quarta-feira, 18 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

Texto da autoria de A. Marques Lopes, coronel (DFA), na situação de reforma, que esteve, em 1967, na Zona Leste da Guiné, sub-sector de Geba, integrado na CART 1690:

Caros amigos:

Vou-vos, então, dizer alguma coisa sobre Cantacunda. Era um dos destacamentos da CART 1690, em 1967 e 1968 (regressou em Março de 1969), que tinha sede na tabanca de Geba. Esta companhia tinha uma quadrícula de 1.600 km2 na zona do Óio. Os nomes dos destacamentos estão indicados no mapa do Geba. Mas, desses nomes, Sinchã Jobel e Samba Culo eram bases do PAIGC. Um dia hei-de falar-vos deles.

Conheci bem este destacamento de Cantacunda. Caracterizava-se pelas péssimas condições das instalações do pessoal e pelos deficientíssimos meios e condições de defesa. Ficava a cerca de 50 kms da sede da companhia. Sem luz eléctrica (como todos os destacamentos da CART 1690), nem um miserável gerador. Estava, como se vê pelo relatório (e pelo mapa que vos envio), pegado à floresta.

O armamento era: umas ultrapassadas metralhadoras pesadas Dreyses e Bredas, morteiro 81 e 60. Os abrigos eram uns buracos (ver a fotografia que envio), de difícil acesso e sem condições interiores. E com poucos efectivos, um pelotão, normalmente. No dia deste ataque estavam lá apenas duas secções. Eu não estava, na altura. Situava-se relativamente perto da base de Samba Culo, do PAIGC.

O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.


Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:


"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado:uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)

"Comentários: Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

Um abraço.

A. Marques Lopes

Nota de L.G. - As fotos estão disponíveis na página Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (3) > Ontros Sectores da Zona Leste

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