quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3556: Controvérsias (14): O Silvério e outros capitães, milicianos ou do QP, que desertaram a meio da comissão (Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Na foto, o ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, conivendo com a população local... A seu colo uma criança que bem poderia ser órfã de pai... Por analogia, poderia falar-se de companhias orfãs, na Guiné, devido ao facto de ter perdido - por razão ou outra - o seu capitão original... Houve companhias com três, quatro e até mais comandantes... Assunto controverso a merecer aprofundamento e debate... (LG)

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1- Comentário de Luís Graça ao poste de 2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com a tensão dramática q.b. E, sempre claro, conciso e preciso, sabes, com rigor e magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios, a nossa solidão... muitas vezes sublimados pelo álcool, o sexo, o jogo, os comportamentos de risco e de bravata...

Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado à Guiné ?

Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo...

Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupação, a golpada, etc.

Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...

O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos ou do Quadro Permanente, na Guiné ?

Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias (*) ... Talvez o Jorge Picado (que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida) (**), queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo (***).

Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue...

Luís
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3531: Controvérsias (14): PAIGC/FLING, Tite/São Domingos...(Carlos Silva)

(**) Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

(...)Apresentámo-nos na EPI em Mafra no dia 25 de Agosto pelas 8H(?), devidamente fardados como constava das normas e de imediato, num dos corredores do Claustro bem perto da Porta de Armas(?), procedeu-se à formatura onde foi feita a chamada – para conhecimento dos possíveis desertores, que creio não ter havido – tendo sido dada a voz – pelo Ten do QP que nos comandava – de “apresentação a doentes(?)”, com a respectivamente formatura uns passos em frente.

Para meu espanto – não sei qual foi a reacção dos restantes – logo se adiantaram alguns que, creio, seguiram quase de imediato para a consulta externa em Lisboa. Não sei quantos se safaram ou quantos regressaram, mas sempre guardei a imagem dum, que deve ter sido um bom actor – pelo menos amador no teatro da Academia de Coimbra – cuja face mais parecia ter sido revestida por “uma máscara de desvairado”. Uma coisa é certa, obteve os resultados que queria na Psiquiatria, pois livrou-se de tais sacrifícios pela Pátria. Estou a falar dum tal… oriundo da Figueira da Foz e mais não digo…

Não posso precisar se fui o único – logo o 1.º – do meu COM de ART, mas creio que sim e apenas citarei os nomes daqueles de que me lembro.

Começarei logicamente pelos 3 colegas Agrónomos, que tivemos o mesmo TO por destino.

- O Ilídio Moreira, do curso de agronomia anterior ao meu, foi Cmdt duma CCaç (Geba) dum BCaç sedeado em Babadinca de 1970-72;

- O José Maria Queiroga (o tal que estava nas mesmas condições quanto ao emprego), do meu curso, foi chefiar a EAFB (Serviços Agrícolas) de 1970-72;

- O António Clemente da Costa Santos, igualmente do meu curso, na REPACAP do COMCHEFE de 1970-72;

- O João Cupido, de Mira, e que passou a ser meu colega nas viagens a casa aos fins-de-semana, deixando-o à sua porta e apanhando-o lá ao Domingo à noite no regresso a Mafra, cujo destino também foi a Guiné como Cmdt da CCaç 2753 , onde teve um brilhante Alf Mil que conheci nas margens do RCacheu e não mais me esqueci (mesmo desconhecendo o seu nome, até ao encontro de Monte Real. Gratas recordações, podes crer, Victor Junqueiro);

- Tenho uma vaga ideia de que havia um Morais, assim para o gordinho e ar e espírito bonacheirão que teria desertado já em Moçambique (?).

- Um Ten MIL que tinha continuado na vida militar e vinha do Quartel da GNR que existia perto das Janelas Verdes, cujo destino desconheci;

- Os 3 jovens Alf Mil (ou graduados em Ten?) já com uma comissão e voluntários para seguir a carreira, respectivamente Fernandes (o Cap da famosa expressão do “Verão Quente”, “as armas estão em boas mãos”), Caimoto que também foi para a Guiné e um 3º de que não sei o nome;

- Havia ainda um Nascimento que, creio, usava óculos.

Pronto, são estas as minhas recordações concretizáveis dos camaradas do CPC.

A esta distância, sem qualquer elemento de referência, nem sei quantos éramos, mas o sentimento que guardo sobre a disposição, o (des)interesse, a resistência manifestada à execução da preparação militar que nos era ministrada (analisado agora até me parece que era ou foi um contra-senso) e a quezilência para com os instrutores, posso afirmar que era maioritária. (...).

(***) Vd. também poste de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2098: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): Proposta retirada (João Tunes / João Bonifácio)

6 comentários:

Anónimo disse...

Cada caso foi um caso...não podemos
generalizar. O Capitão Silvério,
encontrava-se na sede do Batalhão,
sujeito à pressão da hierarquia,
alcoolizado na messe de oficiais e
...foi mandado de férias.
Feliz ou infelizmente nunca tive
messe,nunca convivi com outros oficiais e nunca ninguém reparou
se precisava de férias...
Torna-se pois para mim dificil
avaliar a angústia do Capitão
Silvério.Mas sei que o abandono
dos Camaradas subordinados só seria
possível,se não tivesse sido criado
um espírito de corpo alicerçado no
Afecto e na Solidariedade,capaz de
suplantar toda a razão ideológica.
Não ir à Guerra foi opção de muitos.Alguns entendo,outros nem
tanto..mas a todos respeito.
Claro que era mais fácil a um capi-
tão,pelos conhecimentos e posição
social,safar-se do mato do que ao
Zé Soldado.

Também a Guerra nunca é igual para
todos...

Jorge Cabral

Luís Graça disse...

Jorge (Picado):

Os outros capitães "fecham-se em copas"... O teu repto ainda não teve resposta... Refiro-me à série "Eu, capitão miliciano, me confesso"...

Luís

Anónimo disse...

"Também a guerra nunca é igual para todos"-escreveu o Jorge Cabral.
É verdade - mesmo na Guiné houve quem tivesse GUERRA, guerra, guerrinhas e guerretas.
O "Capitão Sivério" teve como "realidade base" um capitão miliciano colocado num quartel de Companhia, que comandava. E tinha a amizade e compreensão dos alferes. Transparece do texto.Fazia o favor de desabafar comigo, mas nunca quando estava sóbrio.
Como todos nós, o "Capitão Sivério" teve direito a férias. Não era uma concessão do comando.
Quanto a "messes de oficiais", tenho que dizer que a minha Companhia esteve em Fá Mandinga durante os três primeiros meses e as "messes de oficiais" que conheci, pela mais de metade de território da Guiné que calcorreámos, nenhuma seria comparável à da sede do Batalhão, em Bambadinca.
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Não sei Branquinho, se a messe de Bambadinca era boa ou má.Durante
toda a minha comissão almocei lá tres vezes...Melhor do que as do
Xime e de Mansambo era..Não conheci
mais nenhuma...Um Abraço.
Jorge Cabral

Anónimo disse...

Jorge (não somente Cabral)

Eu conheci a messe de Bambadinca porque me chamaram lá para ir falar com alguém (?), quando estava a regressar(não sei de onde) a Fá.
Em alguns quartéis (e foram muitos!) era prato de alumínio na mão esquerda, garfo na mão dieita e copo no chão.
Em Gandembel (que não era inicialmenteum quartel, pois começou com um "acampamento") os pratos "voavam" muitas vezes das mãos para fugirmos para os buracos de acesso a debaixo do chão. O mesmo acontecia com os cozinheiros quando cozinhavam.
Não sei se o Silvério esteve em alguma Gandembel... ou pior.
Um abraço
ALBERTO Branquinho

joaquim costa disse...

Antônio Matos é um verdadeiro artista.