domingo, 22 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22476: Manuscrito(s) (Luís Graça) (204): Caminhando contigo pela picada da vida...





1. A Alice Carneiro, minha panheira de uma vida e mãe dos nossos filhos, agradece todos as mensagens de parabéns que lhe dirigiram no seu dia de aniversário, 18 de agosto de 2021 (*)...

E,depois,  autoriza-me que partilhe no blogue o texto (poético) que eu lhe li, em voz alta, na Tabanca do Atira-te ao Mar, num almoço que reuniu alguns amigos e que teve, como  cereja no bolo, a visita, de surpresa, da sua/nossa netinha, Clara Klut da Graça, que está com 21 meses.


Caminhando contigo 
pela picada da vida



1. Ao fim de um ano e meio de pandemia, estamos vivos.
Tu e eu, e os que nos são queridos, amigos e familiares.
Pelo menos, estamos vivos.
E foi a pandemia das nossas vidas.
Há três pandemias em cada século,
Mas uma com mais morbimortalidade do que as outras duas.
Não creio que voltemos a apanhar uma pandemia, como esta,
No tempo que nos resta para viver.

2. Estamos vivos, mas mais velhos, claro.
E sobretudo com mais mazelas.
Eu, pelo menos com mais mazelas, e já não são poucas.
Ao “annus horribilis” de 2020
Sucedeu o “annus horribilis” de 2021.
De resto, já tivemos muitos,
Nos vinte e tal primeiros anos das nossas vidas.
Para mim, a guerra, por exemplo.

3. Mas, hoje, no dia dos teus anos,
Não quero recordar o passado,
Nem sequer o nosso passado vivido em comum.
Feitas as contas lá vão 46 anos, desde 1975.
Estamos quase a celebrar as “bodas de ouro”…
Não quero muito menos fazer o balanço desse tempo,
Porque, se calhar, sobre a garrafa da vida e dos sonhos, para mim “meia cheia”,
Tu virias dizer que está… “meia vazia”.

4. Quero viver o futuro,
Ou imaginar um futuro em que continuemos a caber os dois,
Com todos aqueles que amamos,
Os nossos filhos, a Clarinha, a Catarina,
E todo o resto da nossa família da Lourinhã e de Candoz,
Mais os nossos queridos amigos do peito de todo o lado,
Alguns dos quais estão aqui à nossa mesa.
Quero ainda pensar que há lugar para nós os dois,
No comboio do futuro.
A isso se chama esperança.
Que não pode ser uma ilha só para nós,
Mas um arquipélago,
Tão grande como o mundo,
Abarcando oceanos e continentes.


5. As palavras, ao fim desta pandemia e destes anos todos, já estão muito gastas.
Há uma fadiga, não apenas pandémica, mas também existencial.
Às vezes dizes: “Estou cansada… Estou cansada de muito dar e pouco receber”…
Felicidade, por exemplo…. O que quer dizer “ser feliz” ?
Não sei o que é ser feliz, em abstracto,
Se calhar não é preciso muito para se ser feliz, hoje e aqui,
Por uma tarde,
Por um fim de tarde.
Não digo já um dia, um ano, uma vida.
Nem ninguém poderá ser feliz uma vida toda.
Nem os deuses, os santos ou os heróis.

6. A felicidade é onde a gente a põe,

E a gente deve pô-la onde está,
O que nunca ou raramente acontece.
A felicidade está apenas nos pequenos detalhes,
Uma frase batida, que gostávamos de repetir, lembras-te ?!,
Quando, em Espanha, gostávamos de ir para os hotéis NH.
Uma treta, são todos iguais, os hotéis,  em toda a parte,
Desde que tenham uma boa cama e lençóis limpos.
Aqui e hoje, a felicidade pode ser apenas
Uma esplanada em cima do mar.
Uma mesa, umas cadeiras,
Para mim, para ti, e para aqueles que amamos.
Um prato de choco frito ou de sardinhas,
Um copo de cerveja Bohemia, ou simples copo de vinho,
Um céu azul,
O sol a uma hora antes de se pôr,
Uma temperatura amena, uma brisa suave,
No nosso querido mês de agosto,
No dia dos teus anos,
Com o Mar do Cerro em frente,
Os surfistas espreguiçando-se,
As traineiras das sardinhas a 300 metros da praia,
Restos de caravelas e naus de outrora,
Dos nossos avoengos que tinham uma terra estreita,
Apertada como uma camisa curta,
E um mar sem fim à sua frente.

7. A felicidade não existe, minha querida Chita,
Ou então é apenas a nossa capacidade de sonhar
E de concretizar pequenas coisas, pequenos projectos.
E é isso que eu quero para ti e para mim,
Já não quero nem posso dar a volta ao mundo em 100 dias,
Só quero ter um planeta mais maneirinho e habitável
Para os nossos filhos e netos.

8. Vamos viver o resto dos nossos dias
Com a pressão do legado ambiental e societal que vamos deixar aos nossos vindouros.
Sou moderadamente otimista em relação à nossa capacidade coletiva:
Quem sabe equacionar um problema também é capaz de o resolver.
Mas temos que começar por nós.
Como eu te escrevi há 3 anos, em 8 de março de 2019,
Sinto que nos temos de proteger mais, um ao outro,
Quando chegarmos, dentro em breve, ao círculo polar ártico da vida.
Temos que nos proteger também do egoísmo geriátrico,
Temos que nos acarinhar mais
E receber mais carinho dos nossos filhos e amigos.
Receber e dar carinho, é um dos pressupostos do programa para se ser feliz,
Estou plenamente de acordo contigo.

9. E hoje continuo a dizer-te,
No dia em que fazes 76 anos:
Não temos outro jeito de estarmos juntos,
Ao caminhar pela picada da vida,
Uma imagem que me vem do tempo de guerra,
E que, tal como nesse tempo, está cheia de minas e armadilhas.
E o amor é essa capacidade de sermos as duas metades da vida fundidas,
Separadas e cada uma para seu lado,
Morreriam na floresta da solidão,
No deserto do sofrimento,
No vazio da noite sem madrugada.

10. Neste dia, tão especial para ti, e para mim,
Só posso exprimir a minha alegria e gratidão por existires
E teres, mal ou bem (,mas acho que mais bem do que mal),
Decidido fazer junto comigo essa caminhada pela picada da vida.
Vou-te pagando com alguns pobres versos, e textos poéticos, como estes,
Mas acumulando dívidas para contigo
Que ainda espero poder pagar em vida.
Não quero levar dívidas para o inferno
E, muito menos, que escrevas no meu epitáfio: “Caloteiro”.

Teu Nhicas, que não tem outro jeito de te dizer que te ama. (**)
Lourinhã, 18 de agosto de 2021

________

Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 18 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22464: Parabéns a você (1984): Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça

8 comentários:

JB disse...

Aqui segue um muito antigo ditado do Norte da Escandinávia:

“Quem diz o que sente….não mente!”

Um abraço do J.Belo

Anónimo disse...

felicidades para ambos

Da Costa Nova, grande braço para ambos

JPicado


José Teixeira disse...

Eternamente apaixonados. É assim que vos conheço. É assim que sois uma referência de vida para mim. Um fraternal abraço.
Zé Teixeira.

antonio graça de abreu disse...

Bonito, amor de velhos, amor sempre jovem.
Grande abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Virgilio Teixeira, disse:
Bonito poema para um eterno casal de namorados.
Parabens a ambos.
Gostaria de ressalvar a minha ausência no dia do aniversário da Alice, que conheci ao de leve num almoço de Matosinhos, numa homenagem a um membro da Tabanca, falecido, na pessoa da sua esposa.
Este dia, não é bem grato para mim, e não queria falar nisso no aniversário da Alice, mas estivemos ocupados em homenagear, com muito sentimento, o dia da morte da mãe da minha mulher, a minha sogra, que fez nesse dia 25 anos que finou, em condições de grande sofrimento, que temos de relembrar todos os anos.
E assim deixou a sua filha, Manuela, sem mais ascendentes ou colaterais, que só ela sabe aquilo que sofre.
Não queria tocar no assunto, mas também gostava de justificar a minha ausência, mas não alheamento da efeméride.

Muitos e bons anos de vida com saúde, são os desejos e votos deste 'companheiro' de blogue.

Abraços a ambos,

Virgilio Teixeira



Anónimo disse...


eduardo francisco (by email)
23 de agosto de 2021 15:31

Querido companheiro e camarada

Quando um homem ama a vida e os que o rodeiam, escreve duma forma apaixonada textos poéticos de amor, porque o amor não é de velhos nem de jovens mas sim de quem partilha com os outros as coisas boas e más da...picada da vida.

Claro que " há lugar para vocês os dois no comboio do futuro ".

Eu, que sou um apaixonado pelos comboios, também já comprei um bilhete para fazer parte dos que vão continuar essa viagem.

Para a tua mulher grande os meus respeitos e desejo de longa vida com saúde.

Para ti, homem grande da tabanca evocativa da " nossa " Guiné um abraço fraterno e votos de que continues a escrever....o que te vai na alma e no coração.

Eduardo Estrela

Hélder Valério disse...

Meus estimados Amigos Alice e Luís

Gostei.
Muito sinceramente, gostei.
Da iniciativa, do poema/discurso, dos conceitos lá plasmados.
É bom ter feito a caminhada que referes e a que projetas.
De tudo o que escreveste, em honra e homenagem à Alice, retive principalmente a preocupação de obter alegria, satisfação, felicidade, das "pequenas coisas". Isso é bem verdade.
Dependendo das circunstâncias é muito natural obter esses "estados de alma" (ainda que momentânea) no contemplar de um pôr-do-sol, numa cerveja, numa música, coisas simples assim.
Também gostei de aprender mais um provérbio, ou ditado, "luso-lapão".
E para terminar este meu comentário aproveito para sugerir que, para além dos poemas, devias elevar a Alice à categoria de "santa" pois não será menos que isso....

Hélder Sousa

José Botelho Colaço disse...

Alice e Luís o casal de amigos que se amplia, adoros.