sexta-feira, 13 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16082: Agenda cultural (481): Apresentação dos livros "As Guerras do Capitão Agostinho", da autoria de Carlos Gueifão e "Luvuéi, A Maior Emboscada Sofrida Pelos Comandos", da autoria de Antero Pires, dia 17 de Maio de 2016 (3.ª feira), pelas 15 horas, na Messe do Militar do Porto, Praça da Batalha (Manuel Barão da Cunha)

 


Em mensagem de 8 de Maio de 2016, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, deu-nos conta da apresentação de mais dois livros da colecção Fim do Império, sobre Angola, a levar a efeito no próximo dia 17 de Maio na Messe Militar do Porto.




15.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO

PORTO, 17 DE MAIO, 3.ª FEIRA, ÀS 15 HORAS

MESSE MILITAR DA BATALHA

Apresentação dos 22.º e 23.º livros Fim do Império:

"As Guerras do Capitão Agostinho", de Carlos Gueifão, Capitão Miliciano em Angola


"Luvuéi, A Maior Emboscada Sofrida Pelos Comandos", autoria de Antero Pires, Sargento Comando em Angola.

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Nota do editor

Último Poste da série de 3 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15933: Agenda cultural (473): Integrada no 15.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 7 de Abril de 2016, pelas 18 horas, apresentação do livro "Ten. General Tomé Pinto - O Capitão Quadrado", no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P16081: Nota de leitura (838): Alexandre Herculano e a Questão de Bolama (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Tardou mas chegou, há muito que idealizava pôr no blogue este texto de grande riqueza como peça oratória, mostra que Herculano se estreou bem na vida parlamentar, e a questão de Bolama foi um pretexto. Devido às suas funções como bibliotecário da Casa Real, o historiador e homem público dispõe de muita informação, sabe que as coisas em África estão em franca decadência, que os territórios coloniais portugueses vão sendo infiltrados por outras potências. É uma intervenção em que ele pede a atenção ao poder político para cuidar do património africano. Sabemos que Herculano foi um dos maiores escritores do seu tempo e é o fundador da nossa historiografia, é uma satisfação ler esta intervenção vigorosa e vibrante de um nacionalista do seu tempo.

Um abraço do
Mário


Alexandre Herculano e a Questão de Bolama

Beja Santos

Herculano, fundador da nossa moderna historiografia, medievalista insigne, escritor consagrado em vida, autor da paradigmática História de Portugal onde recuperou em bases rigorosas a formação do nosso País, teve uma breve passagem pelo Parlamento entre 1840 e 1841, estreou-se como tribuno em 4 de Julho de 1840. A questão de Bolama foi o pontapé de saída, mas Herculano pretendia ir mais longe, como foi.

Naquele tempo, o parlamentarismo andava a par da encenação dos dotes do tribuno. Levava-se uns apontamentos escritos mas a eloquência era fundamental e o prémio eram os aplausos do partido amigo e as vaias e apupos da oposição. São tempos extremamente difíceis, a guerra civil ainda não sarara todas as feridas e os governos de setembristas e cartistas sucedem-se uns aos outros. Eis como Herculano se dirige aos seus pares, naquele dia de Julho de 1840:

“Falo da violação do nosso território em Guiné.
Sr. Presidente, eu não sei qual seja pior: se insultar a nossa bandeira e tomar os nossos navios, se violar território de uma província portuguesa e declarar em seguida que esse território pertence a quem violou.
Aproveito esta ocasião para fazer algumas reflexões sobre o discurso de um senhor Deputado pela Madeira, que falou na sexta-feira passada. Sua Excelência disse que esse negócio de Casamansa é um daqueles que soam muito e valem pouco: disse que era bárbaro o nome de Casamansa; disse, enfim, que a França dizia ter direito àqueles territórios, e que a ele não lhe importa esta questão. Se o senhor Deputado entende que perdemos tantas léguas de costa de uma província nossa nada vale, eu entendo que vale muito, não só por ser terra portuguesa, como pelo grande trato que ali pode haver quando olharmos ou podermos olhar seriamente o Ultramar. O dar como razão o seu desprezo o ser bárbaro o nome de Casamansa, apenas merece uma resposta. Bárbaros são quase todos os nomes das nossas províncias ultramarinas, e nisso não vejo eu motivo para as entregar a quem nos quiser tomar conta delas.

Senhor Presidente: que se devia ter feito neste negócio?
Não o desprezar.
Reclamar à França, com moderação e firmeza, uma, dez, cem vezes.
O mesmo se devia ter feito com Inglaterra.

O partido cartista foi acusado de estar vendido à Inglaterra, porque de boa-fé aconselha a moderação e ao mesmo tempo que se não cessasse, por todos os meios, na negociação de procurar obter justiça. Não teria ele o direito de acusar o partido contrário, que governou o país em 37, 38, 39, e que não só calou à Nação o negócio da Guiné, mas abandonou às pretensões do governo francês uma província nossa; não teríamos nós, digo, o direito de acusar esse partido de estar vendido à França?
Não, Sr. Presidente.
Mil vezes não! E porquê?
Porque os parricidas são raros e o vender a pátria é o mais atroz parricídio.

Serei mais individual pelo que respeita à França sobre a questão da Guiné.
É realmente de reparo que de não sei quantos ministérios tem havido em Portugal desde 1837, nenhum visse a importância da fundação de uma feitoria francesa no Casamansa; ninguém visse que um tal estabelecimento faria desaparecer o que temos ainda em Guiné, e que essa pedra engastada na coroa portuguesa por D. João II, o título de senhorio da Guiné, cairia enfim dessa coroa, já tão empobrecida pelo desleixo e mau governo dos sucessores de D. Manuel. O que, porém sobretudo me espanta, senhor Presidente, é que nem o último Ministro dos Negócios Estrangeiros nem o seu antecessor respondessem cabalmente à nota do Conde Molé em que esse afamado Ministério pretendia sustentar a prioridade do domínio francês, não só nas margens do Casamansa mas também em toda a Costa da Guiné, sem excetuar os presídios de Cacheu e Bissau”.

Vamos então contextualizar. Em 1836, os franceses instalam-se na região do Casamansa, criando várias feitorias. Estão muitos interesses económicos em jogo, sabe-se que a escravatura tem os seus dias contados o óleo de amendoim expande-se rapidamente pela Senegâmbia.

Mas Herculano utiliza a questão do Casamansa como um pretexto, dispõe de informação sobre o estado de pura negligência em que se encontram as parcelas do império africano, serve-se da tribuna para lançar o grito de alarme. Como sublinhou Ivo Carneiro de Sousa (n.º 2, 1999, da Revista Africana Studia, Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto), “A primeira intervenção parlamentar de Alexandre Herculano trata de convocar o caso da questão de Casamansa para discutir o papel de Portugal no renovado concerto da concorrência internacional”.


A intervenção de Herculano andou despercebida cerca de um século. Até que Fausto Duarte, a quem a cultura guineense tanto deve a publicou no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, volume 4.º (1949). A política portuguesa manteve-se indiferente à gravidade da presença francesa no Casamansa. Honório Pereira Barreto fez tudo o que estava ao seu alcance para comprar territórios na região. Mas não teve apoios políticos suficientes. E assim, gota a gota, tudo se encaminhou para o reconhecimento do Casamansa como território francês daquela Senegâmbia que caminhava para o ocaso, fez-se o reconhecimento na Convenção Luso-Francesa de 1886, a nossa diplomacia pretendia, com a oferta do Casamansa, contar com o apoio do governo de Paris para o Mapa Cor-de-Rosa. Mas Paris não tinha interesses estratégicos na África Austral, assobiou para o lado. Há relatos pungentes onde se registam as vozes dos autóctones do Casamansa que pretendiam continuar a ser portugueses. Mas tudo estava perdido.


Era assim o Banco Nacional Ultramarino em Bolama, a capital da colónia dispunha de alguns edifícios com certa sumptuosidade, trata-se de uma arquitetura que está praticamente no chão ou em vias de desaparecimento
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16068: Nota de leitura (837): “Quinto Centenário da Descoberta da Guiné 1446 / 1946", brochura com um conjunto de selos da autoria de Amadeu Cunha e Uma tocante homenagem ao Comando morto em combate por Vassalo de Miranda (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16080: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte II: Um "estado dentro do estado"...


Angola > c. 1972 > Eu, junto à barragem no Dundo, um lugar aprazível

Foto (e legenda): © José Manuel Matos Dinis (2016). Todos os direitos reservados.




1. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) 

(José Manuel Matos Dinis)

Parte II: 
Um "estado dentro do estado" 





[ O  José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales, depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo a Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972, para ir  viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa  Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo,. Aqui aqui casou (por procuração), aqui viveu e trabalhou, aqui nasceu  o seu primeiro filho... Desafiámo-lo justamente  a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas. Ele aceitou galhardamente  o desafio.]
.

Tenho quase a certeza de que a descrição sobre a actividade mineira  (*) deve ter sido improfícua, pois, para além de não ter correspondido à melhor descrição sobre uma lavaria clássica de "pans", e sobre as acções de remoção de terras e de cascalho que antecediam a limpeza da rocha-base em cada corte, e ainda sobre as necessárias protecções às copiosas chuvas que caíam no decurso de cada ano, pelo que o interessa de mais pormenores técnicos, que os há em muito mais vertentes, podem ter constituído uma forte motivação desmotivadora de futuras leituras nesta série. Nesse caso, façam o favor de apresentar reclamações ao nosso Comandante-mor Luís Graça, que eu agradeço o favor para entrar antecipadamente de férias.

Mas afinal, que negócio é esse dos diamantes? É um "fétiche", direi eu. De facto, os diamantes servem para muito pouca coisa, e os que servem, são os industriais, precisamente os de menor valor. Os outros, os que cintilam de brilhos e são usados como adornos, não prestam para nada. Mas valem muito dinheiro, são atributos de riqueza e de poder. Destas razões é que resulta o grande fascínio ou interesse pelos diamantes. 

Em Angola, a exploração terá começado na sequência das explorações congolesas, pois boa parte dos leitos dos rios correm na direcção daquela colónia portuguesa, e os mineiros da época devem ter admitido que facilmente haveria mais diamantes do lado ocidental.

Em 1912 Johnston e Mac Vey aumentaram as certezas sobra a existência de diamantes em Angola, após a descoberta de 7 gemas num riacho afluente do rio Tchiumbe. Foi fundada a PEMA, empresa de pesquisas que começou a laborar nesse ano sob impulso da empresa belga Forminière. 

Em 16 de Outubro de 1917, com recurso a capitais mistos de Portugal, Belgica, Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e África do Sul nasceu a Diamang - Companhia dos Diamantes de Angola, que veio a tornar-se na empresa mais emblemática e contestada daquela colónia, que para além da actividade prosseguida na prospecção e exploração de diamantes, desenvolveu muitas outras ligadas à diferentes áreas de investigação, e a trabalhos tão diferentes quanto a agricultura e pecuária, assistência social médica e medicamentosa, e ainda veio a revelar-se de grande importância na concessão de empréstimos financeiros, quer ao Governo central, quer ao governo colonial ou provincial. 

Mas não ficou por aí, a Companhia construíu importantes infra-estruturas, de que se pode salientar duas barragens para consumo energético interno e para fornecimento da rede pública até vastas extensões para além da área de concessão; uma vasta rede de estradas em asfalto ou terra-batida; a construção de escolas, ou promoção de manifestações artísticas; e o financiamento, e por vezes com apoio técnico exclusivo ou em cooperação, de muitas outras iniciativas. A Companhia, por norma, também garantia a manutenção daquelas obras de carácter público e privado.

Esta a parte simpática da questão, porque também havia uma parte antipática sobre a influência da Diamang noutros sectores da vida pública e social da comunidade provincial. Refiro-me à repetida contestação sobre a isenção da generalidade dos impostos com que deixava de contribuir para o erário público. 

Além disso, por congeminações que fiz na época após a leitura de diversos relatórios do Banco de Angola, fiquei com a sensação de que os diamantes angolanos (os melhores da produção mundial) eram vendidos à Central Selling pelo preço médio praticado, o que a confirmar-se, terá redundado em grosso prejuízo para a nação, e em vantagem suplementar para o "trust" internacional que controlava o negócio. Nesta matéria, as diferenças qualitativas, de dimensão e cristalização eram muito importantes no estabelecimento de diferenças de preço sobre a unidade - o quilate.

Outro aspecto muito antipático residia na existência de uma polícia privada, e da permanência de companhias de "Voluntários", bem como pelo acolhimento de alguns militares catangueses, que para além de funções de segurança e do controle sobre o movimento das populações, dissuadia à penetração de outras pessoas que não estivessem relacionadas com a Empresa. Daí, dizer-se com desdém e crítica implícita, que a Diamang era um estado dentro do Estado.

O que era inegável, era a grande importância das receitas geradas na província com os negócios implicados em torno da Companhia, quer em fornecimentos directos, quer em fornecimentos indirectos, pois havia já mais de dois mil empregados europeus com níveis de vida e de poupanças invejáveis, bem como um considerável número de empregados autóctones com funções especializadas ​e ​o conjunto representava ​níveis de despesa familiar de certo modo importantes na economia da província. 

O valor patrimonial da Companhia era incomensurável e garantia importantes receitas para muitas empresas de representações comerciais (de origens nacionais e estrangeiras) em Angola. Portanto, não me parece razoável destacar uma ou outra faceta, quer para apoiar os privilégios de que a Empresa gozava, quer os níveis de exigência ou de denegrimento dos mesmos.

O ano de 1973 terá sido o primeiro em que a produção alcançou e ultrapassou os dois milhões de quilates, objectivo que exigiu muita aplicação e dedicação do conjunto dos empregados da área de produção, para que se potenciassem os meios com vista ao alcance daquele fim. 

Em 1974, segundo informação obtida na Net, a produção bateu o record de dois milhões e quatrocentos mil quilates, que resultaram da contratação de mais técnicos e abertura de turnos em algumas das explorações de maior nível absoluto de produção. 

O rendimento geral da actividade, se me for permitido fazer uma crítica, poderia ir ainda mais além, se tivesse havido bons níveis de formação de pessoal ao nível dos chefes de minas (e de lavarias, no caso das independentes), pois vieram a constatar-se perdas relevantes nas lavarias de meio-denso cujos encarregados estariam menos bem preparados ou sensibilizados. E havia empregados de excelente nível e dedicação para fazerem escola. 

Mas o negócio era tão rico, que a preocupação sobre a rentabilidade não podia ser assacada à incompetência e laxismo dos responsáveis, antes era apontada aos limites dos equipamentos de produção. A este propósito sobre a excelência dos modelos de produção, a contrário senso, sugiro que procurem na Net as imagens de Olivier Polet - "dans une mine de diamants en Angola". Parece corr
esponder à liberdade do absurdo, e os donos do negócio comprazerem-se com os lucros sem atenderem às inumanas condições de trabalho, nem à melhor rentabilidade dos meios, que não se comparam, nem de longe, ao que se praticava na Diamang.

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...


(...) Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa.(...) 

Guiné 63/74 - P16079: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (45): A brutal emboscada do dia 22/3/1974, na estrada (alcatroada, construida pela TECNIL ) Piche-Nova Lamego: só por negligência, propositada ou intencional ou casual, estes casos podiam acontecer... É coincidência apenas, ou as Forças Armadas só já estavam preocupadas com outros valores?...

Colagem de comentários do Antº Rosinha e do nosso editor LG ao poste P16074 (*):

[ Antº Rosinha é um dos nossos 'mais velhos', andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado, fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62, diz que foi 'colon' até 1974... 'Retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho']



A. Escreveu o nosso editor LG, em comentário ao poste  P16074 (*):

Pessoalmente, acho estranho que esta brutal emboscada na estrada de Piche-Nova Lamego, em pleno coração da zona leste, em pleno "chão fula", o dos nossos leais e bravos fulas, envolvendo forças da nossa cavalaria (com as famosas e, afinal, dececionantes "chaimites"), a um mês do 25 de abril de 1974, seja tão pouco falada, comentada, divulgada...

Quem poderia e deveria escrever, não escreve, por razões que desconhecemos... Se calhar, inibição, pudor, raiva... Eu sei lá!... Resta-nos este relato de antologia, de um obscuro furriel miliciano de engenharia, o Manuel Pedro Santos, que temos de pôr na galeria dos nossos mártires e heróis... Felizmente ele sobreviveu (e espero que ainda esteja vivo!) para nos contar como foi o inferno, às 8 e meia da manhã, desse trágico dia 22 de março de 1974, no troço Bentem-Camabajá da estrada (alcatroada) de Piche-Nova Lamego...

Mesmo assim, com 200 e tal atacantes, "entrincheirados", e armados de RPG, o PAIGC tinha a "obrigação" de massacrar todos os "tugas" e os seus "cães" que iam na coluna... "Guerra é guerra, camaradas"... E foi feia, brutal, essa maldita guerra... Ainda dizem que foi uma guerra de "baixa intensidade", a da Guiné, dizem os senhores historiadores engravatados da nossa universidade que nunca sentiram, nas "putas das narinas", o cheiro da carne humana assada...

Por favor, camaradas, tragam mais testemunhos sobre estes e outros momentos marcantes do nosso calvário de 13 anos!... Quantos de vocês não passaram, tranquilamente, quase em passeio turístico, por este troço da estrada de Nova Lamego - Piche!...

Acrescentem estes topónimos ao nosso martirológio: Bentém, Camajabá... Ninguém mais vai lembrá-los dentro em breve!

Resta-nos honrar a memória dos nossos camaradas, metropolitanos e guineenses, que lá ficaram, na estrada alcatroada de Piche - Nova Lamego, a 10 km depois de Bentém, antes de Camabajá, às 8h30 do dia 22 de março de 1974... Lembremos aqui os nomes desses bravos camaradas: (i) do Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria, EREC 8840/72 (Bafatá, 1973/74): os fur mil cav José António da Costa Teixeira, natural de Lousada, e Manuel Joaquim Sá Soares, natural de Santo Tirso; os 2 sold cav, João da Costa Araújo, natural de Ponte Lima; e Victor Manuel de Jesus Paiva, natural de Castelo Branco; (ii) e ainda, os soldados, do recrutamento local, Bailó Baldé, natural de Nova Lamego, sol at inf, CCAÇ 21; e Bambo Nanqui, natural de Fulacunda, sold at art, 12º Pel Art / GAC 7.


Guiné > s/l > 1972 > Uma viatura blindada Chaimite V200. Foto de António Rogério Rodrigues Moura [ARRM], 1972.

Fonte: Portal Prof 2000 > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital (Com a devida vénia...)


B. Agora comento eu, Antº Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL, que conheci  a Guiné-Bissau do Luís Cabral e do 'Nino Vieira', de 1987 a 1993:

"110 abrigos e outra grande quantidade de guerrilheiros em cima de mangueiros. O número de guerrilheiros estimou-se entre duzentos e duzentos e cinquenta elementos..."

Uma concentração desta envergadura naquele lugar fula, e naquela data, algo já estava a "falhar" das chefias.

Já perto dessa altura, na mesma estrada em construção, uma camião da TECNIL foi atingido por uma bazucada, "tipo brincadeira",  do PAIGC. Contaram depois os guerrilheiros que alguns disfarçados à civil pediram boleia no fim do dia para o Gabu, foi-lhe negada pelo motorista, e na hora de partir, uma bazooka acertou na porta do mesmo motorista guineense, que "muri".

Luís Graça, eu digo sempre, há uns anitos, que este blogue vai ajudar a contar a história do princípio, do meio e do fim da Guerra do Ultramar, a guerra que nós fizemos.

Sobre esta estrada de Piche, já aqui já foi mencionado este caso do único ataque às máquinas da TECNIL, praticamente em toda a guerra.

Luís Graça, só por negligência, propositada ou intencional ou casual, estes casos podiam acontecer. É coincidência apenas, ou as Forças Armadas só já estavam preocupadas com outros valores?

Claro que andamos aqui, também para compreendermos quem fomos, quem somos, e quem viremos a ser.


C. Novo comenatário do editor LG:

Quem somos nós para "julgarmos" os nossos camaradas ?... Admito que, nessa altura, com estrada alcatroada, a malta andasse mais "descontraída"... Fiz muitas vezes Bambadinca-Bafatá-Bambadinca também "numa boa"... Não aconteceu nada no meu tempo, para além de desastres rodoviárias, por excesso de velocidade...

Enfim, já cá tenho o Perintrep com informação sobre o dia 22/3/1974, facultado pelo meu amigo cor art ref Nuno Rubim... A emboscada foi às 7h45 (e não 8h30). Tivemos 5 mortos (e não 6...), 5 feridos graves e 11 feridos ligeiros... (Menos feridos do que é relatado pelo fur mil do BENG 447. o Manuel Pedro Santos, que ia na coluna)... Foram destruídas 3 viaturas: 1 Chaimite, 1 White, 1 Berliet...

Concordo contigo, Rosinha: 200 gajos de farda amarela a movimentarem-se em "pleno coração fula", deviam dar muito nas vistas... São 5 ou 6 bigrupos!... O PAIGC andava desfalcadíssimo, uma operação destas implica também uma grande logística...

Suspeito destes números que podem estar inflacionados pelo comando do batalhão, o BCAÇ 3883... Era preciso "arranjar" explicações fáceis, que os trutas em Bissau "engoliam"; quem estava no mato também tinha os seus trunfos, ou seja, maneiras de "sacudir a água do capote"; por certo que o ten cor do BCAÇ 3883 (**)  não foi fazer o reconhecimento "in loco"... Também apanhei uma violenta emboscada, no mato, com 6 mortos e 9 feridos graves (26/11/1970, no Xime)... Foi preciso arranjar "bodes expiatórios" e explicações mirabolantes... para descartar erros de comando...

De qualquer modo, o desguarnecimento do leste, a sul da estrada Piche-Nova Lamego, a ausência de uma zona tampão (perdida com a retirada de Beli, Madina do Boé, Cheche, e tabancas em autodefesa como Padada, Madina Xaquili, etc.), a par da proximidade com a fronteira, podem explicar também as facilidades de aproximação do IN a colunas de rotina, como esta...

Depois da emboscadas, a força atacante teve por certo que dispersar, por causa da aviação, que deve ter vindo em socorro das NT... A força inimiga veio fortemente armada, com armas automáticas, RPG2, RPG7 e morteiro 60...

Mas a lealdade dos fulas do Gabu não era a mesma dos fulas de Bafatá, dos regulados de Badora e Cossé... A CCAÇ 21 andou pelo nordeste nesta fase e havia indícios de que o PAIGC estava intimidar e a dividir os fulas... E havia fulas (do Gabu e do Senegal) na guerrilha... No meu tempo, era impossível: nunca soubemos de nenhum, nunca apanhámos nenhum, no setor L1 (Bambadinca): eram balantas, mandingas e beafadas...

Tenho que ver quando foi o ataque ao pessoal e máquinas daTecnil, no troço Piche-Buruntuma... Nas vésperas do natal de 1970, na construção do troço anterior, Nova Lamego-Piche, a TECNIL já havia sofrido 9 mortos...

A malta que estava na Ponte Caium (3º Gr Comb, os"Fantasmas do Leste", da CCAÇ 3546, Piche, 1972/74) também sofreu, no troço entre a Ponte e Piche, uma violenta emboscada em 14/6/1973, tendo morrido 5 camaradas nossos, em condições atrozes: o 1º cabo Torrão, e os sold Gonçalves ["Charlot"], Fernandes, Santos e Dani Silva. Ainda está de pé (!), na ponte, o monumento erigido pelos sobreviventes à memória dos camaradas mortos...



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Pormenor do mapa geral da província > Escala 1/500 mil (1961) > O traçado da antiga estrada Nova Lamego - Piche - Buruntuma. A distância entre Nova Lamego e Piche seria de 30/35 km. A emboscada de 22/3/1974 (na época seca)  deu-se na nova estrada, alcatroada, construída pela TECNIL, e cujo traçado não era muito diferente do antigo, A emboscada deu-se a meio caminho entre Piche (sede do BCAÇ 3883, 1972/74) e Nova Lamego, no troço Bentem - Cambajã  (,não confundir com Camajabá, entre Piche e Ponte Caium).

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


D. Comentário final de Antº Rosinha

Luís, eu não julgo ninguém, jamais me ouvirás julgar seja quem for. Eu sou daqueles que assumo que fomos nós todos que fomos revolucionários, reaccionários. que fomos simultaneamente salazaristas e anti-salazaristas, colonialistas e anti-colonialistas.

Imagina que eu era de armas pesadas, mas cheguei a fazer[, em Angola,]  de vagomestre,  e até "gamei" como os outros que não se livram da fama, portanto também sou corrupto!

Mas, factos são factos, e temos que analisar os factos.

Como vi a guerra aqui no blogue, melhor do que se estivéssemos lá, porque aqui é desbobinada em câmara lenta, e durante 13 anos vivi a guerra em Angola,  de barraca de campanha às costas de carregadores "contratados", daqueles que "comiam fuba podre, peixe podre", como diz o poeta/colonialista/transmontano/revolucionário [, António Jacinto,][***),. tenho, ou melhor temos, que deixar cair as nossas asinhas, e analisar friamente os factos.

E digo isto, se queremos respeitar a memória principalmente, daqueles que morreram sem nunca vestirem uma farda da mocidade portuguesa, alguns nem aprenderam o que eram as cinco quinas da camisa verde, nem aprenderam qual era a capital da Guiné, quando tinham 10 anos e nem sabiam quem foi Camões, ao contrário dos Comandantes.

Luís Graça, estamos a falar de um lugar de mata relativamente esparsa, a pouco mais de meia hora de Gabu, penso que era sede de Batalhão, já não haveria serviço de informações ao menos? Sem Spínola já se teria começado a desistir sem responsabilidades assumidas?

Luís Graça, como estamos a falar dos "finalmentes,  chegaram a cair mísseis sobre Bissau perto da Dicol e da Central Eléctrica, falava-se que Manuel dos Santos (Manecas) teria lançado esses objectos a partir de Cumeré, será que se chegou a um ponto que por lá por cima se tinha caído já na total desistência irresponsável?

É que tanto para avançar como para recuar, os comandantes têm que o fazer com as devidas responsabilidades, e cautelas, e até para improvisar que é a nossa tradicional competência, tem que ser bem feito.

Se insinuo aqui que já poderia haver relaxamento, mesmo que em vez de duzentos e cinquenta fossem só cinquenta guerrilheiros, num lugar plano e bastante aberto, com uma estrada em construção, uma pista de aviação no Gabú, junto a uma sede de Batalhão, e parece que nem teria havido resultados de uma (inexistente) reacção, o que é que podemos, a sangue frio, sentados ao computador, e depois de tudo o que se seguiu militarmente passados um mês ou dois, quem é que me pode alcunhar de "má língua",  de "fala barato",  "armado em juiz"?

Estou só a tentar ligar os acontecimentos. 
Antº Rosinha (****)
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Notas do editor:

(*) 10 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16074: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (11): Honrando os nossos "mais velhos": Fernando Valente (Magro), cap mil art, BENG 474 (Bissau, 1970/72), que faz hoje 80 anos... Tem 60 meses / 5 anos de serviço militar, e mais 5 manos que serviram a Pátria em Angola, Guiné e Moçambique... Recorda-se também aqui o relevante papel da engenharia militar na Guiné, através do BENG 447

(**) O BCAÇ 3883 foi mobilizado pelo RI 2, tendo partido para a Guiné, de avião, em Março de 1972 (o comando e a CCS em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23). A CCS ficou sediada em Piche.

 O comandante de batalhão era o Ten Cor Inf Manuel António Dantas.  O comandante da CCAÇ 3546 (Piche, Cambor, Ponte Caium e Camajabá) era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira. As outras companhias do BCAÇ 3883 eram a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche; teve dois comandantes: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho; Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche; comandante, Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo).

O batalhão regressou a casa, de avião, em Junho de 1974. Tem página no Facebook.

(***) Letra de António Jacinto (depois musicada por Rui Mingas, aqui na voz de Lura, 2009)

Monangambé

Naquela roça grande
não tem chuva,
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;
Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue,
feitas seiva.

O café vai ser torrado,
pisado, torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
Quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém,
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares,
"porrada se refilares"?

Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande,
ter dinheiro?
Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras,
deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras.

- "Monangambéé...'"

António Jacinto (1924-1992) (Poemas, 1961)

(Com a devida vénia ao blogue O Castendo, de António Vilarigues)

Guiné 63/74 - P16078: Convívios (745): XVII Encontro do pessoal da CCAÇ 3491, dia 4 de Junho de 2016 em Server do Vouga (Luís Dias)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Dias (ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74), com data de 11 de Maio de 2016: 










__________
Nota de MR:

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16077: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (3): Mais três fotos da "minha" CCAÇ 1424... Numa delas o alf mil inf António Joaquim Alves de Moura, natural de Padronelos, Montalegre, que morreu em combate, "a meu lado com um tiro no coração", a 4/9/1966, em Chinchim Dari, entre Mejo, a sul, Nhabocá, a norte, e Salancaur, a oeste... mais 4 topónimos do nosso martirológio de Guileje


Foto nº 1 > Guileje > 1966 > CCAÇ 1424 > "O meu grupo de assalto"...


Foto nº 1 A >  O malogrado alf mil inf, António Joaquim Alves de Moura,
morto em combate a 4/9/1966. É a única fotografia que dispomos dele, no blogue e na Net. É um dos 75 alferes mortos no TO da Guiné.


Foto nº 2 >  Guileje > 1966 > CCAÇ 1424 > "O grupo de apoio"


Foto nº 3  > Guileje > CCAÇ 1424 > "O grupo de segurança" (milícias)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 1424 (1965/67)


Fotos (e legendas): © Nuno Rubim (2016). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Nuno Rubim, com data de ontem:

[, foto à direita: o Nuno Rubim, hoje cor art ref, e um talvez o maior especialista em Portugal de história da artilharia... O Nuno tem uma documentação, em suporte digital e em papel, absolutamente fabulosa sobre o TO da Guiné, onde fez duas comissões, no princípio e no fim da guerra... Na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966); tem além disso a coleção completa, digitalizada, dos  Perintreps, daí o título desta sua nova série; trabalhador incansável, é também um grande amigo e camarada, a que pedimos informação e conselho; é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de junho de 2006 (*)]




Guiné > Região de Tambali > Carta de Guileje > Escala 1/50 mil (1956) > Alguns topónimos "míticos" da nossa guerra,por onde passaram muitos dos nossos camaradas, de 1961 a 1974: além de Guileje, Mejo, Gandembel e Ponte Balana...Mas também  Salancaur, Nhacobá, Chinchim Dari (na carta aparece primeiro o topónimo Cabo Verde, seguido de Chinchim Dari, entre parênteses; recorde-se que no crioulo da Guiné-Bissau "dari" é a designação para "chimpanzé")... Também temos dúvidas sobre a linha que separa a região de Quínara e a região de Tombali, ontem como hoje...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Capitão "fula" (como era
 conhecidoem Mejo...) 
Nuno Rubim

Vou continuar a enviar material de Guileje, agora da CCaç 1424. Porque perintreps são muitos e tem de se escolher uma data. (**)

Seguem 3 fotos:

A foto nº 1  mostra o meu grupo de assalto. Lá está o alf Moura, o primeiro à esquerda, ajoelhado que morreu a meu lado com um tiro no coração, em Chinchim Dari.. [E eu à direita, em tronco nu, vestido à "capitão fula"];

Na foto nº 2 está o grupo de apoio e na nº 3 está o grupo de segurança (Milícias ), com armas capturadas pela Companhia em Salancaur.

Abraços
Nuno Rubim


2. Comentário do editor:

O alf Moura é o António Joaquim Alves de Moura, transmontano, natural de Padronelos, Montalegre,  morto em combate, em  4/9/1966. Pertencia à CCAÇ 1424 / BCAÇ 1858 (1965/67), batalhão mobilizado pelo RI 15.

Vamos acrescentar o topónimo Chinchim Dari à lista já extensa (e trágica) do nosso martirológio guineense.


____________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P863: Tabanca Grande: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim

Guiné 63/74 - P16076: Convívios (744): Encontro do pessoal da CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69), dia 12 de Junho de 2016, Covão do Lobo, Vagos



EM BUSCA DE CAMARADAS PARA O ALMOÇO/CONVÍVIO DA CART 2340

DIA 12 DE JUNHO DE 2016

COVÃO DO LOBO - VAGOS

Boa noite. 
Sou filha de um ex-combatente da CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69), Rogério Barreira que pertencia às Transmissões.
O meu pai é de Coimbra e é conhecido pelo Relojoeiro.
Procurei na internete informações e deparei-me com o vosso blogue. Será que pode ajudar-nos a juntar os camaradas e a divulgar o convívio?

Os contactos que ele tem estão desactualizados pelo que procuro os seus camaradas com vista ao Almoço/Convívio deste ano que terá lugar no dia 12 de Junho de 2016, com concentração pelas 12 horas no Restaurante "O Parque", sito na Rua Principal (EN 334), Covão do Lobo, Vagos.

Seria muito interessante que as pessoas partilhassem fotos e histórias sobre aquela passagem. Não é época feliz para muitos, mas é a realidade. Por muito que se partilhe histórias, nunca se esgotam as fontes. 

O contacto do meu pai é: 966 162 108

Atenciosamente
Maria Cristiana Barreira
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16071: Convívios (743): XXXVII Encontro do pessoal da CCAV 2639, dia 18 de Junho de 2016 em Fernão Ferro (Mário Lourenço)

Guiné 63/74 - P16075: Os nossos seres, saberes e lazeres (154): A pele de Tomar (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Uma cidade que foi sede da Ordem dos Templários em Portugal, sede da Ordem de Cristo, onde houve um Paço onde morou o Infante D. Henrique, que aqui vinha administrar os seus bens, uma residência para D. Manuel I, que queria acompanhar o embelezamento do Convento e o acontecimento ímpar em que se tornou a Charola, por aqui andou Felipe II agradecido e oferecendo um aqueduto impressionante, obra arquitetónica de primeira classe, por aqui houve fábricas de tecidos e alvores industriais, seguramente que tal cidade guarda preciosidades de toda a espécie, limito-me nestas passeatas a captar detalhes de uma epiderme grácil, versátil, de tal modo que não há viajante que não saia daqui impressionado.
São estes meus olhares que com satisfação partilho convosco.

Um abraço do
Mário


A pele de Tomar (4)

Beja Santos

Tomar é um sério caso de estudo de entrelaçamento da ecologia humana com as suas manifestações urbanas. Há sinaléticas que correspondem à amenidade com que se vive e à boa respiração das ruas do seu casco histórico. Neófito quanto aos seus códigos, a primeira vez que aqui passei deu-me para pensar se tínhamos aqui uma delegação da obra do Padre Américo. Mas não, aqui há vitualhas, até mensagens de amor na montra, e agora é-me indiferente aprofundar a ligação entre este nome e comércios passados. É enternecedor e basta.



Logo à entrada da Corredoura se apercebe que há resquícios do gosto neomanuelino, e ainda bem, Tomar deve um dos seus ícones cimeiros a D. Manuel I que não descansou enquanto não pôs a Charola na magnificência que apreciamos, não há favor nenhum em chamar-lhe património da humanidade. Gosto desta porta, muito pela delicadeza, espero que em breve a repintem, pois bem merece.


Somos a primeira potência mundial em azulejos, bendita criatura que se lembrou deste lugar cândido do Nabão, ali a uma centena de metros, para o entronizar em tons azuis, a que estamos habituados, basta pensar em tão belas estações de caminho-de-ferro, como Santarém ou Aveiro. Enfim, e sem intuitos publicitários, há mais Corredoura com esta pele azul.


Mesmo em frente ao cineteatro temos algumas lembranças de uma dada vida cultural tomarense. Naquele tempo, o cinema, a conferência, a trupe teatral tinham um outro encanto, participava-se no evento num traje quase solene, era uma exigência social incrustada nos usos e costumes, esta imagem, hoje, só a título excecional é que podia apresentar uma assistência tão afiambrada, o consumo de massas tornou estes eventos meros produtos que se podem ver com pipocas e em mangas de camisa.


Esta porta de templo religioso cativa-me pela sobriedade e as proporções harmónicas. Paro aqui muitas vezes para olhar mais alto, ver a estátua da Virgem, não está facilmente ao alcance dos olhos, tenho para mim que o artista a inseriu para completar a perfeita harmonia. É como se fôssemos convidados a ficar prantados em oração, agradecendo a Deus e ao artista.


O que seria desta bela casa sem esta vegetação luxuriante, uma buganvília disciplinada, um supremo adorno e último toque de graciosidade? Não vale a pena especular, produto final é de uma requintada harmonia, há aqui um toque de sensibilidade de gostar da vida e do sítio onde se habita.



Digam o que disserem, estas molduras de pedra maravilham, seja qual for a estação do ano. Às vezes penso como esta cidade ficaria muito mais deslumbrante com toda esta pedra tratada. Porque nada impede o conforto interior, este é design feito pela história, convém não o macaquear. É pele da nossa identidade.


Esta invocação náutica não tem concorrentes em quaisquer outros estilos artísticos. Falando com os meus botões, e correndo o risco de tudo isto parecer prosápia, olho para o manuelino como uma imagem de marca, um rei poderoso, que considerava pôr e dispor de metade do terráqueo para navegar e comerciar, de tal majestade como a sua esfera armilar, só com este perfil é que o seu escol de artistas podiam gravar na pedra uma epopeia sem rival. É preciso subir ao alto de Tomar para contemplar esta pele dos Descobrimentos.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 4 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16048: Os nossos seres, saberes e lazeres (152): A pele de Tomar (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16052: Os nossos seres, saberes e lazeres (153): O novo livro do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, "Onde a Cegonha Poisou - Contos Autobiográficos do meu Manuel", já está disponível (O autor)

terça-feira, 10 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16074: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (11): Honrando os nossos "mais velhos": Fernando Valente (Magro), cap mil art, BENG 474 (Bissau, 1970/72), que faz hoje 80 anos... Tem 60 meses / 5 anos de serviço militar, e mais 5 manos que serviram a Pátria em Angola, Guiné e Moçambique... Recorda-se também aqui o relevante papel da engenharia militar na Guiné, através do BENG 447


Capa do livro "A Engenharia Militar na Guiné - O Batalhão de Engenharia". Coord. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa : Direcção de Infraestruturas do Exército, 2014, 166 p. : il. ; 23 cm. PT 378364/14 ISBN 978-972-99877-8-6.  Índice da obra: ver aqui.

[Cortesia de Nuno Nazareth Fernandes] (*).


1. Em honra do nosso camarada Fernando Valente (Magro) que hoje faz 80 (oitenta anos!) (o outro aniversariante é o Henrique Matos, "régulo da Tabanca do Algarve") (*) e é um dos "nossos mais velhos", o que na cultura da Tabanca Grande significa, mais do que um 'posto', respeito, apreço, orgulho ...

Recorde-se que Fernando Valente (Magro):

(i) nasceu a 10/05/1936 em Arouca;

(ii) foi Engenheiro Técnico de Construções Civis no Ministério das Obras Públicas;

(iii) prestou serviço na Guiné como Capitão Miliciano de Artilharia, entre 1970 e 1972, no BENG 447;

(iv) é membro da Associação Portuguesa de Escritores;

(v) é autor das seguintes obras literárias: Menina do Meu Pensar; A Canção Arábica;  Memórias da Guiné; Um Olhar Abrangente; As Aventuras de Robin dos Bosques;

(vi) tem dois blogues: Portugal e o Passado..; Histórias da Vida Real.

Do primeiro blogue voltamos aqui a reproduzir, em sua honra e em honra dos demais camaradas do BENG 447, um poste com a data de 12 de maio de 2015. Foi originalmente publicado no seu livro  "Memórias da Guiné",  Edições Polvo, Lda, 2005...  É um notável poste, não só pelos apontamentos biográficos como pelo relato da trágica emboscada que sofreram as NT em 22/3/1974, a um mês do 25 de abril, na estrada Piche-Nova Lamego, no troço entre Bentem e Camabajá, poderosamente evocado pelo fur mil do BENG 447, Manuel Pedro Santos. É uma forma de os associarmos também, aos nossos camaradas da engenharia militar, à festa dos nossos 12 anos: o nosso blogue nasceu em 23/4/2004 (***).

Há uma página no Facebook sobre o BENG 447, Brá, Guiné - Comunidade  (sem movimento desde há um ano...). No nosso blogue há cerca de 7 dezenas de referências ao BENG 447. E temos vários camaradas da engenharia militar na nossa Tabanca Grande.


2. Poste do blogue Portugal e o Passado... A nossa verdade sobre a história de Portugal... > 12 de maio de 2015 >  A Agonia do Império (excerto)

por Fernando Valente (Magro)


Guiné > s/l > s/d > c. 1970/72] > O Cap Mil Fernando Valente (Magro), à esquerda, acompanhando o Gen Spínola e o Comandante Militar; ao centro, o Ajudante de Campo do Com-Chefe, Almeida Bruno.

[Cortesia do blogue Os Magros do Capim - A gesta de seis irmãos que cumpriram Serviço Militar em África (Angola, Guiné e Moçambique)]

(...) Essa guerra [, a guerra colonial], em três frentes, tornar-se-á longa obrigando a um grande esforço material e humano, com sacrifício de várias gerações de jovens soldados, enquadrados por sargentos e oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos).

No caso da minha família (Valente Magro) todos os meus cinco irmãos e eu próprio fomos chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos fomos mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano;  dois para Angola sendo um deles no posto de furriel,  e o outro como cabo especialista da Força Aérea;  e três para a Guiné, sendo eu, o mais velho, como capitão miliciano, o mais novo como furriel [Abílio Magro] e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro cabo auxiliar de enfermeiro [, Álvaro Magro].

No meu caso particular,  fui duas vezes incorporado obrigatoriamente na vida militar. Em 1959 iniciei o cumprimento da minha primeira obrigação militar na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas como cadete tendo acabado como aspirante oficial miliciano no Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 3, em Paramos, Espinho. Somente regressei à vida civil em Fevereiro de 1960 como alferes miliciano, tendo sido promovido mais tarde a tenente miliciano na disponibilidade. Estive nas fileiras do exército nessa primeira fase durante vinte meses.

Depois disso entrei ao serviço do Ministério das Obras Públicas como engenheiro técnico, casei e nasceu o meu filho Fernando Manuel em 1961, precisamente no ano da invasão e anexação pelas tropas da União Indiana das possessões de Goa, Damão e Diu.

Também em 1961 teve início a guerra colonial de Angola, que se estendeu rapidamente à Guiné e a Moçambique como já referi anteriormente. Na altura, em 1961, ainda receei ser mobilizado como alferes, mas tal não se verificou. Mas em 1968, passados sete anos, tive conhecimento que, por haver muita falta de comandantes e companhia (capitães),  o governo estava incorporando os tenentes milicianos na disponibilidade a fim de frequentarem obrigatoriamente um curso de promoção a capitães, tendo em vista a sua mobilização, nesse posto, para as guerras coloniais em África.

O aviso para me apresentar em Mafra a fim de frequentar o referido curso de promoção a capitão chegou-me a vinte e oito de Fevereiro de 1969. Em Março desse mesmo ano fui pela segunda vez incorporado no exército e só passei à disponibilidade em trinta de Junho de 1972, isto é, passados quarenta meses. Como na minha primeira incorporação tinha estado vinte meses ao serviço do exército, com esta segunda incorporação perfiz sessenta meses, isto é cinco anos de vida militar obrigatória.

Vida militar que na segunda fase compreendeu uma comissão na Guiné de 10 de Abril de 1970 a 30 de Junho de 1972. Essa comissão que inicialmente estava para ser cumprida comandando uma companhia operacional no mato, acabou por ser levada a efeito no Batalhão de Engenharia 447, em Bissau por intervenção do Governador e Comandante-Chefe da Guiné, General Spínola, que decidiu colocar-me no referido batalhão de engenharia aproveitando a minha formação civil. Aí chefiei os Serviços de Reordenamentos Populacionais.

Tratava-se de um serviço dirigido por militares que era essencialmente destinado às populações civis. Tinha em vista proceder ao agrupamento de diversas pequenas "tabancas" com o fim de constituir aldeamentos médios onde fosse rentável dotá-los com algumas infraestruturas tais como escolas, postos sanitários, fontanários, tanques de lavar, cercados para o gado, mesquitas ou capelas. Além disso tinha-se também em vista, com a execução dos reordenamentos, a defesa e o controle das populações.

Capa do livro, edições Polvo, 2005
A minha actividade não estava por isso circunscrita à cidade de Bissau. Tinha por vezes que me deslocar ao interior do território para resolver localmente problemas que surgiam durante as obras dos reordenamentos populacionais. Fiz, por isso, algumas viagens para o interior da Guiné em helicóptero ou em avião militar (Dornier). Essas viagens tinham alguns riscos devido aos independentistas, a certa altura, se terem apetrechado com mísseis terra-ar e devido aos tornados que por vezes se formavam e que eram perigosos principalmente para as pequenas aeronaves.

Durante a minha estadia na Guiné ocorreu um acidente justamente com um helicóptero que transportava cinco deputados da Assembleia Nacional e que um tornado fez despenhar no rio Mansoa tendo morrido todos os seus ocupantes.

Comigo as deslocações ao interior da Guiné correram sempre sem perigo, mas para outros militares não foi sempre assim. O Batalhão de Engenharia 447 tinha como funções dar apoio às tropas aquarteladas na Guiné no âmbito de garantir o regular funcionamento dos quartéis, promover o fornecimento de geradores eléctricos, orientar e apoiar as obras de reordenamentos populacionais, fornecer material de manutenção, construir estradas, pontes e portos de atracagem, quartéis e abrigos subterrâneos, etc.

Muitos elementos do BENG 447 tinham de se deslocar ao mato frequentemente em colunas por via terrestre e alguns correram grandes riscos como podemos constatar pelo relato trágico que o Furriel Miliciano de Engenharia Pedro Manuel Santos fez no livro "A Engenharia Militar na Guiné" (no qual também colaborei) (*) quando descreve uma emboscada que sofreu uma coluna de dez viaturas, em que ele mesmo seguia, da seguinte forma:

"No dia 22 de Março de 1974 quando regressava de Piche para Nova Lamego, em coluna militar, e após termos percorrido cerca de dez quilómetros entre Benten e Cambajá, cerca das 8:30 horas, sofremos uma emboscada de grande violência.

O PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde) tinha colocado à beira da estrada cerca de 110 abrigos e outra grande quantidade de guerrilheiros em cima de mangueiros. O número de guerrilheiros estimou-se entre duzentos e duzentos e cinquenta elementos...

A nossa coluna militar era constituída por dez viaturas, sendo duas chaimites, uma white, três berliets e quatro unimogs. Quando deflagrou a emboscada as duas chaimites da frente foram as primeiras a ser atacadas com RPGês bem como uma white e um unimog.

A primeira chaimite onde ia o capitão Luz Afonso passou e saiu da estrada protegendo-se no mato no lado oposto ao dos guerrilheiros tendo sido ainda atingida por um rocket de raspão. A segunda chaimite, onde ia eu, apanhou uma rocketada à frente, bem como no lugar onde ia o condutor e o Furriel Soares que a comandava. Perfurou o blindado e cortou as pernas aos dois referidos camaradas que começaram a gritar por ajuda.

O cabo Augusto Graça que ia na metralhadora, com uma enorme frieza dispara durante algum tempo até que a velha máquina se encravou. Durante uns minutos, que me pareceram anos, a chaimite começou a arder pela frente e as chamas envolveram os companheiros que tinham sido atingidos pela rocketada e que já estavam sem pernas.

Lembro-me de olhar nos olhos o Furriel Soares, que comandava a chaimite, e que me pediu para o não deixar morrer ali. Por segundos tentei pegar num deles mas a viatura já se encontrava com um nível de calor muito elevado e o perigo de ficarmos todos lá dentro era iminente.

O cabo atirador Augusto Graça apenas teve tempo de abrir metade da escotilha do blindado e gritar para fugirmos. Já não pude fazer mais nada. Tive de abandonar o blindado. Saí eu, o capitão miliciano Fernando e o cabo Augusto Graça. Corri cerca de cem metros e logo atrás de mim um guerrilheiro do PAIGC tentou agarrar-me à mão. De imediato os depósitos da chaimite rebentaram e deu-se uma enorme explosão.
Ainda me lembro de ouvir as balas e as granadas que estavam dentro do blindado a rebentar e os últimos gritos dos meus dois camaradas! Nesse momento o guerrilheiro que correu atrás de mim, em volta de um enorme morro de formigas "baga baga", desistiu, presumo que assustado pela enorme explosão da chaimite e consegui despistá-lo fugindo para o mato. A minha G3 tinha ficado no blindado.


Guiné > Zona leste > Região de Gabú > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Coluna logística, vinda (presumivelmente) de Nova Lamego e a chegar a Piche... À frente uma Chaimite, seguida de uma White... As duas viaturas deveriam, possivelmente, pertencer ao Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74). Foto do álbum fotográfico do nosso camarada Jacinto Cristina (Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo).

Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Dentro do mato encontrei o capitão Fernando... ele trazia uma pistola Walter e disse-me: esta pistola é para nos suicidarmos se formos agarrados à mão!

A partir de aí perdi por completo a memória, não sei por onde andei nem durante quanto tempo, mas dizem-me que foi por um dia inteiro. Tenho uma vaga ideia de ir ter sozinho à estrada e encontrar o Furriel Fidalgo que fazia segurança ao material queimado. Senti o cheiro de carne humana queimada que saía da minha chaimite e que até hoje nunca mais me saiu do nariz.

Levaram-me para Piche onde o nosso capitão Luz Afonso já se encontrava à espera de transporte para Bissau. Segui, depois, para Nova Lamego onde fui tratado a uma perna que ficou ferida ao sair por metade da escotilha da chaimite. Fui depois evacuado para o Hospital Militar de Bissau...

A minha arma foi entregue mais tarde no BENG 447 apenas com a parte de ferro crivada das balas que rebentaram dentro da chaimite. O Furriel Fidalgo disse-me que quando apareci do mato e o encontrei junto à estrada só gritava para ele: "Foge que vem aí os amarelos!" (referindo-me aos fardamentos do guerrilheiros do PAIGC) e que estava completamente baralhado da cabeça. 

Chamaram-me o "morto-vivo" por ter sido dado como morto e depois aparecer com vida. Nesta emboscada tivemos seis mortos (****), dezasseis feridos muito graves e três feridos ligeiros. Tenho na memória alguns camaradas a respirar pelas costas e já sem vida. Alguns completamente desfeitos. Outros a serem tratados com garrotes.

Quando regressei à metrópole para junto da minha família... senti-me completamente abandonado e entregue a mim próprio. Ninguém me perguntou se estava bem ou mal, se precisava ou não de qualquer tipo de ajuda. Tinha de recomeçar a minha vida...

Hoje, passados quarenta anos, acho imprescindível este desabafo para que alguém com poderes para isso não deixe que a história se repita neste capítulo.

Esta é apenas uma história entre outras que em dois anos sucederam e que não gosto de contar mas entendo que a devia escrever. A todos os ex-combatentes ainda vivos deixo uma palavra de coragem para acabarmos os dias que nos falta viver.

As gerações vindouras que não esqueçam a brutalidade a que o Governo de então submeteu os jovens da nossa geração. Quando se fala de ex-combatentes deve tributar-se o respeito que eles merecem pois marcaram e fazem parte de uma página da história que, em nome da Pátria, foram obrigados a cumprir e muitos a darem, inclusive, a sua própria vida."

[Texto originalmente publicado em "Memórias da Guiné",  de Fernando Magro,  Edições Polvo, Lda, 2005]



Guiné > Zona leste > Região de Gabu  > Carta de Nova Lamego > Escala 1/50 mil (1957) > Pormenor: Troço Cambajá-Bentem na estrada Nova Lamego

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016).
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(***) Último poste da série > 8 de maio de 2016 >  Guiné 63/74 - P16065: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (10): Republicando o poste P5807, de 13/2/2010: O 6.º aniversário do nosso Blogue (1): Homenagem ao Fundador Luís Graça e a toda a tertúlia (Jorge Félix/Carlos Vinhal)

(****) Nesta emboscada, na estrada de Piche-Nova Lamego,  morreram 2 soldados e 2 furriéis do Esq Rec Fox 8840, 1 soldaddo da CCAÇ 21 e 1 soldado do 12.º Pel Art

Lembremos aqui o nomes desses bravos camaradas:

(i) Do EREC 8840/72 (Bafatá, 1973/74):

2 fur mil cav, José António da Costa Teixeira, natural de Lousada; e Manuel Joaquim Sá Soares, natural de Santo Tirso; e

2 sold cav,  João da Costa Araújo, natural de Ponte Lima; e Victor Manuel de Jesus Paiva, natural de Castelo Branco;

(ii) Dois soldados naturais da Guiné: Bailó Baldé, natural de Nova Lamego, sol at inf, CCAÇ 21; e Bambo Nanqui, natural de Fulacunda, sold at art, 12º Pel Art / GAC 7.

Guiné 63/74 - P16073: Agenda cultural (480): lançado, no passado dia 23 de abril, em Aveiro, o livro do nosso camarada Francisco Gamelas, "Outro olhar - Guiné 1971-1973"... Era alf mil cav, cdmt do Pel Rec Daimler, em Canchungo (Teixeira Pinto), ao tempo do BCAÇ 3863, e do CAOP1, quando por lá passaram os nossos camaradas António Graça de Abreu e Mário Bravo





1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Francisco Gamelas

Data: 20 de abril de 2016 às 22:28

Assunto: lançamento do livro "Outro olhar - Guiné 1971-1973"


Boa noite companheiro e camarada Luís Graça.

Sou o "Alferes Gamelas" que aparece mencionado no livro "Diário da Guiné"[, do António Graça de Abreu,] por duas [ou três] ocasiões.

Só hoje tive conhecimento da existência do teu blogue onde concentras informação sobre o período colonial, que achei interessante. Ali encontrei o teu contacto, razão porque te estou a enviar este mail. 

Por coincidência, no próximo sábado, dia 23 [, de abril], vou lançar o livro mencionado em epígrafe, cujo convite envio em anexo, para o divulgares, se achares adequado. Trata-se de uma edição de autor, pelo que, se alguém se interessar, estará disponível através do meu e-mail.
Enviá-lo-ei pelo correio para o endereço que me indicarem.

Gostaria de ser informado de eventuais encontros que venham a organizar.

Um abraço.

Francisco Gamelas

2. Comentário do editor LG:

Meu caro Franciso, obrigado pelo teu contacto e pelo teu convite. Infelizmente, passou a data e  não tivemos  oportundidade  de anunciar, a tempo, com o destaque que tu mereces, enquanto camarada da Guiné,  a sessão do lançamento do teu livro, realizada na biblioteca municipal de Aveiro, no passado dia 23 de abril.

Mas não é tarde. Aqui fica a notícia e os teu contacto [email e página do Facebook]

Não encontrámos referências a este evento, a não ser numa página criada, para o efeito, pela Biblioteca Municipal de Aveiro, onde se diz:

(...) Este livro pretende ser um testemunho assente nas memórias do tempo da guerra colonial, revisitadas mais de quarenta anos depois de terem ocorrido os factos, episódios, emoções e sentimentos correspondentes. Aqui e acolá, algumas reflexões acompanham o seu reviver. O fio condutor da sua recuperação segue o acervo fotográfico do autor, que funciona como pretexto dominante.(...)

Quanto ao "Diário da Guiné"... tem, por subtítulo: "Lama, Sangue e Água Pura". Não é da minha autoria, mas  da autoria do António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, professor universitário, nosso camarada, teu camarada em Canchungo (Teixeira Pinto) em 1972...



O Graça de Abreu foi alf mil, CAOP 1, tendo passado por Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, entre 1972 e 1974, é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 170 referências... Vou te pôr em contacto com ele.

No seu "Diário da Guiné", ele de facto tem pelo menos três referências à tua pessoa, o alferes Gamelas,  alf mil em Canchungo (Teixeira Pinto) em 1972,...  Pelo que  depreendo da leitura do diário do nosso camarda António Graça de Abreu, tu eras de cavalaria, comandante do Pel Rec Daimler, estavas adido à CCS/BCAÇ 3863 (1971/73) e tinhas lá contigo a tua esposa Helena... Verdade ?

O BCAÇ 3863 foi mobilizado pelo RI 1, partiu para o TO da Guiné em 16/9/1971 e regressou a 16/12/1973. O comando e a CCS estavam em Teixeira Pinto. Era comandado pelo pel ten cor  inf António Joaquim Correia. Companhias operacionais: CCAÇ 3459 (Bassarel); CCAÇ 3460 (Cacheu); e CCAÇ 3461 (Carenque e Teixeira Pinto). [Por lapso, no "Diário da Guiné" diz-se que tu pertencias à "companhia 3863", que não existe; o Graça de Abreu queria dizer "BCAÇ 3863"].

Desse tempo, 1972, era também o alf mil médico Mário Bravo,  que vive no Porto: é igualmente nosso grã-tabanqueiro,  [, isto é, membro da nossa Tabanca Grande, para a qual ficas de imediato convidado; só preciso que nos mandes duas fotos tuas, uma atual e outra do tempo da Guiné]. Como sabes, depois de Teixeira Pinto, onde esteve com o Bagulho, foi para o sul, Bedanda e pro fim para o Hospital Militar. Tens aqui quase meia centena de referências sobre ele, no nosso blogue.

Já agora vê aqui uma foto de grupo, tirada em Teixeira Pinto, em  setembro de 1972... e em que apareces, com o António Graça de Abreu e o Mário Bravo, entre outros oficiais que, ao que parece, estavam á espera da chegada do gen Spínola. Vais gostar...Infelizmente estás de perfil, mas o Graça de Abreu identificou-te. Um alfabravo (ABraço) do editor LG.

PS - Precismos que nos mandes também um exemplar do teu livro (que é edição de autor), para se fazer a competente nota de leitura / recensão bibliográfica.



Guiné > Região do Cacheu > CAOP 1 > Teixeira Pinto > Setembro de 1972 > O alf  mil médico Mário Bravo - o quarto a contar da esquerda, de óculos - no meio de um grupo de oficiais, ao tempo do BCAÇ 3863 [4], comandado pelo ten cor inf  António Joaquim Correia

O António Graça de Abreu - alferes miliciano (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) - é o primeiro da esquerda [1]. O Abreu veio depois completar a legenda: 

"O Mário Bravo lembrou-se de mim em Teixeira Pinto e mandou essa fotografia onde apareço jovem, quase menino, na ponta esquerda da foto. Na ponta direita está, de camuflado, o meu amigo capitão miliciano António Andrade [5], comandante da 35ª Companhia de Comandos, também amplamente referido no meu livro. Entre mim [1] e o Bravo [4] estão o alferes Gamelas [2], [do BCAÇ] 3863, e o alferes Cravinho (de calções) [3], do nosso CAOP 1 e meu companheiro de quarto". 

Foto: © Mário Bravo (2007). Todos os direitos reservados

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Nota do editor: