terça-feira, 5 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16274: Blogpoesia (458): Deram-me um par de botas e um número (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 30 de Junho de 2016:

Caros camaradas da Tabanca Grande
Em 9 de Junho de 1971 apresentei-me no CICA 4 em Coimbra, oito dias antes de fazer 21 anos e lá recebi as botas e o número mecanográfico, que ficou associado à arma, ao fardamento, até à mobilização.
Há coisa não costumamos associar.
Não são como a chuva e o guarda-chuva, nem como o casaco e o frio, mas estão ligadas ao que se passou e o que passámos.

Aproveito para agradecer a todos que me desejaram feliz aniversário.
A minha mudança de residência impediu de agradecer antes. Ainda me encontro sem internet e este email, acaba por ser enviado dum espaço comercial, que por aqui são são como cogumelos.
JA

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Era ainda Primavera
Deram-me um par de botas e um número
As botas eram pretas
O número era mecanográfico
Respondi sempre presente
As botas passaram a ser os meus pés
O número passou a ser o meu nome
111997/71 e botas, o mesmo destino.
Com elas pisei muitos caminhos
Combati o frio
Chafurdei na lama
Calquei torrões
Com elas galguei rios e mares
Saltei por cima da sorte macaca
Travei a fundo no medo
Saltei para chão desconhecido
Calquei o desespero
Pisei mato
Esmaguei insectos
Desci e subi porões.
3 anos depois, numa manhã radiosa
Com elas regressei,
Paguei ao sargento 5$00 para abater as botas ao efectivo.

O número mecanográfico, esse?
Simplesmente esqueceram-no para sempre

JA
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16266: Blogpoesia (457): Dois poemas sobre Aveiro (Francisco Gamelas, autor de "Outro olhar - Guiné 1971-1973", Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp.)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Magnífico!... É de antologia, este!.. Nunca me lembraria de fazer um poema às minhas botas da tropa... Curiosamente, usei mais as de lona do que as de cabedal... Não estás a imaginar a atrvessar, em operações, as bolanhas, lalas, tarrafes, rios, charcos, etc. da Guiné com as botas (pretas e cardadas) da tropa...

Mas era isso, Juvenal: não passávamos de um nº mecanográfico, de um par de botas, e de duas mãos... Sem um pé ou uma mão, eras abatido ao efetivo...

Com que então o meu vizinho, da Amadora (!), ainda está sem Net!.. Desconectado!... Manda-me o teu nº de telemóvel, que eu perdi-o!!!... Mais uam vez...

Juvenal Amado disse...

Luís
é verdade ainda não estou a brigar com os gajos da MEO.
Tem sido só promessas . É hoje é amanhã e estive 20 dias sem TV e estou há 35 sem net.

Olha pois já estou instalado aqui nesta bela localidade. o meu nº é o 913020485.

Telefona para bebermos um café no fim de semana

Anónimo disse...

Também eu, com as minhas botas pretas " calquei o desespero"!

Hoje, cá por casa, passei a tarde em amena cavaqueira com o António Pimentel que vai a caminho da Invicta.

Agora, tomado o antibiótico, vim lavar os olhos no Blogue!

Parabéns Juvenal.

Um abraço para todos!

Vasco A. R. da Gama