-se con[n]osco.

Durante a operação tivemos dois feridos não grave[s], 
são eles Canseira Sambu, N’ Dankena (?) N’Hada.

Segue[m] com o portador as 5 espingradas G-3 apanhadas ao inimigo, 
e os outros objectos.

Saudações combativa[s].

Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu)



3.. Ficaram ecos desta terrível emboscada na memória dos vindouros. Leia-se por exemplo este excerto de um poste do nosso camarada Juvenal Amado (CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

"Duas Fontes: local onde abastecíamos de água perto de Bangacia. Era um local que inspirava confiança, mas não podemos esquecer que essa mesma confiança custou a vida a seis camaradas do Batalhão antigo [,BCAÇ 2912, 1970/72,] que ali foram emboscados.

Bangacia foi também destruída por um ataque durante a nossa comissão. Nós reconstruímos a povoação com ordenamento tipo Baixa Pombalina, com escola, posto médico e o PAIGC nunca mais atacou. Deve ter considerado que era uma coisa boa a manter para quando a paz chegasse. E tinham toda a razão".

sábado, 4 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27285: Os nossos seres, saberes e lazeres (703): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224): O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2025:

Queridos amigos,
Não posso encobrir a deceção sentida, esta região do Vale de Vouga merecia pelo menos mais dois dias de permanência, mas hoje o viajante não pode sair espontaneamente de casa, corre o sério risco de não encontrar dormida a preços aceitáveis, isto para justificar que é forçoso desenhar a viagem, marcando antecipadamente os locais onde se fica. Mas como diz José Saramago, a viagem nunca acaba, haja saúde para aqui se voltar ao Vale do Vouga e aos seus enormíssimos encantos. Sinto-me feliz por talvez informar potenciais viandantes destas ruínas do Balneário Romano de S. Pedro do Sul, descobri que estivera aqui em 2018, ainda se procedia a esta grande intervenção ao monumento nacional, classificado em 1938. Dentro da nossa habitual polivalência, nós que somos peritos em transformar conventos em hospitais, conservatórias, tribunais e muito mais, deu-se vida ao Balneário Romano fazendo dele escola de instrução primária. Deixa-se ao leitor mais interessado a menção de dois sites com explicações arqueológicas e fotografias de grande beleza.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224):
O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3


Mário Beja Santos

Prometo a mim próprio que hei de voltar em breve, este Vale do Vouga tem muito para contar, saio da região sem ter contemplado o Solar dos Malafaias, a Capela de S. Martinho do Banho, não fiz a ecopista do Vouga, desde a antiga linha de caminho de ferro e percorrer as suas admiráveis pontes, nem subir à Serra da Freita, não visitei aquelas aldeias que têm centenárias Capelas de S. Macário, enfim, a gente desenha itinerários, marca lugares para dormir e descobre, com profunda deceção, que se fez uma visita de médico (salvo seja).

Apostou-se numa visita guiada às ruínas do Balneário Romano e Piscina D. Afonso Henriques, visita de truz, pela categoria do guia, Dr. Nuno Cardoso, ele tomou rapidamente conta do grupo, falou-nos do Castro do Banho, das diferentes construções do Balneário, no século I d. C., nos últimos trabalhos de requalificação, bem como em expedições anteriores, a arqueologia deixou a descoberto: moedas, cerâmicas, fíbulas, lápides epigrafadas, canalizações, piscinas, pavimentos, alicerces, paredes, etc. Este local beneficiou do foral atribuído por D. Afonso Henriques à povoação do Banho (1152), foi assim que nasceu a designação “Piscina D. Afonso Henriques”, conjunto de edificações do século XII assentes em estruturas romanas pré-existentes, o primeiro rei de Portugal frequentou aqui os banhos, estabeleceu paço real na povoação do Banho. Há igualmente vestígios arquitetónicos do período de D. Dinis e dos primeiros reis da dinastia de Avis. D. Manuel I concedeu foral novo às já então chamadas Caldas de Lafões (1515) e abonou fundos para que se convertesse o velho edifício termal em Real Hospital das Caldas de Lafões.

O que aqui estou a escrever vem mencionado no folheto que me entregaram à entrada da visita, onde também se referem as sucessivas modificações do edifício onde até não faltou a intervenção do rei D. Luís, a rainha D. Amélia também aqui realizou tratamentos. Habituados como estamos à polivalência, o Balneário também serviu de instalações para a instrução primária e depósito de materiais.

No século XX fizeram-se escavações que revelaram espólio. Conseguiu-se financiamento comunitário para concretizar a vontade de fazer da área arqueológica do Balneário Romano um monumento vivo. A maior obra cultural e patrimonial da região foi inaugurada em agosto de 2019 e é monumento nacional desde 1938.

A entrada do Balneário onde se vê claramente a integração do novo na construção antiga. É bem interessante a adequada conjugação entre a porta nova e a porta romana. O leitor tem à sua disposição na internet um trabalho explicativo sobre a cronologia do edifício, intitulado As Termas Romanas de S. Pedro do Sul – Uma Proposta de Revisão Cronológica, https://ojs.letras.up.pt/index.php/Port/article/view/13473/12161.

Deste trabalho pode-se reter a atividade arqueológica a partir do achado de colunas romanas, a descoberta de uma grande piscina exterior e de um conjunto de estruturas que se estendiam até à Capela de S. Martinho. Os autores explicam os primeiros edifícios, os achados das escavações que ocorreram entre 2017 e 2019, as sucessivas épocas romanas em que decorreram as duas primeiras construções e as alterações ocorridas até ao século XX, foi aqui instalada a escola primária com cantina em 1931, e aqui funcionou até 1954. Também os autores se referem ao achado dos alicerces da igreja pré-românica, construída nos finais do século IX – início do século X, sobre as antigas construções romanas.

Resultou bem esta intervenção arqueológica do aproveitamento do que havia das velhas colunas
Piscina interior do edifício após a conclusão dos trabalhos de restauro
Inscrição romana
Uma belíssima porta medieval, vê-se ao fundo a piscina e ligações aquíferas
Pormenor da ligação a culminar na cabeça de um animal
Toda a cobertura é obra da intervenção recentemente efetuada
Outro ângulo da piscina
Vemos uma porta, mas também o traçado de uma outra que já lá esteve, todas aquelas perfurações na parede aludem a um compartimento que a recente intervenção fez desaparecer, suponho que tudo se encontraria em rápida degradação quando acabou a escola de instrução primária.
Aqui se pode ver a verdadeira altura do edifício
Marcas de balneário que sofreu profundas alterações, toda aquela azulejaria é bastante recente
Em jeito de despedida, sugere-se ao leitor que pesquise o sugestivo acervo de imagens do Balneário Romano, elaborado pelo investigador João Mendes Ribeiro https://www.archdaily.com.br/br/1019797/termas-romanas-de-sao-pedro-do-sul-joao-mendes-ribeiro
É muito bela esta imagem sobre o Rio Vouga. Enquanto se fazia a visita guiada, teve-se a informação que Katerina Kabakli daria um concerto de cravo bem temperado com música barroca nas instalações do Balneário, foi um final de tarde maravilhoso. Amanhã de manhã partiremos para um determinado ponto do sul da Galiza.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 27 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27260: Os nossos seres, saberes e lazeres (702): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (223): Primeiro a Lousã, segue-se São Pedro do Sul - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27284: Parabéns a você (2422): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 / BART 733 (Bironque, Bissorã, Jumbembem e Farim, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apont Metralhadora da CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 3 de Setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27279: Parabéns a você (2421): Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Piche e Bissau, 1970/72)