quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Guiné 61/74 – P24585: Memórias de Gabú (José Saúde) (98): Histórias e explanações sobre a existência de Gabu (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem rebuscada nas suas memórias.

As minhas memórias de Gabu

Histórias e explanações sobre a existência de Gabu

Camaradas,

As zonas da Guiné pelas quais passámos têm obviamente as suas histórias, as suas origens e, como é lógico, a sua respetiva evolução ao longo dos tempos. Sabe-se que naquela antiga Província Ultramarina, hoje País, se registam cerca de 40 etnias que se espalham pelas suas diversas regiões e as explanações sobre a existência de Gabu atrai o mais singelo camarada que por lá andou na procura de conhecimentos acerca dos seus conteúdos, sendo o meu caso um exemplo acabado na procura dessas compreensíveis ilustrações.

Assim sendo, viajo pela interioridade histórica de Gabu, uma área que tive, em parte, a possibilidade em conhecer, retirando dela reflexíveis opiniões, onde conheci alguns dos seus usos e costumes, mormente na antiga cidade de Nova Lamego, onde visualizei alguns dos seus segredos que levavam a elite militar ao êxtase, mormente aquando o momento era, por exemplo, as noites do batuque ou outras festas locais, onde a fantasia das suas gentes com as vestes garridas, ou o traje dos homens que vestiam vestes brancas até aos pés, de entre outros momentos de enlevo que deliciavam o pessoal que fora para ali levado, mas sem dó nem piedade.  

Gabu é uma região onde proliferam as etnias fula, esta em larga maioria, e a mandiga. Por razões normais, assim o entendo, vamos hoje jornadear pelo seu interior.

Cherno Baldé, um homem estudioso da sua Guiné, onde a terra vermelha ou o seu capim pintavam, com certeza, uma sumptuosa aguarela do conhecido pintor Pablo Picasso, sendo tu guineense e conhecedor profundo das origens do teu país, assim o entendo com merecida justiça dado que costumo ler o que escreves aqui no nosso blogue, solicitava-te uma opinião sobre o tema que abaixo exponho.

Lembro que este texto está inserido no meu nono livro (11 já editados) e cujo título é “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/1974 – MEMÓRIAS DE GABU”, uma obra lançada pelas Edições Colibri, Lisboa, e que tem como editor Fernando Mão de Ferro.  

 

Antiga Nova Lamego. Habitações palacianas de Gabu.  

Denominada como cidade de Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra Colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a Norte com o Senegal, a Leste e a Sul com as regiões de Tombali e a Oeste com Bafatá.

Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, tinha sido uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs a sua supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu.

Gabu é, igualmente, a pátria do chão fula (79,6%), existindo ainda a etnia mandiga (14,2%) que se espalha por toda a zona, mas numa menor escala. Foi-me dado a oportunidade em conhecer alguns dos princípios éticos de uma população que prima pela honra de uma herança que assumem como um indeclinável direito.

No plano territorial Gabu possui uma área de 9.150 km2 e tinha no ano de 2004 uma população que se estimava em 178.318 almas, sendo, por isso, considerada uma das maiores, senão a maior, das regiões do país.  

Introduzo como credível uma nota de rodapé que após a independência do país, Gabu recuperou o seu nome tradicional existindo, atualmente, um pequeno núcleo urbano de inspiração colonial.  

 

 A população em movimento

Detentora de clima tropical, quente e húmido, a região de Gabu é composta por uma população em que a doutrina praticada aponta como alvo principal a religião muçulmana (77,1%).

As temperaturas rondam, normalmente, os 30/33 graus durante o dia e os 18/23 à noite. As estações anuais definem-se como as das chuvas que vai de maio a novembro e a de seca de dezembro a abril. Dezembro e janeiro são considerados os mais frescos. Por outro lado, a economia assenta no comércio, agricultura e pecuária.

Os usos e costumes das gentes de Gabu derrapam para primórdios éticos, onde é visível uma hierarquia humana que não abdica do erário transmitido de gerações para gerações.

Redijo este tema sobre um “estágio” obrigatório nessa zona e na qual me foi proporcionado observar algo mais ao longo da minha comissão em solo guineense, embora encurtada devido à Revolução de Abril de 1974, uma vez que fui um dos cerca de 45 mil militares dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – quando por lá prestava serviço. Conheci, portanto, a guerra e a paz e um pouco das vivências tradicionais das suas gentes.

 

Uma rua

Aliás, num trivial conhecimento com os nativos que muito me estimulou, pessoas simples que viviam no interior de um adensado mato e entre as duas frentes da guerra, usufrui da possibilidade em conhecer alguns dos seus expeditos hábitos, assim como as memórias que nós antigos combatentes incessantemente recordaremos para sempre.

Um abraço, camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série de 25 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24340: Memórias de Gabú (José Saúde) (97): Jovens da tabanca Rostos de inocência. Pedaços de vida de uma Guiné que conhecemos. Crianças. (José Saúde)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Zé Saúde estou sempre ansioso pelas tuas Memórias de Gabu.
E "Histórias e explanações sobre a existência de Gabu" dava uma leitura com manga de interesse Mas foi uma desilusão para mim, que sou um amante de toponímia.
Qual a origem de Nova Lamego, quando e quem foi o autor ou teve a ideia desta "Nova Lamego".
Isso é que eu gostava de saber.
Outro pormenor, sendo a região de etnias fula e mandinga e de religião muçulmana podemos observar na terceira fotografia umas bajudas de calças de ganga e justas ao corpo, sendo moda muita avançada provavelmente já cristianizadas.

Para a próximo teremos melhores explanações.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Cherno Baldé disse...

Caro Valdemar,

O tema é antigo, mas as fotos são recentes. Hoje na GBissau o uso das calças, sobretudo Gangas, foi amplamente vulgarizado pelas elites no poder desde de 1974 a 1994 (ano da abertura política e das primeiras eleições multipartidárias no país) que eram maioritariamente de confissão cristã, através da imposição desta indumentária como condição para frequentar as escolas públicas.

A pedido do Zé Saúde, voltarei mais tarde para dar alguma contribuição sobre o tema apresentado.

Cordialmente,

Cherno Baldé

Cherno Baldé disse...


Caros amigos,

Do texto do amigo Zé Saude copiei 2 paragrafos a fim de inserir algumas observaçoes em jeito de contribuiçao.

"Denominada como cidade de Nova Lamego, sobretudo ao longo da guerra Colonial, Gabu é uma região cujas fronteiras confinam a Norte com o Senegal, a Leste e a Sul com as regiões de Tombali e a Oeste com Bafatá." Confina a Leste com a Republica da Guiné (Conacry).

"Recorrendo a dados históricos contemplados na Wikipédia, enciclopédia livre, Gabu foi a capital do Império Kaabu, um reino Mandinga que existiu entre os anos de 1537 e 1867 e que se chamava Senegâmbia. Antes, tinha sido uma província do Império Mali. No século XIX a etnia fula impôs a sua supremacia na região e colocou ponto final no domínio de Kaabu."

Gabu é a pronuncia na lingua fula do nome "Kaabu", na lingua mandinga, que em épocas anteriores designava o império mandinga implantado na regiao denominada de Senegambia que hoje compreende a Gambia, regioes de Casamansa e Kolda (Senegal) e a GBissau. A cidade de Gabu que herdou o nome do antigo imperio mandinga, esta situada numa antiga localidade de nome "Kanbintum" ou "Kabintum", nas margens do rio Colufe (afluente do rio Geba) que, juntamente com Canquelifa e Cansala ou Kansala constituiam os principais feudos dos Farinados ou Mansabas (grandes reis) do império mandinga que prosperou entre os sec. XV e XIX, antes da batalha de Cansala (capital do império) que ditou a derrota dos Soninqués (mandingas animistas) a favor de uma confederaçao muçulmana que reunia varios grupos étnicos entre os quais Saracolés, Djacancas, fulas de varias origens e mandingas islamizados (morcundas).

A semelhança do que aconteceu em outros regulados da zona Leste onde o dominio dos fulas ja estava estabelecido e consolidado bem antes da delimitaçao das fronteiras (Acordo Luso Francés de 1886), a localidade de Gabu teria sido promovido pelos régulos locais que tinha eleito como sede a localidade de Oco Maunde (situado doutro lado do rio Colufe, onde hoje existe a Ponte para Piche e Buruntuma) para a instalaçao do comercio, das escolas, da administraçao e tudo o que tivesse a ver com advento da modernidade e das autoridades portuguesas com as quais o contacto deveria ser de respeito mutuo sim, mas a uma certa distancia, para manter as aparencias diante dos seus subditos. Isto aconteceu em varios regulados e tive a ocasiao de falar do caso entre Canhamina (sede do regulado) e Fajonquito, provavelmente o mesmo poderia ter acontecido em Bafata ou mesmo Bissau com os regulos Papeis.

Quanto a origem e motivaçao do nome portugués "Nova Lamego", acho que nao sera muito diferente da historia de outras localidades e/ou cidades da Guiné como os casos de Aldeia Formosa (Quebo), Teixeira Pinto (Canchungo) ou Nova Vizela (Braia?), sendonque somente uma pesquisa aturada nos podera revelar o nome do(s) autor(es) e suas motivaçoes que, provavelmente tera alguma ligaçao com a cidade de Lamego, distrito do Viseu, Norte de Portugal.

A importancia e crescimento da cidade de Gabu é um acontecimento muito recente e teve a ver com a estagnaçao generalizada do pais no pos-independencia, durante o reinado dos nossos "libertadores". Sendo uma cidade situada no cruzamento com mais 2 paises vizinhos, quase 3 (Senegal, Guiné e o Mali), o fluxo das trocas comerciais imprimiu uma dinamica particular que favoreceu o seu crescimento espacial, sem que, todavia, fosse acompanhado de um bom planeamento urbanistico e infra-estrutural, defeito que, também, partilha com as restantes cidades do pais, inclusive Bissau

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé


José Saúde disse...

Caro Cherno, obrigado pelo excelente texto. Aliás, não foi por mero acaso que te lancei a dica. Sabia que, certamente, responderias ao meu apelo.
Abraço,
Zé Saúde