quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25869: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (57): Ataque ao Destacamento do Dugal em 09 de Junho de 1971

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 19 de Agosto de 2024:

Boa noite Carlos e Luís
Este é o meu último "post" sobre a história da minha Companhia (CCAV 2721).

É natural que com o passar do tempo me lembre de mais "estórias" passadas na Guiné. Quando isso acontecer enviar-vos-ei para analisarem e publicarem, se acharem que vale a pena.
Entretanto, informo-vos que trouxe várias peças de artesanato (madeira e missanga).
Se entenderem que tem interesse para publicação digam, para mandar as fotos, mas só daqui a algum tempo, porque tenho as próximas semanas destinadas a outro "trabalho".

Com os meus desejos de saúde para vós e vossas famílias, um abraço.
João Moreira


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"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


ATAQUE AO DESTACAMENTO DO DUGAL EM 09 DE JUNHO DE 1971

Na noite de 09 de Junho de 1971 o PAIGC atacou os quartéis desde Mansoa até Nhacra, para fixar as nossas tropas nos quartéis e desencadear um ataque a Bissau com os foguetões da rampa de lançamento que tinha instalado em CUMERÉ.

No ataque que foi feito ao nosso destacamento do Dugal, tivemos vários mortos e feridos.

Morreu o nosso soldado Sebastião do 1.º Grupo de Combate, que estava colocado neste destacamento e foi vítima dos estilhaços de um engenho explosivo.
Também morreram 1 furriel miliciano e vários soldados, pertencentes ao pelotão de morteiros que estava sediado em NHACRA e tinha uma secção em DUGAL.1

Foram vítimas da explosão de uma granada de morteiro que rebentou dentro do nosso espaldão de morteiro.

Constou que a granada de morteiro era "nossa" - foi enviada de outro destacamento nosso com direcção errada.

Após os ataques, os quartéis desta zona foram reforçados e passaram a noite em patrulhamentos


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Nota do editor:

[1] - De acordo com o Livro 2 - Guiné - Mortos em Campanha, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), neste ataque ao Destacamento do Dugal no dia 9 de Junho de 1971, faleceram: um Furriel e um Soldado  de Armas Pesadas do Pel Mort 2174 e um Soldado At da CCAV 2721. 

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Nota do editor

Último post da série de 15 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25844: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (56): Partida do Olossato para Nhacra em 09 de Junho de 1971 e ataque a Nhacra mal chegados

Guiné 61/74 - P25868: Agenda cultural (858): O nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, (ex-1.º Cabo At Inf DFA da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71), vai estar presente no próximo dia 24 de Agosto, sábado, às 18 horas, na Feira do Livro do Porto, Jardins do Palácio de Cristal, para uma sessão de autógrafos no Pavilhão 118



O nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, (ex-1.º Cabo At Inf DFA da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71), vai estar presente no próximo dia 24 de Agosto, sábado, às 18 horas, na Feira do Livro do Porto, Jardins do Palácio de Cristal, para uma sessão de autógrafos no Pavilhão 118.

Sobre o autor:

Fernando de Jesus Sousa, nascido e criado em Bebeses, Penedono, Viseu, lá por terras profundas do Alto Douro, como o menino da serra, do rio e da natureza.
Hoje, é o homem de pensamento e alma livre, fonte de onde emanam os seus estados de espírito, que dão vida à prosa e à poesia como sua expressão.
Este é o caminho dos seus sentimentos, onde os seus passos se equilibram na medida do seu saber, entre o estar e o ser, no seu fecundo viver.


Sinopse:

Textos Em Contextos são a síntese de mim por dentro deste livro, é uma narração sobre estados de espírito que, pelas várias fases da vida, estiveram presentes em cada ato meu. São a minha contemplação do comboio da vida em movimento.
Ficam aqui presentes, como grãos de areia transportados pela água de um rio, que se foram aglutinando na praia dos sentimentos e emoções, de que é constituída a personagem do autor, neste mar de desafios aqui bem presente em cada parágrafo.
Foi minha intenção levar o leitor às recordações de si e do seu passado. Em cada texto deste livro encontrará motivação para seguir, em paralelo, estas páginas com instantâneos seus, que tendem a fugir-lhe da memória para o baú do esquecimento.
Se lhe conseguir avivar na memória certas coisas boas, que tendem a desvanecer-se no mais recôndito de si, valeu a pena ler este livro.

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Nota do editor

Último post da série de 18 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25755: Agenda cultural (857): Inauguração, sexta feira, dia 19, do Museu Aristides de Sousa Mendes (Casal do Passal e jardins) em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal... (Há 20 anos, quando João Crisóstomo e António Rodrigues, do LAMETA, lá estiveram, e puseram "mãos à obra", a casa estava na iminência de ruir! ")

Guiné 61/74 - P25867: S(C)em Comentários (46): Timor: "No subsolo há petróleo, ouro e cobre" (Livro de leitura para a 4ª classe - Ensino primário: textos com aprovação oficial", Porto, Editora Educação Nacional, s/d, c. 1970)



Capa do "Livro de leitura para a 4ª classe - Ensino primário: textos com aprovação oficial" (Porto, Editora Educação Nacional, s/d, c. 1970) ...




1. De resto, de Timor, da sua história, geografia, demografia, econ0mia, cultura, etc.,  o que sabíamos nós ?  Mas, espantoso!,  os portugueses tinham lá chegado há 5 séculos...

Fui revisitar o "Livro de leitura para a 4ª classe - Ensino primário: textos com aprovação oficial" (Porto, Editora Educação Nacional, s/d, c. 1970) ... (Não tenho a certeza se,  no ano letivo de 1957/58, em que fiz a 4ª classe e e o exame aos liceus, era este o manual que estava em vigor, na minha "escolinha" do Conde Ferreira...)

Tirando os búfalos, e da capital em Díli, não me lembrava de nada sobre o que terei aprendido sobre aquela meia-ilha longínqua que nos pertencia, dizia a senhora professora dona Helena...

 Sobre Timor os putos da escola desse tempo ficavam a saber o seguinte (pág. 117, do livro supracitado):

"É a mais distante província portuguesa. Apenas metade da ilha, aproximadamente, pertence a Portugal; no território restante, pertencente à Indonésia, existe ainda o enclave português de Ocussi-Ambeno
 [hoje escreve-se Oecussi] .

"A capital é a cidade de Díli,

"A ilha é muito montanhosa: o monte mais alto, o Monte Ramelau, atinge très mil metros de altitude, a mais elevada de todo o Portugal.

"No interior, devido à altitude e ausência de pântanos, a temperatura diminiu e permite a colonização dos brancos.

"A terra é fértil e granjeia-se sem esforço; é lavrada por búfalos mansos,

"As florestas timorenses têm madeiras de grande valor. A agricultura é a principal ocupação do indígena. Cultiva-se o milho, o cafezeiro, o coqueiro, o chá e o algodão e procede-se à extração da borracha.

"No subsolo há petróleo, ouro e cobre".


O autor do texto é D. E. , s/d.  O artigo é encimado por uma foto, a preto e branco, do palácio do governador.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)



Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 95/96




Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".


Um "tuga"... (de)composto

por Alberto Branquinho


Era a segunda vez que o alferes ia almoçar àquela tabanca fula, a convite do Bacar e do Jau, soldados do seu pelotão.

Feitos os cumprimentos às várias mulheres e depois de umas brincadeiras com a garotada, estava o alferes a passear pela morança com os dois soldados, quando as mulheres começaram a chamar para o almoço.

Balaios e alguidares esmaltados estavam já colocados no interior de um círculo de esteiras, colocadas no chão batido. Arroz, muito arroz, peixe miúdo da bolanha em molho de palma, galinha em pequenos pedaços e condimentos.

As mulheres ficaram do lado da casa, com as crianças. No lado oposto o alferes, no meio dos dois soldados nativos. Todos sentados no chão, com as pernas cruzadas, em cima das esteiras e por baixo do telheiro, também feito de esteira.

Começou o almoço e a conversa. As mulheres deram indicações sobre comida e
  
temperos e os homens passaram-nas, em crioulo, ao alferes.

Falaram sobre a última operação, sobre os outros militares, sobre os vizinhos, enquanto as mulheres algaraviavam entre elas, no meio gargalhadas.

Comiam fazendo as habituais bolas de arroz com a mão direita ou esquerda (ao jeito de cada um), que, depois, uma a uma, eram molhadas nos condimentos dos alguidares mais pequenos, acrescentadas do conduto, depois mordidas, mastigadas, engolidas. Toda a gente conversava em fula, exceto quando os soldados falavam com o alferes em crioulo.

As mulheres tinham que se levantar continuamente para obrigar as crianças mais pequenas e fugidias a dar as suas dentadas na bola de arroz ou a petiscar pequenas doses, agarradas entre o polegar e o indicador.

A meio do almoço o alferes notou uns risos abafados e brejeiros de duas ou três mulheres à sua frente. Logo a seguir um dos rapazes, com cinco ou seis anos, levantou-se e colocou-se atrás delas. Com ar enojado e mantendo sempre a sua bola de arroz na mão, começou a olhar o alferes no rosto e, alternadamente, para as pernas. Depois começou a cuspir, cuspir, cuspir para o chão, ao mesmo tempo que limpava, com os pés, as cuspidelas do chão.

O alferes olhou para as suas pernas e viu que o testículo esquerdo se tinha libertado do controle das cuecas e assomava, curioso, espreitando para fora dos calções. Discretamente levantou-se, arrumou o indiscreto como pôde e… tudo voltou ao seu lugar.

O almoço decorreu sem mais incidentes.


(Título,  revisão / fixação de texto: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)

Guiné 61/74 - P25865: Parabéns a você (2302): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Bambadinca, 1969/71)

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Nota do editor

Último post da série de 19 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25857: Parabéns a você (2301): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25864: Historiografia da presença portuguesa em África (437): Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
É inegável que o texto elaborado pelo comerciante francês Georges Courrent visava dar um quadro atrativo a potenciais investidores que desconheciam as potencialidades e oportunidades que o autor relata com um certo entusiasmo: uma Guiné com a reforma administrativa, pacificada, baixas tarifas aduaneiras, uma agricultura atraente, etc; deu-se ao trabalho de ilustrar este rincão colonial, explica cuidadosamente como se fazem as ações comerciais na Guiné, disseca convenientemente o regulamento aduaneiro e termina aludindo a projetos de lei que estavam naquele momento a ser apreciados no Parlamento sobre o novo modelo de administração e de organização financeira; há sempre uma tecla em que insiste; a prosperidade da Guiné é incontestável. O artigo é publicado em abril, em agosto começa a Primeira Guerra Mundial, e lembrei-me de que valia a pena pôr em cima da mesa o contraditório. E deste contraditório fui buscar os relatos do chefe da delegação do BNU em Bolama a partir de 1917, a imagem que ele dá diverge completamente: os Bijagós estão sublevados; os governadores são ineptos, uns atrás dos outros; o comércio de Bolama começa a ter um forte e temível concorrente, Bissau; a inflação arrasou as economias locais; o BNU, também funcionava como casa de penhores, encheu-se de joalharia e ourivesaria. Enfim, as previsões do Sr. Courrent não bateram certo.

Um abraço do
Mário



Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (2)

Mário Beja Santos

Confesso que foi uma agradável surpresa conhecer este estudo do comerciante francês Georges Courrent publicado numa importante revista destinada a leitores com conhecimento do mundo colonial sobre o que ele entendia ser mais útil dar como síntese da Guiné Portuguesa. Vale a pena ter em conta a data da edição, 15 de abril de 1914. Considero significativo não só o que ele escreve como a qualidade das imagens que ilustram o seu trabalho, julgo que algumas delas são mesmo inéditas, e até mesmo de grande beleza, como é o caso do efeito do tornado no porto de Bissau, a vista de Bissau tomada numa embarcação no Geba, o interior da Fortaleza de S. José, o mapa que ele apresenta e que diz ser do serviço geográfico da revista, a deslocação de um efetivo militar dentro de Bissau, o que seria a vila indígena de Bambadinca e o aldeamento indígena de Geba.

Recapitulando, dá-nos a situação geográfica, expõe os serviços marítimos, as comunicações e transportes no interior (diz expressamente que o transporte de mercadorias terá de ser feito em pequenas embarcações e que a construção de vias-férreas é quase impossível e no arquipélago dos Bijagós seria totalmente inútil). Elenca os principais produtos exportados e dá um quadro aprofundado da natureza das operações comerciais e como elas podem ser efetuadas; lista as casas comerciais e companhias instaladas na Guiné Portuguesa, numa lista de oito a A.S.G., de Lisboa, aparece em penúltimo lugar. Revela-se seguro quanto à natureza do seu auditório, fala das operações bancárias, das tarifas aduaneiras, dá-nos o quadro dos produtos exportados e do movimento comercial entre 1903 a 1912; apresenta o novo regime aduaneiro e as respetivas taxas, tudo esmiuçado.

Faz um destaque à administração colonial portuguesa. Começa por dizer que o ministro das colónias acabara por enviar ao Parlamento português dois importantes projetos lei, um relativo à administração das possessões ultramarinas e o outro à sua organização financeira. Tais projetos baseiam-se no princípio de que as colónias são parcelas do território nacional, indissoluvelmente ligadas à metrópole, constituindo entidades administrativas autónomas. E faz menção de referir que o sistema ainda em vigor caracteriza-se por uma assimilação sem discussão e uma centralização excessiva. Se aprovados estes projetos de lei, haverá em cada uma das colónias um governador encarregado da administração geral, tudo na dependência do respetivo ministro; em cada uma das colónias haverá um conselho de governo que compreende os representantes dos interesses locais, tal conselho deliberará em sintonia com o governador; o conselho terá alguns membros eleitos mas haverá também na sua composição funcionários civis e judiciais; afigurar estes projetos lei, os antigos conselhos de província serão transformados em tribunais encarregados de conhecer os contenciosos administrativos e fiscais; as colónias são divididas em distritos tendo à frente os governadores distritais, haverá depois as circunscrições lideradas por administradores ou então por comandantes militares.

O regime financeiro está estabelecido nestas mesmas bases de descentralização, cada colónia estará investida de autonomia financeira, o mesmo é dizer que será dotada de personalidade jurídica, agirá sobre a sua própria responsabilidade; compete ao conselho de governo elaborar o orçamento. Para Georges Courrent era importante lembrar aos portugueses que as instituições valem sobretudo pelos homens que as dirigem. Quanto à reforma administrativa, não se pode eludir a questão que está estritamente ligada ao valor económico da região. Eis a síntese do que este negociante francês publicou antes da Primeira Guerra Mundial numa importante publicação francesa destinada a potenciais investidores, certamente também analistas da política colonial e funcionários. Meditando no quadro deixado por Georges Courrent, lembrei-me de um trabalho que publiquei há anos: Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, Edições Húmus, 2019. Desapareceu imensa documentação dos primeiros anos do BNU, em termos cronológicos, a primeira documentação interessante data de 2017, o chefe da delegação de Bolama estava certamente autorizado a dizer verdades com punhos, como deixou escrito e eu limitei-me a transcrever: a qualidade dos governadores era péssima, vinham impreparados e regressavam impreparados, mostrando-se incapazes de inverter a degradação dos serviços públicos, gente ronceira, pouco amiga do trabalho, praticamente inerte na época das chuvas; comerciantes estrangeiros astutos, nada interessados em projetos agrícolas ou industriais, simplesmente à procura de bons preços para os produtos da terra e para as mercadorias vindas do estrangeiro; o comerciante francês em nenhuma circunstância falava em tumultos e sublevações, elas aconteciam ainda nos Bijagós, a campanha do capitão Teixeira Pinto fora determinante para a pacificação dos regulados da ilha de Bissau.

Há que fazer justiça ao senhor Courrent, ele não podia prever que dentro de meses se iniciaria uma guerra mundial, era inevitável deixar marcas na Guiné, como deixou: os interesses alemães, altamente representativos, foram neutralizados; manteve-se um bom quadro de exportações, mas perdera-se o principal mercado das oleaginosas, que era o alemão; a inflação delapidou quem tinha dinheiro, o BNU, que na época funcionava também como uma casa de penhores, encheu-se de joias e ourivesaria, o sistema de funcionamento deste comércio baseava-se nas puras operações de intermediários, havia que pagar aos produtores, os comerciantes pagavam depois das operações de exportação. Vai-se viver um período calamitoso, aparecerá nos anos 1920 um governador de mão cheia, Vellez Caroço, tentará um saneamento financeiro, mas sempre com os comerciantes a queixarem-se para Lisboa. A época áurea que o senhor Courrent preconizava não aconteceu, e a falta de infraestruturas que ele observou ao longo do seu estudo também demorou a ser invertida, Lisboa exigia um controlo rigoroso das contas, o dinheiro vai aparecer com o Comandante Sarmento Rodrigues, será ele o Governador que lançará a Guiné num modelo de progresso, de desenvolvimento, de valores culturais e até da promoção dos direitos humanos.

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Nota do editor

Último post da série de 14 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25841: Historiografia da presença portuguesa em África (436): Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)







Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné, como se infere desta reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, sediados em Bolama.  

O reclamante apresenta-se nestes termos: 

(i) "Manuel de Pinho Brandão, maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama";

(ii) "o expoente é dono e senhor de uma propriedade rústica   denominado "Belém", [na] área da Circunscrição Civil de Fulacunda, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concede regalias na agricultura e exploração dentro dela";

(iii) o reclamente  insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de fiuração") a indígenas  manjacos  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda  mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá  usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00  para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia".


A reclamação, em papel selado e devidamente estampilhada,  é datada de Bolama, 16 de julho de 1935.  A assinatura do reclamante é reconhecida pelo notário de Bolama.  O Manuel de Pinho Brandão tinha carimbo comnercial com indicação da caixa postal, Bolama, nº [ilegível, 26 ? ]. 


Fonte: Casa Comum | Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissu | Pasta: 10429.230 | 
 
Conjunto de documentação [10 folhas]  relativa a reclamação, apresentada pelo comerciante Manuel de Pinho Brandão, proprietário do terreno denominado "Belém", na área da Circunscrição Civil de Fulacunda, que se insurge contra a cobrança de imposto de extracção de vinho de palma a indígenas que, com a sua autorização, praticam esta actividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio. | Data: Julho de 1935 - Setembro de 1935 | Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas | Tipo Documental: Documento (...)

Citação:
(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


 
 1.  Sabemos que em 1935 o Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné, como se comprova pelo  documento, de 10 pp., acima reproduzido, e  que está no arquivo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), de Bissau, disponibilizado em formato digital, na  Net, pelo portal Casa Comum / Fundação Mário Soares.

Também sabemos que em 1946 tinha diversas propriedades, incluindo em Ganjola (Catió), Cachanga (Catió), Cangalaia,  Iassé e Cauane (Ilha do Como):


Fonte: In: Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431‑66


2. Mas também consta o seu nome (ou de um  homónimo) num processo de "expulsão" do território, por "atividades subversivas"


Seria interessante slguém do nosso blogue poder consultar este documento do Arquivo Histórico Diplomático... 

Será que o Francisco seria o tal Chiquinho que, segundo o o Mário Dias, ser filho do velho Brandão da Ilha do Como, e se yornou "turra" e que já teria morrido em 1964 ? (*) 

 O Manuel de Pinho Brandão seria o pai, o velho Brandão, ou algum "júnior" ? Sabemos que o velho Brandão espalhou os seus genes pela Guiné...

Inventário dos arquivos do Ministério do Ultramar

Código de Referência: PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0559/08865

Título: Expulsões de Manuel de Pinho Brandão e Francisco Pinho Brandão

Data(s): 1964

Nível de descrição: Unidade de Instalação

Dimensão e suporte: 1 U.I.; papel

Idioma: Português

Notas: Classificador do Arquivo do Gabinete dos Negócios Políticos: P17: Segurança Nacional: Sanções Penais aos colaboracionistas com os inimigos.

Entidade detentora: Arquivo Histórico Diplomático


3.  Vejamos, entretanto, o que  mais se diz, no nosso blogue, sobre este homem, em cuja história de vida  se mistura a lenda e a realidade...  Terá conhecido a "época de ouro" da Guiné, com o governador Sarment0 Rodrigues, no pós-guerra, em que era um dos grandes colonos do sul da Guiné, até à decadència (física, económica e social) com o início da "subversão"... Náo sabemos quando nem onde morreu.. O J. L. Mendes Gomes faz um retrato humaníssimo da sua companheira, de alcunha "Sexta-feira" (tal como o companheiro de infortúnio  do Robinson Crusoé).


(ii) Joaquim Luís Mendes Gomes [ex-alf mil at inf, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]

(...) Era-nos fácil imaginar, com sadia cobiça, a deliciosa época da vida colonial, de antes da guerra, para os felizardos, a quem a sorte, em boa hora, escorraçara, com a pena de desterro, por feitos heterodoxos à moral reinante das gentes da metrópole.

Era o caso do Sr. Brandão, de Ganjola (...) , a quinze km de Catió, um injustiçado lavrador das terras de Arouca. Ali vivia há dezenas de anos, por assassínio, cometido numa das romarias da Senhora da Mó. No meio dos folguedos e romarias, por vezes, acertavam-se contas atrasadas, duma qualquer hora de desavença, mesmo no fim da missa domingueira.

O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca…

Uma negra, velha, mas de rosto e olhar, ainda iluminados por olhos meigos, como a sua voz, doce, era a predileta, de sempre. Seu nome, Sexta-Feira. Soava bem aos ouvidos dos falares balantas, fulas ou mandingas. Era ela quem lhe tratava das tarefas caseiras. Dedicada. Sem nada cobrar, para além do breve e malicioso sorriso do velho Brandão, quando lhe despontava o desejo do seu corpo, negro, sem idade. Podia despontar a qualquer hora. Sexta-Feira ali estava, sempre dócil e submissa.

Uma loja farta de tudo o que chegava na carreira regular das barcaças de Bissau. Os lindos panos de cor garrida e os gordos cordões reluzentes, de fantasia, com que as negras tanto gostavam de se enfeitar.

O vinho tinto da metrópole era o regalo dos ociosos negros, de rostos engelhados e curtidos pelo álcool, pela tarde fora, a par da cachaça de coco.O saboroso bacalhau, curado nas míticas secas da Figueira da Foz e Aveiro, tão apreciado e toda a sorte de ferragens eram tudo o que aguçava o desejo daquelas gentes, para a troca do arroz, milho, mandioca, galinhas e demais produtos que, em cortejo lento e constante, pelas picadas entre as frondosas matas, traziam em açafates, à cabeça.O preço era feito, à medida da vontade gulosa do velho, matreiro e bem afortunado, Brandão.

Dizia-se que tinha metade das terras de Arouca… não fosse o diabo tecê-las. Ali, vivia, pacatamente, como se não houvesse guerra, numa típica mansão colonial, de um piso sobreelevado, com um varandim a toda a volta, com as dependências necessárias à farta panóplia de utensílios, alfaias e mercadoria. (...)



A senhora Sexta-Feira


por J. L. Mendes Gomes  (*)


Vivia em Ganjola,
arredores de Catió.
Era a doce companheira
do senhor Brandão. 

Um desterrado de Arouca
a cumprir pena na Guiné.

Fez-se comerciante,
vendia de tudo aos nativos,
por todo o sul desde Bedanda a Cufar.

Faziam bicha em corropio
as mulheres negras,
açafates à cabeça,
e filhinhos atrás das costas.

Traziam ovos,
traziam galinhas,
de cristas rubras,
e levavam arroz e sal
para suas tabancas.

Sua casa era um palacete,
à beira-rio,
onde abundavam os crocodilos,
mas havia peixe a dar com pau.

Ali fui parar um mês com meu pelotão.
Como num quartel.
Ali dei com o célebre Brandão,
sempre rodeado de muitas crianças,
que lhe ventilavam o ar,
na sua esteira suspensa.

E havia uma senhora negra,
cabelo grisalho
um rosto belo,
cheio de rugas,
e uns olhos brilhantes,
um sorriso divino e puro.

Era a Sexta-Feira.
Cozinhava tão bem!...
Que será feito dela?


Berlim, 19 de Junho de 2015, 8h47m
Joaquim Luís Mendes Gomes

[ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]



Foto nº 1



Foto nº 1A


Foto nº 2

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) > Destacamento de Ganjola > Meninos, filhos de habitantes locais, dois deles irmãos, os mestiços . Dizia-se que eram filhos (ou netos?) do velho Brandão (que não sabemos quando e onde morreu). 

O que foi feito destes meninos e desta menina, pretos e mestiços de Ganjola ? Estarão vivos ? Casaram ? Tiveram filhos ? Vivem na sua terra ? São felizes e livres ? Ficamos sempre fascinados pelas fotos de gente da nossa Guiné, de ontem e de hoje... Quantas histórias não ficarão por contar se não inquirirmos estas fotos ?

Fotos do nosso saudoso grão-tabanqueiro  Victor Condeço (1943-2010) [ex- fur mil mec armamento, CCS / BCAÇ 1913, Catió , 1967/69 ], com quem ainda falei, ao telefone, pouco tempo antes de morrer. Uma conversa dramática; ele sabia o que o esperava... Oxalá tenha morrido em paz...


Foto nº 3


Foto nº 3A



Foto nº 3B

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) >    Foto 31  do Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel >> "Cerimónia militar em fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em julho de 1967. Edifício do comando. Presença de militares, civis da administração, correios e comerciantes locais. Vista parcial do quartel com as tropas em parada".




Foto nº 4

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Foto 32A do álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel >   "Cerimónia militar em fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em julho de 1967. Edifício do comando. Presença de militares, civis da administração, correios e comerciantes locais." > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.



Foto nº 5



Foto nº 5A

Guiné > Região de Tombali > Catió > Foto 26 do álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Vila > 1968> A praça do mercado, vista de quem vinha da pista [tirada à porta da casa do sr. Barros Correia]. À direita o Mercado, ao fundo à esquerda a casa do Sr. Brandão e à direita debaixo da mangueira o Bar Catió e bem ao fundo o quartel.



 Fotos (e legendas) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar:  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.

(iv) Victor Condeço (1943-2010) [ex- fur mil mec armamento, CCS / BCAÇ 1913, Catió , 1967/69 ]

(...) Na verdade falta ali,  naquela foto [nº 4] , o Pinho Brandão, decerto terá sido convidado tal como outros comerciantes que também não aparecem na foto, caso dos Srs. Coelho, Adib e João,  da casa Gouveia.

Poderão estar na foto Catió_Quartel-31 junto do edifício da direita, junto de outra população mas não dá para reconhecer quem é quem. De memória também não sei se estiveram ou não. [Foto nº 4] 

Contudo pela lembrança que tenho do Sr. Manuel Pinho Brandão, é muito provável que não tenha estado presente. Era pessoa bastante reservada, nunca o vi no quartel nem sequer na rua.

As falas dele com militares ou civis resumiam-se ao Bom dia ou boa tarde, entre dentes, quando ao passarmos à sua casa o cumprimentávamos.

A maioria dos seus dias passava-os na sala de sua casa de esquina frente ao mercado [foto Catió_Vila-26], de portas abertas, na sua cadeira de repouso, fumando.

A lembrança que tenho da família que com ele vivia em Catió é muito vaga, mas lembro-me perfeitamente de duas bonitas, mestiças, suas filhas, das quais não me lembro o nome, jovens na casa dos 20 anos, que confeccionavam bolos de aniversário por encomenda. (...) (***)
_______________


Guiné 61/74 - P25862: O segredo de... (44): Aos 70 anos, comecei a ficar farto da guerra (Torcato Mendonça, 1944-2021)... Um "segredo póstumo" que chega ao blogue por mão da Ana Mendonça e do Virgínio Briote


Foto nº 2



Foto nº 3




Foto nº 8



Foto nº 5



Foto nº 1



Foto nº 4



Foto nº 10



Foto nº 9
 

Foto nº 11


Foto nº 7


Foto nº 6


Guiné > Zona Leste > Regiáo de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Fotos do álbum do Torcato Mendonça, coleção "Fotos Falantes II".



Fotos (e legendas):  © Torcato Mendonça (2007) Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Mensagem. com data de 19 do corrente,  do Virgínio Briote: (i) nosso coeditor jubilado; (ii) ex-alf mil cav, CCAV 489 (Cuntima) e ex-9alf mil comando, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67); (iii) frequentou a Academia Militar (1962/64); (iv) autor do blogue, desativado (a partir de 2009), Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas (recuperado pelo Arquivo.pt em 25/9/2009).



No sábado ao jantar, a Maria Irene lembrou-me que era já na 2ª feira, 19, que iríamos festejar os 57 anos de união e que no dia seguinte, 20, iríamos ter em casa a festa de aniversário dos 24 anos da nossa neta Catarina e que viriam os parentes mais próximos. Estava-me a dizer que era urgente eu limpar o local onde eu tenho tudo o que é só meu, escritos, pastas, livros, tralhas.

Comecei ontem a limpeza e arrumação e foi durante esta operação que encontrei um escrito do Torcato Mendonça, nosso saudoso Camarada. Este breve escrito, que é talvez mais um desabafo, foi-me enviado pelo correio pela Ana Mendonça, sua Mulher, que ainda hoje, fala com muita saudade do seu Torcato. Não sei mas imagino que a Ana M. deve ter encontrado este rascunho nalguma limpeza que tenha estado a fazer.

Segue-se o texto, tal como está, sem qualquer correcção da minha parte. Vb





Foto nº 12
Olá Virgínio

Deves ter razão. Hoje, quando abri o telemóvel vi este post (*). De facto, quem vê caras nem sempre vê corações. 

Falei com o Luís Graça e, agora já noite, tentei escrever (escorrer?). Falhou o coração e nada escrevi. Arranquei agora umas palavras ao ler-te e ao título “Apocalipse”. Mesmo nesta amostragem de uma dúzia de fotos vemos muito.

É um rapaz que se deixa fotografar e fotografa aquela loucura ou, porque não, a loucura dele a aparecer. Melhor, se houvesse uma listagem cronológica. 

A 12 é do início da comissão, a 2 é o “Fula” que não sou, é o olhar já marcado e o fotografado sorri, feliz por ter uma criança ao colo, pois gosta delas (Foto nº 4). 

Há mais uma, com os vapores do álcool, ou o olhar louco (turvo?) na emboscada montada (Foto nº 7). 

A camaradagem com o sargento milícia (Foto nº 10),  um amigo que já se foi, certamente de morte natural ou fuzilado pelos libertadores da Pátria. Disseram os ventos que muitos dos que comigo andaram foram assim tratados.

Mansambo era mato e, aos poucos, foi sendo um aquartelamento. Quadrado com, mais ou menos, cem por cem metros, oito casernas, abrigos e mais uns edifícios sem qualificação de nome, mais tarde onde era a cozinha, a arrecadação disto ou daquilo, a enfermaria, ou os abrigos dos obuses 10.5 (Foto nº 9), atrás da tabanca com uma dúzia de
moradores. 

Ao redor estava o IN detestando o despudor daquela rapaziada (Foto nº 11). Tentaram demovê-los e nada conseguiram. Levaram forte aos fortes ataques. Até tivera ajuda de mercenários cubanos, os ataques eram mais certos, mais organizados, mas os rapazes resolviam.

Aquilo ficou fortemente gravado e não passou. Éramos, meu caro Virgínio, uns rapazes na força da nossa juventude (Fotos nºs 1, 3, 6, 8). Hoje já batemos os 70 e tentamos ir saltando um, dia de cada vez (Foto nº 5). 

Vou ao ginásio e sinto um olhar, aqui ou ali, a interrogar-se: o velhote ainda por aqui anda…e eu tento ir andando e espero que a saúde não seja tão madrasta. Comigo ou com os meus, sejam familiares, amigos ou não mas que sejam apenas seres vivos e pessoas de bem.

E, já num tom intimista, só para ele mesmo (**): começo a ficar farto da “guerra” aonde participei e que outros participaram. Parece-me qua andaram por lá e só hoje vão compreendendo o que era aquela Guerra.

(Transcrição: VB / Revisão e fixação de texto: VB / LG)

2. Comentário do Virgínio Briote ao poste P15299 (*)



Torcato:

Das inúmeras imagens que vi daqueles anos da guerra, em Angola, na Guiné, em Moçambique, as que mais me despertaram a atenção até hoje foram as que te pertencem.

E se me pedissem para dar um título a esse álbum, eu escolheria "Apocalipse". Porquê? Porque, tal como no filme 'Apocalipse Now".  de Coppola, vejo um mundo do "outro mundo". Loucura, inocência, violência, rostos falsamente alegres de jovens sorridentes, um mundo surreal.

São fotos, Torcato, que retratam uma "Mansambo" que muitos, mas mesmo muitos de nós, nunca conheceram.

Obrigado por as mostrares, caro Camarada!

Um abraço do V Briote


28 de outubro de 2015 às 21:48 




Torcato Mendonça, Fundão, 27 de janeiro de 2007.

Foto: LG (2007)

3.  Excerto de comentário anterior do Torcato Mendonça (Poste P14309):


(...) "Sim, mudei muito"! Digo-te porquê. Antes de ser militar, fui estudante e nalguns intervalos fiz 'diversos'. Caçado, sem esperar, pela tropa, aí talvez na especialidade comecei a sofrer uma metamorfose. Aos poucos, e já mais na Guiné, o rapaz alegre e 'bon vivant' foi-se ou, porque não, apagou-se mesmo. (...)

Quando vim, nada ou muito pouco restava do outro. Deram-me várias opções de escolha de vida.

Fui sentindo os anos passarem por mim, os meus filhos crescendo. A guerra estava guardada e, de quando em vez, saltitava para o presente e depois de amansada ia-se. Tratava-a com cuidado e sentia que nunca mais voltara de todo, em grande parte talvez. Nem isso. Fisicamente fui envelhecendo, como é natural. Apressado por “aquilo” e pelas cicatrizes físicas.

Optei, já o tinha feito em parte, e deixei a adaptação correr. O meu mentor, o meu companheiro- amigo, esse meu melhor amigo, esse homem que me deu o ser e muito saber, um dia morreu-me. Chorei nesse dia e compreendi que ainda sabia chorar. Mas tinha mudado muito.

Mais forte, a parte psicológica foi de certeza a de estabilização mais difícil. Nunca estabilizará. Por isso hoje, velho aos 70 anos, com a saúde (ou falta dela) a mostrar os rombos na carcaça nada tem a ver com a hipotética entrada normal na velhice. (...)



4.  Comentário do editor LG (a propósito do Poste P15299 (*) e deste "segredo póstumo" do nosso muito querido e saudoso Torcato Mendonça (****):

Em 2014 demos início a uma série chamada "selfies / autorretratos". Não teve muito sucesso. Publicámos até agora quatro. O Vasco Pires deu o pontapé de saída... 

No nosso tempo, na Guiné, não havia tempo nem pachorra para a gente de se ver ao espelho, quanto mais tirar uma "selfie"!... Um ou outro de nós tinha máquina fotográfica ou fotógrafo de serviço (que ganhava algum patacão tirando "chapas" ao pessoal), pelo que até há algumas belíssimas fotos e alguns bons álbuns fotográficos...

É material, de grande interesse documental, não só para alimentar e desenvolver as nossas memórias como para enriquecer o acervo dos que hão de fazer, com rigor, honestidade, isenção e objetividade, a história daquele período de Portugal (bem como da Guiné-Bissau)...

Enfim, a par das nossas memórias escritas, é um material que andamos, há anos, desde pelo menos 2004, a tentar salvar das garras do esquecimento, do abandono, da destruição, dos alfarrabistas, da incineradora e do caixote do lixo...

Um desses álbuns, que veio enriquecer a fototeca da Tabanca Grande foi o do Torcato Mendonça (1944-2021), ex-alf mil art, CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), senador da nossa tertúlia, e um dos mais ativos e produtivos colaboradores do nosso blogue (com cerca de 265 referências). Foi também, de há muito, e enquanto vivo, um dos nossos conselheiros e colaboradores permanentes.

Foi autor de várias séries:
  • Pensar em voz alta;
  • Ao correr da bolha;
  • Estórias de Mansambo, I e II
  • Nós da memória

A partir de 2015, porém, e até por razões de saúde (da Ana e dele próprio), o Torcato Mendonça  tornou-se muito mais discreto, remetendo-se ao silêncio, ou intervindo uma vez por outra com um breve comentário, embora continuando nosso fiel leitor.  

Há muitos camaradas, mais novos, "periquitos" no blogue, que não puderam na devida altura acompanhar a sua vasta produção (postes, fotos, comentários), sempre de grande qualidade e autenticidade. São hoje uma referência incontornável...

(...) Sabemos que não é "confortável" para os ex-combatentes falar, para os seus "pares", num blogue como o nosso, com a audiência que o nosso tem, sobre as "questões do foro íntimo", "ver-se ao espelho", e devolver, sob a forma de escrita, os seus "selfies", os seus "autorretratos... Ou partilhar fotos mais íntimas, retratos em grande plano, que mandávamos às esposas, às namoradas, aos pais, à família, às madrinhas de guerra... De um modo geral, preferimos as fotos de grupo... Estamos a falar dos nossos "verdes anos", à distância de meio século..

De qualquer modo, e de acordo com o subtítulo deste poste (*), quem vê caras, (nem sempre) vê corações... Daí a razão de ser desta seleção de retratos do nosso querido amigo e camarada que vivia no Fundão (embora tivesse nascido no sul, sendo de origem algarvia e alentejana). São fotos da sua coleção "Fotos Falantes II"... A numeração, arbitrária, foi nossa. Bem como a sua edição... E intencionalmente não lhe acrescentámos legendas... 

Em sua homenagem (****), voltamos a publicar estas fotos, agora mais do que reeditadas..., acompanhando a partilha do seu "segredo póstumo", que a Ana Mendonça mandou, em forma  manuscrita,  ao Virgínio Briote, e que este achou por bem não mandar para a "cesta secção"... 

(Que saudades tenho de ti, Torcato!... Que saudades temos todos de ti, camarada!)


(***) Último poste da série > 22 de maio de 2024 > uiné 61/74 - P25549: O segredo de... (43): Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72): na guerrra não valia tudo...