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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10514: Parabéns a você (481): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10517: História da CCAÇ 2679 (53): "Ataque" muito certeiro (Jose Manuel M. Dinis)
Vista aérea de Bajocunda
Foto: © Amílcar Ventura, com a devida vénia1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2012 o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos mais um pouco da história da sua Unidade, desta vez um perigoso ataque à Messe de Bajocunda.
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (53)
"ATAQUE" MUITO CERTEIRO AO EDIFÍCIO DA MESSE EM BAJOCUNDA
O edificio da messe em Bajocunda, era uma antiga casa colonial, que ainda abrigava a enfermaria e os quartos da furrielada. Ficava a uns cem metros, a partir das traseiras (norte), da vedação de arame. Algumas árvores frondosas o alguns arbustos, escondiam o edificio do exterior do aquartelamento. A frontaria (sul) dava para a parada, e era contigua à entrada principal para a zona aquartelada, delimitada por uma precária protecção de arame. Sob o alpendre do limite oeste da área militarizada, funcionava a messe, conquanto as refeições fossem preparadas longe, na cozinha. Do lado oposto à messe, funcionava a enfermaria, e junto a ela a oficina mecânica e o abrigo dos auto-rodas. Depois deste, situava-se o morteiro 60, protegido por um muro-abrigo. Depois, num alinhamento a 90 graus, surgia a capela, um espaço aberto, com um pequeno altar e uma cruz. Seguiam-se os edificios da cantina e transmissões, e a secretaria. Do lado sul da parada, de forma afunilada, situavam-se os quartos dos oficiais, e o edificio onde funcionava a secção de armamento. Uma vedação de arame, acompanhava a rua principal até à entrada principal, já assinalada. No meio ficava o pau de bandeira e o submarino, designação de um paiol pela semelhança com um submersível.
Depois desta descrição parcial sobre a urbanização bajocundense, vamos à estória.
Em Africa o sol põe-se cedo e quase regularmente pelas dezoito horas. Era a hora do jantar, apesar de não ter sido prática o horário inglês. Às vezes atrasava-se a manja, quando o pessoal operacional se atrasava um pouco no regresso ao aquartelamento. Sem luz durante a maior parte das noites, mas com candeeiros de pitrol, o pessoal recolhia cedo, na medida em que pelas seis da manhã já fervilhava o dia.
Uma noite, pelo menos eu e o Pedro, ficámos à conversa despreocupadamente e sem cuidar das horas. Tenho a dúvida sobre a eventual participação de um terceiro. Da conversa, nem a mínima recordação. Nos quartos, os furriéis ali presentes já dormiam. Até que surgiu uma extraordinária ideia, a de desencadearmos um ataque à messe, e pregarmos um cagaço aos dorminhocoss. Se bem pensado, e logo decidido, foi melhor executado. No essencial, consistiria no arremesso de garrafas para o telhado de zinco, que reproduziria metalicamente os ruídos dos impactos, enquanto um de nós atravessaria os quartos gritando que era um ataque. Pensávamos nós que a barulheira e os gritos, induziriam o pessoal na busca de protecção.
Fomos então recolher algumas garrafas vazias que, em ambiente de grande respeito pela naturaza, estavam espalhadas por toda a parte. Reunimos um municiamento adequado, mas, entretanto tinha-me ocorrido uma paródia suplementar, um cagaço de prémio aos mais queridos camaradas, que eram aqueles que estavam mais a jeito, em sono profundo e descontraído. Consistiu a iniciativa em atar os pés aos pés das camas. Não era obviamente com a ideia de os estropiar, antes para aumentar a ansiedade de cada um, e ampliar a confusão. Tudo pronto, faltava a ordem de ataque. Quando eu começasse a lançar as garrafas, o Pedro daria o alarmante alerta. Andavam ali mãozinhas de turras. Fiéis à sua combinada ideologia de um por todos , todos por um, os atacantes não se pouparam a esforços, deram tanta intensidade ao ataque quanto possível, e... os resultados revelaram-se diferentes: uns levantaram-se indignados com a brincadeira e mandavam-nos passear, para Espanha, para a Côte d'Azur, e para outros sítios normalmente muito agradáveis. Eram os de sono leve, que distinguiam bem a saída de uma granada, da explosão de uma garrafa. Outros levantavam-se em cuecas, e apresentavam-se de armas em punho, prontos a fazer frente a qualquer afronta. Eram os mais perigosos, daqueles que poderiam abater o inimigo, qualquer que fosse, dentro das instalações do quartel. Finalmente, havia uns gajos, pró mal educado, que berravam no bréu dos quartos, compelidos pelo instinto de defesa, mas, também, sem a necessária consideração pelos camaradas que lhes facultavam a título gracioso um treino tão necessário quanto oportuno. Depois, feitos mariquinhas, ainda se mostravam zangados por, às escuras, verem uns vergões à volta dos tornozelos, em resultado da teimosia de quererem sair sem se libertarem previamente das guitas. Não lhes posso perdoar. Esse registo, por ser absolutamente impróprio a narrativas neste espaço, recuso-me a relatá-lo.
Do evento não resultaram baixas, nem para as NT, nem para o humaníssimo IN. Felizmente, não houve ocasiões posteriores para comprovar a oportunidade do exercício de treino, como a apreensão da melhor forma de reagir naquelas circunstâncias. E voltaram a dormir, os calinas!
Houve mais tarde um episódio quase familiar com este, mas teve origem em delírios paranóico-etílicos. Acho que o relatarei um dia.
Bajocunda > Tabancas ardidas durante flagelação
Bajocunda > Roquetadas entre portas
Bajocunda > Roquetada no telhado mesmo edifício
Fotos de Pedro Nunes____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10339: História da CCAÇ 2679 (52): Vietnam (José Manuel M. Dinis)
Guiné 63/74 - P10516: In memoriam (130): Francisco Parreira (1948-2012), ex-1º cabo mec elect auto, Grupo de Artilharia nº 7, Bissau, 1970/72:o "pai Chico", um "herói anónimo" (Filomena Parreira)
Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 9
Foto nº 3
Foto nº 4
Foto nº 5
Foto nº 6
Foto nº 7
Foto nº 8
Fotos: © Filomena Maria de Sousa Parreira (2012). Todos os direitos reservados.
1. O nosso camarada Francisco Manuel de Almeida Parreira, nº mec 190543769, 1º cabo mec elect auto, de rendição individual, integrou o Grupo de Artilharia nº 7, Bissau.
Partiu para o CTIG em 18 de setembro de 1970 e regressou em 8 novembro de 1972.
A sua filha, Filomena Parreira, forneceu-nos mais os seguintes elementos sobre o "pai Chico":
"Caro amigo Luís: conforme combinado junto envio as fotos do meu pai, que esteve em Guiné em 1970/72.
"Ele nasceu em Alhos Vedros, em 10/08/48, e faleceu a 27/09/12, tinha 63 anos...Ele quando tinha 20 anos, morava nos Olivais Sul, mas viveu sempre junto a Cabo Ruivo, no Bairro dos Olivais Sul, junto a Moscavide, em Lisboa.
"Alerto para a questão da 1º foto, a que eu julguei tratar-se do meu pai, nao foi essa que referiu...era outra que estava no blogue (*). Obrigado mais uma vez pela atenção".
2. Comentários de dois camradas nossos ao poste P10510 (*):
(i) António Ribeiro, 10/10/2012:
Talvez o Ten-Cor [José Francisco] Borrego o tenha conhecido.
À época era Fur e fazia parte dos quadros do GA 7 (ex-BAC 1), sedeado em Bissau mas com cerca de 25 pelotões no mato.
À época era Fur e fazia parte dos quadros do GA 7 (ex-BAC 1), sedeado em Bissau mas com cerca de 25 pelotões no mato.
(ii) Vasco Pires, 10/10/2012:
É isso mesmo, nós do GAC 7 (GA 7, BAC 1...), éramos de rendição individual,~por vezes logo após um curto período, íamos para os Pelotões, é provável que esse camarada tenha ficado em Bissau, pois era aí que ficavam os especialistas (macânicos, eletricistas, etc...).
3. Comentário de L.G.:
A melhor homenagem que podemos fazer ao "pai Chico" e ao "herói anónimo" - aliás, tão anónimo como todos nós! - é fixar justamente a sua memória no nosso blogue, publicando o apelo dorido da sua filha (*) e agora estas fotos singelas, sem legenda, do seu álbum fotográfico. O Francisco é mais um camarada da Guiné que nos deixa, precocemente aos 63 anos, e que muito provavelmenet morreu sem nunca mais ter encontrado a malta do seu tempo, os seus camaradas do GA 7, de 1970/72.
Passará a ser lembrado aqui na nossa Tabanca Grande. Entra diretamente para o talhão dos "que da lei da morte se foram libertando" (e com ele, são já 21)... Como grã-tabanqueiro, ficará com o nº 583. É também uma pequena homenagem aos nobres sentimentos da Filomena Maria de Sousa Parreira, um belo exemplo de amor filial.
Convidamos a nossa amiga a conhecer alguns dos sítios por onde poderá ter andado o "pai Chico", o mais provável é que ele nunca tenha saído de Bissau, onde se situava o BA 7, ou o BAC 1, ou o GAC 7 (as designações variaram ao longo dos anos da guerra). E talvez o ten cor art ref José Borrego lhe possa, de facto, dar mais algum esclarecimento adicional ou alguma pista para que a Filomena encontre camaradas desse tempo.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 10 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10510: Em busca de... (206): Camaradas que tenham conhecido o meu pai, Francisco Parreira (1948-2012), ex-1º cabo mec elect auto, Grupo de Artilharia nº 7, Bissau, 1970/72 (Filomena Maria de Sousa Parreira)
(**) Último poste da série > 5 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10483: In Memoriam (129): José Aires da Silva, ex-Soldado da CART 2732, falecido no dia 3 de Outubro de 2012 no Funchal (Carlos Vinhal)
(*) Vd. poste de 10 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10510: Em busca de... (206): Camaradas que tenham conhecido o meu pai, Francisco Parreira (1948-2012), ex-1º cabo mec elect auto, Grupo de Artilharia nº 7, Bissau, 1970/72 (Filomena Maria de Sousa Parreira)
(**) Último poste da série > 5 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10483: In Memoriam (129): José Aires da Silva, ex-Soldado da CART 2732, falecido no dia 3 de Outubro de 2012 no Funchal (Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P10515: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (8): Cufar, 1970 (Parte II)
Foto nº 62
Foto nº 56
Foto nº 64
Foto nº 65
Foto nº 66
Foto nº 57
Foto nº 60
Foto nº 63
Guiné > Região de Tombali > Cufar > Pel Caç Nat 51 > 1970 > Álbum fotográfico do Armindo Batata, ex-alf mil, que esteve em Guileje de janeiro de 1969 a janeiro de 1970, e depois em Cufar... De cima para baixo: fotos nºs 52, 56, 57, 60, 63, 64, 65, 66.
1. Segunda parte da publicação das fotos de Cufar. Estas fotos, tal como as restantes que foram cedidas pelo Armindo Batata ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje, não têm legendas. O Armindo já nos prometeu que, com tempo e vagar, vai legendá-las e enviar outras, do seu álbum. O nosso camarada, de rendição individual, esteve em Cufar, depois de Guileje, a comandar o Pel Caç Nat 51, possivelmente ainda durante uns bons 9 meses, até acabar a sua comissão...
Nas fotos nº 56 e 64 vê-se o pau da bandeira e, na sua base, um pequeno monumento de homenagem à CART 1687 (1967/69).
Os camaradas que passaram por Cufar (desde os mais antigos como o Mário Fitas aos mais novos, como António Graça de Abreu) e que ainda sabem reconhecer e descrever os sítios, podem ajudar-nos a completar a legendagem. Os editores (e os leitores) agradecem.
Fotos: © Armindo Batata (2007). / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART 2477 (1969/71) > O Jorge Simão junto ao edifício da secretaria (?)... Várias companhias por aqui passaram, além da CART 2477: CCAÇ 763, CCAÇ 1621, CART 1687... Temos alguns camaradas pertencentes a duas destas unidades de quadrícula: Hugo Ferreira Moura (CCAÇ 1621) e Mário Fitas (CCAÇ 763)... O Jorge Simão, residente em São João da Madeira, foi 1º Cabo Escriturário, CART 2477, Cufar, 1969/71.
Foto: © Jorge Simão (2010). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10494: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (7): Cufar, 1970 (Parte I)
Guiné 63/74 - P10514: Parabéns a você (481): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10509: Parabéns a você (480): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884 (Guiné, 1969/71)
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10509: Parabéns a você (480): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884 (Guiné, 1969/71)
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10513: (Ex)citações (199): Nunca me considerei, não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão” (Belmiro Tavares)
1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim,
1964/66), com data de 10 de Outubro de 2012, com um esclarecimento dirigido a José Manuel Silva Estanqueiro que comentou o Poste 10476:
Caro Senhor José Manuel
Acabo de receber o seu comentário* ao meu texto sobre factos concretos e verídicos que eu vivi intensamente na famigerada guerra da Guiné.
1º - Antes de mais, pretendo informar que não tinha conhecimento que os não combatentes e/ou ex-combatentes doutros TO “ eram mal aceites” neste blog. Acontece que este é um blog de ex-combatentes da Guiné (apenas) e tem as suas regras como tudo na vida. Na verdade, cada um vê as coisas um pouco de acordo com a sua vivência dos acontecimentos e o seu interesse. Pretendo dizer que sendo a guerra da Guiné diferente – pior – das outras duas, nós vivemos os temas e reproduzimo-los de modo dissemelhante. De qualquer modo, uma coisa será ser “mal aceite” (a sua opinião), outra será ser proibido de entrar.
2º - Gostaria que o Sr. José Manuel me informasse:
a) Se é ex-combatente;
b) Se afirmativo, em qual TO participou
c) Qual o posto
d) Em que arma esteve inserido.
3º - Não compreendo que, em termos práticos, não distinga entre um oficial do QP e um do SG. Permito-me não explicar
4º - Se tem dúvidas que um castigo em OS prejudicava tremendamente o ex-militar (de novo na vida civil), apenas direi que um furriel miliciano da minha companhia – a gloriosa CCaç 675 – era funcionário das Finanças em Ponte de Lima; foi punido na Guiné e, quando chegou ao seu antigo posto de trabalho, foi informado que já não era funcionário público. Basta!
5 – Meu caro Sr: nunca me considerei , não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão”; tenho, porém, duas pernas e dois braços (estes com uma mão no extremo de cada um) que, na defesa de superiores interesses dos meus subordinados (ou mesmo que sejam já ex-combatentes), seria capaz de usar, sujeitando-me à resposta do visado. Cumpre-me esclarecer que o alferes a quem transmiti o “tal” aviso era mais antigo do que eu. Ciente que esta situação era gravemente penalizadora para mim, eu não fugi à questão – a defesa intransigente dos meus Homens; em primeiro lugar os do meu pelotão… mas dos outros também. E valeu a pena! Que eu saiba nunca mais fez o mesmo.
6º - Não consigo, Sr. Estanqueiro, entender a expressão: “se fosse de Infantaria também mencionava?” não posso deixar de informar que a minha CCaç 675 – a gloriosa – era uma unidade independente; inicialmente adimos a um batalhão de Cavalaria – o célebre batalhão de Como; na parte final dependíamos de um batalhão de Artilharia. Tivemos um bom relacionamento com o Ten. Coronel de Cavalaria e também (quase o mesmo) com o Ten. Coronel de Artilharia. Com os capitães dos dois batalhões não nos demos bem nem mal, antes pelo contrário; com os subalternos tudo correu sempre sobre esferas. Pior foi a minha convivência – e a CCaç 675 também, com um ten./Cap./major que até me ameaçou com prisão… porque eu me recusei a caminhar… para o suicídio, o meu e o do meu pessoal. Ele, porém, não teve a coragem de pôr em prática as suas ameaças!
7º - Quanto aos seus considerandos sobre comandantes e chefes, meu caro Sr. José Manuel, apenas direi que um graduado tem de dar e transmitir ordens (não é o mesmo) e acima de tudo cumpri-las e fazê-las cumprir. Quanto às consequências apenas e especialmente me interessa o que os meus soldados pensaram de mim, na Guiné, e os seus juízos de valor durante os 46 anos que se seguiram ao nosso regresso, para já. Desde o nosso regresso, organizei “apenas” 46 confraternizações anuais e um sem número de “minis” que ocorreram em Lisboa e de norte a sul do País. A maior das minis ocorreu em Fermentelos (Águeda) com a participação de mais de 50 ex-combatentes – já não era propriamente uma mini!
8º - “Por isso ocorriam desastres”. Penso, Sr. Estanqueiro que entendi onde pretende chegar, mas afirmo categoricamente que nunca receei que tal acontecesse comigo; nunca pensei nisso; eu confiava plenamente nos militares à minha guarda e sempre senti que o contrário também era verdadeiro. Aliás nunca tive conhecimento efetivo – nem lá nem cá – de casos desses mas… diz-se muita coisa. O meu comportamento não mudava com a hora, e a temperatura ou o local onde nos encontrávamos; em Évora, em Bissau, em Binta ou no meio das matas mais cerradas ou mais abertas, nas viaturas ou em num barco, armados ou não, eu agi sempre do mesmo modo – eu era sempre o mesmo quer em combate quer a beber uns copos. De qualquer modo, Sr. Estanqueiro, só pode tentar beliscar-me quem teve a mesma vivência que eu e acima de tudo quem eu entender que tem capacidade moral, para agir como tal – até rima mas é verdade! A melhor resposta a tudo isto é dada pelos meus soldados – aqui incluo todos os da Companhia- não só os do meu pelotão. Permita-me Sr. José Manuel, parafrasear o estafado lema mas em sentido diferente do usual: “o povo é quem mais ordena”!
9º - Quanto ao agredir os empregados, Sr. Estanqueiro, aconselho-o (aceite se quiser) a não misturar alhos com bugalhos; não são compatíveis.
Para terminar:
Meu caro Sr. José Estanqueiro, alvitro que leia os meus textos no blog em que falo da gloriosa CCaç 675 – a família e seus componentes – e já são vários – e creia, caro senhor, que são puras verdades; não necessito inventar o que quer que seja (nem romancear) sobre o tema.
Última nota:
Aceito, perfeitamente, que trate por “senhor” quem não conhece. Como poderá o senhor, Estanqueiro, em sã consciência, tentar emitir juízos de valor sobre quem não conhece… minimamente?!
Por aqui me fico, aguardando os esclarecimentos solicitados, bem como qualquer réplica que o tema possa merecer.
Mui respeitosamente
Belmiro Tavares
10.10.2012
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Notas de CV:
(*) Comentário de José Estanqueiro ao poste > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares) de 3 de Outubro de 2012:
Sr Belmiro
Sei que neste blog são mal aceites todos os que não combateram na Guiné, mesmo sendo combatentes noutros TO. Pelo menos é a conclusão daquilo que vou lendo de cada vez que aqui venho. Mesmo assim não resisto em expor a minha opinião.
Não concordo minimamente coma as suas teorias sobre disciplina. Não é preciso agredir ninguém para fazer cumprir as normas e regulamentos. E não me venha com a teoria que que os castigos à ordem prejudicava a vida civil.
O sr agredia soldados e ameaçava camaradas de igual posto por ser oficial e se achar um valentão. E teve a sorte de apanhar oficiais que não o puseram em sentido.
Não percebi a referencia () ser do serviço geral. Se fosse de infantaria também mencionava? Também agride os e empregados do hotel?.
Francamente, um chefe, líder não usa métodos desses. A diferença entre comandante e chefe está exactamente na capacidade de se levar os outros a fazerem o que nós queremos sem recurso a violência.
Os (co)mandantes esses recorrem a ela. Infelizmente à época havia muitos Belmiros. Por isso por ocorriam "desastres".
Como não pertenço ao clã e sou penetra, trato-o por sr, pois foi assim que aprendi a tratar quem não conheço.
Atenciosamente
José Manuel Silva Estanqueiro
Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10508: (Ex)citações (198): O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar (Manuel Lomba)
Caro Senhor José Manuel
Acabo de receber o seu comentário* ao meu texto sobre factos concretos e verídicos que eu vivi intensamente na famigerada guerra da Guiné.
1º - Antes de mais, pretendo informar que não tinha conhecimento que os não combatentes e/ou ex-combatentes doutros TO “ eram mal aceites” neste blog. Acontece que este é um blog de ex-combatentes da Guiné (apenas) e tem as suas regras como tudo na vida. Na verdade, cada um vê as coisas um pouco de acordo com a sua vivência dos acontecimentos e o seu interesse. Pretendo dizer que sendo a guerra da Guiné diferente – pior – das outras duas, nós vivemos os temas e reproduzimo-los de modo dissemelhante. De qualquer modo, uma coisa será ser “mal aceite” (a sua opinião), outra será ser proibido de entrar.
2º - Gostaria que o Sr. José Manuel me informasse:
a) Se é ex-combatente;
b) Se afirmativo, em qual TO participou
c) Qual o posto
d) Em que arma esteve inserido.
3º - Não compreendo que, em termos práticos, não distinga entre um oficial do QP e um do SG. Permito-me não explicar
4º - Se tem dúvidas que um castigo em OS prejudicava tremendamente o ex-militar (de novo na vida civil), apenas direi que um furriel miliciano da minha companhia – a gloriosa CCaç 675 – era funcionário das Finanças em Ponte de Lima; foi punido na Guiné e, quando chegou ao seu antigo posto de trabalho, foi informado que já não era funcionário público. Basta!
5 – Meu caro Sr: nunca me considerei , não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão”; tenho, porém, duas pernas e dois braços (estes com uma mão no extremo de cada um) que, na defesa de superiores interesses dos meus subordinados (ou mesmo que sejam já ex-combatentes), seria capaz de usar, sujeitando-me à resposta do visado. Cumpre-me esclarecer que o alferes a quem transmiti o “tal” aviso era mais antigo do que eu. Ciente que esta situação era gravemente penalizadora para mim, eu não fugi à questão – a defesa intransigente dos meus Homens; em primeiro lugar os do meu pelotão… mas dos outros também. E valeu a pena! Que eu saiba nunca mais fez o mesmo.
6º - Não consigo, Sr. Estanqueiro, entender a expressão: “se fosse de Infantaria também mencionava?” não posso deixar de informar que a minha CCaç 675 – a gloriosa – era uma unidade independente; inicialmente adimos a um batalhão de Cavalaria – o célebre batalhão de Como; na parte final dependíamos de um batalhão de Artilharia. Tivemos um bom relacionamento com o Ten. Coronel de Cavalaria e também (quase o mesmo) com o Ten. Coronel de Artilharia. Com os capitães dos dois batalhões não nos demos bem nem mal, antes pelo contrário; com os subalternos tudo correu sempre sobre esferas. Pior foi a minha convivência – e a CCaç 675 também, com um ten./Cap./major que até me ameaçou com prisão… porque eu me recusei a caminhar… para o suicídio, o meu e o do meu pessoal. Ele, porém, não teve a coragem de pôr em prática as suas ameaças!
7º - Quanto aos seus considerandos sobre comandantes e chefes, meu caro Sr. José Manuel, apenas direi que um graduado tem de dar e transmitir ordens (não é o mesmo) e acima de tudo cumpri-las e fazê-las cumprir. Quanto às consequências apenas e especialmente me interessa o que os meus soldados pensaram de mim, na Guiné, e os seus juízos de valor durante os 46 anos que se seguiram ao nosso regresso, para já. Desde o nosso regresso, organizei “apenas” 46 confraternizações anuais e um sem número de “minis” que ocorreram em Lisboa e de norte a sul do País. A maior das minis ocorreu em Fermentelos (Águeda) com a participação de mais de 50 ex-combatentes – já não era propriamente uma mini!
8º - “Por isso ocorriam desastres”. Penso, Sr. Estanqueiro que entendi onde pretende chegar, mas afirmo categoricamente que nunca receei que tal acontecesse comigo; nunca pensei nisso; eu confiava plenamente nos militares à minha guarda e sempre senti que o contrário também era verdadeiro. Aliás nunca tive conhecimento efetivo – nem lá nem cá – de casos desses mas… diz-se muita coisa. O meu comportamento não mudava com a hora, e a temperatura ou o local onde nos encontrávamos; em Évora, em Bissau, em Binta ou no meio das matas mais cerradas ou mais abertas, nas viaturas ou em num barco, armados ou não, eu agi sempre do mesmo modo – eu era sempre o mesmo quer em combate quer a beber uns copos. De qualquer modo, Sr. Estanqueiro, só pode tentar beliscar-me quem teve a mesma vivência que eu e acima de tudo quem eu entender que tem capacidade moral, para agir como tal – até rima mas é verdade! A melhor resposta a tudo isto é dada pelos meus soldados – aqui incluo todos os da Companhia- não só os do meu pelotão. Permita-me Sr. José Manuel, parafrasear o estafado lema mas em sentido diferente do usual: “o povo é quem mais ordena”!
9º - Quanto ao agredir os empregados, Sr. Estanqueiro, aconselho-o (aceite se quiser) a não misturar alhos com bugalhos; não são compatíveis.
Para terminar:
Meu caro Sr. José Estanqueiro, alvitro que leia os meus textos no blog em que falo da gloriosa CCaç 675 – a família e seus componentes – e já são vários – e creia, caro senhor, que são puras verdades; não necessito inventar o que quer que seja (nem romancear) sobre o tema.
Última nota:
Aceito, perfeitamente, que trate por “senhor” quem não conhece. Como poderá o senhor, Estanqueiro, em sã consciência, tentar emitir juízos de valor sobre quem não conhece… minimamente?!
Por aqui me fico, aguardando os esclarecimentos solicitados, bem como qualquer réplica que o tema possa merecer.
Mui respeitosamente
Belmiro Tavares
10.10.2012
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Notas de CV:
(*) Comentário de José Estanqueiro ao poste > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares) de 3 de Outubro de 2012:
Sr Belmiro
Sei que neste blog são mal aceites todos os que não combateram na Guiné, mesmo sendo combatentes noutros TO. Pelo menos é a conclusão daquilo que vou lendo de cada vez que aqui venho. Mesmo assim não resisto em expor a minha opinião.
Não concordo minimamente coma as suas teorias sobre disciplina. Não é preciso agredir ninguém para fazer cumprir as normas e regulamentos. E não me venha com a teoria que que os castigos à ordem prejudicava a vida civil.
O sr agredia soldados e ameaçava camaradas de igual posto por ser oficial e se achar um valentão. E teve a sorte de apanhar oficiais que não o puseram em sentido.
Não percebi a referencia () ser do serviço geral. Se fosse de infantaria também mencionava? Também agride os e empregados do hotel?.
Francamente, um chefe, líder não usa métodos desses. A diferença entre comandante e chefe está exactamente na capacidade de se levar os outros a fazerem o que nós queremos sem recurso a violência.
Os (co)mandantes esses recorrem a ela. Infelizmente à época havia muitos Belmiros. Por isso por ocorriam "desastres".
Como não pertenço ao clã e sou penetra, trato-o por sr, pois foi assim que aprendi a tratar quem não conheço.
Atenciosamente
José Manuel Silva Estanqueiro
Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10508: (Ex)citações (198): O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar (Manuel Lomba)
Guiné 63/74 - P10512: As Nossas Tropas - Quem foi Quem (11): Tenente de 2ª linha Mamadu Bonco Sanhá, régulo de Badora, comandante da companhia de milícia do Cuor (Cherno Sanhá)
Guiné > Zona leste > Sem data nem local > Mamadu Bonco Sanhá. Segundo informação do filho Cherno Sanhá, esta foto deve ser de finais de 1960 ou de 1970, quando o tenenente Mamadu foi condecorado com a cruz de guerra. Deveria ter uns 40 e poucos anos.
Foto: © Cherno Sanhá (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados,
1. No passado dia 5 de setembro, recebi a seguinte mensagem do nosso leitor, Cherno Sanhá, que presumo viva (ou tenha vivido em Espannha), a avaliar pelo endereço de correio eletrónico: cherno2009@yahoo.es
Bom dia!
É com grande satisfação que pude hoje ler o vosso blog,é muito importante e enriquecedor.
Sou filho do Mamadu Bonco Sanhá,vou tentar contribuir com mais informações sobre o meu pai e enviar algumas fotografias dele.
Um grande abraço.
Cherno Sanhá
2. Comentário de L.G.:
Na altura eu não associei o nome, Mamadu Bonco Sanhá, ao todo poderoso cabo de guerra e régulo de Badora, homem grande de Bambadinca, fula, que eu conhecera no meu tempo (1969/71). Hoje, 10 de outubro, recebo um outro mail com uma das prometidas fotografias do pai do Cherno Sanhá (Pelo indicatiivo do telemóvel, 00 245, vejo que ele afinal vive na Guiné-Bissau):
Caros Luis Graça,
Junto envio uma foto do meu pai Mamadú Bonco Sanhá.
Cumprimentos
Cherno Sanhá
Telemóvel: (+245) 727 6999
3. Comentário de L.G.:
Junto envio uma foto do meu pai Mamadú Bonco Sanhá.
Cumprimentos
Cherno Sanhá
Telemóvel: (+245) 727 6999
3. Comentário de L.G.:
Meu caro Cherno: De repente, ao olhar esta foto amarelecida pelo tempo, fez-se-me luz no "meu computador central", reconheci de imediato aquela cara: era ele, o tenente de 2ª linha Mamadu, ou simplesmente o tenente Mamadu, como os 'tugas' o tratavam, com deferência e respeito, comandante da companhia de mílícia do Cuor...
Era ele, fardado, com os respetivos galões, e os óculos escuros que sempre lhe conheci. A farda, branca, devia ser a da administração colonial, a das cerimónias oficiais, a de régulo. Régulo de Badora.
Vestido de farda, branca, como na foto, não me lembro de o ter visto. Rebobinando os filmes das minhas memórias de Bambadinca, estou a vê-lo, sim, ora de camuflado, ora com as vestes tradicionais dos homens grandes, a chabadora, e quase sempre, se não sempre, montado na sua motorizada de 50 cm3, de marca japonesa (talvez uma Kawasaki), oferta pessoal - segundo se dizia - do Governador Geral da Província e e Com-Chefe, António Spínola (, facto que nunca pude confirmar).
Habituei-me a vê-lo,com alguma frequência, na parada do quartel de Bambadinca, junto ao comando do batalhão ali estacionado no meu tempo (primeiro, o BCAÇ 2852, e depois o BART 2917), ou seja, no período que medeia entre agosto de 1969 e março de 1971.
Nunca fiz, que me lembre, nenhuma operação com ele. De resto, não era habitual os pelotões de milícias participarem nas nossas operações, apenas os Pel Caç Nat (52, 54, 63)...
Também era voz corrente que tinha uma cruz de guerra, por feitos valorosos em combate, não sei onde nem quando. O que também nunca soube era onde vivia, se em Bambadinca ou nalguma tabanca dos arredores.
Dele também se dizia - seguramente com os exageros próprios das 'bocas' da caserna - que o todo poderoso e temido régulo de Badora tinha 50 mulheres, uma em cada aldeia do seu regulado, e que só em cabeças de gado deveria ter umas centenas. Mulheres e cabeças de gado faziam parte do 'status' de um homem grande.
Dizia-se também que tinha alguns filhos na CCAÇ 12, como seria o caso do nosso infortunado e saudoso Umaru Baldé, o 'puto' [,foto acima, à esquerda; crédito fotográfico: Benjamim Durães]...
Nunca lhe perguntei, ao Umaru, nem nunca lhe perguntaria...Lidei, privei com os fulas, fiquei nas suas tabancas, mas também respeitei a sua privacidade, a sua cultura, o seu modo de ser e de estar... Com os balantas, infelizmente, não consegui criar qualquer empatia... A barreira da língua e da farda, além da pertença a uma companhia fula (, a CCAÇ 12,), eram obstáculos intransponíveis...
Havia tensão entre os fulas e os balantas de Badora... Julgo que desgraçadamente "ajustaram contas" entre eles depois da nossa saída... Os malditos demónios étnicos ficaram na "caixinha de Pandora" que entregámos ao PAIGC... (E os guerrilheiros tinham uma caixinha destas, com outros ingredientes)...
Eu, que sempre lidei com fulas, e fiz amigos entre eles, também tive que gerir sentimentos contraditórios, em relação a este povo e aos seus filhos... Sempre fiz uma distinção entre os seus "chefes" tradicionais, de um modo geral aliados das NT, e os seus pobres "súbditos", a grande maioria dos quais eram também meus/nossos soldados.
Era ele, fardado, com os respetivos galões, e os óculos escuros que sempre lhe conheci. A farda, branca, devia ser a da administração colonial, a das cerimónias oficiais, a de régulo. Régulo de Badora.
Vestido de farda, branca, como na foto, não me lembro de o ter visto. Rebobinando os filmes das minhas memórias de Bambadinca, estou a vê-lo, sim, ora de camuflado, ora com as vestes tradicionais dos homens grandes, a chabadora, e quase sempre, se não sempre, montado na sua motorizada de 50 cm3, de marca japonesa (talvez uma Kawasaki), oferta pessoal - segundo se dizia - do Governador Geral da Província e e Com-Chefe, António Spínola (, facto que nunca pude confirmar).
Habituei-me a vê-lo,com alguma frequência, na parada do quartel de Bambadinca, junto ao comando do batalhão ali estacionado no meu tempo (primeiro, o BCAÇ 2852, e depois o BART 2917), ou seja, no período que medeia entre agosto de 1969 e março de 1971.
Nunca fiz, que me lembre, nenhuma operação com ele. De resto, não era habitual os pelotões de milícias participarem nas nossas operações, apenas os Pel Caç Nat (52, 54, 63)...
Também era voz corrente que tinha uma cruz de guerra, por feitos valorosos em combate, não sei onde nem quando. O que também nunca soube era onde vivia, se em Bambadinca ou nalguma tabanca dos arredores.
Dele também se dizia - seguramente com os exageros próprios das 'bocas' da caserna - que o todo poderoso e temido régulo de Badora tinha 50 mulheres, uma em cada aldeia do seu regulado, e que só em cabeças de gado deveria ter umas centenas. Mulheres e cabeças de gado faziam parte do 'status' de um homem grande.
Dizia-se também que tinha alguns filhos na CCAÇ 12, como seria o caso do nosso infortunado e saudoso Umaru Baldé, o 'puto' [,foto acima, à esquerda; crédito fotográfico: Benjamim Durães]...
Nunca lhe perguntei, ao Umaru, nem nunca lhe perguntaria...Lidei, privei com os fulas, fiquei nas suas tabancas, mas também respeitei a sua privacidade, a sua cultura, o seu modo de ser e de estar... Com os balantas, infelizmente, não consegui criar qualquer empatia... A barreira da língua e da farda, além da pertença a uma companhia fula (, a CCAÇ 12,), eram obstáculos intransponíveis...
Havia tensão entre os fulas e os balantas de Badora... Julgo que desgraçadamente "ajustaram contas" entre eles depois da nossa saída... Os malditos demónios étnicos ficaram na "caixinha de Pandora" que entregámos ao PAIGC... (E os guerrilheiros tinham uma caixinha destas, com outros ingredientes)...
Eu, que sempre lidei com fulas, e fiz amigos entre eles, também tive que gerir sentimentos contraditórios, em relação a este povo e aos seus filhos... Sempre fiz uma distinção entre os seus "chefes" tradicionais, de um modo geral aliados das NT, e os seus pobres "súbditos", a grande maioria dos quais eram também meus/nossos soldados.
Desgraçadamente o aliado dos 'tugas', o nosso Tenente Mamadu, foi fuzilado em Bambadinca depois da independência, já em 1975: o seu "crime" terá sido apenas o de ter apostado no "cavalo errado" do jogo de xadrez geopolítico que se travava na Guiné... Não sei em que circunstâncias foi julgado, condenado e executado. Talvez o Cherno Sanhá nos possa (e queira) esclarecer melhor este último e trágico episódio da vida do seu pai e nosso camarada de armas.
Quanto às autoridades militares de Bambadinca do meu tempo, faziam dele quase um mito... Veja-se por exemplo o que se pode ler na história do BART 2917 (1970-72):
(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.
"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (...).
Enumera-se depois o seu currículo, apresentado em termos grandiloquentes e laudatórios:
(i) Régulo do Badora;
Quanto às autoridades militares de Bambadinca do meu tempo, faziam dele quase um mito... Veja-se por exemplo o que se pode ler na história do BART 2917 (1970-72):
(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.
"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (...).
Enumera-se depois o seu currículo, apresentado em termos grandiloquentes e laudatórios:
(i) Régulo do Badora;
(ii) Vogal do conselho logístico da Província; [, ao lado, por exemplo, de outro grande aliado dos portugueses, o régulo manjaco Joaquim Baticã Ferreira]
(iii) Comandante da Companhia de Milícias do Cuor;
(v) "Pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra";
(vi) "Régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações";
(vii) O seu prestígio parece ir muito "para além dos limites do regulado de Badora";
(viii) "É um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos Fulas Nativos" (...).
Fica aqui o nosso gesto de apreço pela memória de um homem que foi um importante aliado das NT, na zona leste, e que pagou com a vida essa aliança. Um abraço para o Cherno Sanhá que ao fim destes anos todos nos vem surpreender com uma foto do seu pai, seguramente rara e indiscutivelmente valiosa para todos aqueles de nós que, em Bambadinca, conheceram o "tenente Mamadu". LG
4. Nota posterior de L.G.:
Em conversa com o Cherno Baldé (que teve a gentileza de me telefonou de Bissau e aceitou o meu convite para integrar o nosso blogue), soube mais o seguinte acerca de Mamadu Bonco Sanhá: (i) a residência oficial do tenente Mamadu era em Madina Bonco; (ii) muitos dos papéis dele perderam-se, ficaram nas mãos das mulheres, mas a foto deve ser de 1970 ou por aí; (iii) o Cherno deve ter uns 20 irmãos; (iv) o tenente Mamadu nunca teve "50 mulheres", embora tivesse bastantes como régulo que era, mas algumas delas eram dos irmãos que faleceram antes dele; (v) o Umarau Baldé não era filho do Mamadu Bonco Sanhá: (vi) o Cherno Sanhá, que tem 56 anos, fez a 4ª classe em Bambadinca, foi aluno da profª Dona Violeta, residia em Bambadinca nessa altura, mas tinha nascido em Madina Bonco; (vii) fez o liceu em Bissau; (viii) formou-se em Cuba, em 1983, em engenharia de telecomunicações; (x) trabalhou na rádio nacional durante uns 3 anos; (xi) andou por Espanha na sequência da guerra civil em 1998/99; (xii) vive hoje em Bissau, e trabalha numa empresa de telecomunicações: (xii) conhece alguns dos nossos grã-tabanqueiros de Bissau: o Pepito, o Patrício Ribeiro, o Cherno Baldé... Aguardo que ele me mande uma foto sua, atual. Aprecio a coragem dele por dar a cara e vir aqui recuperar a memória e a honra do seu pai.
_____________
Fica aqui o nosso gesto de apreço pela memória de um homem que foi um importante aliado das NT, na zona leste, e que pagou com a vida essa aliança. Um abraço para o Cherno Sanhá que ao fim destes anos todos nos vem surpreender com uma foto do seu pai, seguramente rara e indiscutivelmente valiosa para todos aqueles de nós que, em Bambadinca, conheceram o "tenente Mamadu". LG
4. Nota posterior de L.G.:
Em conversa com o Cherno Baldé (que teve a gentileza de me telefonou de Bissau e aceitou o meu convite para integrar o nosso blogue), soube mais o seguinte acerca de Mamadu Bonco Sanhá: (i) a residência oficial do tenente Mamadu era em Madina Bonco; (ii) muitos dos papéis dele perderam-se, ficaram nas mãos das mulheres, mas a foto deve ser de 1970 ou por aí; (iii) o Cherno deve ter uns 20 irmãos; (iv) o tenente Mamadu nunca teve "50 mulheres", embora tivesse bastantes como régulo que era, mas algumas delas eram dos irmãos que faleceram antes dele; (v) o Umarau Baldé não era filho do Mamadu Bonco Sanhá: (vi) o Cherno Sanhá, que tem 56 anos, fez a 4ª classe em Bambadinca, foi aluno da profª Dona Violeta, residia em Bambadinca nessa altura, mas tinha nascido em Madina Bonco; (vii) fez o liceu em Bissau; (viii) formou-se em Cuba, em 1983, em engenharia de telecomunicações; (x) trabalhou na rádio nacional durante uns 3 anos; (xi) andou por Espanha na sequência da guerra civil em 1998/99; (xii) vive hoje em Bissau, e trabalha numa empresa de telecomunicações: (xii) conhece alguns dos nossos grã-tabanqueiros de Bissau: o Pepito, o Patrício Ribeiro, o Cherno Baldé... Aguardo que ele me mande uma foto sua, atual. Aprecio a coragem dele por dar a cara e vir aqui recuperar a memória e a honra do seu pai.
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Nota do editor:
Último poste da série > 18 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10399: As Nossas Tropas - Quem foi quem (10): Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira, o "metro e oito", comandante do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71) e BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71) (Paulo Santiago / Carlos Silva / Manuel Amaro)
Último poste da série > 18 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10399: As Nossas Tropas - Quem foi quem (10): Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira, o "metro e oito", comandante do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71) e BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71) (Paulo Santiago / Carlos Silva / Manuel Amaro)
Guiné 63/74 - P10511: Contraponto (Alberto Branquinho) (46): Banho... de cobra
1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá,
1967/69), com data de 8 de Outubro de 2012:
Caro Carlos Vinhal
Depois das anunciadas "dentadas" no nosso orçamento destinadas ao outro Orçamento, junto um história onde se fala de uma dentada, que ninguém provou ter, de facto, existido.
Esta história será incluída no livro "CAMBANÇA II".
Com um abraço do
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (46)
BANHO… DE COBRA
Ao fim da tarde, o furriel Melo, responsável pelas Transmissões, passou à frente da construção feita, essencialmente, com madeira de caixotes que era designada por “messe de sargentos”. Ao vê-lo passar, com o seu ar levemente efeminado, somente com a toalha presa à cintura e a caixa de plástico com o sabonete dentro, o furriel Adão, sentado num dos pipos cortados a meio, que serviam de cadeira e com uma “basuca” já meia bebida, encarou-o e atirou-lhe:
- Ó caramelo! Vê lá se não gastas a água toda!
O Melo seguiu e não deu resposta. Ia para o duche – um conjunto de dois bidões, assentes em cima de tábuas, a mais ou menos a dois metros do chão, dos quais pendiam cordas – uma para abrir a água, pintada de verde (já debotado) e outra de vermelho, também debotado, para fechar. Por baixo dos bidões havia um cubículo feito de quatro tábuas, sem porta, para dar uma certa intimidade aos banhos.
Àquela hora, em sol poente, havia uma certa obscuridade no interior do cubículo. O pessoal tomava duche com os chinelos calçados para não pisar, descalço, o interior enlameado, devido à dificuldade de escoamento da água.
O Melo aproximou-se da entrada, abriu a pequena caixa plástica que continha o sabonete, encaixou a tampa na parte inferior e segurou-a com a mão esquerda. Retirou a toalha da cintura e, já nu, pendurou-a no prego grande que havia na tábua do lado direito. Mal deu o primeiro passo para o interior e poisou o pé, deu um grande grito de medo e horror e fugiu. Parou a uns metros a olhar, de olhos esbugalhados, a cobra que fugia do espaço dos banhos. Ao dar-se conta de que estava nu num espaço aberto, tapou, com ambas mãos, o pénis e os testículos.
Acorreram alguns soldados, assim como os furriéis que estavam na “messe” próxima. Ainda puderam ver uma cobra grande, com a espessura de um pulso, amarela-esverdeada, que fugia. Foi refugiar-se nos arbustos próximos, espessos, bem regados com as águas de escoamento dos banhos.
O furriel Melo, passados os instantes de espanto, correu para o seu abrigo junto ao Centro de Transmissões, sempre com as mãos protegendo o sexo.
Os soldados correram procurando paus para, cuidadosamente, esquadrinharem os arbustos, tentando localizá-la.
- Mas a cobra era grande?
- Era grande com’ó caraças! Nunca mais acabava de sair de lá de dentro.
- E que é que foi aquele grito?
- Acho que a gaja deu uma dentada na picha ao furriel cripto.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9983: Contraponto (Alberto Branquinho) (45): Fogo de rajada com... morteiro
Caro Carlos Vinhal
Depois das anunciadas "dentadas" no nosso orçamento destinadas ao outro Orçamento, junto um história onde se fala de uma dentada, que ninguém provou ter, de facto, existido.
Esta história será incluída no livro "CAMBANÇA II".
Com um abraço do
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (46)
BANHO… DE COBRA
Ao fim da tarde, o furriel Melo, responsável pelas Transmissões, passou à frente da construção feita, essencialmente, com madeira de caixotes que era designada por “messe de sargentos”. Ao vê-lo passar, com o seu ar levemente efeminado, somente com a toalha presa à cintura e a caixa de plástico com o sabonete dentro, o furriel Adão, sentado num dos pipos cortados a meio, que serviam de cadeira e com uma “basuca” já meia bebida, encarou-o e atirou-lhe:
- Ó caramelo! Vê lá se não gastas a água toda!
O Melo seguiu e não deu resposta. Ia para o duche – um conjunto de dois bidões, assentes em cima de tábuas, a mais ou menos a dois metros do chão, dos quais pendiam cordas – uma para abrir a água, pintada de verde (já debotado) e outra de vermelho, também debotado, para fechar. Por baixo dos bidões havia um cubículo feito de quatro tábuas, sem porta, para dar uma certa intimidade aos banhos.
Àquela hora, em sol poente, havia uma certa obscuridade no interior do cubículo. O pessoal tomava duche com os chinelos calçados para não pisar, descalço, o interior enlameado, devido à dificuldade de escoamento da água.
O Melo aproximou-se da entrada, abriu a pequena caixa plástica que continha o sabonete, encaixou a tampa na parte inferior e segurou-a com a mão esquerda. Retirou a toalha da cintura e, já nu, pendurou-a no prego grande que havia na tábua do lado direito. Mal deu o primeiro passo para o interior e poisou o pé, deu um grande grito de medo e horror e fugiu. Parou a uns metros a olhar, de olhos esbugalhados, a cobra que fugia do espaço dos banhos. Ao dar-se conta de que estava nu num espaço aberto, tapou, com ambas mãos, o pénis e os testículos.
Acorreram alguns soldados, assim como os furriéis que estavam na “messe” próxima. Ainda puderam ver uma cobra grande, com a espessura de um pulso, amarela-esverdeada, que fugia. Foi refugiar-se nos arbustos próximos, espessos, bem regados com as águas de escoamento dos banhos.
O furriel Melo, passados os instantes de espanto, correu para o seu abrigo junto ao Centro de Transmissões, sempre com as mãos protegendo o sexo.
Os soldados correram procurando paus para, cuidadosamente, esquadrinharem os arbustos, tentando localizá-la.
- Mas a cobra era grande?
- Era grande com’ó caraças! Nunca mais acabava de sair de lá de dentro.
- E que é que foi aquele grito?
- Acho que a gaja deu uma dentada na picha ao furriel cripto.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9983: Contraponto (Alberto Branquinho) (45): Fogo de rajada com... morteiro
Guiné 63/74 - P10510: Em busca de... (206): Camaradas que tenham conhecido o meu pai, Francisco Parreira (1948-2012), ex-1º cabo mec elect auto, Grupo de Artilharia nº 7, Bissau, 1970/72 (Filomena Maria de Sousa Parreira)
Guiné > Bissau > 25 de >Março de 1972 > Cerimónia de despedida da CART 2716 (Xitole, 1970/72), unidade de quadrícula do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), na presença do Com-Chefe General Spínola.
Foto: © Jorge Silva (2010). Todos os direitos reservados (Com a devida vénia...)
(...) Conforme combinado junto envio as fotos do meu pai, que esteve em Guiné em 1970/72.
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10445: Em busca de... (205): Manuel Moreira de Castro encontrou o camarada Santos, do BENG 447, ao fim de 44 anos
Foto: © Jorge Silva (2010). Todos os direitos reservados (Com a devida vénia...)
1. Em 5 de Julho passado, a nossa leitora Filomena Parreira fez seguinte comentário ao poste P7857:(...) Caros amigos, sou filha do 3º elemento da fotografia, não fazem referência ao nome mas tenho a certeza que é meu pai... Francisco Parreira, diz-vos alguma coisa?
Meu pai faleceu há pouco e por coincidência procurei na Net pelo nome dele...pois só me lembro dele e apareceu esta foto. Ele esteve em Guiné e nesta altura.... podem por favor enviar mais informação ?!
obg e bem-hajam, Filomena Parreira (...)
2. O nosso grã-tabanqueiro David Guimarães foi o primeiro a confirmar a não existência de nenhum militar com o nome de Francisco Parreira, em comentário ao mesmo poste:
(...) Amigo Luís e todos aqueles que nos vamos preocupando uns com os outros... Amigos: Eu, David Guimarães Furriel Miliciano, esclareço o seguinte: essa Companhia que em cima (na foto) desfila é a CART 2716 onde em memória não me lembro que tivesse algum elemento com o apelido Parreira.
Como a memória não dá para relembrar toda a companhia em nomes, então fui ao livro do Batalhão ver se haveria alguém de que eu me tivesse esquecido e que se chamasse Francisco Parreira. Lamento dizer que se deve tratar de um equívoco (...). Pedia à nossa amiga para efectivamente ver se não se tratará aí de algum sósia de seu pai - o que pode acontecer...
Um abraço e muito lamento pelo falecimento do Pai da nossa amiga e do pouco que possa ter sido útil... mas uma certeza tenho... Há equívoco... Abraço, David Guimrães (...)
3. No dia seguinte houve uma troca de correspondente entre o David e a Filomena:
(i) Filomena Parreira:
(...) Caros camaradas, obrigada pela atenção. Pode até ser equivoco, mas eu vou jurar que é o meu pai... Então tentarei enviar-vos uma foto dele e informação mais detalhada sobre a prestação dele na guerra, em África, pois ele esteve na Guiné e por esses anos...70/72abraço e obrigado pela força. (...).
(ii) David Guimarães:
Minha amiga, pois estarei atento à fotografia que enviar, no entanto procure saber se seu falecido pai era da CART 2716 e esteve no Xitole. Sabe que nessa data estávamos na Guiné cerca de 35 mil homens espalhados por tudo quanto é canto da Guiné, ora em Batalhões. em Companhias, em Pelotões e Companhias independentes, mais a Aviação e a Marinha... Qualquer um de nós poderia estar em algum lado...
Querendo, facultarei a página onde constam todos os nomes dos militares que vê aí nesse desfile e onde verificará não constar o nome de Francisco Parreira - falecido e que muito lamento (...).
4. Mais tarde, e procurando a ajudar a nossa amiga (, dentro daquele princípio da nossa Tabanca Grande segundo o qual "filho/a de um camarada nosso, nosso/a filho/a é"), sugeri à Filomena que fosse consultar a caderneta militar do seu pai... A 26 de julho ela trouxe, até nós, os seguintes elementos e identificação
De: [Filomena] Maria de Sousa [Parreira]
Data: 26 de Julho de 2012 12:15
Assunto: Meu pai, o Parreira
Bom dia caro Luis, já tenho novidades quando à identificação do meu pai, encontrei a caderneta e do que dela consta vejamos:
(i) Nome completo: Francisco Manuel de Almeida Parreira;
(ii) Nº matricula: 190543769;
(iii) Função : 1º cabo, curso Mec Elect auto;
(iv) Pertenceu ao Grupo de Artilharia nº 7 [ O Grupo de Artilharia de Campanha Nº 7 - Grupo de Artilharia Nº 7 ( GAC 7 - GA 7) teve Início em 1Jul70, e foi extinto em 14 de Outubro 1974 ]
(v) Esteve em (ou passou por) as seguintes unidades; RAP 3 em 1969; EPSM em 1970; RI 2 em 1970; GAC 7 e CICA em 1970; RAL 1 em 1972...
Meu pai faleceu há pouco e por coincidência procurei na Net pelo nome dele...pois só me lembro dele e apareceu esta foto. Ele esteve em Guiné e nesta altura.... podem por favor enviar mais informação ?!
obg e bem-hajam, Filomena Parreira (...)
2. O nosso grã-tabanqueiro David Guimarães foi o primeiro a confirmar a não existência de nenhum militar com o nome de Francisco Parreira, em comentário ao mesmo poste:
(...) Amigo Luís e todos aqueles que nos vamos preocupando uns com os outros... Amigos: Eu, David Guimarães Furriel Miliciano, esclareço o seguinte: essa Companhia que em cima (na foto) desfila é a CART 2716 onde em memória não me lembro que tivesse algum elemento com o apelido Parreira.
Como a memória não dá para relembrar toda a companhia em nomes, então fui ao livro do Batalhão ver se haveria alguém de que eu me tivesse esquecido e que se chamasse Francisco Parreira. Lamento dizer que se deve tratar de um equívoco (...). Pedia à nossa amiga para efectivamente ver se não se tratará aí de algum sósia de seu pai - o que pode acontecer...
Um abraço e muito lamento pelo falecimento do Pai da nossa amiga e do pouco que possa ter sido útil... mas uma certeza tenho... Há equívoco... Abraço, David Guimrães (...)
3. No dia seguinte houve uma troca de correspondente entre o David e a Filomena:
(i) Filomena Parreira:
(...) Caros camaradas, obrigada pela atenção. Pode até ser equivoco, mas eu vou jurar que é o meu pai... Então tentarei enviar-vos uma foto dele e informação mais detalhada sobre a prestação dele na guerra, em África, pois ele esteve na Guiné e por esses anos...70/72abraço e obrigado pela força. (...).
(ii) David Guimarães:
Minha amiga, pois estarei atento à fotografia que enviar, no entanto procure saber se seu falecido pai era da CART 2716 e esteve no Xitole. Sabe que nessa data estávamos na Guiné cerca de 35 mil homens espalhados por tudo quanto é canto da Guiné, ora em Batalhões. em Companhias, em Pelotões e Companhias independentes, mais a Aviação e a Marinha... Qualquer um de nós poderia estar em algum lado...
Querendo, facultarei a página onde constam todos os nomes dos militares que vê aí nesse desfile e onde verificará não constar o nome de Francisco Parreira - falecido e que muito lamento (...).
4. Mais tarde, e procurando a ajudar a nossa amiga (, dentro daquele princípio da nossa Tabanca Grande segundo o qual "filho/a de um camarada nosso, nosso/a filho/a é"), sugeri à Filomena que fosse consultar a caderneta militar do seu pai... A 26 de julho ela trouxe, até nós, os seguintes elementos e identificação
De: [Filomena] Maria de Sousa [Parreira]
Data: 26 de Julho de 2012 12:15
Assunto: Meu pai, o Parreira
Bom dia caro Luis, já tenho novidades quando à identificação do meu pai, encontrei a caderneta e do que dela consta vejamos:
(i) Nome completo: Francisco Manuel de Almeida Parreira;
(ii) Nº matricula: 190543769;
(iii) Função : 1º cabo, curso Mec Elect auto;
(iv) Pertenceu ao Grupo de Artilharia nº 7 [ O Grupo de Artilharia de Campanha Nº 7 - Grupo de Artilharia Nº 7 ( GAC 7 - GA 7) teve Início em 1Jul70, e foi extinto em 14 de Outubro 1974 ]
(v) Esteve em (ou passou por) as seguintes unidades; RAP 3 em 1969; EPSM em 1970; RI 2 em 1970; GAC 7 e CICA em 1970; RAL 1 em 1972...
(ii) Embarcou em Lisboa em 18 de setembro 70 com destino ao CTIG;
(ii) Desembarcou em Bissau, em 24 de setembro de 1970;
(iii) Regressou a 8 novembro de 1972:
(iv) Considerado serviço na GUINÉ - 100% desde 24-09-1970 até 6/11/72 ou seja 2 anos e 44 dias.
Posto isto, espero que me ajudem de alguma forma a compreender a vida do meu pai na guerra, por onde ele andou e o que fez…
Pois ele era um homem bastante sociável, mas com uma forma de estar, um temperamento um pouco reservado, calado, resistente e muito teimoso, inclusive até revoltado, vivia no mundo só dele; quanto ao estado de saúde, não aceitava outras opiniões..e bastava ter tido um pouco mais de cuidado que não se ia assim tão de repente.
Eu creio que deve-se também ao facto dos traumas que teve lá fora... Não se relacionava de forma equilibrada o suficiente para aceitar que os outros também tinham razão ...e se preocupavam consigo, principalmente a família. Havia sempre um sentido de forte, homem resistente.
Melhor que ninguém os camaradas podem me falar um pouco desses tempos, uma vez que do meu pai pouco sei... Ele não falava muito desse tempo, nada mesmo, aliás não gostava nada de falar da guerra. Algo me diz que muito há a dizer sobre o que vocês lá viveram e, de alguma forma, consequências e os porquês. Eu leio a história e sei do que se trata, mas quando nos toca aos nossos queremos outras respostas…
Sabe, a família também viveu os fragmentos da guerra.... Do que eu vi, ele tinha estilhaços nos braços pois esteve no meio de uma bomba...
Quanto as fotografias, não me esqueci, estou a tratar de digitalizar, em breve envio, porque muito me custa mexer nas coisas dele…
obrigado pelo vosso apoio e ajuda, bjs, Filomena Maria de Sousa Parreira
5. Mais recentemente, a 8 do corrente, a Filomena mandou-nos uma foto do pai [, vd. acima],
(ii) Desembarcou em Bissau, em 24 de setembro de 1970;
(iii) Regressou a 8 novembro de 1972:
(iv) Considerado serviço na GUINÉ - 100% desde 24-09-1970 até 6/11/72 ou seja 2 anos e 44 dias.
Posto isto, espero que me ajudem de alguma forma a compreender a vida do meu pai na guerra, por onde ele andou e o que fez…
Pois ele era um homem bastante sociável, mas com uma forma de estar, um temperamento um pouco reservado, calado, resistente e muito teimoso, inclusive até revoltado, vivia no mundo só dele; quanto ao estado de saúde, não aceitava outras opiniões..e bastava ter tido um pouco mais de cuidado que não se ia assim tão de repente.
Eu creio que deve-se também ao facto dos traumas que teve lá fora... Não se relacionava de forma equilibrada o suficiente para aceitar que os outros também tinham razão ...e se preocupavam consigo, principalmente a família. Havia sempre um sentido de forte, homem resistente.
Melhor que ninguém os camaradas podem me falar um pouco desses tempos, uma vez que do meu pai pouco sei... Ele não falava muito desse tempo, nada mesmo, aliás não gostava nada de falar da guerra. Algo me diz que muito há a dizer sobre o que vocês lá viveram e, de alguma forma, consequências e os porquês. Eu leio a história e sei do que se trata, mas quando nos toca aos nossos queremos outras respostas…
Sabe, a família também viveu os fragmentos da guerra.... Do que eu vi, ele tinha estilhaços nos braços pois esteve no meio de uma bomba...
Quanto as fotografias, não me esqueci, estou a tratar de digitalizar, em breve envio, porque muito me custa mexer nas coisas dele…
obrigado pelo vosso apoio e ajuda, bjs, Filomena Maria de Sousa Parreira
5. Mais recentemente, a 8 do corrente, a Filomena mandou-nos uma foto do pai [, vd. acima],
(...) Conforme combinado junto envio as fotos do meu pai, que esteve em Guiné em 1970/72.
Ele nasceu em 10/08/48 e faleceu a 27/09/12 [?], tinha 63 anos...
Peço desculpa por só entregar agora, mas isto não tem estao bom, eu tenho estado um pouco em baixo...O verão foi difícil. Faz-me muita falta o meu pai. Obrigado pela força e apoio e desejo que alguns colegas amigos se lembrem dele e me digam histórias e passagens sobre a vida na guerra. (...)
PS - Eis umas palavras que li e gostei e fazem-me refletir...é tudo o que sinto... "E chegará o dia em que o pai se cala de vez e aí passamos a compreender tudo aquilo que ele nos disse, tudo aquilo que ele nos quis ensinar. A lágrima rola com o avançar do tempo mas os dias não voltam para trás, nem nós voltámos para trás... talvez a memória, talvez a dor, de certeza a saudade." (desconhecido)
6. Comentário de L. G.:
Peço desculpa por só entregar agora, mas isto não tem estao bom, eu tenho estado um pouco em baixo...O verão foi difícil. Faz-me muita falta o meu pai. Obrigado pela força e apoio e desejo que alguns colegas amigos se lembrem dele e me digam histórias e passagens sobre a vida na guerra. (...)
PS - Eis umas palavras que li e gostei e fazem-me refletir...é tudo o que sinto... "E chegará o dia em que o pai se cala de vez e aí passamos a compreender tudo aquilo que ele nos disse, tudo aquilo que ele nos quis ensinar. A lágrima rola com o avançar do tempo mas os dias não voltam para trás, nem nós voltámos para trás... talvez a memória, talvez a dor, de certeza a saudade." (desconhecido)
6. Comentário de L. G.:
Obrigado, Filomena, faz-lhe bem falar do seu pai, num blogue de camaradas de armas. Você está a fazer o luto. Também perdi o meu, em abril deste ano, já com quase 92. Também estou a fazer o luto. Um pai é sempre uma perda irreparável. Resta-nos a saudade, a partilha, a memória. Vamos ver se aparece alguém do tempo do seu pai, algum camarada da matrópole ou do GAC 7 (Bissau, 1970/72). Um bj. Luis Graça
PS - Presumo que a data da morte do seu pai esteja errada... Se ele morreu com 63 anos, deve ter sido antes de 10 de agosto de 2012. Não será antes junho ou maio de 2012 ? O seu primeiro comentário é de 5 de julho de 2012. Mas isso, não é relevante. Por outro, diz-me que me mandou "fotos" (no plural)... Em anexo, só vinha esta, que agora publicamos acima. Deve ter fotos do tempo da Guiné. São mais fáceis de reconhecer por parte dos camaradas do seu pai.
______________________PS - Presumo que a data da morte do seu pai esteja errada... Se ele morreu com 63 anos, deve ter sido antes de 10 de agosto de 2012. Não será antes junho ou maio de 2012 ? O seu primeiro comentário é de 5 de julho de 2012. Mas isso, não é relevante. Por outro, diz-me que me mandou "fotos" (no plural)... Em anexo, só vinha esta, que agora publicamos acima. Deve ter fotos do tempo da Guiné. São mais fáceis de reconhecer por parte dos camaradas do seu pai.
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10445: Em busca de... (205): Manuel Moreira de Castro encontrou o camarada Santos, do BENG 447, ao fim de 44 anos
Guiné 63/74 - P10509: Parabéns a você (480): Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884 (Guiné, 1969/71)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10503: Parabéns a você (479): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto da CCS/BCAV 2868 (Guiné, 1964/66)
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10503: Parabéns a você (479): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto da CCS/BCAV 2868 (Guiné, 1964/66)
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10508: (Ex)citações (198): O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar (Manuel Lomba)
1. Comentário do nosso camarada Manuel Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), deixado no dia 6 de Outubro de 2012 no seu Poste de apresentação*:
Até Dezembro de 1964, as situações de guerra em Cufar foram contas do rosário operacional da BCaç 619, de Catió, da CCaç 6, de Bedanda e das tropas especiais, enviadas de Bissau. Os Comandos Os Fantasmas não tiveram sucesso na sua surtida em finais de Novembro, precedente à intervenção da CCav 703, e os Fuzileiros, que interagiam frequentemente com o BCav 705, os Cavaleiros Marinhos, diziam-nos que era um fuzileiro desertor e atirador especial, de alcunha G3 quem lhes embargava a penetração na mata de Cufar Nalu.
A primeira surtida da CCav 703 à mata de Cufar Nalu ocorreu em 19 e 20 de Dezembro de 1964, em interação com aquela unidade e sub-unidade de quadrícula e fomos três vezes repelidos, não obstante a simultaneidade da acção dos Paraquedistas e os bombardeamentos da aviação mais a Sul, na área de Cafine, etc, a condicionar Nino Vieira ao envio de reforços, acoitados em Quitafine. O capitão Fernando Lacerda estava de licença e não comandou essa operação. Será o comandante da ocupação das ruínas da fábrica de descasque de arroz, a quinta de Cufar e a nomadização da CCav 703, entre Janeiro e Março de 1965 - Operação Campo.
No contexto do longo e exaustivo período dessa nomadização, além da nossas acções de batidas, emboscadas, etc, o Comando-chefe (General Schulz) desencadeou as operações Alicate I, II, III e Ursa, em conjunto com as mesmas tropas de quadrícula e/ou especiais, sem surtidas ao coração da mata de Cufar Nalu. O assalto e o desmantelamento de Cufar Nalu foram executados pela Operação Razia em Maio de 1965, tendo a CCaç 763 como força nuclear, com a participação do BCaç 619 e da CCav 703, vinda de Bissau, enquanto os Paraquedistas manobravam sobre o Cantanhês e os Fuzileiros a partir das margens do Cumbijã.
Cufar Nalu constituía um refúgio- base paigcista, dotado de armamento terra-terra e terra-ar, protegido pelo ânimo dos seus combatentes, pelo grande porte do arvoredo e com abrigos cavados, que me calhou contactar, em Dezembro de 1964; a CCav 703 e, depois, a CCaç 763 nomadizaram, entrincheiradas, com armamento terra-terra e terra-ar, durante 10 meses, na quinta de Cufar. Ao fim e ao cabo de quase 18 meses a dar batalha recíproca, o ferro e fogo nosso e os cães de guerra da CCaç 763 forçaram as já então FARP a retirar da mata de Cufar Nalu.
Houve mortos e feridos, longe da dimensão das carnificinas das batalhas das guerras clássicas, que faziam a glória dos seus altos comandos. O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar; mas a semelhança não será coincidência, salvo erro ou omissão.
Cerca de um milhão de portugueses cumpriram o seu dever, em “tributo de sangue”, nela e por ela. Dos incorporados e ou mobilizados, apenas cerca de 2 mil tomaram a opção de desertar. Dos recenseados, os refractários serão mais de 100 mil; mas só em Paris haveria cerca de 80 mil - a maioria familiares das vagas da emigração clandestina. Eloquência dos números, quando cotejados com as estatísticas de outras guerras. Os veteranos não poderão deixar as narrativas da história da guerra do Ultramar aos seus construtores, presente e ou tendenciosos.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)
Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares)
Até Dezembro de 1964, as situações de guerra em Cufar foram contas do rosário operacional da BCaç 619, de Catió, da CCaç 6, de Bedanda e das tropas especiais, enviadas de Bissau. Os Comandos Os Fantasmas não tiveram sucesso na sua surtida em finais de Novembro, precedente à intervenção da CCav 703, e os Fuzileiros, que interagiam frequentemente com o BCav 705, os Cavaleiros Marinhos, diziam-nos que era um fuzileiro desertor e atirador especial, de alcunha G3 quem lhes embargava a penetração na mata de Cufar Nalu.
A primeira surtida da CCav 703 à mata de Cufar Nalu ocorreu em 19 e 20 de Dezembro de 1964, em interação com aquela unidade e sub-unidade de quadrícula e fomos três vezes repelidos, não obstante a simultaneidade da acção dos Paraquedistas e os bombardeamentos da aviação mais a Sul, na área de Cafine, etc, a condicionar Nino Vieira ao envio de reforços, acoitados em Quitafine. O capitão Fernando Lacerda estava de licença e não comandou essa operação. Será o comandante da ocupação das ruínas da fábrica de descasque de arroz, a quinta de Cufar e a nomadização da CCav 703, entre Janeiro e Março de 1965 - Operação Campo.
No contexto do longo e exaustivo período dessa nomadização, além da nossas acções de batidas, emboscadas, etc, o Comando-chefe (General Schulz) desencadeou as operações Alicate I, II, III e Ursa, em conjunto com as mesmas tropas de quadrícula e/ou especiais, sem surtidas ao coração da mata de Cufar Nalu. O assalto e o desmantelamento de Cufar Nalu foram executados pela Operação Razia em Maio de 1965, tendo a CCaç 763 como força nuclear, com a participação do BCaç 619 e da CCav 703, vinda de Bissau, enquanto os Paraquedistas manobravam sobre o Cantanhês e os Fuzileiros a partir das margens do Cumbijã.
Cufar Nalu constituía um refúgio- base paigcista, dotado de armamento terra-terra e terra-ar, protegido pelo ânimo dos seus combatentes, pelo grande porte do arvoredo e com abrigos cavados, que me calhou contactar, em Dezembro de 1964; a CCav 703 e, depois, a CCaç 763 nomadizaram, entrincheiradas, com armamento terra-terra e terra-ar, durante 10 meses, na quinta de Cufar. Ao fim e ao cabo de quase 18 meses a dar batalha recíproca, o ferro e fogo nosso e os cães de guerra da CCaç 763 forçaram as já então FARP a retirar da mata de Cufar Nalu.
Houve mortos e feridos, longe da dimensão das carnificinas das batalhas das guerras clássicas, que faziam a glória dos seus altos comandos. O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar; mas a semelhança não será coincidência, salvo erro ou omissão.
Cerca de um milhão de portugueses cumpriram o seu dever, em “tributo de sangue”, nela e por ela. Dos incorporados e ou mobilizados, apenas cerca de 2 mil tomaram a opção de desertar. Dos recenseados, os refractários serão mais de 100 mil; mas só em Paris haveria cerca de 80 mil - a maioria familiares das vagas da emigração clandestina. Eloquência dos números, quando cotejados com as estatísticas de outras guerras. Os veteranos não poderão deixar as narrativas da história da guerra do Ultramar aos seus construtores, presente e ou tendenciosos.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)
Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares)
Guiné 63/74 - P10507: Antropologia (21): "Molleh" ou corrida de sal, como meio de prevenção da saúde reprodutiva do gado bovino (Cherno Baldé)
1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, com data de 3 de Outubro de 2012 com mais um dos seus textos que nos dão a conhecer os usos e costumes dos povos do seu continente, África:
Caros amigos Carlos e Luis Graça,
Junto envio mais um texto,e desta vez, para variar, sobre uma pratica cultural muito antiga dos Fulas que, provavelmente, muito poucos "Tugas" terão tido oportunidade de conhecer ou apreciar in loco.
Esta festa ainda continua a ser celebrada no meio pastoril, mas um pouco ofuscada pela grandiloquência das celebrações religiosas que dominam o meio social e cultural dos muçulmanos.
Como sempre, publiquem se apresentar interesse, caso contrario, também, não haverá lugar para ressentimentos.
Um grande abraço,
Cherno Baldé
MOLLЁH
Todos os anos, no Sahel africano (Agadés) costuma-se realizar o encontro de criadores de gado para celebrar uma prática ancestral que, em Francês, se convencionou chamar de “course salée”, corrida de sal (em português), que reúne todos os povos da região desde Tuaregs, Djermas, Fulbhé Bororos, Aussas e muitos outros.
Os Fulbhé (Peul, Fulani ou Fulas) sobre os quais vamos falar aqui, formam um grupo extenso e heteróclito com mais de vinte milhões de almas, espalhadas entre os diferentes países da região ocidental, central e oriental d’Africa, mas quando se pergunta a um velho Fulani quantos são, na realidade, a resposta pode surpreender pela sua simplicidade e originalidade filosófica, pois ele dirá que há somente dois Fulbhé: um, que herdou e celebra a festa de molléh e o outro, o que não conhece o significado de molléh e, por conseguinte, não sabe como se bebe o cabaz do leite fresco, ainda quente, acabado de ordenhar. Ao primeiro, ele dá o nome de Pullö (singular de Fulbhé), o ser, o que é, e o segundo seria o Al-Pullar (o que fala a língua fulani).
O Molléh encerra um conceito de difícil tradução em outras línguas enquanto actividade original e única da cultura tradicional dos povos pastores. Eu, pelo menos, não tenho conhecimento que tenha sido feita a sua descrição por investigadores ou africanistas que pululavam pelo continente, mas encontra-se no centro da cultura dos povos de Sahel como um dos mais antigos e eficazes meios de prevenção da saúde reprodutiva do gado bovino e logo, da sua própria sobrevivência como comunidades económicas. No essencial, molléh ou corrida de sal, podia definir-se como o processo através do qual os criadores reforçam o organismo dos animais com suplementos essenciais, tirados da natureza em forma de folhas, cascas e raízes de plantas, misturadas com sal iodado. No fundo é isso, mas ao longo dos séculos, essa prática vital, estendeu-se para outros domínios da vida dos povos nómadas, adquirindo uma dimensão socioeconómica e cultural de primeira grandeza. Antigamente, quando eram obrigados a deslocar-se permanentemente e em grupos restritos, os breves momentos de realização dos molléh eram propícios para a reunião das famílias dispersas em grandes extensões territoriais para a renovação de laços e alianças tribais e a definição de novas zonas de pasto. Assim, pela sua importância, a indicação da data e do local da sua realização era rodeada de uma auréola mística tão grande quanto à marcação da data de fanado entre os povos do litoral, de culto animista, cuja realização, não raras vezes, demora por períodos de dez e mais anos (caso dos Felupes). É daí que nasce a metáfora popular entre os fulas segundo a qual, se as vozes da concessão entoam o canto do molléh é porque os mais velhos já tinham fixado a data da sua realização, dito por outras palavras, quando as crianças praticam uma acção que ultrapassa as suas competências é porque contam com o beneplácito dos mais velhos.
Os preparativos da realização do molléh, começam na véspera do dia marcado, com a operação da colecta das folhas, raízes e partes epidérmicas de plantas, conhecidas só dos mais velhos. Mas, os primeiros sinais da festa começam mesmo quando as mulheres, encarregadas de pilar (esmagar) os materiais orgânicos se organizam em grupos de idades e enchem o ar com o barulho ritmado dos “pilons”, entoando canções coloridas com cenas triviais de amor, ciúme e traição da malta jovem, no quotidiano da vida nas aldeias improvisadas ao longo dos trilhos da caminhada sem fim, em direcção ao sol poente.
Os mais velhos partem de manhã cedo à procura do local da celebração, atentos aos possíveis sinais premonitórios, no seu trajecto, que deverão contribuir para a decisão final. Na tabanca, por volta da meia-noite, já só ficaram os mais novos em especial as raparigas solteiras com os braços cansados e gargalhadas sonoras que se encarregarão de finalizar e entregar o produto que servirá para a preparação da beberagem milagrosa já com as tonalidades vermelhas da cor das árvores donde foram extraídas as cascas.
O molléh é uma festa total, partilhada por todos, da mesma forma que o gado é, antes de mais, uma propriedade conjunta onde todos e cada um, a semelhança de uma bolsa de acções nas sociedades modernas, detém a sua quota-parte, o activo bruto ou capital de reserva para fazer face aos imponderáveis da vida. A criança quando nasce já tem aberta uma conta poupança (cornuda?), a mulher quando se casa leva, consigo, o seu dote para alicerçar a sua futura casa e o mais velho quando deixa este mundo precisa da carne e do sangue do animal para alegrar a partida na longa caminhada até a sua ultima e eterna morada. Tudo tem sentido num mundo que se encontra em equilíbrio perfeito. Branco, azul, castanho, vermelho e preto são as cores dos animais e da bandeira Fulani, cada grupo totémico com suas cores de herança de acordo com principios predeterminados na origem. A nossa família, por exemplo, assim como a maior parte dos Fulas da zona da Guiné e da Casamança, estava ligada aos animais de cor branca e, de preferência, sem manchas ou chifres retorcidos. Os velhos regressam ao anoitecer para anunciar a boa nova com grande pompa, cabeças e corpos cobertos com folhas jovens de ramos de palmeira, gritando: Amanhã é molléééh!... Amanhã é molléééh!... Amanha haverá comida e leite em abundância, a vida dos animais será assegurada e a riqueza da comunidade multiplicada.
O local da celebração, situado na cabeça de uma bolanha é agora o epicentro das atenções, mas ainda nem tudo esta pronto, é preciso cortar os arbustos, deslocar os pequenos montículos de bagabagas, escavar sulcos na terra em forma de um cabaz grande, proteger o fundo com produtos impermeáveis para evitar a infiltração d’água, deitar a farinha de cor vermelha, composto de raízes e cascas de árvores, juntar o sal iodado na mistura aquosa assim obtida e mexer com as mãos, transformando tudo numa massa pastosa e salgadinha que os animais irão sorver com o prazer único de um acto que se realiza uma vez no periodo de mais de um ano. No centro de um espaço igual ao de um campo de futebol, com dezenas de sulcos no solo, encontra-se o cabaz da sorte e da vitória, aquele que vai ditar a escolha da vaca do ano.
Ainda os preparativos no local não terminaram e eis que a equipa de estafetas voluntários que vai conduzir os animais, está de partida, dela farão parte os melhores atletas. Saúde, inteligência, vigor e rapidez serão os atributos de base para a sua composição. Momento crucial na vida dos jovens pastores e candidatos, uma grande oportunidade para a revelação de dotes e capacidades, mas que não esta isenta de perigos. Os velhos estão atentos e não hesitam em refrear ânimos exaltados. Os membros da equipa, sem desconfiar que já são portadores da notícia através dos cheiros que transportam na roupa e no suor dos corpos aquecidos pelo calor e pela ansiedade do momento, vão retirar as amarras dos animais, dar sinal de partida e orientar a corrida, num percurso de 3 a 5 quilómetros, até ao local do molléh.
- Góóh Saraél-âmen, góh!... Góóh Daneél-bêssel, góh!... Góóh, Siraél-kumáh, góh!... [1]
De início e durante os primeiros quilómetros a corrida é pausada, os animais estão desorientados e entrechocam-se gravitando a volta dos homens-guias, cabeças erguidas, farejando no ar. O momento exige alguma agilidade e concentração e, sobretudo, é preciso posicionar-se para a recta final.
A partir dos últimos quilómetros, com a ajuda do vento e do seu portentoso faro, os animais já localizaram o local e agora é cada um por si, a corrida é desenfreada em direcção ao molléh, é o momento de todos os perigos. Do local da celebração também já gritam o “góóh!...góóh!”, agora é preciso correr… correr, trata-se de uma competição, não se pode fraquejar, os mais fortes serão glorificados, os fracos podem ser esmagados pela fúria de uma ou duas centenas de animais sedentos de sal e endiabrados pelo chamamento do molléh. A distância é cada vez menor e eis que no recinto entram as primeiras vacas. As crianças estão empoleiradas em cima das árvores e soltam gritos animados.
No grupo da frente estão as meninas, quão gazelas voando ao vento, deve ser a primeira vez que participam no molléh e, por inexperiência, passam ao largo sem saber o que fazer, são seguidas de perto pelos rapazes (machos) e por fim o resto da manada.
Mas, dentre a equipa dos voluntários os resultados são surpreendentes, antes da chegada dos animais, pelo menos dois ou três deles já se encontravam no recinto, a espera de felicitar a vaca do ano, munidos de ramos de palmeiras e, os primeiros a chegar ao local são sempre os mais velhos. A primeira vista, torna-se difícil perceber como é que homens tão frágeis, no auge da idade, embrulhados nos seus amplos vestidos brancos, agora cinzentos pela acção do tempo e do uso, conseguem realizar tamanha proeza no meio de um matagal de árvores e arbustos, desafiando a força e o brio dos mais novos. No fim, a festa é de todos, haverá comida (sem carne), farinha de milho, leite e muita alegria a mistura.
No caso dos animais, como já se viu, chegar primeiro ao molléh não é sinónimo de vitória na corrida e, quase sempre, são aqueles que chegaram em último lugar os que vão por a boca no cabaz que dá direito a vitória. Compreenda quem puder. E a vaca do ano é, invariavelmente, uma vaca mãe já experiente, com as tetas cheias que serão ordenhadas no local e cujo leite será, primeiro, absorvido pelos guias, vencedores da corrida, num cabaz especialmente preparado para o efeito, de joelhos e com os rostos virados para o sol nascente, donde os seus antepassados saíram um dia, para procurar novas pastagens e enfrentar a marcha rumo ao ocidente desconhecido. Assim, Molléh deve ser visto como uma tradição que os Fulas trouxeram da costa leste donde saíram há muitos séculos atrás e cuja prática os seus irmãos das montanhas da Etiópia, das planícies do imenso Sudão ou das colinas do Ruanda até Quénia, esqueléticos, longilíneos e incansáveis, souberam conservar e valorizar, transformando-se simplesmente nos melhores atletas d´África e do mundo.
Em Fajonquito, lembro-me de o meu pai ter convidado o seu amigo branco Tintim, um Cabo da companhia metropolitana estacionada em Fajonquito por volta de 1969/70. Ele assistira e observara de longe toda a encenação sem interferir. Em contrapartida, no fim, parecia ter gostado do jogo de hóquei no capim, com golpes de pau em frutos secos e redondos servindo de bola de arremesso. Esta modalidade depois foi abandonada, porque quando se falhava a bola, muitas vezes, acertava-se nas pernas dos adversários.
Nota: 1- Corre pequeno Saráh, corre!...Corre branquinha linda, corre!...Corre Siráh, filha de Kumba, corre!... (pelos vistos trata-se de uma formula onomatopeica para incitação e encorajamento dos animais durante a corrida da celebração do molléh.
Era frequente e normal, na altura, atribuir aos animais nomes dos seus proprietários. De notar que antes da islamização, os fulas tinham nomes próprios que identificavam os seus laços de parentesco e a posição de cada um na hierarquia e ordem sequencial do nascimento dos filhos.
Na linha masculina eram: Saráh, Samba, Demba, Patê, Dulô etc. e na linha feminina: Siráh, Takôh, Djabú, Kumba, Ainéh. Verifica-se claramente a predominância de nomes bissílabos.
Bissau, 27 de Setembro de 2012.
Cherno Abdulai Baldé
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Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10505: Antropologia (20): Funeral Fula / Funeral Islâmico (Luís Borrega / Luís Encarnação)
Caros amigos Carlos e Luis Graça,
Junto envio mais um texto,e desta vez, para variar, sobre uma pratica cultural muito antiga dos Fulas que, provavelmente, muito poucos "Tugas" terão tido oportunidade de conhecer ou apreciar in loco.
Esta festa ainda continua a ser celebrada no meio pastoril, mas um pouco ofuscada pela grandiloquência das celebrações religiosas que dominam o meio social e cultural dos muçulmanos.
Como sempre, publiquem se apresentar interesse, caso contrario, também, não haverá lugar para ressentimentos.
Um grande abraço,
Cherno Baldé
MOLLЁH
Todos os anos, no Sahel africano (Agadés) costuma-se realizar o encontro de criadores de gado para celebrar uma prática ancestral que, em Francês, se convencionou chamar de “course salée”, corrida de sal (em português), que reúne todos os povos da região desde Tuaregs, Djermas, Fulbhé Bororos, Aussas e muitos outros.
Os Fulbhé (Peul, Fulani ou Fulas) sobre os quais vamos falar aqui, formam um grupo extenso e heteróclito com mais de vinte milhões de almas, espalhadas entre os diferentes países da região ocidental, central e oriental d’Africa, mas quando se pergunta a um velho Fulani quantos são, na realidade, a resposta pode surpreender pela sua simplicidade e originalidade filosófica, pois ele dirá que há somente dois Fulbhé: um, que herdou e celebra a festa de molléh e o outro, o que não conhece o significado de molléh e, por conseguinte, não sabe como se bebe o cabaz do leite fresco, ainda quente, acabado de ordenhar. Ao primeiro, ele dá o nome de Pullö (singular de Fulbhé), o ser, o que é, e o segundo seria o Al-Pullar (o que fala a língua fulani).
O Molléh encerra um conceito de difícil tradução em outras línguas enquanto actividade original e única da cultura tradicional dos povos pastores. Eu, pelo menos, não tenho conhecimento que tenha sido feita a sua descrição por investigadores ou africanistas que pululavam pelo continente, mas encontra-se no centro da cultura dos povos de Sahel como um dos mais antigos e eficazes meios de prevenção da saúde reprodutiva do gado bovino e logo, da sua própria sobrevivência como comunidades económicas. No essencial, molléh ou corrida de sal, podia definir-se como o processo através do qual os criadores reforçam o organismo dos animais com suplementos essenciais, tirados da natureza em forma de folhas, cascas e raízes de plantas, misturadas com sal iodado. No fundo é isso, mas ao longo dos séculos, essa prática vital, estendeu-se para outros domínios da vida dos povos nómadas, adquirindo uma dimensão socioeconómica e cultural de primeira grandeza. Antigamente, quando eram obrigados a deslocar-se permanentemente e em grupos restritos, os breves momentos de realização dos molléh eram propícios para a reunião das famílias dispersas em grandes extensões territoriais para a renovação de laços e alianças tribais e a definição de novas zonas de pasto. Assim, pela sua importância, a indicação da data e do local da sua realização era rodeada de uma auréola mística tão grande quanto à marcação da data de fanado entre os povos do litoral, de culto animista, cuja realização, não raras vezes, demora por períodos de dez e mais anos (caso dos Felupes). É daí que nasce a metáfora popular entre os fulas segundo a qual, se as vozes da concessão entoam o canto do molléh é porque os mais velhos já tinham fixado a data da sua realização, dito por outras palavras, quando as crianças praticam uma acção que ultrapassa as suas competências é porque contam com o beneplácito dos mais velhos.
Os preparativos da realização do molléh, começam na véspera do dia marcado, com a operação da colecta das folhas, raízes e partes epidérmicas de plantas, conhecidas só dos mais velhos. Mas, os primeiros sinais da festa começam mesmo quando as mulheres, encarregadas de pilar (esmagar) os materiais orgânicos se organizam em grupos de idades e enchem o ar com o barulho ritmado dos “pilons”, entoando canções coloridas com cenas triviais de amor, ciúme e traição da malta jovem, no quotidiano da vida nas aldeias improvisadas ao longo dos trilhos da caminhada sem fim, em direcção ao sol poente.
Os mais velhos partem de manhã cedo à procura do local da celebração, atentos aos possíveis sinais premonitórios, no seu trajecto, que deverão contribuir para a decisão final. Na tabanca, por volta da meia-noite, já só ficaram os mais novos em especial as raparigas solteiras com os braços cansados e gargalhadas sonoras que se encarregarão de finalizar e entregar o produto que servirá para a preparação da beberagem milagrosa já com as tonalidades vermelhas da cor das árvores donde foram extraídas as cascas.
O molléh é uma festa total, partilhada por todos, da mesma forma que o gado é, antes de mais, uma propriedade conjunta onde todos e cada um, a semelhança de uma bolsa de acções nas sociedades modernas, detém a sua quota-parte, o activo bruto ou capital de reserva para fazer face aos imponderáveis da vida. A criança quando nasce já tem aberta uma conta poupança (cornuda?), a mulher quando se casa leva, consigo, o seu dote para alicerçar a sua futura casa e o mais velho quando deixa este mundo precisa da carne e do sangue do animal para alegrar a partida na longa caminhada até a sua ultima e eterna morada. Tudo tem sentido num mundo que se encontra em equilíbrio perfeito. Branco, azul, castanho, vermelho e preto são as cores dos animais e da bandeira Fulani, cada grupo totémico com suas cores de herança de acordo com principios predeterminados na origem. A nossa família, por exemplo, assim como a maior parte dos Fulas da zona da Guiné e da Casamança, estava ligada aos animais de cor branca e, de preferência, sem manchas ou chifres retorcidos. Os velhos regressam ao anoitecer para anunciar a boa nova com grande pompa, cabeças e corpos cobertos com folhas jovens de ramos de palmeira, gritando: Amanhã é molléééh!... Amanhã é molléééh!... Amanha haverá comida e leite em abundância, a vida dos animais será assegurada e a riqueza da comunidade multiplicada.
O local da celebração, situado na cabeça de uma bolanha é agora o epicentro das atenções, mas ainda nem tudo esta pronto, é preciso cortar os arbustos, deslocar os pequenos montículos de bagabagas, escavar sulcos na terra em forma de um cabaz grande, proteger o fundo com produtos impermeáveis para evitar a infiltração d’água, deitar a farinha de cor vermelha, composto de raízes e cascas de árvores, juntar o sal iodado na mistura aquosa assim obtida e mexer com as mãos, transformando tudo numa massa pastosa e salgadinha que os animais irão sorver com o prazer único de um acto que se realiza uma vez no periodo de mais de um ano. No centro de um espaço igual ao de um campo de futebol, com dezenas de sulcos no solo, encontra-se o cabaz da sorte e da vitória, aquele que vai ditar a escolha da vaca do ano.
Ainda os preparativos no local não terminaram e eis que a equipa de estafetas voluntários que vai conduzir os animais, está de partida, dela farão parte os melhores atletas. Saúde, inteligência, vigor e rapidez serão os atributos de base para a sua composição. Momento crucial na vida dos jovens pastores e candidatos, uma grande oportunidade para a revelação de dotes e capacidades, mas que não esta isenta de perigos. Os velhos estão atentos e não hesitam em refrear ânimos exaltados. Os membros da equipa, sem desconfiar que já são portadores da notícia através dos cheiros que transportam na roupa e no suor dos corpos aquecidos pelo calor e pela ansiedade do momento, vão retirar as amarras dos animais, dar sinal de partida e orientar a corrida, num percurso de 3 a 5 quilómetros, até ao local do molléh.
- Góóh Saraél-âmen, góh!... Góóh Daneél-bêssel, góh!... Góóh, Siraél-kumáh, góh!... [1]
De início e durante os primeiros quilómetros a corrida é pausada, os animais estão desorientados e entrechocam-se gravitando a volta dos homens-guias, cabeças erguidas, farejando no ar. O momento exige alguma agilidade e concentração e, sobretudo, é preciso posicionar-se para a recta final.
A partir dos últimos quilómetros, com a ajuda do vento e do seu portentoso faro, os animais já localizaram o local e agora é cada um por si, a corrida é desenfreada em direcção ao molléh, é o momento de todos os perigos. Do local da celebração também já gritam o “góóh!...góóh!”, agora é preciso correr… correr, trata-se de uma competição, não se pode fraquejar, os mais fortes serão glorificados, os fracos podem ser esmagados pela fúria de uma ou duas centenas de animais sedentos de sal e endiabrados pelo chamamento do molléh. A distância é cada vez menor e eis que no recinto entram as primeiras vacas. As crianças estão empoleiradas em cima das árvores e soltam gritos animados.
No grupo da frente estão as meninas, quão gazelas voando ao vento, deve ser a primeira vez que participam no molléh e, por inexperiência, passam ao largo sem saber o que fazer, são seguidas de perto pelos rapazes (machos) e por fim o resto da manada.
Mas, dentre a equipa dos voluntários os resultados são surpreendentes, antes da chegada dos animais, pelo menos dois ou três deles já se encontravam no recinto, a espera de felicitar a vaca do ano, munidos de ramos de palmeiras e, os primeiros a chegar ao local são sempre os mais velhos. A primeira vista, torna-se difícil perceber como é que homens tão frágeis, no auge da idade, embrulhados nos seus amplos vestidos brancos, agora cinzentos pela acção do tempo e do uso, conseguem realizar tamanha proeza no meio de um matagal de árvores e arbustos, desafiando a força e o brio dos mais novos. No fim, a festa é de todos, haverá comida (sem carne), farinha de milho, leite e muita alegria a mistura.
No caso dos animais, como já se viu, chegar primeiro ao molléh não é sinónimo de vitória na corrida e, quase sempre, são aqueles que chegaram em último lugar os que vão por a boca no cabaz que dá direito a vitória. Compreenda quem puder. E a vaca do ano é, invariavelmente, uma vaca mãe já experiente, com as tetas cheias que serão ordenhadas no local e cujo leite será, primeiro, absorvido pelos guias, vencedores da corrida, num cabaz especialmente preparado para o efeito, de joelhos e com os rostos virados para o sol nascente, donde os seus antepassados saíram um dia, para procurar novas pastagens e enfrentar a marcha rumo ao ocidente desconhecido. Assim, Molléh deve ser visto como uma tradição que os Fulas trouxeram da costa leste donde saíram há muitos séculos atrás e cuja prática os seus irmãos das montanhas da Etiópia, das planícies do imenso Sudão ou das colinas do Ruanda até Quénia, esqueléticos, longilíneos e incansáveis, souberam conservar e valorizar, transformando-se simplesmente nos melhores atletas d´África e do mundo.
Em Fajonquito, lembro-me de o meu pai ter convidado o seu amigo branco Tintim, um Cabo da companhia metropolitana estacionada em Fajonquito por volta de 1969/70. Ele assistira e observara de longe toda a encenação sem interferir. Em contrapartida, no fim, parecia ter gostado do jogo de hóquei no capim, com golpes de pau em frutos secos e redondos servindo de bola de arremesso. Esta modalidade depois foi abandonada, porque quando se falhava a bola, muitas vezes, acertava-se nas pernas dos adversários.
Nota: 1- Corre pequeno Saráh, corre!...Corre branquinha linda, corre!...Corre Siráh, filha de Kumba, corre!... (pelos vistos trata-se de uma formula onomatopeica para incitação e encorajamento dos animais durante a corrida da celebração do molléh.
Era frequente e normal, na altura, atribuir aos animais nomes dos seus proprietários. De notar que antes da islamização, os fulas tinham nomes próprios que identificavam os seus laços de parentesco e a posição de cada um na hierarquia e ordem sequencial do nascimento dos filhos.
Na linha masculina eram: Saráh, Samba, Demba, Patê, Dulô etc. e na linha feminina: Siráh, Takôh, Djabú, Kumba, Ainéh. Verifica-se claramente a predominância de nomes bissílabos.
Bissau, 27 de Setembro de 2012.
Cherno Abdulai Baldé
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Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10505: Antropologia (20): Funeral Fula / Funeral Islâmico (Luís Borrega / Luís Encarnação)
Guiné 63/74 - P10506: Agenda cultural (221): A 4.ª e última série do documentário "A Guerra" começa a ser exibida amanhã dia 10 de Outubro, pelas 22h40
1. Mensagem de Eva Verdú, da Direcção de Meios de Produção da RTP, enviada ao nosso Blogue no dia 9 de Outubro de 2012
Assunto: Documentário "A Guerra"
Boa tarde,
Informo que a 4ª e última série do documentário “A Guerra” começará a ser exibida amanhã dia 10 de outubro pelas 22:40H. Serão 17 episódios que vão incidir sobre o período que antecede o 25 de abril de 1974.
Com os melhores cumprimentos,
Eva Verdú
Direção de Meios de Produção
SINOPSE*
O período que antecede o 25 de Abril de 1974, caracterizando a situação política geral e o quadro militar em cada uma das colónias
A série documental "A Guerra" regressa agora com os seus últimos episódios. Serão 13 programas que vão incidir sobre o período que antecede o 25 de abril de 1974, caracterizando a situação política geral e o quadro militar em cada uma das colónias. Na Guiné, de destacar o período marcado pela morte de Amílcar Cabral e o subsequente recrudescimento do conflito.
Recebendo novos meios, como os mísseis terra-ar "Strela", o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) condiciona a manobra portuguesa. Isola e ataca quartéis como Guidage e Gadamael e obriga ao abandono de Guileje. Em conflito com Marcello Caetano, o general Spínola deixa o território, defendendo uma solução política para a guerra, enquanto em Moçambique é o Presidente do Conselho (Marcelo Caetano) que recusa ao general Kaulza de Arriaga a continuação da sua liderança militar.
A situação em Moçambique agravara-se após a Operação Nó Górdio. A FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) avançara para as regiões de Tete, de Manica e Sofala, enquanto as notícias de massacres como Mucumbura, Wiriyamu e Inhaminga - divulgadas sobretudo por padres e missionários - iriam desgastar fortemente a imagem política do regime.
Em Angola, as Forças Armadas controlavam a situação após terem neutralizado militarmente a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e também o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), entretanto afetado por fortes dissensões internas. Após ter cooperado com os portugueses na luta contra aqueles movimentos, a UNITA volta a ser encarada como inimigo e executa a sua mais mortífera ação.
Se em Angola o quadro militar era favorável à tropa portuguesa, em Moçambique os europeus revoltavam-se perante ações da FRELIMO que punham em causa a sua segurança e a imagem das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, na Guiné o PAIGC declarava unilateralmente a independência, enquanto os militares portugueses divergiam sobre se a guerra estava ou não perdida.
Bastante isolado internacionalmente, em confronto interno com alguns aliados iniciais e paralisado perante o impasse da guerra, o governo de Marcelo Caetano não cabia já na solução que, entretanto, os militares tinham começado a preparar. É todo este período, com os seus inúmeros factos e acontecimentos políticos e militares, muitos deles desconhecidos, que será apresentado nos novos episódios a exibir.
(*) Retirado do site da RTP, com a devida vénia.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10493: Agenda cultural (220): Apresentação do livro "Alpoim Calvão Honra e Dever", dia 11 de Outubro, pelas 18h30, na Sociedade de Geografia em Lisboa
Assunto: Documentário "A Guerra"
Boa tarde,
Informo que a 4ª e última série do documentário “A Guerra” começará a ser exibida amanhã dia 10 de outubro pelas 22:40H. Serão 17 episódios que vão incidir sobre o período que antecede o 25 de abril de 1974.
Com os melhores cumprimentos,
Eva Verdú
Direção de Meios de Produção
SINOPSE*
O período que antecede o 25 de Abril de 1974, caracterizando a situação política geral e o quadro militar em cada uma das colónias
A série documental "A Guerra" regressa agora com os seus últimos episódios. Serão 13 programas que vão incidir sobre o período que antecede o 25 de abril de 1974, caracterizando a situação política geral e o quadro militar em cada uma das colónias. Na Guiné, de destacar o período marcado pela morte de Amílcar Cabral e o subsequente recrudescimento do conflito.
Recebendo novos meios, como os mísseis terra-ar "Strela", o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) condiciona a manobra portuguesa. Isola e ataca quartéis como Guidage e Gadamael e obriga ao abandono de Guileje. Em conflito com Marcello Caetano, o general Spínola deixa o território, defendendo uma solução política para a guerra, enquanto em Moçambique é o Presidente do Conselho (Marcelo Caetano) que recusa ao general Kaulza de Arriaga a continuação da sua liderança militar.
A situação em Moçambique agravara-se após a Operação Nó Górdio. A FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) avançara para as regiões de Tete, de Manica e Sofala, enquanto as notícias de massacres como Mucumbura, Wiriyamu e Inhaminga - divulgadas sobretudo por padres e missionários - iriam desgastar fortemente a imagem política do regime.
Em Angola, as Forças Armadas controlavam a situação após terem neutralizado militarmente a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e também o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), entretanto afetado por fortes dissensões internas. Após ter cooperado com os portugueses na luta contra aqueles movimentos, a UNITA volta a ser encarada como inimigo e executa a sua mais mortífera ação.
Se em Angola o quadro militar era favorável à tropa portuguesa, em Moçambique os europeus revoltavam-se perante ações da FRELIMO que punham em causa a sua segurança e a imagem das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, na Guiné o PAIGC declarava unilateralmente a independência, enquanto os militares portugueses divergiam sobre se a guerra estava ou não perdida.
Bastante isolado internacionalmente, em confronto interno com alguns aliados iniciais e paralisado perante o impasse da guerra, o governo de Marcelo Caetano não cabia já na solução que, entretanto, os militares tinham começado a preparar. É todo este período, com os seus inúmeros factos e acontecimentos políticos e militares, muitos deles desconhecidos, que será apresentado nos novos episódios a exibir.
(*) Retirado do site da RTP, com a devida vénia.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10493: Agenda cultural (220): Apresentação do livro "Alpoim Calvão Honra e Dever", dia 11 de Outubro, pelas 18h30, na Sociedade de Geografia em Lisboa
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