Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > CCAÇ 2791 (1970/72) > O fur mil Jorge Fontinha a ser assistido pelo 1º cabo aux enf Silva, no decurso de uma operação na zona de
Foto (e legenda): © Jorge Fontinha (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Esta história do Jorge Fontinha, publicada pelo nosso coeditor Carlos Vinhal, há quase 10 anos atrás (*), merece ser "desenterrada" e reproduzida na série "Os nossos enfermeiros"...
Estamos justamente "com a mão na massa", a falar dos serviços de saúde militares durante a guerra, e da crónica escassez de recursos humanos e técnicos que foram superados, em grande parte, pela grande abnegação, coragem e altruismo dos nossos médicos e enfermeiros (**).
Nesta altura, no CTIG, em 1970/72, parece que a regra geral era 1 médico por batalhão, e não 1 médico por companhia, como previa originalmente o dispositivo sanitário.
por Jorge Fontinha
A CCAÇ 2791, "Força", foi uma Companhia, cujos Especialistas e não só os Operacionais, foram de verdadeira excelência.
Hoje vou falar da equipa de enfermagem cuja competência e dedicação não tiveram limites. Superiormente liderada pelo Furriel Miliciano Urbano Silva, os Cabos e maqueiros divididos pelos 4 Grupos de Combate, foram uma equipa de respeito.
O Urbano era incomparável, tanto na sua Especialidade como ser humano, voluntarioso, competente e rigoroso. Ninguém escapava às suas seringas nem aos seus comprimidos. Protagonizámos, os dois, muitos episódios, alguns deles já nem sequer os consigo lembrar. Há todavia um que jamais vou esquecer.
Quando a Companhia se reúne em Teixeira Pinto com o nosso 4.º Grupo, alguns dias passados, há uma operação programada para o Balangarez. Na véspera tive uma entorse no pé direito e, como nunca me havia baldado em circunstância alguma, fui ter com o Urbano para que ele me desse a sua opinião.
Depois de revisto, aconselhou-me a consultar o médico do Batalhão [, BCaç 2928], que me aconselhou a descansar 3 a 4 dias, passando-me uma baixa para 3 dias.
Como era da minha obrigação, dei conhecimento ao Alferes Gaspar e dirigi-me ao gabinete do Capitão Mamede, informando-o da situação. Aconteceu o impensável!
O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.
Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.
O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.
Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.
Fur mil enf Urbano Silva |
sem que nada o fizesse esperar, faz uma pirueta no ar, dá dois ou três passos de dança e diz três ou quatro palhaçadas, provocando um ambiente hilariante e de boa disposição. Foi a táctica dele.
- Vais à operação ou não?
- Vou, mas levo a dispensa no bolso. Se tiver de ser evacuado, alguém a vai ver!
Hoje digo: obrigado, Urbano!
No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado.
Hoje digo: obrigado, Urbano!
No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado.
Valeu-me na altura a minha companheira de emboscada, a inseparável garrafa de whisky, duas goladas e a colaboração do 1º Cabo Auxiliar Enfermeiro Silva, que com o restante me massajou, pondo-me a transpirar abundantemente. Ao raiar do dia, preparamo-nos para regressar à estrada e sermos recolhidos para voltarmos para Teixeira Pinto.
A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.
Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.
Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Enf Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.
Entretanto eu e o Alferes Gaspar continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos à mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar.
A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.
Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.
Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Enf Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.
Entretanto eu e o Alferes Gaspar continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos à mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar.
Quem estava de frente para a porta de entrada era o Gaspar, que de imediato começa a vomitar, provocando-me a mim próprio, igual reacção. O Chaves ao lavar-se, esqueceu-se de mudar a camisa, que vinha ensanguentada e com vestígios da placenta. Resta dizer que o desempenho do Silva, foi exemplar.
O Cabo Enfermeiro Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…
Aos meus bons amigos, ex-Furriel Urbano e ao ex-1º Cabo Silva, o meu abraço eterno.
Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.
Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
O Cabo Enfermeiro Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…
Aos meus bons amigos, ex-Furriel Urbano e ao ex-1º Cabo Silva, o meu abraço eterno.
Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.
Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores nº 2791
Unidade Mob: RI 16 - Évora
Cmdt: Cap Mil Art Mamede José de Sousa | Cap Inf Joaquim Humberto Rodrigues Teixeira Branco | Cap Inf Manuel Estêvão Martinho da Silva Rolão | Cap Inf Joaquim Humberto Rodrigues Teixeira Branco
Divisa: "Força"
Partida: Embarque em 19Set70; desembarque em 020ut70 | Regresso: Embarque em 28Set72
Síntese da Actividade Operacional
Após realização da IAO, de 50ut70 a 290ut70, no CMl, em Cumeré, seguiu, em 300ut70, para Bula, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com a CCav 2487, sob orientação do BCav 2868.
A partir de 1Dez70, foi integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2928, como subunidade de intervenção e reserva do sector, com vista à realização de acções nas regiões de Choquemone, Ponta Matar, Bofe e outras e ainda de reconhecimentos,
patrulhamentos, emboscadas e escoltas na zona de acção do batalhão.
patrulhamentos, emboscadas e escoltas na zona de acção do batalhão.
Após ter destacado, temporariamente, um pelotão para Teixeira Pinto, em
reforço do BCaç 2905, outro para Bissum, em 2Mar71, em reforço da CCaç 2781,
e ainda outro para Pache, em 19Mar71, foi deslocada para o subsector de Binar,
em 13Mar7l.
reforço do BCaç 2905, outro para Bissum, em 2Mar71, em reforço da CCaç 2781,
e ainda outro para Pache, em 19Mar71, foi deslocada para o subsector de Binar,
em 13Mar7l.
Em 25Mai71, mantendo um pelotão em Bissum, foi transferida para
Teixeira Pinto, reagrupando então o pelotão ali destacado do antecedente, a fim
de colaborar na segurança e protecção dos trabalhos da estrada Teixeira Pinto-
-Cacheu, ficando na dependência do CAOP 1 e depois do BCaç 2905.
De 30Jul7l a 19Ag071, entretanto, esteve atribuída temporariamente ao COMBIS,
deslocando-se no período para Bissau e regressando em seguida a Teixeira
Pinto, com excepção de um pelotão que só recolheu em 30Ag071.
deslocando-se no período para Bissau e regressando em seguida a Teixeira
Pinto, com excepção de um pelotão que só recolheu em 30Ag071.
Em 250ut71, mantendo o pelotão destacado em Bissum, foi deslocada para
a base temporária de Capó, para protecção dos trabalhos da estrada Teixeira
Pinto-Cacheu até 06Dez71.
Após a recolha do pelotão destacado em Bissum em 2Nov71, para Bula e seu deslocamento para Ponta Augusto Barros em 16Nov71, a subunidade foi deslocada para Ponta Augusto Barros, com pelotões destacados em João Landim e Mato Dingal, substituindo nos respectivos reordenamentos a CCaç 2790 e assumindo a responsabilidade do subsector em 8Dez71, na dependência do BCaç 2928.
Em 30Jun72, foi rendida no subsector de Ponta Augusto Barros pela CCaç 3328, por troca, sendo colocada em Bula como subunidade de intervenção e reserva do BCaç 2928 e depois do BCav 8320/72, destacando um pelotão para Nhamate, em 30Jul72 e sendo utilizado em acções de emboscadas e patrulhamentos de contrapenetração.
Em 19Set72, foi rendida no subsector de Bula pela 3ª Comp/BCav 8320/ 72 e recolheu seguidamente a Bissau para o embarque de regresso.
Observações
Tem História da Unidade (Caixa n." 89 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).
Tem História da Unidade (Caixa n." 89 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).
Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. 395/396.
__________
Notas do editor LG:
(*) Vd. poste e 23 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7026: Estórias do Jorge Fontinha (12): Os nossos Enfermeiros
Vd. poste anterior, de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse
(**) Último poste da série > 21 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21789: Os nossos enfermeiros (12): Os serviços de saúde militar no meu tempo (José Teixeira, ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70)
(***) 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)
(**) Último poste da série > 21 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21789: Os nossos enfermeiros (12): Os serviços de saúde militar no meu tempo (José Teixeira, ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70)
(***) 11 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3129: Tabanca Grande (82): Jorge Fontinha, Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72)
2 comentários:
A questão dos pedidos de "baixa médica" por incapacidade física não tem sido abordada aqui de maneora explícita...
Só agora temos um descritor... Na realidade, era uma situação de potencial conflito entre superiores e subordinados,com o médico de permeio sujeitos a grandes pressões... Os comandantes operacionais precisavam de ter, nomeamente, os seus graduados (cabos, furriéis, alferes) "aptos para todo o serviço"...
Mas bastava um entorse num pé para um militar ficar impossibilitado de "alinhar no mato"... E se acontecesse no mato, um acidente deste, como aconteceu na minha companhia, a CCAÇ 12, eram precisam quatro homens para o transportar em padiola improvisada...
A par disso, havia as situações de incapacidade por doenças agudas (em especial, o as crises de paludismo...), para já não falar daquelas, como a hepatite, que davam logo direito a evacuação para a metróple...
Havia gente que se pelava por uma "hepatitezinha", O que, naquele contexto, era quase como ganhar a sorte grande... Um dos nossos 1ºs cabos auxiliares de enfermeiro (só tínhamos três para 4 grupos de combate, mais o furriel que não alinhava no mato)foi logo evacuado, no princípio da comissão, com uma hepatite (ainda não havia a distinção, A, B, C...). Que será feito de ti, Faleiro ? Desconhecemos o teu paradeiro, esperemos que estejas vivo e de boa saúde...
Já falámos aqui de alguns casos graves de distúrbio ou transtorno emocional, provocados pela "nega" do médico em passar uma baixa...
21 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/10/guine-6374-p5140-o-segredo-de-fur-mil.html
(...) "O meu irmão, José dos Santos Moreira, [Fur Mil,] fez parte da CCAV 2483, Cavaleiros de Nova Sintra, BCAV 2867 [, Comando e CCS em Tite]. Em 1969 feriu a tiro de G3 o Cap Médico do batalhão.
Regressou a Portugal em 28 de Dezembro de 1969. Teve baixa de serviço por incapacidade física em Março de 1970. Foi julgado no Tribunal Militar Territorial do Porto, em Novembro de 1973. Libertado depois do 25/4/74. (...)"
Vd. aqui a equipa de enfermagem da CCAÇ 12:
1º cabo aux enf Fernando Andrade Sousa (,vive na Trofa, de vez em quando falamos)
1º cabo aux enf Carlos Alberto Rentes dos Santos [, é de Amarante, vive em França],
1º cabo aux enf José Maria S. Faleiro
fur mil enf João Carreiro Martins (,vive em Lisboa, uma vez por outra falamos, foi meu aluno quando estava a fazer uma pós-graduação em administração de serviços de enfermagem, no início dos anos 90)...
Espero que estejam todos bem...
24 DE NOVEMBRO DE 2016
Guiné 63/74 - P16757: Álbum fotográfico de Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, 1969/71) - Parte IV: Os bravos da equipa de enfermagem
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/11/guine-6374-p16757-album-fotografico-de.html
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