segunda-feira, 29 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (158): Afinal a guerra também era ototóxica...

Infeliz o cego, surdo e mudo,
porque dele não será o reino de Neptuno


Estou surdo e não poderei ouvir-te em agosto.
Nem ouvir o que mais gosto em agosto,

o mês da festa de todos os sentidos,
ouvir o mar, a décima sinfonia do mar,
tocada pelo vento,

pelos golfinhos e pelos surfistas.
Ou só poderei captar meio som, 

com o meio ouvido que me resta. 

Estou surdo e por mais absurdo
que isso te pareça,
só poderei entender as palavras sibilinas, 

e as semifusas, que me escreveste,
em papel pautado, no teu último mail.

Aqui estou eu, especado, na areia, emparedado entre o
 Beethoven a fazer o pino 
e o desejo e a ameaça de Sibila,
enquanto espero o otorrino, 

à porta do consultório, na casa de praia,
e o sol que tarda 
nesta tarde do mês de Agosto.

Infelizes os surdos e os curdos
(que não têm mar nem pátria nem otorrino,

e muito menos casa de praia) 
e os duros de ouvido, como eu,
porque deles não será o Reino de Neptuno!

Sinto-me infeliz, no pico do verão,
meio surdo, meio huno, meio curdo,
à espera do pôr do sol
e do seu espetáculo de strip-tease,

e o otorrino que tarda em almoçar.

Aqui especado, parado, enterrado na areia,
à espera de qualquer coisa,
da iminência de acontecer qualquer coisa,
à espera da queda dos últimos restos
do sacro império romano do ocidente,
à espera que me caia, na cabeça,
uma prancha de surf,
um tubarão assassino,
um ultraleve publicitário,
à espera que haja uma notícia, 

que não seja falsa,
que dê um belo título de caixa alta
para ler amanhã com o café do pequeno almoço,
qualquer coisa que não me agrave ainda mais 
a minha surdez, o meu autismo...

Por favor, nada de ataques de pânico,
falsos alarmes de tsunami,
e muito menos ainda 

o crash na Bolsa de Nova Iorque,
o suicídio coletivo dos povos da Amazónia,
ou um magnicídio. 

Ao menos que eu fique à espera 
que dê à costa na maré cheia 
um pedaço da arrábida fóssil da Lourinhã,
em vez da cabeça do rei 
ou do Santiago de Compostela,
de preferência um duro osso de roer 

de um pachorrento jurássico dinossauro,
ou até quiçá uma boa chuva de meteoritos
made in China, transgénicos…

Emfim, aqui estou eu à espera dos bárbaros, 
à espera dos hunos,
à espera do meu otorrino,
à espera de ti, meu amor.
à espera do sol que teima em tardar,
à espera do FMI ou do FIM do planeta,
sem pachorra para os curdos,
sem piedade para com os surdos, 
muitos menos os cegos e os mudos,
agora sem o fio de Ariane.

À espera, enfim, da recuperação 
dos meus cinco sentidos,
à espera do fim da minha crise existencial,
à espera do som e da fúria 

da próxima praia-mar,
em noite de lua cheia
prenha de augúrios, fantasmas e medos.

Só não conquistaram o sol, nem a lua, 

os sacanas dos romanos,
que nos escravizaram e deram o ser,
nem os oceanos,
o Atlântico, a autoestrada da globalização, 

o sol que tarda em Agosto,
ou que alguém pôs no prego
para pagar dívidas ao fisco,
nem havia nesse tempo direito a férias pagas,
subsídio de invalidez 

por surdez, profissional,
nem muito menos o prémio 

por nascimento, batizado, casório e funeral.

Estou surdo, cego e mudo,
ou, se não estou surdo, cego e mudo, 

foi por um triz,
que o míssil passou rente ao arame farpado,
estou surdo e a fazer o luto 

pela morte do Estado-Providência
que me pagava o otorrino 

e as gotas para o nariz.

Aqui é o meu futuro, diz o novo huno,
o imigra que agora vende bolas de Berlim
em praias rigorosamente concessionadas
e outrora vigiadas pela ASAE. 

Viva o fascismo sanitário, 
proclama o outdoor
da nova polícia das retretes e dos croquetes.

Estou surdo, sem dó nem piedade,
falta-me ficar cego e depois mudo,
para ser cego, surdo e mudo,
como a figura da deusa Justiça,

esculpida à porta do tribunal. 

Luís Graça,

[Lourinhã, Praia da Areia Branca, 13/8/2007. Revisto].


2. Comentário do autor:

Tenho 'ouvidos novos' que encontrei no lixo e reciclei. Tenho má consciência por toda uma vida em que fui predador do planeta. Agora, tarde e a mais horas, ando numa de reciclagem. Reciclo tudo o que posso, até pus ouvidos novos. Não sei que raio de planeta vou deixar para os meus netos e bisnetos, se os tiver.

Fui fazer um audiograma, mas primeiro fui ao otorrino limpar a merda dos ouvidos. Um deles tinha favos e favos de mel e cera. Mais cera do que mel. Ou era só cera ?...

Há já uns anos que ouvia mal, já não ouvia os alunos da terceira fila na sala de aulas. Muito menos o safado do locutor de serviço ao telejornal. Deixei de ouvir e ver televisão. Nem podia ir ao teatro, que os atores só falavam para eles e entre eles. E a primeira fila era só para os convidados e amigos bons de ouvido. E mesmo para ouvir a 9.ª sinfonia tinha que levar um funil.

O sacana do otorrino, há uns anos atrás, no hospital que devia ser um farol para os doentes, encolheu os ombros, e disse-me: "Mas o que é o senhor professor quer que eu lhe diga ?!... A idade não perdoa, a perda auditiva é irreversível"...

Merda para a idade, senhor doutor, e então os milagres da novas ciências médicas para cujo peditório também dei durante anos e anos ? Eu quero uns ouvidos novos, quero uma recauchutagem do esqueleto, como deve ser, da cabeça aos pés...

Nunca fui egoísta, agora estou a sê-lo... Andei cinquenta anos a descontar para a ADSE, nunca tomei um medicamento, nunca gastei um chavo ao provedor da santa casa da misericórdia... Fui amigos dos ministros da saúde. Tinha saúde para dar e vender. Nunca meti uma cunha a Deus e ao Hospital de Todos os Santos, também nunca me calhou o euromilhões ou a sorte grande, mas a verdade é que também não jogo, e quem não arrisca não petisca, diz o saloio do Zé Povinho....

Não joguei, não ganhei, não arrombei os cofres da santa casa. Agora ando a fazer as contas à vida: tanto para os ouvidos, tanto para a anca, tanto para os joelhos... E que Deus nos livre do raio do Alzhemeir!

"Otites líquidas, teve em pequeno?", pergunta-me a audiologista...

"Minha querida, quem as não teve, em pequenino, ou no Portugal pequenino em que nasci, vivi e cresci. E o meu médico era a ti'Adlina, minha vizinha da rua do clube, guardadora de segredos terapêuticos milenares... Médicos ?... Só havia dois na minha aldeia, e a gente só os chamava no estertor da morte ou nalgum parto de má hora"...

E acrescentei, por descargo de consciência:

"Depois disso, estive na Guiné, na guerra, ouviu falar ?... A menina é jovem, já nasceu depois do 25... E mesmo que fosse antes, nunca iria para a tropa. Só se fosse enfermeira paraquedista, conheci algumas na Guiné... Tiros, explosões, emboscadas, minas anticarro, acidentes com viaturas, quedas mais ou menos aparatosas, picadas, solavancos, cabeçadas, cones de fogo nas trombas, trambolhões, bezanas, esquentamentos, febres palúdicas... sabe como são estúpidas as brincadeiras da guerra, quando se tem vinte anos, sangue na guelra e as hormonas a rebentar a pele"...

"Ah!, já sei, quinino, ototoxicidade!

"O quê... ?"

"Há certos medicamentos que são otóxicos... Já passaram por aqui dezenas e dezenas de antigos combatentes da Guiné que se queixam do mesmo mal... O quinino, do Laboratório Militar, que vocês tomavam regularmente, às refeições... Por causa da malária ou paludismo... Lembra-se ?"


"Eureka!... Se me lembro !... Um pacotinho de sal e outro de quinino, ao almoço!!"...


"Parece haver evidência científica de que o quinino pode provocar danos ao sistemas coclear e/ou vestibular"...

"Não percebo nada da anatomia e da fisiologia do ouvido... Mas com essa do quinino, é que a menina me estar a lixar!... Não sabia, mas devia saber, porra, afinal andei anos e anos a falar de saúde e segurança do trabalho"...

"Não sou farmacêutica, mas há para aí mais do que uma centena de medicamentos ototóxicos. Acrescente-lhe a penicilina"...

"Porra, tomávamos aos milhões"...

"Agora, não há remédio, e não precisa de dizer palavrões... Ou melhor: felizmente há remédio. Deixe isso comigo. Vamos lá fazer o audiograma e, depois, pôr estes brinquinhos no ouvido, devidamente regulados"...

"Com essa é que me tira o sono, que a guerra era tóxica, eu já o sabia, mas que também podia ser ototóxica, não me passava pela cabeça!"...

"É bom para o Estado-patrão (e, para nós, multinacionais que vendemos aparelhos auditivos, um negócio de milhões, aqui para nós que ninguém nos ouve)... Enfim, é bom que os antigos combatentes não saibam certas coisas que faziam mal à saúde... Afinal, só os juízes é que são, coitados, cegos, surdos e mudos... E têm que ser bem pagos por isso"...

"Minha querida audiologista, estou encantaddo por ouvi-lo... Sabe, estou até a simpatizar consigo!".

... Ganhei uns 'ouvidos novos'. Posso agora ouvir todas as conversas, mesmo baixinhas... Até as conversas dos espiões!... Mais importante: posso ouvir o mar no mês de agosto, e o vento a dar nos búzios dos moinhos da minha infância...


Algumas conversas bem as dispensava... Mas não há mundos perfeitos... Mais vale andar neste mudo de muletas do que no outro em carretas... Obrigado ao 'morto' que me deixou uns 'ouvidos novos', comprados no OXL. A preço da uva mijona. É indecente que me peçam 4 mil euros por um aparelho auditivo XPTO... Prefiro um, em segunda mão, reciclado. A mim, que que lutei na guerra pela minha Pátria e que, se calhar, fui vítima da ototoxicidade provocada pelas drogas antimaláricas do Laboratório Militar...

______________
 

o·to·tó·xi·co |cs|
(oto- + tóxico)

adjectivo

[Medicina] Que tem efeito tóxico sobre o ouvido ou sobre órgãos ou nervos responsáveis pela audição e pelo equilíbrio.

"ototóxico", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/otot%C3%B3xico [consultado em 27-07-2019].

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 18 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19987: Manuscrito(s) (Luís Graça (157): Andamos à volta com os fantasmas de sempre, que, desde meninos, nos ensombram, uns, ou nos encantam, outros... Para o Jaime, ao km 73 dos passos em volta...

11 comentários:

José Saúde disse...

Luís, a "otóxidade" nos ouvidos é tramada e nem a "manga" dos "quirinos" ingeridos na Guiné te livraram desse mal. Mas vale-te, hoje, os tais minúsculos aparelhos auditivos, detentores de uma pequeníssima antena exterior, para ouvires os atores em palco mesmo que o teu lugar seja na fila mais atrasada da sala. Gostei, e muito, a forma como abordas uma temática que parece ser comum a muitos camaradas.
Força, amigo e não te preocupes com a ligeira falta de audição. Ouve, e decifra, o que te motiva interesse, o resto manda para o caixote do lixo.
A vida, ou seja, a nossa passagem por este cosmos terrestre onde conhecemos os teores da guerra nem sempre se pactua como um mar de infinitos prazeres, portanto há que viver a vida e usufruir de "males" maiores.
Abraço, Luís
Zé Saúde

Hélder Valério disse...

Meu caro Luís

Nem sei que dizer!
Comecei a ler o poema e "senti" que estava um bocado "lamechas", um tanto ou quanto reflector de revolta quanto e contra as coisas "próprias do avançar da idade"...
Pareceu-me justa essa revolta mas inconsequente.
Cheguei ao fim do poema e li "Agosto de 2007".... pouco depois de eu "entrar" para a "Tabanca Grande", e pensei "então o Luís tem andado este tempo todo a "ouvir mal" e a remoer essa situação! Mas não só. Tanto quanto me lembro houve também o caso da anca (por sinal já vou tendo também uns sinais disso...).

Mas depois.... depois... veio a parte interessante!
Sim senhor, grande, interessante e educativo (e também informativo) diálogo com a jovem audiologista.
Tudo o que relatas a seguir foi muito útil para o meu conhecimento dessas coisas. Tenho a sorte de ter aqui por Setúbal um otorrino amigo que tem sido muito útil (e eficaz) no acompanhamento das maleitas da sua especialidade (e não só...) para mim e meus familiares. Já agora, talvez a despropósito mas porque me lembrei agora mesmo, ele contou-me que uma noite, estando de serviço no Hospital de S. José recebeu uma paciente de uma etnia de que agora não se pode fazer referência, que tinha estado nas "urgências" e que mandaram subir ao piso de cima para ir ao "otorrino" e quando a senhora deparou com alguém de bata branca e estetoscópio dependurado ao pescoço perguntou "aiii, o sinhor é que é o Dr. Rinoo"?

Pois então, Luís, com esses ouvidos novos, vê lá se tens de mudar o testamento (conforme as anedotas que se fazem a propósito desses melhoramentos) mas aproveita bem para ouvires o mar. É bom e tu, sendo daí, sabes isso muito bem!
Abraço
Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Luis
O pior é quando perguntares se falta muito pra chegar ao Sabugo e te respondem
'sei lá se já morreu tudo'.

Ab.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os eternos lapsos, fífias, erros, mal entendidos... da comunicação humana...

Lembro-me do meu velho, quando foi passar uns dias à Tabanca de Candoz... O meu sogro era nortenho, carneiro, o meu pai, sulista, mouro, peixeiro... Os dois falavam português, mas cada um com o seu sotaque e o seu próprio léxico... O meu pai era incapaz de dizer de palavrões, mas tinha sempre um dito esperituoso, um verso, uma quadra, uma anedota, um dito, um trocadilho, na pomta da língua.... Falava sempre em verso, e muito rápido, por evzes trapalhão... Mas empre ouviu bem, apesar de 30 meses em Cabo Verde, "a comer pó e vento"...

Findas festas do casório, Aa fim de três dias ("que o peixe e o hóspede ao fim de três fedem"), lá voltou à terra, a Lourinhã... E o meu sogro, que gostava de receber bem, diz-me o seguinte quando se veio embora:
- Ó Luís, o seu pai é muito engraçado... Mas olhe que eu não percebi do que ele disse!

Às vezes, o problem não é do foro do otorrino...é do foro do aocioantropólogo!

Abraço para os camarasas Zé Saúde, Hélder Sousa e Valdemar Queiroz que tiveram a pachorra de me ler...e comentar.

PS - Para tranquilidade dos meus amigos e camaradas da Guiné: estou a adaptar-me bem aos meus "ouvidos novos ou reciclados"... E eu hoje até vou à Ventosa do Mar comer uma batadaa de peixe seco, na Associação Cultural e Recreativa a da terra, com umas centenas de comedores... Por minha conta, levo mais quinze comedores de bataytas e peixe seco. com muuta ceboal... A acústica, apesar de má sempre deve ser melhor do que a do inferno da Guiné...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vd. aqui excerto de um comnetário do Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74) [, foto acima, em 1973, no mítico Rio Corubal, no Saltinho]:

(...)

Na Guiné pedia aos operacionais para não se esquecerem de tomar um anti-palúdico do Laboratório Militar, de nome Pirimetamina, ás quintas e domingo,para evitar as crises palúdicas, que por vezes tomavam características graves como o Paludismo Cerebral.

Por vezes sentia-me a pregar aos peixes como Santo António, pois o pessoal achava que se tomassem os comprimidos teriam alterações negativas no seu desempenho sexual.

Enfim, boatos que corriam em surdina entre os operacionais e que prejudicavam o desempenho da operacionalidade dos grupos de combate, das companhias e dos Batalhões .

A Maria Turra na emissão da Rádio do PAIGC utilizava por vezes o prejuízo que acarretava a toma de determinados medicamentos pelos nossos militares, explorando psicologicamente o temor fazendo com que os boatos se tornassem realidade tentando agravar a saúde psicológica e física das nossas forças. A contra-informação era uma realidade e uma arma poderosa da guerrilha também a ser explorada.

A pressão sobre os profissionais de saúde era grande e por vezes a desconfiança era a má conselheira, fazendo no meu caso pessoal com que tomasse os comprimidos na frente do pessoal na altura das refeições, para anular os boatos que pudessem persistir.

Nas crises palúdicas o tratamento era feito com Resochina em soro polielectrolítico e aplicação endovenosa e dava sempre uma incapacidade de alguns dias, sobrecarregando os colegas e diminuindo a capacidade operacional do grupo de combate a que pertenciam ou levando á substituição por outro pessoal o que moral e eticamente era reprovável no caso de serem feridos em combate.

O meu Gin Tónico pela manhã tinha o efeito de, além de me sedentar, desentupir a gorja e também como medicamento visto a água tónica ter Quinino, outro anti-palúdico.

Pela noite depois do jantar lá vinha o wisky com água Perrier, para acompanhar um bom bate papo no alpendre da messe de oficiais fazendo correr o tempo até chegar o grupo de combate que diariamente saía para patrulhamento. Só depois de ter a certeza que todos tinham chegado bem, é que eu me recolhia para dormir depressa, pois acordava sempre pelas 6 horas da manhã, seco como as palhas á espera de um novo Gin para me restaurar a esperança de que esse dia seria muito melhor que o anterior. (...)


16 DE OUTUBRO DE 2014
Guiné 63/74 - P13743: Os nossos médicos (80): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (12): Até a Maria Turra dizia que o antipalúdico Pirimetamina, do Laboratório Militar, fazia mal à tusa...

Fernando Ribeiro disse...

Em Angola, entre 1972 e 1974, não se tomava quinino, porque se considerava que o parasita da malária mais comum (plasmodium falciparum) tinha desenvolvido resistências a este produto, mas usavam-se outros medicamentos que tinham a mesma base ativa. Assim, era distribuído pelo pessoal, uma vez por semana ao almoço, um comprimido de Cloroquina do Laboratório Militar, como preventivo. Eu raramente o tomava, porque passava mais tempo fora do quartel do que dentro, em operações, colunas, patrulhamentos e outras ações, não estando presente aquando da distribuição de Cloroquina.

A quem tivesse ficado doente com paludismo, eram-lhe ministradas injeções de Resoquina, também do Laboratório Militar, ou Resochina, da Bayer, que era igual. Em alternativa, era ministrado Plaquinol, caso não houvesse Resoquina disponível. A mim, a Resoquina operou um verdadeiro milagre quando fiquei doente na região dos Dembos, onde a incidência do paludismo era generalizada.

A Pirimetamina era administrada só em último caso, pois considerava-se que podia ter efeitos secundários graves. Eu tomei-a quando regressei de Angola, pois dias antes do embarque apanhei de novo paludismo, desta feita em Luanda, e regressei sem completar o tratamento com Resoquina. Cá chegado, tomei Pirimetamina e o problema ficou completamente resolvido, sem efeitos secundários nenhuns.

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano, CCaç. 3535 do BCaç 3880, Angola 1972-74

P.S. - Em Angola não havia água de Perrier nem das Pedras, mas sim uma água mineral angolana de sabor fortíssimo e muito desagradável, chamada "Pedra de Água". O Antº Rosinha deve lembrar-se dela.

Fernando Ribeiro disse...

Luís, o link que deste não funciona. Tem umas aspas a mais no fim. O link correto é este: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/10/guine-6374-p13743-os-nossos-medicos-80.html.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Fernando, pelo reparo... Aqui fica o link como deve ser... As aspas são a morte do artista... LG


16 DE OUTUBRO DE 2014
Guiné 63/74 - P13743: Os nossos médicos (80): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (12): Até a Maria Turra dizia que o antipalúdico Pirimetamina, do Laboratório Militar, fazia mal à tusa...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já testei, o linh funciona... Bom resto de fim de julho... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

(...) "A ototoxicidade medicamentosa pode ser definida como uma perturbação transitória ou definitiva da função auditiva e/ou vestibular, induzida por substâncias de uso terapêutico(1). O antimalárico original quinino é derivado da árvore Cinchona, um membro da família Rubiaceae. Seu uso foi descrito pelos incas no tratamento das febres tropicais(2) Os antimaláricos foram sintetizados inicialmente nos EUA durante a II Guerra Mundial, para uso contra a malária pela escassez de quinina, já que o Japão dominou Java, a principal fonte da substância natural na época(2). Sabe-se que, embora a atividade antimalárica da hidroxicloroquina (HCQ) seja a mesma do fosfato de cloroquina (FC), seu potencial tóxico é significativamente menor." (...)

Ler mais aqui:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0482-50042004000300006

Valdemar Silva disse...

Ainda sobre a surdez.
Numa Universidade, que não me lembro do nome, um grupo de cientistas realizou um experiência para testar as capacidades da pulga.
Resolveram cortar as pernas à pulga e verificaram que o inseto, mesmo assim, continuava vivo e alimentava-se chupando sangue. Depois testaram a capacidade auditiva da pulga gritando salta! salta! salta! mas a pulga não se mexeu.
Concluíram, portanto, quando se cortam as pernas a uma pulga ela continua viva e com
a mesma vontade de chupar sangue, mas completamente surda.

Lembram-se de cada uma.

Valdemar Queiroz