domingo, 27 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5546: FAP (41): Quem foi realmente o Cabo 80, 1º Cabo Pára-quedista nº 85/RD ? (Pedro Castanheira)


1. Texto de Pedro Castanheira, ex-pára-quedista (*):

Assunto - O famigerado Cabo 80

O Ten Spears,  destemido e bravo oficial pára-quedista norte-americano, distribui cigarros aos 6 soldados alemães, feitos prisioneiros ao 2º dia do desembarque na Normandia. Após ter acendido os cigarros, com toda a lisura, a cada um deles, pega na sua metralhadora, e num impulso de loucura, descarrega o carregador sobre os prisioneiros alemães.

Esta era mais uma história, que circulava entre os homens da companhia Easy, pertencentes à 101ª Divisão de Paraquedistas, criando entre os soldados um misto de temor e admiração pelas suas façanhas, quase no fim da guerra na Europa, já com Spears promovido a capitão.

Lipton, expriente psar da companhia, interroga-o sobre essas "histórias"que se contam sobre ele. Spears sorri, conhecendo de cor todas essas histórias, maior parte delas inventadas, e diz a Lipton:
- Há 2000 anos atrás, havia centuriões à conversa sobre Tercius a dizer que ele decapitara prisioneiros cartagineses. Nunca ouviram Tercius negar as histórias, talvez porque Tercius queria que pensassem que ele era o pior e mais malvado guerreiro de toda a legião romana.

Li neste blogue há algum tempo, excertos do livro do senhor sargento pára Carmo Vicente, em que se refería a "conhecidos arruaceiros, como o famigerado 80", tendo logo aparecido quem defendesse a sua honra e afirmado que era enfermeiro, facto que eu não descionhecia (**).

Já eu nos anos 90, quando cumpria o meu serviço militar nos paraquedistas, ouvi muitas vezes da boca dos veteranos da Guiné, a prestar serviço nos páras, referências ao cabo 80, figura mítica dos páras na Guiné, conflituoso, lixado para a porrada, que partia os bares todos em Bissau, homem que enfrentava tudo e todos... Enfim, também ainda se ouvem sussurros sobre o 80 no dia de unidade dos paraquedistas, entre os páras que prestaram serviço na Guiné.

Mas, o que é feito da nossa personagem? Segundo consta, desapareceu após o fim da sua comissão. Ins dizem que já morreu, mas ouvi também dizer que fugiu do país, após ter morto um polícia, por altura do 25 de Abril... Atenção, são versões não confirmadas.

A certa altura,  estando eu à conversa com um pára de uma associação de paraquedistas, também ele a par da fama do cabo 80, revelou-me o seu verdadeiro nome. Após consulta minuciosa ao livro do BCP12, qual não é o meu espanto, ao ver o famigerado cabo 80 assinalado várias vezes, com reconhecimento por bravura em combate.. . E mais!, na parte das condecorações, lá está o "arruaceiro" Primeiro Cabo Paraquedist nº 85/RD (...) 

MEDALHA DA CRUZ DE GUERRA DE 2ª CLASSE 

e novamente (...) .MEDALHA DA CRUZ DE GUERRA DE 3ª CLASSE.

Não sei, quem era o comandante de companhia, deste nosso cabo paraquedista (Cap Mira Vaz? Cap Terras Marques? Cap Avelar de Sousa? entre outros). Penso que era interessante saber, da parte dos elementos da sua companhia, quem era realmente o cabo 80. Eu, humildemente, e sem querer ofender, penso que era mais um soldado que queria honrar a sua pátria, e que tinha a sua maneira de o fazer.

Um grande abraço

Pedro Castanheira

[Revisão / fixação de texto: L.G.]
_____________

Notas de L.G.:

(*)  Vd. poste de 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5518: Cancioneiro da CCP 122 / BCP 12 (1972/74) , a Gloriosa (Pedro Castanheiro)

(**) Sobre o Cabo 80 e os tristes acontecimentos de Bissau, em Janeiro de 1968, vd. postes de:

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

(..) A estória é-me contada em 3ª ou 4ª mão, foi-me contada por uns amigos pára-quedistas, portanto é a sua versão (deles, pára-quedistas).

Então é assim: Não tenho a data do acontecimento, mas julgo ter sido em 1968. Houve um jogo de futebol de onze no campo do Benfica. Não me recordo, ao certo, do nome completo do clube de futebol. Sei que era de Bissau, só me lembro que era do Benfica.

Os contentores eram obviamente os Fuzileiros contra os Pára-quedistas, o jogo estava a correr muito bem, mas a um dado momento gerou-se uma troca de mimos, na assistência, entre as claques que chegaram mesmo a vias de facto (ou seja pancadaria).

Os Fuzileiros, estando relativamente perto do aquartelamento deles, correram a armarem-se, ou pedir reforços, não sei, mas os Pára-quedistas aperceberam-se disso e foram em seu encalço. A praça que estava de guarda na porta de armas do quartel, apercebendo-se do que se estava a passar, chamou o Cabo da Guarda e perguntou-lhe o que deveria fazer neste caso. Foi-lhe dada ordem de disparar, o que fez, originando a morte de um Pára-quedista.

A partir daí, qualquer Fuzileiro não se podia relacionar com Pár-aquedistas, e vice-versa, pelo que acontecia muitas vezes pancadaria entre ambos e, quando acontecia, cada um ia chamar o seu Camarada protector. O Protector dos Fuzileiros era um Cabo (julgo eu) chamado Lages, e da parte dos Pára-quedistas também havia um Cabo, Enfermeiro, conhecido por Oitenta.

Em café, esplanada ou qualquer espaço onde houvesse confrontos entre Fuzileiros e Pára-.quedistas com os seus respectivos Protectores, não restava nada que ficasse de pé. Quando os dois Cabos se encontravam no mesmo passeio, um deles tinha que mudar, porque ambos não se podiam cruzar.

Uma dada altura os Fuzileiros resolveram vingarem-se do Cabo 80, e sabendo que o 80, quase todos os dias antes de se recolher no quartel de Bissalanca, ia visitar a sua bajuda, que ficava relativamente perto, mas tinha que passar por alguns sítios isolados, resolveram fazer-lhe uma espera.

No dia combinado, o Cabo 80 quando já estava de regresso ao quartel, ouviu um cão a ladrar e, como o seguro morreu velho e o acautelado ainda é vivo, ele agarrou num pilão, não viesse o cão morder-lhe, mas para grande espanto dele, não foi o cão que apareceu, mas sim sete ou oito Fuzileiros armados de facas de ponte e mola.

Ele percebendo-se que também estava armado (e bem armado) com um grande pilão na mão, foi só despachar os Fuzileiros e, quando chegou ao quartel, telefonou para o Hospital para que os fossem buscar. (...).

(..) Junto fotos - eu com o meu amigo de longa data, desde a Metrópoloe, o Rodrigues, mais o Hoss, no aquartelamento de Bissalanca (Companhia Caçadores Paraquedistas nº. 122) em 1970. O Hoss assim como o Oitenta, ambos Cabos Enfermeiros, foram bastante condecorados. O Oitenta não cheguei a conhecer mas conheci (vi várias vezes em Bissau) também um grande Homem e combatente que na altura também diziam que ele tinha a cabeça a prémio. Estou a falar do Capitão na altura, hoje Coronel na reforma, Terra Marques (...).

Vd. também:

11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)

(...) Extractos de VICENTE, Carmo - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. pp. 25-30. Selecção e digitalização de Jorge Santos. Subtítulos do editor do blogue. (...)

13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1522: Bissau em estado de sítio por causa dos graves incidentes entre paraquedistas e fuzileiros em Janeiro de 1968 (Álvaro Mendonça)

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Camarada. O "célebre" 80 ainda estava bem vivo,em Lisboa,á porta do Estado Maior do Exército em 1976,onde o vi.Como o tinha conhecido quando Paraquedistas estiveram em Aldeia Formosa e Empada em operacoes creio haver "ALGUMAS" razoes quanto á fama do Camarada 80.Em Empada ajudou a destruir uma casa que servia de bar-restaurante(!) na tabanca em cena de porrada...histórica!Recordo que também se apoderou de um cranio humano retirado de local especial,e que para tal nao contou com "grande apoio"por parte dos familiares do defunto.Nao posso garantir que seja correcto,mas ao perguntar ao militar que me acompanhava quando vi o 80 á porta do Estado Maior do Exército,ele respondeu que este fazia parte do grupo da seguranca do Ex.Sr.General Galvao de Figueiredo.Por outro lado as histórias contadas por camaradas do 80 testemunhavam uma coragem em combate fora do comum. Um abraco.

Anónimo disse...

O JAIME era mais conhecido por oitenta.

As lutas do "oitenta" em Bissalanca eram além de mais romanticas, para "matar" o tempo, pois que passado o calor do sangue, o "convivio" recomeçava. Havia um "fuzileiro" de estimação chamado "Tarzan" , mas tudo era , como já disse muito romantico.
Transportei muitas vezes o JAIME para as ZOPS, onde o vi sempre bem disposto, corajoso e solidário. Muitos "roncos" me ofereceu das envestidas que fazia nos TASS (assaltos). Ficou tudo debaixo da minha cama em Bissalanca.
Muitas vezes disse ao Oitenta, -Tens mais de pescoço que eu de perna !! e ria-mos.
As histórias do oitenta parecem todas um exagero mas uma tem que ser contada.
Porque se chamava o JAIME, "Oitenta".
"Dizem" que, na carreira de tiro na sua recruta, com duas metrelhadoras, uma em cada mão, desenhou um oito com a esquerda e ao mesmo tempo um zero com a direita.
Outro Senhor da guerra por quem nutro grande amizade e é falado neste post é o Terra Marques ,companheiro de muitos voos e muita " água da Bolanha". Junto uma foto sua.
Jorge Félix

Anónimo disse...

Vou voltar ao meu amigo, Jaime Manuel Duarte de Almeida o 8O. Tive hoje a informação de que o 80 ainda está vivo, mas estou á espera de confirmação. Vou contar porque é nunca fui promovido a cabo. Frequentei o curso de cabos e fiquei em 2º classificado.Depois fui tirar o curso de enfermeiro , primeiro para Coimbra e de seguida para o hospital militar para o ANEXO em Campolide, Lisboa.Aí armei-me em empresário da noite. Vou ao Bairro Alto trago umas meninas, meto-as no hospital a fazer o devido serviço, como diz o velho ditado(o cântaro tantas vezes vai à fonte até que um dia lá fica a asa).Deu raia e pano para mangas,onde entrou o oficial e o sargento dia e da guarda. tudo comeu por tabela. Eu, o maior culpado apanhei a menor pena, cinco dias de prisão, daí nunca ter sido promovido a cabo. Já no final da comissão o Srº Mira Vaz então capitão e meu comandante de companhia, quis-me promover, mas eu recusei porque estava sujeito a ir ao curso de sargentos devido às minhas abilitações.Esta é a verdade dos factos.
HOSS

vitor lopes disse...

boa tarde amigos
não estive na guiné,mas consulto com frequencia este blog luis graça&camaradas da guiné,que bastante aprecio onde leio textos de antigos camaradas meus como os fo victor tavares,e ao ler o texto do camarada pedro castanheira acerca do cabo 80 posso contar alguma coisa dele,ante de mais apresento-me sou o ex.paraquedista 795/68 vitor lopes 1ªrecruta de 69 e 51ºcurso de paraquedismo.
conheci o cabo 80 em meados de 1971 quando,veio da guine para tentar pela 4ª ou 5ªvez tirar o curso de furrieis,o que não conseguiu de facto pelo seu temperamento rebelde pois acontecia sempre qualquer coisa durante os cursos que tentou tirar e neste ultimo em 71 foi eliminado porque estava a jogar ás cartas na antiga 1ªccp quando se recusou a deixar de jogar desobedecendo á ordem do sargento de dia á 1ªccp que no caso era um cabo miliciano que estava a tirar o curso com ele chegando mesmo encosta-lo á parede o que levou a que o cabo milic.que estava de serviço a fazer uma participação que deu origem á sua eliminação,
chateado por este(mais um)incidente,pediu para passar á disponibilidade o que lhe foi consedida pelo comandante na altura coronel fausto marques tendo sido eu quem lhe fez o espólio por na altura estar impedido na secção de fardamento da 1ªccp.isto passou-se em 1971 de pois disso ainda o encontrei uma vez no rossio e nunca mais soube nada dele.o pedro castanheira falou no terras marques tenente na altura e era este o comandante dele na guine
se achar interessante poderá publicar este texto mais que não seja para o pedro ficar a saber algo mais do cabo 80
os meus cumprimentos
vitor lopes
se for necessario comunicarem-me algo o meu email é vpinheirolopes@gmail.com

vitor lopes disse...

bom dia
ainda sobre o cabo 80 lembrei-me de mais alguns acontecimentos(quando me lembro dele vem-me á memoria outras situações passadas com ele.
Depois do cor. fausto marques lhe conceder a passagem á disponibilidade e se dirigiu á seccção para fazer o espólio perguntei-lhe que farcamento tinha para entregar ao que me respondeu é pá só o que tenho vestido e pouco mais e claro que não entregou nada,e na altura como na secção havia sempre fardamentos usados e sem duração o então 2º sargento carlos ferreira que era o chefe da secção autorizou que repusesse tudo o que lhe faltava agradecido por por isso disse-me logo a noite depois do jantar vais ter comigo ao bar para ter pagar um copo e assim fiz e confesso que na altura me arrependi pois o copo que me pagou foi uma garrafa de brandy constantino da qual bebi cerca de metade a bebedeira foi tal que fui acordado quando dormia no chão do quarto 1ºccp(não sei como fui lá parar) pelo cabo de dia,ainda hoje quando cheiro qualquer tipo de brandy fico agoniado,tal foi a piela já agora por coriosidade ele era conhecido pelo cabo 80 porque o nº dele era o 80/62
um abraço