quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15731: Documentos (29): Ata da reunião do CEMGFA, Costa Gomes, com os comandos do CTIG, Bissau, 8/6/1973 (José Matos, historiador independente)





Cópia de documento de 4 páginas, do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), de 15/6/1973, com o relato de uma reunião com os comandos militares do CTIG em 8 de junho de 1973.   Francisco da Costa Gomes (1914-2001) foi CEMGFA de 5/9/1972 a 13/3/1974.   Visitou o CTIG,  de 6 a 9 de junho de 1973.



1. Mensagem, com data de ontem, do José Matos, 

[ O nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ), é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).]

Olá, Luís

Mando-te um documento [, de 4 pp.]  interessante sobre a reunião que Costa Gomes teve na Guiné, quando foi lá em Junho de 1973, de 6 a 9.

Ab, Zé

2. Comentário do editor:

Obrigado,  Zé. Os antigos combatentes da Guiné, e não apenas os investigadores, têm direito a conhecer estes "documentos para a história"...

 O documento que reproduzimos, com data de 15/6/1973, ontem "muito secreto, hoje "desclassificado", à guarda do Arquivo de Defea Nacional, para consulta dos estudiosos e historiadores,  fala por si, mas tu tens aqui no blogue vários postes teus  que ajudam o nosso leitor  a compreendê-lo melhor, a partir da sua  contextualização histórica, geoestratégica, política e militar.

Julgo que pode este documento pode (e deve) ser visto como complemento à série Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 no Quartel-general do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, aqui publicada há menos de 4 anos (*), da autoria do Luís Gonçalves Vaz [, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74, e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo]. (*)

Na realidade, em 8/6/1973, o que o CEMGFA fez, foi um "briefing" com os todos os comandos militares do CTIG. Recorde-se,  citando o poste P9639, do Luís Gonçalves Vaz (*), que três semanas antes,  “em 15 de Maio de 1973, pelas 10h30, no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, teve lugar, sob a presidência e mediante convocação do General Comandante-Chefe, General António de Spínola, uma reunião de Comandos na qual participaram os comandantes-adjuntos",  respectivamente:

(i) Comodoro António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante da Defesa Marítima da Guiné;

(ii) Brigadeiro Alberto da Silva Banazol, Comandante Territorial Independente da Guiné;

(iii) Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques, Comandante-Adjunto Operacional;

(iv) e Coronel Gualdino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné.

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Nota do editor: 

Guiné 63/74 - P15730: Parabéns a você (1032): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15721: Parabéns a você (1031): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15729: Manuscrito(s) (Luís Graça) (76): A vida são dois dias e o Carnaval são três (Provérbio popular)


Dez teses 

(mal cheirosas 
e muito pouco carnavalescas) 
sobre a ciência e a merda

por Luís Graça






O 1º cabo Carlos Alberto Alves Galvão,
do 3º Gr Comb / CCAÇ 12, amparado por
dois camaradas da sua secção.
Foto de Arlindo Roda (2010)

Em memória dos meus camaradas
que há 46 anos fizeram, comigo,
a Op Boga Destemida,
em que apanhámos
uma violenta emboscada
em Gundagué Beafada,
subsetor do Xime:
CCAÇ 12, CART 2520
e Pel Caç Nat 63...

Era segunda feira de carnaval,
e íamos mascarados,
que um homem,
quando nasce,
não vem de camuflado e G3. 

Era merda,
o que trazíamos no corpo e na alma.
quando chegámos ao Xime,
33 horas depois (*)



1
Onde estão os cientistas,
grávidos da sua ciência,
a proclamar na televisão
urbi et orbi,
a última palavra,
ex cathedra,
sobre esta merda ?

Não sei quem pergunta,
sei que é uma pergunta de investigação.



2
Comenta o último Nobel da Ciência:
É a liberdade da ciência 

e a ciência da liberdade,
que são postas em causa,
com tão insolente pergunta de merda.


Felizmente que esta merda não é objeto de ciência,
e ainda não há, por enquanto,
e, se calhar, graças a Deus,
uma ciência da merda.


3
Diz o guarda-mor da ética da ciência:
tal como a justiça,
a ciência é cega, surda e muda,
face ao estado
a que chegou esta merda.



4
Acrescenta o fisiopatologista do trabalho da ciência:
se o cientista tivesse
os cinco sentidos apurados,
talvez ele desse um bom perdigueiro de caça,
e talvez esta merda,
tal como a mostarda,
lhe chegasse ao nariz,
mas não chega.


Nasceu sem nariz,
ou já não tem nariz,
ou, se o tem, não o usa,
tendo perdido o faro.


5
Escreve, off record,  o sociólogo da ciência:
não lhe convem,
ao cientista,
sobretudo ao pobre bolseiro
do Fundo para Ciência e Tecnologia (FCT),
debruçar-se sobre a merda do mundo
e o mundo da merda.

E, depois, em boa verdade, 
o que fazer, afinal,
com tanta merda ?

Não lhe convém
cheirá-la (à dita merda),
recolhê-la,
tratá-la,
manipulá-la,
testá-la,
fazer-lhe a prova química e organoléptica,
empacotá-la,
e, por sim, disseminá-la,
sob a forma de conhecimento,
liofilizado,
pronto a servir.


6
Reporta a  jovem repórter da TVI:
mas esta merda cheira mal,
muito mal,
mesmo muito mal,
esta merda fede, 

senhores telespectadores,
mesmo aqui atrás de mim,
e é repelente,
à vista desarmada,
para o comum mortal
que se recusa a falar em direto à TVI.

As pessoas têm medo da merda,
mas ainda mais de falar, para as câmaras,
sobre o estado da merda
a que isto chegou.


7
Manda dizer a secretária
do senhor ministro da Ciência e a Tecnologia (MCT);
por favor,
não incomodem quem trabalha
em prol da humanidade;

e muito menos nosso Gabinete da Ciência Viva (GCV);
da merda, meus senhores,  

tratam os SMAS,
os moderníssimos serviços municipalizados
de águas e saneamento,
que tanto orgulham o país.

Em último caso,
se a tripa rebentar,
liguem para o 112
ou chamem a ASAE
ou mudem a fralda.


8
Que diria o grego Arquimedes ?
Eureka, achei!

Mesmo atolado na merda até ao pescoço,
o cientista não dá conta
da grande merda,
da merda a que isto chegou.


No seu microscópico,
só vê a micromerda,
as micromerdas
que podem estragar a terça feira de Carnaval.


9
E o povo, alarve,
o que diria o povo,
se o povo tivesse opinião qualificada ?

Se a merda valesse ouro,
até os cientistas teriam nascido sem cu.
Vão bardamerda,
que a vida são dois dias
e o Carnaval são três!


10
E, por fim, o último cientista,
a quem foi retirada a idoneidade científica
por querer estudar a merda
a que isto chegou,
e se ter mascarado de cientista da merda,
no carnaval de Torres Vedras
que, dizem, é o mais português 
e o mais antigo 
de Portugal.

Cientistas de todo o mundo, 
juntem a vossa à nossa merda! (**)


______________

Notas do editor:

(*) 9 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8071: A minha CCAÇ 12 (16): O 1º Cabo Galvão, ferido duas vezes em 9 de Fevereiro de 1970, segunda feira de Carnaval...Uma violenta emboscada em L em Gundagué Beafada, Xime (Op Boga Destemida)

(...) A fim de bater a área do Baio/Buruntoni foi planeada a Op Boga Destemida em que tomaram parte 6 grupos de combate: Destacamento A, constituído por 3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A); Destacamento B, formado por forças da CART 2520 (unidade de quadrícula do Xime), reforçadas com o Pel Caç Nat 63, aquartelada em Fá Mandinga (sob o comando do Alf Mil Art Jorge Cabral). (...)

(**) Último poste da série > 28 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15682: Manuscrito(s) (Luís Graça) (75): sabedoria alentejana: viver até aos cem anos... p'ra quê ?

Guiné 63/74 - P15728: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (37): De 1 a 8 de Julho de 1974

1. Em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2016,  o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma Memória, a 37.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

37 - De 1 a 8 de Julho de 1974

Julho de 1974

Aproximavam-se os tempos das coisas derradeiras. Os sinais estavam um pouco por todo o lado, mas os acontecimentos não correspondiam à ânsia de uma resolução clara e definitiva, e arrastavam-se de forma penosa e desesperante. Fui-me abaixo. Em carta de 05-07-1974 para a família, dou conta de estar a ser medicado por ter os nervos arrasados. Começo a ponderar vir de férias à Metrópole para recuperar a saúde e ganhar tempo. Podia ser que quando regressasse estivesse clarificada a situação e se procedesse à passagem do território para as novas autoridades. Amadurecida a ideia, decidi que só ficaria ali até ao fim deste mês de Julho. Passaria o Agosto na Metrópole, se entretanto não ocorresse algo de significativo que me alterasse os planos. Mas eu queria que ocorresse, para poupar uma viagem e evitar ser surpreendido pelos acontecimentos. Mas não aconteceu nada e no final do mês decidi partir, como pouco antes já tinham feito alguns dos meus camaradas da Companhia e até os Comandantes de Batalhão.

Mas foi o maior erro da minha vida. Tudo o que antes ansiara testemunhar, começou a ocorrer logo nos primeiros dias do mês seguinte. Agosto seria o mês da entrega do território ao PAIGC, fim da secular presença portuguesa naquele chão. Perdi a oportunidade de ser testemunha de momentos históricos de tão alto significado, em que tantas vezes havia reflectido, não fosse eu e os meus camaradas ainda ali, os últimos guardiões do templo. Ia-se entregar o templo sem eu estar presente. Sei que os momentos derradeiros da troca das bandeiras nacionais me iriam gerar fortes emoções e sentimentos ambíguos: regozijo pelo fim do colonialismo que abria caminho à independência da Guiné, e o sentimento vago da perda, todavia aceite. Foram esses momentos históricos que eu perdi, e isso deixou-me uma mágoa para sempre. Podia-se ser contra aquela guerra e contra o colonialismo, (que se não fosse português era outro qualquer), podia-se achar justo o direito à autodeterminação conseguida – ou não -, com as lutas de libertação, mas, para o bem e para o mal, foi português aquele chão africano desde que, há mais de quinhentos anos, ali chegaram os primeiros compatriotas. Nós seríamos os últimos. Só por isso, a nossa geração ficaria na História, mas ficará também pelo alto preço que pagou sobretudo em sacrifícios inimagináveis e em vidas humanas, para que se mantivesse lá a mossa bandeira. Tal como fizeram os primeiros, e sem menos valor e honra que eles.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

JUL74/01 – (...). Todas as Companhias do Sector continuam a realizar as suas patrulhas de defesa próxima dos estacionamentos num raio de cinco quilómetros.

JUL74/02 – Conforme tinha ficado assente numa reunião neste Comando com elementos do PAIGC vindos de BISSAU e os Comissários Políticos presentes em A. FORMOSA, fez-se a devolução a estes Comissários das bandeiras do Partido, que em 28 de MAIO de 74 tinham sido entregues neste Comando por elementos da CCAÇ 18, após as terem retirado dos elementos da população que as possuíam. Antes desta devolução, houve uma reunião com os referidos elementos da CCAÇ 18, que concordaram plenamente com a atitude tomada e, foram eles próprios os portadores das bandeiras para as entregar ao PAIGC. Inclusivamente foi devolvida uma bandeira que tinha sido entregue ao Régulo SAMBEL de CONTABANE, o qual na altura a tinha entregado directamente neste Comando.

(...). 

JUL74/06 – Prosseguem em bom ritmo os trabalhos nas salas de Oficiais, Sargentos e Praças. [!].

JUL74/07 – Conforme pedido dos Comissários Políticos do PAIGC presentes em A. FORMOSA, foi solicitado a BISSAU, autorização para a abertura da estrada CHAMARRA-GADEMBEL. Uma vez autorizado, iniciou-se a desminagem e a abertura da referida estrada.

JUL74/08 – Prosseguem em todo o Sector os trabalhos de desminagem de diversos trilhos utilizados pelo PAIGC. Foram desminados trilhos na região de BUBA, NHALA e MISSIRÃ.


Das minhas memórias: 

Julho de 1974. Desminagem do carreiro de Uane (trilho do PAIGC)

Era a quarta vez que ia àquela zona do carreiro, no extremo norte da nossa área de acção, lá para os lados do Rio Corubal, mas ainda longe do rio. O objectivo foi sempre a minagem e desminagem do trilho usado frequentemente pelos guerrilheiros. Como responsável pelas minas, armadilhas e afins da minha Companhia, era obrigado a fazer o levantamento das minas antes de uma ausência prolongada, como era o caso das férias. No regresso tinha de lá voltar a instalá-las de novo. Agora a situação iria ser diferente: era a última vez que levantaria as minas, à imagem do que estava a acontecer em todo o território, face à situação de paz irreversível. O PAIGC fazia o mesmo.

Saímos muito cedo de Nhala, que a caminhada iria ser longa. Com o meu grupo seguia o meu guia preferido, milícia maduro e experiente, com um ar sempre sisudo mas de trato fácil e atencioso. Pouco falava e, em português, quase nada. Mas entendíamo-nos perfeitamente. Era marido da Fátima, a minha lavadeira, também ela uma excelente pessoa, dedicada e afável até à doçura. E falava com desenvoltura o português acrioulado, se assim se pode dizer. Tantas saudades desta gente...

Caminhámos quase sempre dentro de mata cerrada que, a certa altura, começava a mudar e a apresentar-se algo estranha e até misteriosa, onde havia poilões enormes e, numa certa zona, um solo de rochas de aspecto granítico como não conhecia em mais nenhum lado na Guiné. No regresso parávamos sempre aí para comer e descansar. Quando ali passámos no ano passado, fiz algumas (péssimas) fotografias que mostrarei mais à frente. Aliás, as únicas fotografias que tenho da ida e regresso do carreiro, são do ano de 1973, que agora não repeti. Apenas a fotografias da desminagem são desta acção de Julho de 1974.

Saímos finalmente da mata para uma clareira que eu reconheci como próxima do local das minas. Era ainda muito cedo e a humidade extrema evaporava-se do chão como uma nuvem longa e densa, criando momentos tão desconcertantes que me adiantei para fotografar a caminhada do pessoal em fila indiana. Ao princípio os soldados caminhavam com essa nuvem ascendente a ocultar-lhes as pernas, revelando a imagem bizarra de um grupo de “amputados” a deslizarem suavemente num tapete de algodão. Mas com a ascensão acelerada da evaporação, os últimos do grupo marchavam com energia sem que se lhes vise o corpo da cintura para cima. Só se viam pernas em andamento. Mais à frente, já sem estas visões “paranormais”, todos nós transpirávamos com o sufoco do calor emergente. Guardei sempre estas imagens na memória, mas em película não. Não se aproveitou nada das fotografias do fenómeno.

Lá adiante o guia parou. Aproximei-me e ele apontou uma zona, talvez a cem metros. Mandei o grupo instalar-se na orla da mata ali ao lado e pedi uma pica trifurcada, pondo-me em andamento normal até estar próximo do local indicado. Peguei no croqui que fizera aquando da instalação das minas e estive um bocado a observar o local e o desenho no papel, mas não vendo qualquer semelhança com as referências ali desenhadas. Olhei para trás para o guia e ele, lá da mata, insistiu num ponto mais à frente. Comecei a picar e a avançar ainda com alguma ligeireza e depois voltei a consultar o papel. Em redor não encontrava nenhuma das minhas referências, menos ainda marcas do carreiro no chão. Já calculava que isto iria acontecer, era sempre assim. Bastava que as minas tivessem sido instaladas numa época diferente do ano e era suficiente para nada no terreno ser reconhecível. A bem dizer, o croqui só serviria para me indicar a posição relativa das minas entre si, e ainda precisava de sorte para que nenhuma tivesse sido mudada de sítio pelas enxurradas da época das chuvas, por algum animal ou, pior, por algum guerrilheiro que as tivesse localizado. Apenas era seguro avançar pressupondo que podiam estar em qualquer lugar naquela zona, caso não tivessem sido accionadas. Era uma operação solitária, demorada e perigosa, logo, de alguma tensão. Mas eu podia apenas contar comigo e com a minha experiência, numa acção que exigia tempo e sangue frio.

Comecei a picar cada sítio onde punha um pé, observando constantemente o chão e as raras árvores à volta em campo aberto. Pela escassa altura do capim, julgara que encontraria facilmente o carreiro, mas não. Há muito que, pelos vistos, não era utilizado. Depois, ao mudar de posição percebi, finalmente, que uma das árvores muito esganiçadas ali ao lado era a minha referência no croqui, embora sem semelhanças com os detalhes precisos que eu riscara muito tempo antes. A partir daí, tirando medidas a olho, não foi difícil colocar-me no ponto certo da passagem do carreiro e, pouco depois, identificar uma particularidade que eu registara e onde, na altura, aproveitara para colocar duas minas, com alguma maldade, diga-se. É que, uma dezena de metros antes, o carreiro bifurcava, passando a ser duplo ao longo de não mais vinte de metros e reencontrando-se novamente. Imaginei que resultasse do hábito natural de, por vezes, as pessoas ao saírem da mata fechada terem necessidade de caminharem lado-a-lado, para um pouco de conversa. Na altura ocorreu-me logo usar essa particularidade de forma ardilosa e, infelizmente para alguém da guerrilha, o ardil resultou e uma das minas foi pisada. Devo dizer que foi o único caso concreto em que tive consciência de ter feito uma vítima naquela guerra. Facto que, desde do momento da verificação sempre senti de forma penosa, não me aliviando pensar que fiz o que tinha de fazer por estarmos em guerra. Tudo mais pesaroso por eu saber que a falta de evacuação pronta, numa situação daquelas, representava quase sempre a gangrena e a morte. Então porquê remexer agora na morbidez destas lembranças? Talvez esperando que o desabafo público permita algum alívio, já que não o senti das raras vezes em que o fiz em privado. E para que, quem nunca foi à guerra, conheça e compreenda que ela não representa apenas uma contabilidade de mortos e feridos entre os beligerantes, mas também um grande sofrimento para as vítimas, para quem as provoca e para os que as viram acontecer. Trauma de graduações várias que, muitas vezes, são para o resto dos dias.

Finalmente localizei a primeira mina. Com a ajuda do croqui foi fácil encontrar a segunda. Sempre agachado e picando o terreno com a faca de mato, não mexendo um pé sem que o sítio para o pôr estivesse seguro, fui-me deslocando para o local da terceira mina mas ela não estava lá. Embora sempre calmo, fiquei apreensivo. A mina podia ter sido detectada e mudada de local, entre muitas outras hipóteses. Foi remexendo à superfície o capim rasteiro, quase a um metro do local, que descobri os vestígios que explicavam a falta da mina: um pedaço de cabedal ainda com o tacão de uma bota agarrado, depois outro pedaço com a série de furos dos atacadores, mais uns fragmentos menores e nada mais. O resto voara. Perante a evidência, fui tomado por um sentimento de grande pesar e desconsolo. Por momentos fiquei ali a olhar para aqueles restos, pensando na estupidez da guerra. Para me aliviar, por certo, e reagir, pensei: mas não é para isto que servem as minas? Não foi para isto que calcorreei tantos quilómetros para vir cá pô-las? Levantei-me e fiz sinal na direcção do grupo que modorrava na borda mata, para que se aproximassem. Passei a máquina fotográfica a um e pedi-lhe para me fotografar junto das minas no chão. Todos observaram a cena, silenciosos e pensativos. Preparámo-nos para o regresso, pois não havia mais nada a fazer ali. Para além do sucedido, hoje interrogo-me sobre as razões de uma tão grande canseira para ir ali implantar apenas três minas. Não era por falta de minas, creio. Que eficiência teria este tipo de segurança afastada? Por quê os guerrilheiros não contornavam a zona das minas, não sendo credível que ignorassem que sempre ali existiu minagem? E outras considerações...

Foto 1 – Julho de 1974 - O guia que nos levou ao campo de minas. Pertencia à milícia de Nhala.

Foto 2 – Julho de 1974 - Alf Mil Murta apontando uma mina A/P acabada de localizar.

Foto 3 – Julho de 1974 - Duas minas levantadas e os restos de uma bota de cabedal.

Foto 4 – Julho de 1974. Ampliação da fotografia anterior.

A fotografia n.º 2, embora não desfocada, estava tão “tremida” que teve de ser sujeita a edição severa. Sempre que a revejo e me foco apenas nesse defeito que quase gerou duas imagens sobrepostas, não evito um sorriso ao pensar: será que o fotógrafo estava mais nervoso do que eu? Saberia da história de outros que perderam as pernas e a vida ao pisar minas enquanto fotógrafos de guerra? Por certo que não. Nem eu sabia naquele tempo. Para só citar dois de uma lista infindável, refiro um dos meus preferidos e o mais notável dos antigos fotógrafos de guerra, Robert Capa*. (Segundo a Wikipédia, actualmente um dos mais importantes é o americano James Nachtwey, n. Nova Iorque, 1948). Citarei ainda o português João Silva**.

As fotografias que se seguem são de uma das idas ao carreiro em 1973 para implantar minas naquele local, provavelmente estas que agora (em Julho de 1974) foram levantadas como acabei de relatar acima.

Foto 5 – 1973 - Aspecto parcial do 4.º Grupo da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 a caminho do carreiro de Uane e após saída da mata.

Foto 6 – 1973 - O José Gomes em passo acelerado depois de entrarmos em campo aberto.

Foto 7 – 1973 - A retaguarda do 4.º Grupo a sair da mata.

Foto 8 – 1973 - Já no regresso a Nhala, paragem para descansar numa zona rochosa.

Foto 9 – 1973 - Alf Mil Murta a descansar junto do cão PIFAS.

Foto 10 – 1973 - Pose em baga-baga.

Foto 11 – 1973 - Zona de poilões monumentais. Aqui, alguém junto do poilão por uma noção de escala.

Notas:
* Robert Capa – (1913-1954). Húngaro, de seu nome verdadeiro Endre Friedemann, foi co-fundador da Agência Magnum em 1947. Fotografou a Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Sino-Japonesa, Segunda Guerra Mundial, Guerra árabe-israelita de 1948 e Primeira Guerra da Indochina onde morreria ao pisar uma mina.

** João Silva – (n. Lisboa, 1966). Vive na África do Sul. Trabalha para o “The York Times”, foi várias vezes premiado com o “World Press Photo”. Perdeu as duas pernas ao pisar uma mina no Afeganistão. Continua a fotografar.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 2 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15698: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (36): De 21 a 26 de Junho de 1974 (Revisitando Junho de 1974)

Guiné 63/74 - P15727: In Memoriam (245): Maj-General PilAv Fernando Pedroso de Almeida, ex-Major PilAv da BA 12 (Bissalanca, 1972/73) (Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), datada de hoje, 9 de Fevereiro de 2016, com a notícia do falecimento do seu camarada, amigo e compadre, Maj-General Fernando Pedroso de Almeida, que foi responsável pelas Operações do GO 1201, na BA 12 de Bissalanca.

Caros editores
Envio-vos este mail para dar conhecimento do falecimento de um meu camarada dos tempos da Guiné, o Maj.General Fernando Pedroso de Almeida.
Nos anos 72/73, como Major, foi o responsável pelas Operações do GO1201, na BA12, e viveu a traumática perda de vários camaradas pilotos e a necessária transição para novas tácticas no Teatro de Operações originadas pelo surgimento do míssil Strela.

Voou nos Fiat G-91 e DO 27 da Esq.121 e nos aviões da "pesada" da Esq. 123.

Desaparece agora do nosso convívio acometido de doença súbita.
Era um amigo pessoal e padrinho de um dos meus filhos e alguém que vou lembrar com respeito.

O velório do corpo será realizado na Igreja da Força Aérea, junto aos Pupilos do Exército, a partir das 17H00 de 4.ª feira, 10 de Fevereiro, e o funeral efectuar-se-á na manhã de 11 de Fevereiro, em hora que não sei ainda indicar.

Um abraço.
Miguel Pessoa

O Maj. Pedroso de Almeida é, na foto, o último à direita na fila de baixo.

2. Nota do editor

Para a família do nosso malogrado camarada Maj-General PilAv Fernando Pedroso de Almeida, que agora nos deixa, as mais sentidas condolências da tertúlia deste Blogue.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15659: In Memoriam (244): Sezinando Ferreira Domingues (ex-Fur Mil da CCAÇ 3328), faleceu no passado dia 17 de Janeiro de 2016, em Leiria (José Câmara)

Guiné 63/74 - P15726: Em bom português nos entendemos (13): "Nhanhero" e não "nanheiro": é o nome para o instrumento fula, cordófono, do qual o Valdemar Queiroz "Embaló" contou aqui uma edificante história (Cherno Baldé, Bissau)

1. Mensagem de hoje do Cherno Baldé, o nosso "agente" em Bissau (na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu, quadro superior com formação universitária na ex-URSS e em Portugal, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses,  antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns).... 

E mais do que "agente", o Cherno é um grande conhecedor e apaixonado defensor do melhor que a sua terra tem, a sua cultura, a sua história, o seu património (material e simbólico), as suas línguas e as suas gentes... Ele é o nosso assessor científico para as questões culturais, artísticas,  sociais, económicas e religiosas da comunidade fula a que pertence, com muito orgulho. Tem já mais de 130 (!) referências no nosso blogue.


Bom dia Luis,

No mesmo poste (*) inseri um comentário a tentar corrigir a grafia do instrumento, pronuncia-se "Nhanhero",  nome derivado do som que ele produz "nha..nhe...nhi". E uma versão africana (fula) do violino europeu.

Em Fajonquito nos anos 60/70 tinhamos um grande Nhanherista, infelizmente não tenho imagens do tempo.

Um grande abraço,

Cherno A. Baldé


2. Comentário, com data de 1 do corrente,  do Cherno Baldé,  ao poste em questão (*):

Caro amigo Valdemar,

Nhanheiro. Foto de Valdemar Queiroz (2016)
O tempo e a intensidade da tua vivância no chão fula autorizam que tomes o apelido Embaló.

O instrumento em questão chama-se nhanhero e normalmente faz-se acompanhar do dondon ou tama.
Deve ser o instrumento musical mais simples e mais antigo de todos os que conheço na região oeste africana e os fulas, provavelmente, já o utilizavam antes da sua longa digressão para oeste. Infelizmente os efeitos da colonização cultural e a globalização fazem com que a juventude não valorize a cultura ancestral.

O nhanhero não é propriamente um brinquedo qualquer e, caso fosse,  seria o brinquedo dos herdeiros da tradição, isto é, os filhos do artista, tocador de nhanero. No ocidente o equivalente do nhanero é o violino.

Pois é, na sociedade tradicional fula a criança pode ser detentora provisária de um nhanero se o pai é, digamos assim, nhanherista, mas não pode ser detentora do dinheiro que contem em si os germes do bem e do mal em duas faces unidas na mesma moeda, pois segundo a tradição antiga faz falta à criança o sentido completo do discernimento que habilita à escolha certa entre o bem e o mal. E quando é assim os espíritos do mal tendem a prevalecer. É o que temos actualmente nas nossas sociedades ditas modernas.

Com um abraço amigo, Cherno Baldé-

3. Comentário do editor LG:

Bom dia, Cherno!...É valiosíssima e oportuna a tua observação. Vou já corrigir e dar conhecimento ao Valdemar Queiroz, que é do meu tempo do Centro de Instrução Militar de Contuboel (junho/julho de 1969), onde se formaram entre outras as CART/CCAÇ 11 e a CCAÇ 12, as duas primeiras companhias da "nova força africana" de que o gen Spínola tinha muito apreço e orgulho, ainda antes da formação dos Comandos Africanos... Acho que lhe fica bem o apelido fula "Embaló"!...

Quanto ao "nhanhero", lembro-me do instrumento, mas não o associava ao violino. O kora era mais apreciado (e mais usado pelos mandingas, se não erro). E a propósito tenho um filho violinista, por acaso está agora de férias na Grécia...

Como vai a nossa terra querida ? E a tua família ? Não deve ser fácil viver em Bissau, com 4 filhos. Tenho muito respeito e admiração por ti e família. Mantenhas. Um alfabravo. Luís

PS - Cherno, não preciso de fazer força para propor que seja grafado o vocábulo "nhanero" (e não "nanheiro", como escreveu o Valdemar, e que me passou, embora tenha consultado os dicionários). Na realidade, o termo existe, pelo menos no Dicionário Houaiss da Língua Portugesa, Tomo V, Mer-Red  (Lisboa, Círculo de Leitores, 2003, p. 2613)... Vou transcrever (**):

Nhanhero, s.m., MÚS G-BS:
1 instrumento cordófono  dos fulas cuja caixa de ressonância é uam cabça pequena revestiada de couro e cuja corda única se fere com um arco; 2 músico que toca esse instrumento; 3 espetáculo em que se apresenta esse músic. Etim. orig. obsc.
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(**) Últim poste da série > 2 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15066: Em bom português nos entendemos (12): Casamança ou Casamansa ? Como se deve grafar este topónimo do Senegal ? A resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15724: Convite (13): I Peregrinação Nacional dos Combatentes a Fátima, dia 1 de Maio de 2016

Mensagem enviada ao nosso Blogue em 5 de Fevereiro de 2016 pelo nosso camarada Manuel Machado Pereira, combatente em Moçambique, com um convite para os Combatentes da Guerra do Ultramar participarem na 1.ª Peregrinação Nacional dos Combatentes a Fátima



C O N V I T E

1.ª PEREGRINAÇÃO NACIONAL DOS COMBATENTES A FÁTIMA

DIA 1 DE MAIO DE 2016

Caros amigos Camaradas Combatentes
Venho por este meio CONVIDAR-VOS a participar nesta Peregrinação, bem como a PEDIR-VOS que façam o mesmo junto de todos os vossos amigos Combatentes, para que no próximo DIA 01 DE MAIO possamos juntar em Fátima muitos milhares de Camaradas Combatentes.

Esta minha ideia de organizar uma Peregrinação Nacional dos Combatentes a Fátima surgiu-me no ano de 1968, quando me encontrava no mato, no Norte de Moçambique, mas só agora, em virtude de me encontrar reformado. é que resolvi pôr em andamento tal ideia, que espero levar a bom porto (apesar do mar estar muito encapelado) com a colaboração e participação de todos aqueles que venham a aderir a esta iniciativa. 

Aqui deixo o Programa da Peregrinação que me foi enviado, por email, no passado dia 08 de Janeiro pelo SEPE (Serviço de Peregrinações do Santuário).

A saber: 
10:00 - Rosário Internacional na Capelinha das Aparições. 
11:00 - Procissão Para o Altar do Recinto; Missa Internacional, presidida pelo Senhor D. António Vitalino Dantas, Bispo de Beja (meu convidado) ; e Procissão do "Adeus" no final da Celebração.

Aproveito para informar que já contactei, por email, todas as Câmaras do País, a solicitar-lhes a sua colaboração, através do fornecimento de transporte gratuito para os Combatentes dos seus Concelhos, tendo já recebido resposta de muitas delas. Por isso, caso venha a aderir a esta minha iniciativa, agradecia que contactassem directamente com as vossas Câmaras, para tratarem disso. 

Mais informo que resolvi distribuir por "Províncias" os lugares dos Combatentes no Recinto do Santuário, pelo que Guiné e Moçambique ficarão do lado da Capelinha das Aparições e Angola do lado contrário, pois assim será menos difícil conseguirmos encontrar Camaradas dos seus Batalhões e Companhias. 

Aqui lhes deixo os meus dados pessoais: 
Manuel Machado Pereira
Av. Dr. Ângelo Vidal Pinheiro,1020 
4765-726 Oliveira São Mateus 
(V.N.Famalicão) 

TLF. 252 932 935 
TLM. 914 897 667
NIF. 106082523
Mail mpereira.vnf@gmail.com
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de janeiro de 2015 Guiné 63/74 - P14154: Convite (12): O Núcleo da Liga dos Combatentes de Torres Vedras vai realizar, no dia 17 de Janeiro, pelas 14h30, no Auditório da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço, uma apresentação da Instituição aos antigos combatentes, Instituições e população do concelho

Guiné 63/74 - P15723: Efemérides (213): 1969, um ano trágico para as NT, em matéria de desastres em transportes fluviais: não foi apenas o desastre do Cheche, no rio Corubal, em 6 de fevereiro, mas também em 21 de junho o desastre de Mopeia, no Rio Zambeze, Moçambique, com uma centena de vítimas militares

Diário de Lisboa, 23 de junho de 1969, 1ª edição,   Recorte da 1ª página e página 20.  


(1969), "Diário de Lisboa", nº 16705, Ano 49, Segunda, 23 de Junho de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7066 (2016-2-8) .


1. O ano de 1969 foi trágico para as NT, em teatros de operações diferentes, em matéria de desastres em transportes fluviais de pessoal e material: recorde-se também aqui a tragédia, ainda maior do que a de Cheche (*), ocorrida no Rio Zambeze, em Mopeia. Moçambique, em 21 de junho de 1969 em que morreram uma centena de  militares (vd. portal Ultramar Terraweb)...

Um batelão, com 150 homens e 30 viaturas, fazia a travessia do rio, o baixo Zambeze, entre Chupanga e Mopeia, quando começou a meter água, por excesso de peso...  O comandante-chefe da região de militar de Moçambique era então o general António Augusto dos Santos (1907-1997), entretanto substituído pelo general Kaulza de Arriaga (1915-2004). E era governador da província o dr. Baltazar Rebelo de Sousa que viria, em 1970/72, a ser ministro da saúde e assistência, num dos  governos de Marcelo Caetano.

O jornal "Diário de Lisboa", na sua primeira  de 3 edições, em 23 de junho de 1969, deu logo a notícia, na primeira página, em título de caixa alta. Numa das páginas interiores (a página 20 e não na última, a página 28) deu a sucinta notícia transmitida pela agência oficiosa ANI. O jornal era dirigido por A. Ruella Ramos e custava na época 1 escudo (equivalente hoje a 0,3 euros, ou sejam, 30 cêntimos). Os outros jornais da época deram também destaque de primeira página à trágica notícia que enlutou o país (tal como a de Cheche, 4 meses antes): Diário de Notícias, Diário Popular, Diário, República... (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:


6 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15712: Efemérides (209): Há 47 anos, 47 baixas mortais... Em 6/2/1969, em Cheche, no Rio Corubal, no desastre da jangada, na sequência da retirada de Madina do Boé

(**) Último poste da série > 7 de fevereiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15718: Efemérides (212): O Carnaval de 1970 (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

Guiné 63/74 - P15722: Notas de leitura (806): Textos de Carlos Schwarz (Pepito), na Revista Sumara, publicação da responsabilidade da Fundação João Lopes, Cabo Verde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
O essencial sobre o ativismo e a generosa militância do Pepito já foi plasmado em depoimentos aquando do seu desaparecimento.
Pepito tinha uma conceção muito particular sobre o funcionamento e a comunicação dos museus africanos, pretendia que os diferentes projetos museológicos se inserissem numa vasta envolvente ambiental, foi assim que sonhou a edificação dos projetos museológicos para Guileje junto ao Cantanhez, e o de Cacheu inserido num parque natural, ligando a comunicação da memória como uma cidadania ativa em prol da conservação da natureza.
É esta a essência dos trabalhos à volta de Pepito publicados no n.º 1 da revista Sumara, recentemente aparecida.

Um abraço do
Mário


Pepito a falar dos museus da Guiné

Beja Santos

Saiu recentemente o n.º 1 da revista Sumara, publicação da responsabilidade da Fundação João Lopes, Cabo Verde. Explica-se que a escolha do título Sumara adveio de um termo da língua cabo-verdiana, oriundo da filosofia popular, com o significado aproximado de meditar, refletir, examinar e avaliar. Sumara terá uma periodicidade anual. Carlos Schwarz, conhecido por Pepito aparece em dois textos da revista. O professor Henrique Coutinho Gouveia, também nosso camarada da Guiné, é responsável pela nota biográfica daquele que foi a cabeça, o coração e o estômago da “Ação para o Desenvolvimento”. O professor Gouveia tece considerações sobre a conceção museológica delineada por Carlos Schwarz, que aproximava o espaço de exibição de um dado património histórico de outro que compreende parques nacionais e naturais. Pepito trabalhou entusiasticamente nas matas do Cantanhez e deu alma ao projeto museológico de Guileje, vizinho de um centro de ambiente e cultura. Pepito falava em dois museus, um sobre a guerra da independência, intitulado “Memória de Guileje”, e outro centrado no ambiente e cultura, que passaria a ser designado pouco depois por “Centro de Interpretação Ambiental e Cultural”. Mas Pepito também animou o Memorial da Escravatura, um projeto que abarcaria toda a parte histórica de Cacheu e as tabancas vizinhas.

O artigo “Museus na Guiné, uma componente do desenvolvimento”, pode ser assumido como uma das últimas e mais significativas reflexões de quem tornou a ONG Ação para o Desenvolvimento uma das mais prestigiadas da Guiné-Bissau. No seu texto, ele conecta Guileje e o ambiente e o Caminho de Escravos, localizado em Cacheu ligado ao Parque Nacional dos Tarrafos de Cacheu. E escreve: “A breve história da Guiné-Bissau, enquanto país independente, mostra a força e a energia coletiva que se desenvolve a partir daquilo que nos uniu no passado, e que sendo referências das 32 etnias que constituem o povo guineense de mais de 1,5 milhões de habitantes, são também a sua força de coesão social. A luta pela independência, o processo da escravatura e do tráfico negreiro que marcaram profundamente o povo guineense, são factos históricos em que todas as gerações se reveem e que representam um cimento aglutinador”.


Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da NOVA > 6 de setembro de 2007 > Engº Agrº Carlos Schwarz da Silva (Bissau, 1949-Lisboa, 2014). Pepito, para sempre!

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Espraia-se sobre o Cantanhez, as suas matas e a Memória de Guileje, e falando de o Caminho de Escravos refere que o memorial tinha a sua conclusão prevista para Novembro de 2015, seria nessa ocasião que teria lugar em Cacheu o Simpósio Internacional sobre a escravatura em Cacheu. E adianta: “Muito mais do que um simples museu, o Memorial pretende englobar toda a parte histórica de Cacheu, como o cemitério dos ingleses, a rua grande, o M’pernal, a Igreja de Nossa Senhora da Natividade, o porto de escravos, a fortaleza, bem como as tabancas vizinhas de Mata, Bolol e Cobiana”. Haverá uma particularidade no processo interativo do Memorial: “Será sempre o Memorial a ir ter com a comunidade e nunca a isolar-se dentro das suas paredes, devendo ser avaliado em função das dinâmicas que conseguir incutir nas comunidades locais, nas associações, nos governo local e central, nos historiadores nacionais e estrangeiros, nas instituições congéneres e nos financiadores”. Também foi pensado no elenco de atores: os grupos de mandjuandades, os homens grandes e régulos, os investigadores e historiadores, os centros negreiros da sub-região (como Gorée, Ribeira Grande, Boké e St. Jules. Ao sumariar estas iniciativas, Pepito não deixa de exaltar o sentido prático da função do museu, e volta a destacar que “Os Museus são locais vivos de transmissão de conhecimento, mas especialmente centros de produção de conhecimento, onde os jovens entram descontraidamente, até porque participaram em todas as fases da sua criação, estes museus mostrarão na prática a grande importância da componente cultural como fator mobilizador de vontades”.

Este artigo foi redigido em Bissau em Janeiro de 2014. Perdemos um ativista, um espírito superior, um humanista que tinha o associativismo na massa do sangue, e que amava profundamente a sua terra. A sua falta é irreparável.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15708: Notas de leitura (805): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15721: Parabéns a você (1031): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15711: Parabéns a você (1030): Ana Duarte, Amiga Grã-Tabanqueira, viúva do nosso camarada Humberto Duarte; Fernando Franco, ex-1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288 (Guiné, 1973/74); Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1621 (Guiné, 1966/68) e José Teixeira, 1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15720: Em busca de... (263): Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia (ou Caçador Nativo) Baju Sambu falecido em combate em Empada em 1963 (ou 1964)

1. Mensagem do nosso leitor Umaru Sambu, natural de Empada, filho do Soldado Milícia Bacar Sambu, com data de 6 de Fevereiro de 2016, procurando o seu primo Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia Bacar Sambu, falecido em combate, que terá vindo para Portugal com os militares de uma Companhia que antecedeu, em Empada, "Os Maiorais".

Exmo. Senhor Carlos Vinhal,
Sou Umaru Sambu.

Antes de tudo queria lhe pedir desculpa por estar a comunicar através deste meio mas é a única maneira possível para lhe dirigir algumas palavras como segue:

Sou guineense, natural de Empada, maior de 60 anos de idade, vivo em Portugal desde 1986, filho de Bacar Sambu, antigo Soldado Miliciano em Empada, e sobrinho do antigo Comandante Miliciano Bajo Sambu, falecido em combate em 19631.

Este meu tio, Bajo Sambu, passado algum tempo depois da sua morte, como tinha deixado dois filhos menores, entre cinco e seis anos de idade, por qualquer motivo, foi-nos comunicado, na altura, que dentro da companhia de militares portugueses que tinham estado em Empada na altura da morte trágica dele, estavam Bissau, na capital, de partida para a metrópole e que tinham requerido para trazerem um dos filhos deste meu tio, nomeadamente o filho mais velho que tinha na altura 6 anos de idade, cujo nome era Infamara Buli Sambu, que assim foi.

Na altura o pedido foi aceite do imediato, porque como sabe naquela altura era mesmo perigoso viver naquela aldeia de Empada por causa dos ataques dos rebeldes. Não sei como foi feito o processo da vinda dele mas de facto foi trazido por uma companhia que antecedeu a companhia de Cap. Borges, Os Maiorais.

Entretanto estou lhe a escrever para saber se o senhor é capaz de se lembrar deste rapazinho, ou se sabe qual foi companhia que o trouxe e como e onde posso procurar este rapaz. Ele é meu primo, acontece que desde que foi trazido nunca mais a família soube dele. Estamos cansados de procurá-lo mas não há maneira de o encontrar em algum lado.

Como lhe disse, pouco sei dos mecanismos com os quais ele foi trazido porque eu na altura tinha apenas mais ou menos apenas 9 anos de idade, só sei o que me foi transmitido, embora conhecesse bem o rapaz por pertencermos à mesma família.

Agradecia, se senhor souber alguma coisa ou tiver alguma pista sobre este rapaz, que me ajude.

Os meus contactos são:
Umaru Sambu
Calçada das Necessidades, 74 r/c Esq
1350-214 Lisboa

Telefone 213 976 673
Telemóvel 965 621 666
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Notas do editor

1 - Em Março de 1964 existe o registo da morte em combate, em Empada, de um Caçador Nativo de nome Bajú Sambú pertencente à Companhia de Milícias N.º 6


Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15720: Em busca de... (262): Infamara Buli Sambu, filho do Soldado Milícia (ou Caçador Nativo) Baju Sambu falecido em combate em Empada em 1963 (ou 1964)

Guiné 63/74 - P15719: Fotos à procura de... uma legenda (68): cinco fotos históricas do cmdt da Op Mabecos Bravios, cor inf Hélio Felgas, na retirada de Madina do Boé (Cortesia da revista Camões, abr-jun 1999, nº 5)


Guiné > Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 6 de fevereiro de 1969 > A famigerada jangada que servia para transporte de tropas e material, numa  das últimas travessias, aquando da retirada de Madina do Boé.

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio [Augusto Esteves ] Felgas (1920-2008). Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 15 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > c. 6 de fevereiro de 1969 >  Op Mabecos Bravios: apoio da FAP, na retirada do aquartelamento de Madina do Boe, guarnecido pela CCAÇ 1790 (Madina do Boé, 1967/69).

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas. Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 10 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé   > c. 6 de fevereiro de 1969 > Mais uma outra foto, histórica, do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas: a última missa celebrada no aquartelamento de Madina do Boé, antes da retirada das NT.

Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 10 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Mandina do Boé  > c. 6 de fevereiro de 1969 >  Mais uma foto, histórica, do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas: homens e material prontos para deixar a mítica Madina do Boé.

Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 11 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Mandina do Boé  > 6 de fevereiro de 1969 > Mais uma  foto, histórica, do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas (falecido em 2008, com o posto de maj gen):  momentos dramáticos depois da deflagração de uma mina A/C aquando da retirada de Madina do Boé.

Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág.  12 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


1. Estas fotos, extraordinárias, tiradas pelo então cor inf Hélio Felgas, comandante do Agrupamento nº 2957 (Bafatá, 1968/70)  e comandante da Op Mabecos Bravios (retirada de Madina do Boé, 2 a 7 de fevereiro de 1969), merecem ser conhecidas, partilhadas, divulgadas e comentadas.  (*)


Julgo que fazem agora parte do Arquivo Histórico-Militar. O seu autor morreu em 2008 e a família deve ter doado o seu espólio fotográfico ao AHM.

Foi militar, escritor e professor da Escola do Exército. As suas como militar e português foram reconhecidas com as medalhas de ouro de Serviços Distintos com Palma, Cruz de Guerra (1ª e 3ª classes) e o grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

É pena que não tenhamos tido acesso às fotografias originais. As imagens que aqui reproduzimos, com a devida vénia, são da revista Camões, em formato pdf.  São também a nossa maneira, singela,  de relembrar aqui esse fatídico dia 6/2/1969, em que morreram 46 militares portugueses, nossos camaradas da CCAÇ 2405 e CCAÇ 1790, além de um civil guineense, na travessia do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé. (**)  (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. também aqui o poste  25 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

(**) Último poste da série > 10 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15472: Fotos à procura de... uma legenda (67): Xitole, 2008, extraordinária fotografia, a do João Rocha!... 40 anos depois com a antiga lavadeira, é muito mais que um abraço ou "o olá como tens passado"... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P15718: Efemérides (212): O Carnaval de 1970 (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

1. Em mensagem de ontem, dia 6 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72) fala-nos do Carnaval de 1970, sem dúvida um dos mais tristes da sua vida.


CARNAVAL DE 1970 

Como o tempo passa…
Foi há 46 anos… mas tenho ainda bem presente essa época carnavalesca da minha vida…
Não por qualquer acto festivo e alegre próprio de folias, brincadeiras, diversões ou outras actividades burlescas usuais do entrudo. Antes pelo contrário. Por ser Carnaval, o que me pregaram foi, no mínimo, uma “partida de mau gosto”… e só podia advir da Instituição Militar, pois já não era a primeira vez que o faziam.

Embarquei para a Guiné no dia 9 de Fevereiro de 1970, segunda-feira de Carnaval. Assim, no domingo, dia 8, efectuado o almoço de despedida, antecipado, já que naquele tempo a viagem de automóvel para Lisboa era bem demorada e, os que me iam levar, teriam de regressar nesse mesmo dia a esta santa terrinha ilhavense.

Habitava então uma casa arrendada na Rua de Camões, bem perto da dos meus Pais e numa área onde decorreram os melhores anos da minha infância e parte da juventude.
Presentes, todos os familiares mais chegados, fazendo os adultos os possíveis por “camuflar” o triste momento do significado deste acto que nos reunia em volta da mesa, já que os meus filhos e sobrinho, pensava eu, que dada a pouca idade, de tal não se apercebessem.

Embarque rápido, para evitar cenas mais patéticas, acompanhado por meu sogro e no assento traseiro ladeado por dois dos meus filhos, Jorge e João, assim seguimos rumo a sul, pela EN2, via Vagos-Figueira da Foz, até apanharmos a EN1 em Leiria.
Caminho tão conhecido por tantas vezes percorrido, mas com outra disposição, nas minhas frequentes idas e vindas para Lisboa. Só que neste dia sabia que ia… mas… e o regresso?

Percurso tão longo, em que os silêncios eram maiores do que as poucas frases que pretendiam ser animadoras, mas sem efeito visível. Eu já não era o mesmo de há meio ano atrás. Desde que tinha interiorizado que a partir do CPC, não poderia evitar um qualquer lugar numa das Colónias em guerra, pratiquei, digamos, uma auto-terapia de mentalização, tipo “narcoterapia” que “descondiciona” a pessoa, diminuindo-lhe a ansiedade e fazendo-a andar “meio adormecida”. Enfim, tipo “anda no mundo por ver andar os outros”.

Por isso naquela viagem, já quase não dava por nada. Só senti um leve despertar, quando ao desembarcar nos Restauradores, onde pernoitei numa Pensão que existia quase junto do cinema Eden, vi o meu filho Jorge atirar-se para o assento do carro meio a chorar. Ficou em mim gravada essa imagem e a ideia de que afinal, ele com os seus pouco mais de seis anos apercebia-se da minha futura ausência. Mas, posso ainda garantir, que mesmo isso pouco me afectou, pois já “andava nas nuvens”, como depois sempre pela Guiné andei.

Embarquei portanto na segunda-feira de Carnaval, com bom tempo e a “partida de mau gosto”, sentia então mais funda, quando o N/M Alfredo da Silva sai a barra e… ruma a Norte, quando o destino era o Sul!
Aí sim, tive um momento de lucidez e senti uma grande revolta interior. O navio não seguia como TT, mas em viagem normal que eu bem conhecia. Lisboa-Leixões-Mindelo-Praia-Bissau e volta.

Privaram-me de menos dois dias de companhia com a família, já que poderia embarcar na terça-feira durante a tarde em Leixões. E quão importantes eram, naquele tempo de incertezas, todos os momentos passados junto de quem amávamos. Só quem viveu esse período das nossas vidas sabe dar valor a esses pormenores, que afinal eram bem grandes.

Escusado será dizer, que nessa terça-feira, durante aquelas horas que passamos em Leixões, apenas deambulei pelo cais e proximidades, não telefonando sequer para casa, para não agravar mais a saudade.

E assim foi o meu Carnaval de há 46 anos.
Viagem por terra para Lisboa, cruzeiro marítimo para Leixões, passeio pelo cais nesse porto sem vislumbrar qualquer mascarado, mas fantasiado de Capitão do Exército com um grande melão.

Abraços para todos os Tabanqueiros do
JPicado
 
Em primeiro plano, à direita, o Cais Sul da Doca 1 do Porto de Leixões, local habitual para atracação dos navios da Sociedade Geral a que pertencia o "Alfredo da Silva". A foto não representa a época.

Foto: Fonte Internete, com a devida vénia ao eu autor
Legenda: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15714: Efemérides (211): "Desastre na Guiné", título de caixa alta, da 2ª edição do "Diário de Lisboa", de 8/2/1969