segunda-feira, 14 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7939: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (82): Na Kontra Ka Kontra: 46.º episódio




1. Quadragésimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 13 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


46º EPISÓDIO

Estabelecido a setenta quilómetros de S. Paulo, em Santos, cidade muito interessante com praia ao longo de uma avenida que faz lembrar Copacabana, tem oportunidade de conhecer toda a zona sul do Brasil. Visita as Cataratas de Iguaçú, vai à capital, Brasília, percorre a estrada marginal até ao Rio de Janeiro, passando pela maravilhosa cidadezinha de Parati com as suas casas tipicamente coloniais portuguesas.

Magalhães Faria e sua mulher apreciando a Baía de Santos

Porém, talvez um chamamento semelhante ao da negritude africana, agora a negritude brasileira faz com que esteja por períodos muito curtos em Portugal. Esta negritude vai novamente fazer mudar a sua vida. Agora é a sua mulher que se afasta, não aguentando as duplicidades. Magalhães Faria vê-se de novo em situação de KA KONTRA, semelhante à anteriormente vivida em Portugal.

A história repete-se e da mesma forma não quer também ficar dependente do agora ex-sogro. Regressa a Portugal e assume novamente a direcção da sua empresa, que vinha sendo gerida pelo Dionildo.

Ano de 2009. Dá-se a morte do Presidente Nino Vieira e do seu principal opositor, o Comandante-Chefe das Forças Armadas. Tudo aponta para que a partir de agora a democracia e a acalmia das armas vinguem. É neste contexto que Magalhães Faria toma a decisão de voltar à Guiné.

Ano de 2010. Chegado a Bissau, Magalhães Faria dá uma volta pela cidade. Bissau está muito modificada. Cresceu imenso para a periferia. O centro histórico está completamente degradado e em ruínas.

Uma rua de Bissau junto da Amura.

Vê a casa onde foi morto o Presidente Nino toda metralhada. Um Jeep de alta cilindrada, também furado de balas, está estacionado à porta desde os acontecimentos, há cerca de um ano.

A casa metralhada de Nino Vieira. 
(Foto de F. Allen)

Um jeep abandonado junto à casa de Nino Vieira.
(Foto de F. Allen)

As ruas têm os pavimentos cheios de buracos, no entanto há muito trânsito a ponto de se formarem engarrafamentos nas horas de ponta. Vê muita gente pelas ruas e pelas estradas. Na zona do mercado de rua, de Bandim, o aglomerado de viaturas e de pessoas é impressionante. Com a sua experiência empresarial começa a pensar que uma empresa ligada ao transporte de pessoas e mercadorias poderia ter sucesso. Meio dito meio feito.

O grande movimento na zona de Bandim.

Nos arredores da capital, para os lados de Safim, aluga uma casa e uns armazéns anexos, a preço muito mais em conta do que seria na capital. Começa a montar o negócio. Na sua mente já pairava a ideia de que o Dionildo o poderia ajudar muito, fazendo-lhe chegar de Portugal a desejada “mercadoria”: Carrinhas usadas. Iria concretizar-se a ideia que os dois tiveram na anterior estadia. Chegam as primeiras viaturas e o negócio prospera.

Magalhães Faria já não frequenta a “D. Berta”. Embora a velha senhora ainda esteja de boa saúde, o restaurante está decadente.

É no restaurante “O Porto”, perto do Grande Hotel agora em ruínas, que faz os encontros, quer de amizade quer de negócios, Por ali passam todos os europeus: Negociantes, cooperantes e turistas. Também por lá passam políticos guineenses com quem se relaciona. A vida parece sorrir-lhe. De quando em vez lá ouve à distância um c… f… É o Dionildo que acaba de chegar com mais uma carrinha, depois de percorrer cinco mil quilómetros África abaixo. Porém Magalhães Faria sente-se afectivamente só, principalmente à noite quando se encontra no silêncio da sua casa. O seu pensamento não deixa de fazer “paragens” na Asmau.

Nesse aspecto com o Dionildo as coisas eram bem diferentes. Todos os momentos livres aproveitava-os para estar com a sua amada Sextafeira. Amor platónico diziam alguns.

Magalhães Faria no restaurante “O Porto”.

Um dia resolve ir a Bafata, mais para reviver os velhos tempos e também os guineenses amigos que lá deixou. Na Asmau não depositava grande fé. Dada a apregoada esperança de vida dos guineenses o mais certo seria ter morrido. Se ainda viver, com cinquenta e muitos anos, deve estar velha e enrugada. Num Domingo mete-se à estrada. Passa por Safim onde é obrigado a parar por várias barreiras, policiais e do exército. São barreiras caricatas que obrigam os carros a parar com o auxílio de umas velhas cordas, com farrapos pendurados para se verem melhor. Uma pessoa é obrigada a parar e um guarda muito calmamente começa a dar voltas ao carro. Nada acontecerá enquanto o condutor não der o chamado “mata-bicho” ao polícia. Magalhães Faria depressa se apercebe como resolver a situação e passa a andar no “tabelier” com uma embalagem de barras de cereais. Em cada paragem uma barrita é suficiente para baixarem logo a corda.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7926: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (81): Na Kontra Ka Kontra: 45.º episódio

2 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro Magalhães Gouveia

Fui "guardando" religiosamente os "copy/past" que fui fazendo ao longo de 45 episódios.

Depois li-os de uma assentada.

Espero em breve poder ler, não os 46 episódios já publicados, mas todos, em forma de livro, para memoria futura.

Nesta altura está a decorrer em Odivelas - Biblioteca Municipal - uma mostra de livros sobre a Guiné.

Na realidade, fiquei frustrado com a apresentação. O destaque estava nos livros DIÁRIO DA GUINE, dos nossos camaradas autores Beja Santos e Graça Abreu que, conforme me foi dito, tinham bastante saída.

Fernando Gouveia disse...

Caro José Marcelino:

Efectivamente penso, como já disse noutro comentário, publicar um livro com NA KONTRA KA KONTRA. Não me considero um escritor, pelo que esse será talvez o meu primeiro e último livro. Crónicas e outras estórias curtas, isso sim, devo continuar a publicá-las no blogue.

Um abraço.
Fernando Gouveia