1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2015:
Queridos amigos,
Foi mesmo inesperado, entrei numa biblioteca à procura de uma coisa, saiu-me outra. Além de inesperado, vê-se que o divulgador tem ideias consistentes sobre a Guiné, a nossa presença espúria, a pressão francesa, paciente, até ocupar o Casamansa, dando-nos depois as sobras.
O que é curioso é ficarmos saber que afinal a Convenção Luso-Francesa foi bastante lisonjeira connosco já que a nossa ocupação de facto era avaliada entre os 55 e 62 quilómetros quadrados, o que dá para meditar sobre a fragilidade da presença portuguesa.
Um abraço do
Mário
A Guiné Portuguesa em 1917
Beja Santos
Entra um sujeito na Biblioteca de Arte da Gulbenkian à procura de materiais do escritor Fausto Duarte e descobre uma brochura carregada de interesse, chama-se “A Guiné Portuguesa” e fazia parte de Os Livros do Povo, quem a escreveu foi A. Loureiro da Fonseca, 1.º Tenente da Administração Naval. Custava cinco centavos.
Vê-se que o oficial da Armada consultou conscienciosamente a principal bibliografia existente ao tempo, e fez trabalho enxuto, deu provas de ser um bom divulgador, como se pode certificar adiante.
Diz ele que apenas se sabe ao certo que antes de 1581 já existia no rio de S. Domingos duas feitorias, uma em Cacanda, na margem esquerda, e outra na margem direita, mais a montante, em Buguendo. No rio Geba havia já portugueses estabelecidos numa aldeia e no rio Grande havia feitorias em Santa Cruz de Guinala e em Biguba. Em 1603, alguns missionários capuchinhos iniciaram as conversões entre os gentios de Bissau e em 1607 o régulo de Guinala cedeu aos portugueses a Ilha de Bolama. Gonçalo de Gamboa, capitão de Cacheu, fundou entre 1643 e 1645 a povoação de Zinguinchor. No ano de 1687, os franceses, que já então se tinham apoderado do comércio do Senegal, fazem a tentativa para a fundação de um forte em Bissau, insistiram em 1700 mas foram repelidos pelo Capitão Rodrigo da Fonseca Oliveira. Em 1828, os franceses apossaram-se do Ilhéu dos Mosquitos, à entrada de Casamansa, fundaram a feitoria de Carabane e ocuparam Selho. O governo de Lisboa procurou responder com o estabelecimento de um presídio em Bolor.
A cobiça britânica igualmente se manifestou, com a tentativa de uma feitoria em Bolama, seguiram-se hostilidades que culminaram com a sentença do presidente dos EUA Ulisses Grant que reconheceu a legitimidade dos direitos portugueses. Dá-se então um processo de expansão territorial ao longo de período do século XIX: posse da Ilha das Galinhas, ocupação de Ganjara e Fá, fundação de um presídio em S. Belchior, mas também se intensificou a presença em Buba e deu-se a ocupação definitiva de Bolama em 1870.
Como balanço da Convenção Luso-Francesa de 1886 foi reconhecido a Portugal o direito à posse de um território cuja superfície abrange 36.125 quilómetros quadrados quando, na verdade, a nossa ocupação de facto pouco mais iria, em 1886 do que Lopes de Lima em 1842 avaliava entre 55 e 62 quilómetros quadrados.
As primeiras autoridades portuguesas que houve na Guiné foram os feitores de rio, simples autoridades fiscais. Mais tarde, cerca de 1615, é que essas atribuições se tornaram extensivas aos assuntos da justiça e da guerra, acumulando então os feitores as funções de capitães-mores e de ouvidores. Em 7 de Dezembro de 1853 deu-se a criação do Distrito da Guiné Portuguesa.
A Guiné ocupa uma área que corresponde aos distritos de Beja, Évora, Lisboa, Santarém, Leiria e o concelho de Penela. Loureiro da Fonseca disserta sobre os aspetos físico, orográfico, hidrográfico e geológico da província. Surpreendeu-me quando ele escreve que o rio Geba e o rio Corubal se encontram em Ponta Volvo, na verdade o local tal como eu conheci e é hoje conhecido é Ponta Varela.
O autor não se coíbe de dar a sua opinião sobre as potencialidades comerciais e as virtualidades económicas da região. Diz ele que conquanto a Guiné, pelas suas condições climáticas e pelas suas produções deva ser classificada economicamente como colónia de exploração agrícola, tem sido desde o tempo dos Descobrimentos apenas quase como colónia de comércio.
Primeiro, os moradores de Santiago, a quem desde 1466 pertencia o exclusivo do resgate nos rios da Guiné e, mais tarde, pela liberdade de comércio, portugueses e estrangeiros. Falando das trocas comerciais dirá que o país que mantinha mais relações comerciais com a Guiné era a Alemanha. A razão do predomínio do comércio estrangeiro deve-se a que nem a metrópole produz o que a Guiné necessita nem consome, se não em pequena quantidade, os géneros de exportação da colónia. Os tecidos de algodão metropolitanos não podem competir em preço com os estrangeiros; o tabaco é de origem americana ou holandesa e as nozes de cola são fornecidas pela Serra Leoa.
Apenas nos géneros alimentícios a metrópole concorria com 50% da importação total e nos vinhos de pasto a metrópole mantinha a primazia. Mas a curiosidade de Loureiro da Fonseca nunca nos deixa de surpreender. Diz existir na Guiné, sem ser objeto de qualquer exploração, o poilão. Segundo ele, existiam também com abundância laranjeiras, limoeiros, mangueiras, anoneiras, cajueiros e bananeiras; o ananás seria igualmente abundante, de fruto pequeno mas muito saboroso. Faz o reparo de que a flora da colónia merecia ser convenientemente estudada e afirma que no Sul se encontra o elefante e um pequeno antílope de nome fritambá. É um autor que tem as suas ideias formadas quanto às comunicações para um futuro mais radioso da colónia. Diz ele que a Guiné se presta a ser a via de comunicação mais fácil entre a região montanhosa do Futa-Jalon e o oceano. Essa região encontra-se fora da zona de influência do caminho-de-ferro francês, todos os seus produtos vão procurar o porto de Boké, no rio Nuno, sendo forçados a atravessar em diagonal o nosso território de Sueste. E sugere que valia a pena concluir uma linha férrea desde a fronteira, em Cadé, até Bissau, todo o comércio do Futa-Jalon obteria vantagens se existisse essa linha. E bem curiosas são as suas conclusões neste livrinho de divulgação em que ele fala de noções de tudo. Diz ele que a Guiné não é uma colónia de povoamento apropriada à colonização branca e isso afasta a ideia de estabelecimento de qualquer corrente de emigração de indivíduos, a partir da metrópole. E surpreende-nos com o seu juízo veemente e categórico: o europeu na Guiné tem de restringir-se ao papel do dirigente e, à parte as funções burocráticas só pode encontrar colocação no comércio como empregado de escritório, como técnico ou como capataz de trabalhadores indígenas. É pois muito limitado o âmbito dentro do qual os europeus ali podem exercer materialmente a sua atividade, o que de modo algum significa que nos devamos desinteressar da colónia. Era isto o que à data da publicação, 1917, o 1.º Tenente Loureiro da Fonseca, entendia sobre o passado, presente e futuro da Guiné.
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16256: Nota de leitura (853): Notícias da safra de 18 de Junho na Feira da Ladra (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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