1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 6 de Setembro de 2010:
Caros camarigos editores
Confesso que já não sei em que série cabem este escrito e mais outro que vos hei-de enviar.
Sei que foram suscitados pela publicação dos outros anteriores e por isso talvez coubessem num título 20 ANOS DEPOS DA GUINÉ À PROCURA DE MIM - O TEMPO PRESENTE
Mas como sempre o critério de publicação, se, quando e como, fica ao vosso encargo.
Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim
DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM
O TEMPO PRESENTE (1)
TEMPO DE VIVER
Corre-me o tempo
por entre os dedos da mão.
Solta-se-me a vida,
num sopro,
num suspiro do coração.
Faz-se-me pensamento,
uma qualquer louca ideia,
trazida por um qualquer vento.
Abre-se-me o sorriso,
talhado por machada aguçada,
sobre os meus lábios fechados.
Encontra-me a paz,
num perfeito,
e prolongado abraço,
porque já pude escrever,
o que me foi no coração,
em noites de não saber,
se me feria o bruto aço,
de recordação magoada,
ou a memória esquecida,
do que não queria esquecer.
Mas será que perceberam,
que eu já andei perdido,
à procura do meu nada,
em noites de terrível insónia,
a suar o já suado
medo que me atormentava,
num tão recente passado,
feito de longas esperas,
atrás de árvores deitado,
de alguém que por ali passasse
apenas para ser “acabado”?
Mas será que entenderam,
as horas amargas passadas,
em matas que não conhecia,
e que nada tinham a ver,
com o Pinhal de Leiria?
Mas será que compreenderam
que coisa medonha é a guerra,
que se agarra ao nosso ser,
toma-nos conta da vida,
faz parte do nosso dormir,
chora-nos quando acordados,
e persegue-nos para sempre,
até nos darmos à terra?
Eu sei que é muito difícil
a quem não viveu assim,
perceber o medo entranhado,
vencido pela coragem,
que mais parece loucura,
do que atitude segura,
que nos imprime uma marca,
tão invisível,
mas presente,
que faz os outros pensarem
o que fez tão louca,
esta gente!
Que linguagem é esta,
que brota dos nossos lábios,
incompreensível aos outros.
As palavras são as mesmas,
mas têm um significado
que só nós podemos entender.
E por vezes,
oh, coisa estranha,
vem misturadas com outras,
palavras “arremedadas”,
dum português africano,
precisas para perceber,
aqueles que connosco estiveram,
lá longe, tão longe,
que já não os podemos ver.
Tens que te adaptar,
força-me a vida,
julgando ser fácil esquecer,
aquilo que não quero lembrar.
Ou talvez queira,
sei lá eu bem,
nesta vida em turbilhão,
em que não me reconheço,
perdido na multidão.
Fecho as mãos,
fecho os dedos,
com força,
até doer,
para que o tempo não escape,
ao tempo que ainda tenho,
e que tenho de viver,
pelo menos numa homenagem,
àqueles que “vi” morrer.
Monte Real, 2 de Agosto de 2010
JMA
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6922: Blogoterapia (157): Ai, Timor (J. Mexia Alves)
Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6842: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
Camarigo Joaquim
Onde está o poema com o nº2. Li,mexeu e fui ao nº1 e "falei" breve contigo.
Este é presente.
Não desgosto e até gosto.
Mas o Ser (do poema que est3eve e voou) é uma inexistência um não Ser? Ou um ser á procura da verdade, ou Ser de amor e dádiva ou um Ser egoísta.-??
Os poetas por vezes "navegam" em águas que os simples mortais, a elas, acesso não têm. São mundos de fantasia, de ficção ou utopia...vidas só por eles vividas. Nós, terrenos seres, ouvimos ou lemos e deixamo-nos embalar...
Rápido o passado, a procura do Ser, do encontro com um eu do poeta ficou presente. Fiquemos nele e, se permitido for deixem-nos regressar ao passado...
AB do torcato
Amigo J. Mexia Alves
Vou comentar, não o que sei, mas o
que sinto.
São profundas, assustadoras, atormentadas...as vossas vidas, as vossas horas!
Tanto tempo depois, ainda o cenário permanece!
Miscelânea de sentimentos, de recordações, tão evidentes, que se oferecem para análise dos efeitos provocados pelo conflito, de que fostes participantes:
Falo no plural, porque sei que a situação é comum a muitos de vós, mas nem todos a descrevem.
A sua poesia, tenta ser libertadora das suas mágoas, dos seus medos, das suas recordações.
Que através dela consiga isso mesmo. A paz que precisa para viver, e que nenhum dirigente político jamais lhe oferecerá.
Muitas vezes sinto falta de letras no alfabeto, para classificar determinadas situações, e esta, é uma delas:
Dizer a um ex-combatente que esqueça o que viveu - não faz sentido!
E,o que dizer???
Por isso as situações permanecem.
É preciso apelar à coragem, à vontade de seguir o caminho...e depois...há uma vida que continua...a sua!
Sorria!
Um Abraço! Força!
Felismina Costa
Lindo poema, que provavelmente não terá o mesmo sentido de leitura para todos, mas poesia é isso mesmo, cada um lê e interpreta à sua maneira.
Um abraço
Filomena
Caro Mexia Alves,
Bom para ti encontrares a paz nesse emaranhado de sentimentos,nessa amálgama de medos e actos de loucura que se não conseguem explicar mas que surgem,e nos obrigam a pensar neste "conflito de eus", que todos sentimos, em vários momentos das nossas vidas e que numa ambiência de guerra se exponenciam e são particularmente vividos...
Veste-se a farda dos sentimentos e cobrimo-nos com o manto da solidariedade,despindo, mesmo que momentaneâmente,os medos e o instinto de conservação,tão humanos,para nos agigantarmos enquanto amigos sofredores contagiados,dos dramas que nos rodeiam.
É um dos elementos distintivos do homem enquanto ser pensante e distante dos outros,simples animais,ou aparentemente assemelhados...
Quantos de nós perseguem essa paz que mau grado buscada com insistência não se encontra?
Quantos de nós,nessa procura da paz interior, tropeçam nos escolhos que a vida lhes estende,e caem nas armadilhas que a vida tece,para se perderem num improvável regresso à condição de humanos?
Como de costume,gostei muito de te ler e aprecio sobremaneira esta forma,assombrosa,numa cadência bem ritmada,como tratas os temas a que te propões ofertar-nos.
obrigado.
Um grande abraço
manuelmaia
Caro "Joquim". Por vezes,até os "reguilas-inconvenientes" como eu ficam....calados! A qualidade de alguns dos teus poemas já nao é novidade para mim.E,de acordo com esta,a qualidade dos comentários a ti enviados pelos que os "visitam"....."Rápido o passado,a procura do Ser,do encontro com um eu do poeta ficou presente.Fiquemos nele e,se permitido for deixem-nos regressar ao passado." (Torcato Mendonca). "Dizer a um ex-combatente que esqueca o que viveu---nao faz sentido!E,o que dizer?".(Felismina Costa) "Lindo poema,que provavelmente nao terá o mesmo sentido de leitura para todos..." (Filomena) "Quantos de nós,nessa procura da paz interior,tropecam nos escolhos que a vida lhes estende,e caem nas armadilhas que a vida tece...." (Manuel Maia) Com o rápido passar do...tempo que nos resta...é tempo de VIVER! Meu Amigo Joquim um abraco com saudade.
Calma.
Apareceu um poema com o nº 2 e outro, o ultimo claro com o nº 1 e publidcado, ai memória não me atraiçoes, em Abril. Li e reli e comentei. Eram poema de um passado. Poemas do Joaquim em busca de um Ser, de uma existência ou, não sendo assim de uma inexistência e caminha...em busca...de repente tudo desaparece e temos o presente. Diabo...ele encontrou-se e certamente foi com alguém que nos transporta no tempo...
Só que eu queria caminhar lento esse espaço temporal...sou lento a saborear...
Ab TM
O Torcato tem "na minha opinião" razão, também fiquei com dúvidas, algo desapareceu. No entanto, este poema é maravilhoso e o mais importante é incentivar o Joaquim Mexia para escrever mais.
Filomena
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