sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5354: Estórias do Jorge Fontinha (9): Homenagem a Fernando Barradas, ex-Fur Mil Fotocine e ex-jornalista de "O Comércio do Porto"

1. Mensagem de Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 24 de Novembro de 2009:

Bom amigo Carlos
Hoje remeto este meu contributo, para lembrar um grande homem.
Portugal merece ter tido nas suas fileiras militares, pessoas como o Fernando Barradas.
Que esteja em paz!
Um abraço
Jorge Fontinha



HOMENAGEM

A necessidade de lembrar um grande amigo, leva-me a falar do malogrado e saudoso FERNANDO BARRADAS

Entrada do Destacamento de Mato Dingal


Foi dos melhores amigos que alguém pode ter, sobretudo em tempo de Guerra. Privei com ele a espaços, e normalmente passávamos noites quase inteiras na conversa. Acompanhados por um ou dois maços de cigarros, uma garrafa de whisky, um balde de gelo e dois copos, no meu abrigo nocturno, de MATO DINGAL.

O Fernando era Furriel Miliciano Foto-cine. Creio que era assim que se designava a especialidade. Periodicamente, deslocava-se ao Sector de Bula e quando o fazia, era ponto de honra projectar um filme no Destacamento de Mato Dingal e aí passar a noite.

Primeiro, porque havia a fama do bom leitão à Bairrada, que se fazia no nosso destacamento, ao ponto de termos visitas variadas doutros ilustres. Não sei onde o Antonino Chaves os arranjava!... Ele é que fazia a gestão do bar, das cozinhas e de tudo quanto era conduzir a parte interna do destacamento. O cozinheiro era oriundo da Bairrada e tanto quanto me recordo, tinha a profissão de ajudante de cozinha num dos Restaurantes daquela Região. Eu tinha mais jeito para as colunas, escoltas e afins… Aqui até foi construído um forno profissional, que mais tarde viria a servir para outra coisa…. Bem essa história do forno será contada a seu tempo, quando eu regressar de férias de 1972.

O segundo motivo que levava o Fernando a Mato Dingal, era o facto que desde a primeira hora ter nascido uma certa empatia e troca de ideias comigo. Eu era o antípoda dele. Naquela idade, 22 anos, eu era de uma inocência confrangedora. Não tinha experiência política de nenhuma espécie e ignorava certos princípios básicos sobre o tema. Atento ao que me rodeava, era contudo muito bom ouvinte e pouco falador, característica que sempre me acompanhou até hoje. Por seu lado, ele era já jornalista profissional do Comércio do Porto, para o qual já fazia as reportagens possíveis, para a época. Foi ele que me catequizou no tema e a partir das várias conversas tidas com ele, fiquei a ter a ideia do que na verdade era a chamada Guerra do Ultramar e não só!...

Ficou-me para sempre gravada as horas passadas naquele abrigo, na conversa onde ele também me passou a respeitar, não só pelo que eu era na altura, mas também pelo meu passado em Angola no antes e sobretudo no pós 15 de Março de 1961. Chorou comigo essas lembranças. Jamais o poderei esquecer.

Depois da passagem à disponibilidade, encontrei-o em Luanda, cidade onde me havia radicado ainda na mira de ajudar a resolver o problema aí deixado. Foi já depois do 25 de Abril, no Aeroporto. Por curiosidade, eu e a minha mulher fomos até ao Aeroporto assistir à chegada do Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Dr. Mário Soares. O Fernando vinha na sua qualidade de jornalista do Comércio do Porto na Comitiva Ministerial.

Da varanda superior, viu-me em baixo e logo gritou pelo meu nome. FONTINHAAAAA! Atónito, virei-me para cima e logo o vi de braço no ar. Correu, descendo as escadas duas a duas e deu-me um grande abraço. Combinamos um jantar em minha casa e quando foi embora, depois do jantar, foi a última vez que o vi.

Paz á sua alma!

Alguém não lhe perdoou o facto de ele ter tido a coragem de só contar a verdade sobre a Guerra da Guiné!...

Para toda a Tertúlia, aquele abraço.
JORGE FONTINHA
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5279: Estórias do Jorge Fontinha (8): A propósito de férias

3 comentários:

Carlos Vinhal disse...

Caro Jorge Fontinha
Vieste lembrar um jornalista do extinto jornal "O Comércio do Porto" que muito contribuiu com os seus artigos para ajudar, na época, a vender esse jornal. A sua escrita acutilante e sem medos, apesar do ambiente em que se vivia no fim dos anos 70 e início dos anos 80, era um exemplo de um jornalismo não alinhado e contracorrente. Não perdia nenhum dos seus artigos.
Pena que tenha perdido a vida num estúpido acidente de viação, senão tinha dado muito que falar.
Curiosamente tenho um artigo seu datado de Dezembro de 1975 onde fala do General Spínola. Se quiseres digitalizo e envio-to.
Abraço
Carlos Vinhal

MANUEL MAIA disse...

CARO JORGE FONTINHA,


RECORDO PERFEITAMENTE OS ARTIGOS DO BARRADAS.

"O COMÉRCIO DO PORTO" DELE DEPENDEU DURANTE OS ANOS LOUCOS QUE O PAÍS ATRAVESSOU.
FOI,INDUBITAVELMENTE UM NOME GRANDE NO JORNALISMO E NA REPORTAGEM QUALIFICADA.

PENA FOI A SUA PARTIDA PRECOCE DESTE MUNDO.
FOI BOM TE-LO RECORDADO.
OBRIGADO

MANUEL MAIA

Jorge Fontinha disse...

Seria injusto, que aqueles que de algum modo o tenham comhecido,o não lembrem como exemplo de coragem intelectual.Ele não foi um herói de guerra.Alias só depois dela é que contribuiu, com os seus artigos acutilantes e quem teve a oportunidade de os ter lido, ficou, tenho a certeza, com umas visão mais correcta sobre certos bastidores!
Abradeço ao Carlos, a oferta dele e logo que tenhas oportunidade, manda-me para o E-mail, o referido artigo.
Para o Carlos e para o M.Maia, o meu abraço, alias como para toda a Teretúlia.
JORGE FONTINHA