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sábado, 3 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26760: No 25 de Abril eu estava em... (40): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte V



Guiné > Bissau > QG / CTIG > s/d (c. 1973/74) > Carlos Filipe Gonçalves

Foto (e legenda): © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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 Carlos Filipe Gonçalves (n. 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente): ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74... Radialista, jornalista, historiógtrafo da música da sua terra, e escritor, vive na Praia, Cabo Verde. É membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 790. Tem c. 20 referências no nosso blogue.


1. Continuação do seu depoimento sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque) e também na página do Facebook da Tabanca Grande.


No 25 de Abril eu estava em... (40): Em Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte V (*)


por Carlos Filipe Gonçalves,
ex-fur mil amanuense
(natural do Mindelo,
vive hoje na Praia, Cabo Verde)


Ainda, extractos das "Recordações - Guiné 73/74" nos meses de Junho, Julho de 1974. 

Atenção, neste trabalho procurei ter depoimentos de todos os lados envolvidos, consultei outras fontes, que dão uma outra dimensão e visão dos acontecimentos, conforme as situações. Eu, como disse em poste anterior, sou o militar que lá esteve, viu e ouviu e agora restitui, numa posição de repórter/jornalista, cumprindo o dever da imparcialidade

Estes encontros entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros do PAIGC, quanto a mim marcaram o final da guerra e foram algo «espectacular»,  noticiado pela imprensa na metrópole. 

No seu livro o autor John Woollacott (in “A luta pela libertação nacional na Guiné-Bissau e a revolução em Portugal”, 1983) refere sobre tais encontros, que:

(...)  “a iniciativa era normalmente tomada, embora nem sempre, pelos comandantes do PAIGC, que saíam do mato para conversações. Trocavam-se opiniões acerca da guerra e das negociações enquanto se bebiam uns copos e, à medida que a confiança e as amizades cresciam, os inimigos de ontem convidavam-se mutuamente para 'jantares e convívios intermináveis'. Realizavam-se jogos de futebol entre equipas de ambos os lados. (…) Os soldados tiravam fotografias de braço dado com os seus parceiros guerrilheiros.”

Manecas Santos, comandante do PAIGC numa entrevista à rádio DW (Deutsche Welle), diz:

“Foi interessante que, após o 25 de Abril, tanto os nossos soldados como os portugueses fizeram o possível para se encontrarem no terreno. Em Maio e Junho já estávamos a nos encontrar no terreno.”

A 1 de Julho de 1974 realizou-se a 1ª Assembleia Geral do MFA, com cerca de 1000 militares na qual se aprovou uma moção histórica que exigia:

 “ (…) se reconheça imediatamente e sem equívocos a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cabo Verde, única política susceptível de conduzir à paz verdadeira; exigir que sejam imediatamente reatadas negociações com o PAIGC, não para negociar o direito à independência, mas tão-só os mecanismos conducentes a transferência de poderes.”

O Comandante do PAIGC Manecas Santos na entrevista à rádio DW comentou mais tarde aquela reunião, desta forma:

“O general Spínola teve uma tentativa, não sei se de continuar a guerra, mas de arranjar instrumentos de pressão ameaçando com a continuação da guerra. Neste momento, no entanto, houve um manifesto escrito pelos oficiais portugueses na Guiné, assinado por mais de mil oficiais portugueses que se encontravam aqui, a dizer que a guerra havia acabado.”

Aguardávamos (nós,  da tropa) com impaciência o desfecho das negociações, entre delegações do Governo português e do PAIGC que decorreram nos meses de Maio e Junho. Na cabeça de nós todos reinava o seguinte pensamento: não tenho nada a ver com isto, quero é ir embora para casa! Aliás, «Para a peluda já!» é a palavra de ordem que circula entre os militares. Mas ocorre a marcação de mais rondas de negociações!

Entretanto, corre a informação: o PAIGC reforçou as suas posições no mato e vai suspender o cessar-fogo que vigorava desde a confraternização tropa/guerrilheiros. Sobre esta situação de tensão, o tenente-coronel Jorge Sales Golias (referido anteriormente) recordou:

(...)  o PAIGC “se mostrava dialogante e ao mesmo tempo lançava comunicados de guerra, mesmo depois do cessar-fogo. Tão depressa confraternizava com as NT (Nossas Tropas) como lançava ultimatos a unidades portuguesas. O primeiro foi a Cuntima, dando 48 horas à Unidade de Cavalaria local para retirar e o segundo foi a Buruntuma.”

 O referido militar explica que:

 “Em Cuntima, acabámos por ir ao encontro do Comandante da Guerrilha, Baiô Camará, já em território do Senegal. Fomos recebidos com aspereza e com alguma arrogância (…). Em Buruntuma foi diferente. A renitência do Comandante local levou-nos a negociar a retirada, que foi feita pouco depois, mas com uma digna cerimónia de transferência de poderes.” 

Esta descrição demonstra que ao mesmo tempo que decorrem negociações, há movimentações no terreno, com o início de retirada da tropa portuguesa! Outra versão deste «quiproquó» é que “o PAIGC simulou um ataque ao quartel de Buruntuma, no Leste.” 

O combatente do PAICG Bobo Keita recorda:

“As tropas portuguesas não estavam com vontade de combater. Em conversa com o comandante do quartel (de Buruntuma) ele disse-me que queriam ir embora, mas não tinham meio de transporte. Respondi que não havia problemas, arranjei-lhes dois dos nossos camiões, que os transportaram para uma outra zona.” 

Comentário nosso, esta descrição parece fantasiosa, uma vez que há regras rígidas no funcionamento da tropa, as operações têm de ser planeadas com a devida informação de todas as estruturas de comando… mas, naquela situação… tudo é possível!

Entretanto, o PAIGC tem posições firmes sobre o futuro e não aceita as soluções «spinolistas» que andam no ar, como a ideia de uma «comunidade lusíada» e rejeita liminarmente uma divisão do poder com os partidos que surgiram depois do 25 de Abril.

Num encontro realizado a 1 de Julho de 1974 na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3 (Comando da tropa portuguesa na zona norte) elementos do PAIGC informam claramente;

 “Que, se o general Spínola visitar a Guiné, (isso) dará origem ao reinício da luta. Que o cessar-fogo por parte do PAIGC é da responsabilidade dos combatentes, dado não terem recebido directivas do S. G. nesse sentido, pelo que poderão recomeçar a luta quando o entenderem.” 

Note-se que a acção do general Spínola durante a guerra foi relevante a tal ponto que,  anos mais tarde,  o comandante do PAIGC Manuel Santos lhe fez o seguinte elogio:  “(…) foi, de longe, o melhor comandante-chefe português que passou aqui na Guiné.”— com José Luiz Ramos e 10 outras pessoas.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26744: No 25 de Abril eu estava em... (39): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte IV

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Qual a origem da expressão "passar à peluda" ?... Pergunta e resposta disponíveis aqui no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa , e que reproduzimos com a devida vénia, com uma saudação especial ao José Mário Costa, nascido em Angola, jornalista português, cofundador (com João Carreira Bom) e responsável editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, autor do programa televisivo "Cuidado com a Língua!" (a primeira série encontra-se recolhida em livro, em colaboração com a professora Maria Regina Rocha):

Na vida militar quando se passava à disponibilidade (terminava o serviço militar) era referido como «passar à peluda». É conhecida a origem desta expressão?

Virgílio Pena da Costa, Economista Lisboa, Portugal
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Peluda é um termo da linguagem popular com o significado de «vida de paisano*», usado na gíria militar com esse preciso sentido: o regresso à vida civil, cumpridos que foram os anos de tropa.

Como o termo se formou da palavra peludo – entre outras aceções, querendo dizer o mesmo, também, que cabeludo –, é uma hipótese que a expressão «passar à peluda» tenha que ver com o corte de cabelo dos disponibilizados do serviço militar, nomeadamente as praças ou soldados sem patente **.

São eles, ainda os mais veteranos dão o tratamento de “maçaricos”, a quem, logo na recruta, o regulamento militar obriga a levar uma “carecada” – outro termo da gíria dos quartéis –, usando doravante, sempre, o cabelo curto.

Com o seu regresso à vida civil – passando, portanto, à Reserva de Disponibilidade, na terminologia militar – poderão, então, voltar a deixar crescer o cabelo. Daí, presumivelmente, a origem da expressão «passar à peluda».

Outra aventada explicação, menos plausível e igualmente sem validação bibliográfica, é de natureza sexual. Como na linguagem mais brejeira, corrente nos quartéis, «a peluda» está associada ao sexo das mulheres, «ir para a peluda» equivaleria a «ir para o gozo da boa vida».

* Paisano (do francês paysan, «camponês») = indivíduo que não é militar [in Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2002].

** Lembra o coronel Carlos Matos Gomes – a quem agradeço os preciosos contributos para este esclarecimento –, desde o final do século XIX que é obrigatório nas Forças Armadas Portuguesas o uso do cabelo curto para as praças, mas não para os oficiais.

José Mário Costa, 17 de outubro de 2016'

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/passar-a-peluda/34091 [consultado em 03-05-2025]

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já aqui escrevi, há muito tempo, a propósito da "narrativa" de Bobo Keita sobre os acontecimentos de Buruntuma, no pós 25 de Abril:

(...) "O caso de Buruntuma merece um poste com destaque para a destemperada atuação do comandante da Frente Leste, o antigo futebolista Bobo Keita (ou Queita), de que já aqui falámos diversas vezes, a propósito do livro de Norberto Tavares de Carvalho ("De campo em campo: conversas com comandante Bobo Keita", edição de autor, 2011).

"O Bobo Keita tinha feito parte da delegação do PAIGC, na 1ª ronda de negociações de paz, em Argel... Depois de Argel, regressou à Frente Leste. E deve-lhe ter subido à cabeça a mania do protagonismo...

"Aqui, no leste, foi claramente 'mais papista que o Papa'", passando a perna à direção política do PAIGC. Foi ele quem teve a iniciativa de (i) colocar barragens para controlos dos nossos veículos militares, nas estradas do leste, (ii) forçar a desocupação do quartel de Buruntuma... para além de (iii) ter resolvido, através do terror (3 fuzilamentos e diversas prisões), um conflito em Paunca com mílicias (ou não seriam antes os militares da CCAÇ 11 ?)...

"Ele próprio reconheceu, antes de morrer, na altura em que foi entrevistado para o livro, que a chantagem feita aos tugas de Buruntuma era mero bluff, que não era sua intenção atacar nenhum quartel...

"A verdade é que este homem podia ter originado uma tragédia de consequências imprevisíveis e incalculáveis... A sua atitude de fanfarrão obrigou à intervenção pessoal do Fabião e do Juvêncio Gomes (delegado do PAIGC em Bissau)...

"Veja-se o seu depoimento nas pp. 222 e segs."


A guerra, tal como a "bola", também um "jogo" e os combatentes, nomeadamente os comandantes operacionais, também têm os "comportamentos de bravata", os seus "egos" desmedidos, o gosto perla teatralização... Era só o 'Nino' Vieira, de quem o Bobo Queita tinha um ódio de estimação...

Antº Rosinha disse...

Tantos caboverdeanos que viveram esta guerra colonial quer dum lado quer do outro, ou mesmo "em cima do muro", é pena que tantos estejam afastados destas memórias.

E mais que ninguém, os caboverdeanos sabem do que se tratou naqueles tempos.

Podiam falar sem complexos, ao fim de 50 anos.

Bem vindo o Carlos Filipe ou qualquer outro, estejam de que lado fosse.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não há dados estatísticos, mas sabemos que alguns camaradas nossos, cabo-verdianos ou de ascendência cabo-verdiana, foram depois simpatizantes ou militantes do PAIGC... Seria interessante que nos falassem desses primeiros tempos... Se calhar é pedir demais....O mesmo aconteceu, de resto, com muitos de nós, metropolitanos, fizemos as nossas "escolhas" político-partidárias, ao votar para a Assembleia Constituinte, um ano depois, em 25 de abril de 1975... Cabo Verde tornou-se independente em 5 de julho de 1975 e, 15 anos depois, uma democracia pluralista. É hoje um exemplo de estabilidade política em toda a África. A Constituição de Cabo Verde, em vigor desde 1992, estabelece o pluralismo político como um princípio fundamental do Estado democrático. E não creio que os cabo-verdianos queiram voltar ao sistema do partido único...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fontes utilizadas pela ChatGPT:

pt.wikipedia.org

Madina do Boé – Wikipédia, a enciclopédia livre
Guiné e Cabo Verde).[ 4 ] * em 24 de setembro de 1973, na vila de Lugajole, foi proclamada a Independência Unilateral da Guiné-Bissau pelo PAIGC e Luís Cabral eleito Presidente do Conselho de Estado.
iilp.cplp.org

50º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ-BISSAU - IILP
Em 24 de Setembro de 1973, o PAIGC declarou a independência em Lugajole, no sector de Madina do Boé, uma das regiões que controlava. No ano seguinte, deu-se a Revolução dos Cravos em Portugal, que pôs um fim ao regime ditatorial iniciado por António de Oliveira Salazar e continuado por Marcello Caetano.

pt.wikipedia.org

Guerra de Independência da Guiné-Bissau – Wikipédia, a enciclopédia livre
teve início efetivo a 23 de Janeiro de 1963,[ 4 ] com um ataque do PAIGC ao quartel de Tite , no sul da 85, e terminou em 10 de Setembro de 1974 com o reconhecimento da independência do país.[ 5 ] Tal como em
Todas as fontes
50anos25abril
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