terça-feira, 20 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22120: Recordações do meu avô Fernando Brito (1932-2014) (Cláudio Brito) - Parte II: Primeiras Fotos do Serviço Militar no Ultramar: Goa, Índia Portuguesa,1955/58


Foto nº 1 > "Foto de Casamento (1955). Da esquerda para a direita: Fernando Pinto Júnior (bisavô), Fernando Brito (avô), Natacha Silva (avó), Cláudia Pinto Fernandes (bisavó). A razão pela qual o meu avô é Brito e os pais Pinto deve-se a uma zanga familiar. Quem registou o meu avô foi um tio, chamado Brito, e ao registá-lo, registou-o com o nome de Brito e não Pinto."



Foto nº 2  >  NRP Afonso de Albuquerque > A caminho da Índia Portuguesa > Egito > Porto-Saíde > 1955 >  Legenda no verso: "À minha querida Natacha, recordação do seu Fernando, tirada em Porto-Saíde, Egito"



Foto nº 3 > Índia Portuguesa > Goa > c. 1955/58 > O Fernando Brito, à esquerda, conversando com um soldado.



Foto nº 4 >  Índia Portuguesa > Goa > 15 de agosto de 1956 > Legenda no verso: "Uma brincadeira fotográfica, mas que lembrará meus pais".

 

Foto nº 5 > Índia Portuguesa > Goa > c. 1955/58 >  Legenda, no verso: "No calor ardente da Ínndia, sabe bem a água do coco"

Fotos (e legendas): © Cláudio Brito (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e membro da Tabanca Grande, nº 697, Cláudio Brito, neto do falecido major SGE, Fernando Brito (1932-2014), que fez duas comissões na Guiné, como 1º srgt,  CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74), tendo passado também pela Índia e por Angola  (*):


[Foto à esquerda: O Fernando Brito, com o neto, pouco antes de morrer]

Data - 30 mar 2021, 11:47

Assunto - Fotos do meu avô Fernando Brito.  Primeiras Fotos do Serviço Militar no Ultramar (Goa/Índia Portuguesa - 1955-1956)


Bom dia,  Luís,

Não me esqueço da nossa série. Aqui vai o fascículo número dois:

Em 1955, cinco  dias depois de casar (anexo fotografia do casamento: Foto nº 1) e 3 anos depois do serviço militar em Portugal (Polícia Militar em Coimbra onde conheceu a minha avó Natacha, cujo verdadeiro nome era Natália), entrou num barco, o NRP Afonso de Albuquerque, e rumou à Índia Portuguesa, pelo Mediterrâneo fora. 

Pela viagem parou em Porto Saíde (Egito), que aparece na foto nº 1 e, mal chegou, refrescou-se nas praias devido ao calor ardente da Índia [Foto nº 5].. Irónico é uma coisa que ele referia: o meu bisavô, seu pai, que era cego, costumava dizer "Nem que vivas 100 anos nunca viajarás tanto como eu".... Com 24 anos, o meu avô foi para a Índia e numa viagem fez mais quilómetros que o pai dele numa vida.

Na Índia Portuguesa (Goa), nos 3 anos que lá passou (1955-1958)  [, Fotos nºs 3 e 4], teve duas funções: organização e manutenção do material bélico e monitorização e cálculo dos ordenados dos soldados, que tinham que ser convertidos em Rupias, o que era uma dor de cabeça. Vinte  dias antes do final do mês,  já começava a calcular os ordenados, os quais eram gastos em duas coisas: pinga e indianas...

Outro problema era a organização e manutenção do capital humano. O material era muito pouco sofisticado (muito dele ainda comprado pelo Rei D. Carlos ao armamento remanescente da Guerra Franco-Prussiana de 1871), mesmo para a altura, e os soldados, profundamente fundidos ou afastados daquele território, sentiam que aquele era um recôndito territorial muito afastado e no dia em que caísse, caía num dia (foi o que aconteceu, a Guerra de Goa é chamada a Guerra de um Dia). 

Todavia, não ficaram amarguras (prova disso é a fusão dos nossos povos - nunca conheceram um Apu Tavares? ou um Majara Silva?). Uma das frases mais emblemáticas que o meu avô me deixou sobre a Índia Portuguesa é a seguinte: "Se os indianos começassem a mijar no topo da montanha dos gatos, os portugueses morriam afogados lá em baixo". Esta frase denota os números avassaladores entre indianos autóctones e portugueses.

Pelo meio desta primeira comissão, conheceu, entre outras pessoas, um tipo chamado Casimiro Monteiro, nascido em Goa [, em 1920, e falecido m África do Sul, em 1993], um tipo 11 anos mais velho e um sanguinário cruel. Ao interrogar individuos responsáveis pelo ativismo libertário goês, muitas vezes esses individuos saiam de maca com o lençol a cobrir a cara (interpretem como quiserem). 

Como é do conhecimento público, Casimiro Monteiro será contratado pela PIDE e planeará o assassinato de Humberto Delgado, assim como o executerá, mas não só!,  Eduardo Mondlane, líder da FRELIMO, foi também uma das suas vítimas mais notórias. 

Foram tipos como estes que fizeram certos soldados perder a fé em Deus e na bondade dos Homens e faziam a Pátria mais pútrida e com sabor a fel, mau grado a doçura calmante dos trópicos. Enfim, são individuos que fazem parte da nossa História, para o bem e para o mal.

Em 1958 volta para Portugal. Passa dois anos em Coimbra, faz dois filhos e tenta a todo o custo salvar a sua Natacha da tuberculose. Em 1961 está na altura de ir para Angola (próximos fascículos).

Um abraço,
Cláudio
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Legenda das fotografias:

Foto nº 1 > Foto de Casamento (1955). Da esquerda para a direita: Fernando Pinto Júnior (bisavô), Fernando Brito (avô), Natacha Silva (avó), Cláudia Pinto Fernandes (bisavó). A razão pela qual o meu avô é Brito e os pais Pinto,  deve-se a uma zanga familiar. Quem registou o meu avô foi um tio, chamado Brito, e ao registá-lo, registou-o com o nome de Brito e não Pinto.

Foto nº 2 > Legenda, no verso: "À minha querida Natacha, recordação do seu Fernando, tirada em Porte-Saíde, Egito"

Foto nº 3 >   Índia (15-8-1956), Conversando com um soldado.

Foto nº 4 >  Legenda no verso: "Uma brincadeira fotográfica, mas que lembrará meus pais" (Índia, Goa, 15 de agosto, 1956).

Foto nº 5 > Legenda no verso: "No calor ardente da Índia, sabe bem a água do coco".

2. Em 22 de março último, o Cláudio Brito, filho de um filho muito amado do Fernando Brito, o Fernando José Brito (1960-2001) que morreu precocemente num acidente viário, mandou-nos mais a seguinte nota sobre o avô que o criou como filho e que tem uma história de vida que poucos de nós, que com ele privámos na Guiné, conhecemos.

Bom dia Luís Graça,

Agora paro em terras algarvias. Vivo em São Brás de Alportel e trabalho em Faro. Vida de professor. Espero que desta seja de vez .

Sim. Sempre que tiver um momento para escrever um texto, anexar umas fotografias, legendá-las e datá-las convenientemente, fá-lo-ei, com toda a certeza.

O meu avô teve uma vida longa em todos os sentidos. Começou a trabalhar aos 12 anos para o Alfredo da Silva, o fundador da CUF, aos 24 anos para fugir à PIDE (no Barreiro), enveredou pela carreira militar, foi para Coimbra onde se tornou polícia militar, depois casou, 5 dias depois (em 1955) foi para Goa, onde esteve até 1958 e na qual Goa conheceu, por exemplo, o assassino do Humberto Delgado, Casimiro Monteiro, um tipo de uma crueldade inimaginável (segundo as palavras dele).

Voltou para Portugal. Teve dois filhos no entretanto, ambos nascidos em sanatórios, pois a minha avó era tuberculosa. Depois em 1961 vai para Angola até 1968. Em 1969 volta para Portugal, onde participa na inauguração do edifício das matemáticas (há uma filmagem dele no RTP Arquivo), volta para a Guiné em 1969/1970 e só regressa em 1976 [?] [deve ser 1974].

Em Angola aproveita e tira o curso de treinador de futebol. Em 1976 volta para Coimbra. Em 1980 vai para os Açores, onde, além da continuação da carreira militar, treina uma vintena de clubes (entre os quais o Santa Clara, o Atlético, o Águias do Arrife, o Rabo de Peixe, o Mira Mar, etc.), volta para Coimbra em 1989, começa as suas tarefas como olheiro e assistente da direção desportiva da Académica e treinador dos júniores da Académica e do União de Coimbra (onde encontra tipos como o Lucas, o Febras, o Pedro Roma, o Lixa, entre outros), até 2001, altura em que abandona os relvados, já está reformado da vida militar e dedica os últimos anos da sua vida apenas a dar explicações de Matemática e Português, gratuitamente, aos miúdos do meu bairro (o Norton de Matos) no edifício das Forças Armadas, até à sua morte a 18 de fevereiro de 2014.

São 82 anos (1931-2014) com muitas coisas, histórias, álbuns e álbuns de fotografias, slides e slides com histórias e estórias, artefactos e memórias que demoram a organizar, mas com certeza que o farei com muito gosto.

Um forte abraço e até breve,
Cláudio.
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Nota do editor:

7 comentários:

Anónimo disse...

Olá Cláudio Brito;

Não podia fugir a este desafio, porque quem tem um filho adulto que relembra aqui os feitos do seu pai, já alguns apareceram, mas ainda não tinha lido nada sobre os netos a falar do avô e das suas guerras, bem hajas só por isso.
A razão que se prende com a minha intervenção, é que o teu avô Fernando Brito, que subiu na vida a pulso até chegar a Major, deve ser aqui bem relevada. E tantas comissões de serviço.
O teu avô embarcou para a India Portuguesa - Estado Português da India - em 1955, não dizes em que mês, com 24 anos.
O meu pai também embarcou para a India, não no Afonso de Albuquerque, mas no Quanza em finais de 1955, tinha então 38 anos. Era militar de carreira.

A primeira carta que recebemos com uma foto, no topo lá dizia: 'A bordo do Quanza a caminho da India' lembro-me como se fosse hoje. Depois mandou outra foto e carta também de Port Said no Egipto, um mês depois.
Ele foi em 1955 e regressou já no 3º trimestre de 1958. Tinha cá 5 filhos, um dos quais tinha acabado de nascer a 11 de dezembro desse ano.
O meu irmão mais velho, tem agora 79 anos, contra os meus 78 anos, também ele fez o mesmo percurso do pai, só que já no fatídico ano de 1961, tendo ficado prisioneiro durante mais de 5 meses, debaixo das botas daqueles indianos. Tinha então, apenas 20 anos, era militar de carreira e tinha ido antes do tempo para a tropa como voluntário, no intuito de arranjar uma profissão, que depois acaba por cumprir durante 10 anos. Ainda fez uma comissão em Angola de 63 a 66, ele a chegar de Angola e eu a partir para a Guiné.
A vida na India era dura, mas não sei se podemos comparar como um todo, com a nossa Guiné.
O meu pai ainda fez uma comissão em Moçambique, entre 66/68, e voltou a fazer outra também na Guiné, entre 72/74, sendo um dos últimos militares Portugueses a abandonar a Guiné.

Tenho poucas fotos do meu pai na India, mas sei que ele se relacionava bem com as entidades locais, que lhe valeram, saber através deles de amigos, se o meu irmão estaria vivo ou não, essa noticia chegou antes da informação oficial, que era sempre filtrada.

Pelo que contas, na Guiné esteve em anos diferentes do meu, 67/69, nunca nos encontramos, mas passamos por alguns locais comuns, Bambadinca, Bissau etc.

Só queria saudar-te e gostava que mais jovens, da geração dos meus filhos, com 47, 48 e 50 anos, se virassem um pouco para a nossa história, que foi muito dura para tantas gerações.
Não tenho de me queixar muito, mas estão saturados de eu lhes falar sempre da Guiné, e das minhas mais de 1000 fotos que as coloco diariamente no meu computador, cada dia, tem uma como pano de fundo.

Não vou alongar-me, talvez possamos conversar mais, um dia por vias mais diretas e não aqui no blogue, ao qual já dei agora a minha participação.

Obrigado também por honrares Portugal, uma grande Nação, que tinha um grande Império.

Um abraço, do filho de um companheiro do teu avô, que passou pelos mesmos locais.

Virgilio Teixeira
Ex-alferes Miliciano do SAM
Guiné 1967/1969









Tabanca Grande Luís Graça disse...

É uma história de grande ternura, a dedicação deste neto ao seu avô!...LG

Anónimo disse...


Antonio Levezinho (by email)
20 abr 2021 16:05

Duvido que haja muitos netos como o Cláudio capazes de homenagear a memória dos respetivos avós.

O Brito ("que és militar"...) deixou rasto do seu passado. Assim o Cláudio continue a partilhá-lo com quem com mais desejar.

Um abraço
Tony

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgílio, está na altura de partilhar o "álbum da Índia", da tua família... No final deste ano, faz 60 anos que o teu mano e os seus restantes camaradas (mais de 4 mil e tal) ficaram prisioneiros aquando da invasão de Goa, Damão e Diu pelas tropas indianas...

Também tenho conterrâneos (incluindo um primo) que estiveram no cativeiro... Os nossos filhos e netos nada sabem deste pedaço da nossa história e das nossas andanças... Ab, Luís

Anónimo disse...

Luis, isto é um caso de família, que não é ainda altura de partilhar. Tudo isto está escrito naquilo que eu nomeei como a história da minha vida, há 10 anos que está lá.
Existem pormenores que tenho de conversar com o meu irmão, já que o meu pai já não está, mas eu conheço toda a história que motivou a antecipação da tropa do meu irmão, e que levou a ter de ficar prisioneiro, que não foi fácil. Sabes, todos conhecem o episódio no campo de prisioneiros de Pondá, no qual foram perfilados uma quantidade de militares, entre os quais o meu irmão, com 20 anos, de frente a uma bateria de metralhadoras. Felizmente o fuzilamento não aconteceu. Ele agora está acamado há anos, totalmente dependente para todas as funcionalidades mais banais. Todos sofremos com isso. Vai fazer os 80 anos no nosso dia 29, não de janeiro mas em agosto.

Estou de acordo com o António Levezinho, não deve haver assim tantos netos a fazer esta homenagem a um avô que já não existe fisicamente. Mesmo que este neto seja militar, que não me apercebi antes.
Também estou de acordo contigo Luis, que os nossos netos, mesmo já adultos, nada sabem desta parte da nossa história. Alguns filhos, entre os quais os meus, são massacrados em todas as reuniões familiares, não os deixo esquecer esta nossa história.

Falar da India e o inicio da nossa queda do Império, tem de ser feita com cautelas, pois como todos sabemos há diferentes sensibilidades, e pela minha parte, estou cético a um consenso sobre estas matérias, é o que deduzo destes anos que compartilhamos pensamentos.

Vejo que estás bem, e que só faltam mais 6 sessões, e penso que vais ultrapassar esta fase menos boa da vida. Abraço, Virgilio.





Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Virgílio, concordo contigo: temos que respeitar sensilidades, sentimentos, ressentimentos, traumas...

Mas partilhar memórias não é "fazer (ou refazer) a História"... Como sabes, não temos nenhuma agenda político-ideológica, nenhuma visão única nem da guerra do ultramar ou guerra colonial (, conforme se queira), nem muito menos da História... A riqueza do nosso blogue está na sua pluralidade de testemunhos, depoimentos, narrativas, etc., dos camaradas que passaram pelo TO da Guiné.

Saúde e longa para o teu mano que muito sofreu na Índia.

Quanto ao Cláudio Brito, não é militar, é professor. Ab, Luís

Anónimo disse...

Ok Luis, obrigado mais uma vez pelas sábias palavras, mas vamos com tempo.
Como sabes, quando manifesto uma ideia que não está de acordo com a maioria, estou logo a levar porrada, e sinceramente não gosto, eu podia fazer o mesmo mas não faço.
Obrigado pela saúde para o meu irmão.
Li mal atrás num comentário que o Cláudio Brito seria militar, as minhas desculpas ao próprio.

Ab, Virgilio