Guiné > Maio de 1973 > Op Ametista Real > 18-20 de Maio de 1973 >
Croquis do plano de operações: (i) A 18 de Maio o Batalhão de Comandos Africanos sai de Bissau numa LDG, apoiada por duas LFG e desembarca em Ganturé, dirigindo-se à tarde para Bigene; (ii) 19 de Maio, às 6h00 da manhã, o BAC entra em território senegalês; com os três agrupamentos (Bombox, Romeu e Centauro) dispostos à volta da base IN, os Fiat procedem a um pesado bombardeamen do alvo; (iii) o 1º assalto IN é feito pelo Agrupamento Bombox (Cap Matos Gomes), seguido pelo Agrupamento Romeu (Cap António Ramos) e, por fim, pelo Agrupamento Centauro (Cap Raul Folques); (iv) o regresso das NT far-se-á por Guidaje, ao fim da tarde desse dia...
Fonte:
José Afonso (2006) .
Originalmente publicado no Blogue-fiora-nada > vd post de 3 de Fevereiro de 2006 >
Guiné 63/74 - CDXCVI: Salgueiro Maia e os seus bravos da CCAV 3420 (Guidage, Maio/Junho de 1973) . Não trazia o nome do autor, no título, nem trazia subtítulos. Achou-se oportuno recuperar este
post, que traz novos elementos informativos sobre a batalha de Guidaje. O seu autor é uma testemunha privilegiada. Deverá ser também publicado, em breve, como texto antológico, o relato que o próprio Salgueiro Maia fez, no seu livro autobiográfico, sobre estes dramáticos dias na região de Guidaje que antecederam o fim da comissão da CCAV 3420.
Texto do José Afonso (ex-furriel miliciano da CCAV 3420) que nos chegou, em boa hora, através do Albano Costa (ex-militar da CCAÇ 4150, que ficou sedeada em Guidaje, já no final da guerra, a partir o 4º trimestre de 1973:
«Foi através do blogue que um dia recebi um e-mail do ex-furriel José Afonso, da CCAV 3420, a tal de que era seu comandante Salgueiro Maia, e que um belo dia foi chamada para a zona do conflito que o PAIGC fez a Guidaje, no norte da Guiné, em Maio de 73.
"O José Afonso, que é do Fundão, tem tudo registado e facultou-me e autorizou-me que fosse transcrito o que aconteceu naquele período em que foram chamados para irem em defesa do destacamento que na altura corria perigo de ocupação por parte do PAIGC. Ele esteve na altura da porrada em Guidaje e enviou-me toda a história"...
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Situação Militar no Zona de Guidaje > Maio / Junho de 1973 > Intervenção da Companhia de Cavalaria 3420 > Zonas de Acção da Companhia: Binta / Guidaje
Subtítulos, a negrito, da responsabilidade do editor do blogue.
Em Maio de 1973, Guidaje e Guileje constituíram a prova mais dura a que as Forças Armadas Portuguesas foram sujeitas nos três Teatros de Operações (Angola, Moçambique e Guiné). Para aliviar a pressão sobre Guidaje, preparou-se um ataque à base inimiga de Kumbamory, situada a 4-6 km da linha de fronteira do Senegal, tendo em vista desarticular o IN e, se possível, destruir a Base, provocando o maior número possível de baixas.
Guidaje, Maio de 1973 - NT e IN
No início de Maio de 1973 a Guarnição de Guidaje era constituída pela CCAÇ 19 e pelo Pelotão de Artilharia 24, equipado com Obuses 10,5 e estava sob o Comando COP3 com sede em Bigene. Do lado Português, Guidaje em termos de efectivos teria cerca de 200 homens, na maioria recrutados na Província que com os seus familiares viviam numa pequena aldeia junto ao Quartel.
Do lado PAIGC estimava-se que o número de elementos se situava entre os 650 e os 700 homens, comandados por Francisco Mendes (Chico Té) e pelo Comissário Político Manuel Santos.
As Forças do PAIGC tinham uma das suas bases em Kumbamory podendo fazer reabastecimentos por viatura a partir de Zinguichor, Yeran ou Kolda, permitindo assim manter o cerco a Guidaje por largo período de tempo. O PAIGC mantinha na Zona as seguintes forças:
- Corpo de Exército com 4 Bigrupos de Infantaria e uma Bateria também de infantaria;
- Corpo de Exército com 5 Bigrupos de Infantaria e um grupo de Foguetes com 4 rampas de lançamento;
- 3 Bigrupos de Infantaria, um grupo de Reconhecimento e uma bateria de Artilharia deslocada da Zona Leste;
- Um Pelotão de Morteiros 120 mm;
- Um Grupo Especial de Sapadores.
Cerco a GuidajeO isolamento de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T6, duas DO-27 e um Fiat G91 e o cerco terrestre acentuou-se em 8 de Maio quando uma coluna que partiu de Farim, escoltada por forças do Batalhão de CAÇ 4512, accionou uma mina e foi emboscada sofrendo 12 feridos.
A 9 de Maio a mesma força foi de novo emboscada mantendo o contacto com IN por 4 horas. As NT sofreram 4 mortos, 8 feridos graves, 10 feridos ligeiros e 4 viaturas destruídas, tendo a coluna sido forçada a recuar para Binta em vez de seguir para Guidaje. Das viaturas destruídas o IN retirou durante a noite algum material de guerra. Na manhã seguinte a nossa aviação destruiu o que restava destas 4 viaturas e material.
A 10 de Maio no deslocamento Binta / Guidaje as unidades envolvidas, sob o comando do Comandante do Batalhão de Farim, sofrem 1 morto e 2 feridos e a picada encontrava-se cortada por abatises. Uma coluna que havia saído de Guidaje (CCAÇ 19) para proteger o itinerário sofreu 5 emboscadas, de que resultaram 8 mortos e 9 feridos (1).
Nesta data com o agravamento da situação em Guidaje, o PAIGC conseguiu isolar por alguns dias esta guarnição dados os campos de minas lançados, as emboscadas montadas e a impossibilidade dos nossos meios aéreos actuarem, devido ao dispositivo antiaéreo montado pelo inimigo com os Mísseis Strella. Devido à situação crítica o Comandante do COP3, Tenente Coronel Correia Campos, deslocou-se para Guidaje onde se manteve até 11 de Junho.
A 12 de Maio chega a Guidaje uma coluna de reabastecimento constituída pelo destacamento de Fuzileiros 3 e 4. A 15 de Maio no regresso dos Fuzileiros a Farim, as NT accionam 2 minas sofrendo 2 feridos graves e uma emboscada entre Binta e Guidaje de que resultaram 5 feridos. Uma coluna que entretanto saiu de Binta conseguiu chegar a Guidaje no mesmo dia.
Operação Ametista RealA 16 de Maio o Comando Chefe informa Almeida Bruno (Comandante do Centro de Operações Especiais) da situação que se passa em Guidaje. Almeida Bruno tinha sido o 1.º Comandante do Batalhão de Comandos Africanos entre Maio de 1968 e Julho de 1970. Este batalhão tinha como principal missão actuar fora do Território da Guiné. Assim, as suas actuações situavam-se em território da Guiné-Conacri e do Senegal, pelo que o seu armamento era o melhor armamento soviético capturado ao IN, Kalashinikov, Degtyarev, RPG2 e RPG7.
A operação mais significativa dos comandos Africanos foi a Operação Ametista Real (2) e foi comandada pelo Chefe de Operações Especiais, Major Almeida Bruno. A 18 de Maio o BataIhão de Comandos saiu de Bissau numa LDG (Lancha de Desembarque Grande com guarnição de cerca de 20 homens e que pode transportar cerca de 400 homens), apoiada por duas LFG (Lancha de Fiscalização Grande com guarnição de cerca de 33 homens) e desembarcam em Ganturé (3).
Nessa tarde deslocam-se para Bigene com a finalidade de lançar uma operação de curta duração por forma a atacar a Base do PAIGC, situada em território do Senegal. Como não era possível a evacuação de feridos por via aérea, os mesmos seriam transportados para Guidaje e o reabastecimento teria de ser feito com material retirado dos paióis do IN.
O Batalhão de Comandos era constituído por 3 agrupamentos com uma Companhia cada, comandados por:
- Agrupamento BOMBOX (Capitão Matos Gomes);
- Agrupamento CENTAURO (Capitão Raul Folques);
- Agrupamento ROMEU (Capitão António Ramos).
Às 5h30 de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou itinerário que apoiava a base de Kumbamory. Na Companhia do Capitão António Ramos estava integrado um Grupo Especial do Centro de Operações Especiais (25 homens), especialistas em demolições e neste agrupamento estava integrado o Major Almeida Bruno.
A 19 de Maio, o Batalhão de Comandos Africanos entra em território senegalês às 6 horas. Entretanto a Artilharia de Bigene desencadeou vários disparos sobre a área onde era suposto existir a Base IN. Às 7H30 os agrupamentos estavam dispostos na Base de ataque escolhida, a sul da povoação senegalesa de Kumbamory. Foi necessário cortar a estrada paralela à fronteira e reter o comandante senegalês dos paraquedistas, que ali chegara em missão de reconhecimento de fronteira. Travou-se com ele uma conversa cordial, chegando o mesmo a afirmar que a Base do PAIGC se situava em território português.
Às 8h20, iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91 que efectuou um pesado bombardeamento, a que se se seguiu o assalto à área onde se presumia que estivesse a Base do IN. Às 9h05 o Agrupamento BOMBOX executa o assalto inicial provocando o primeiro contacto com o PAIGC.
O factor sorte foi decisivo. Os 2 agrupamentos que cercaram em 1.º Escalão, detectaram de imediato uma série de depósitos de material de guerra, enquanto o 3.º Agrupamento teve violento combate com um forte grupo inimigo apoiado por Canhões sem Recuo e Metralhadoras Pesadas que defendiam o depósito principal, o dos Foguetes 120 mm. A confusão gerou-se já que se enfrentavam adversários da mesma cor, trajando de igual e com armas iguais.
Os combates desenrolam-se até 14h10, quando o Major Almeida Bruno dá ordem para o agrupamento CENTAURO apoiar uma ruptura de contacto entre as NT e as Forças do PAIGC. Este agrupamento comandado pelo Capitão ao Raul Folques (foi ferido gravemente) estava praticamente sem munições. Assim, foi dada ordem de continuação da acção em direcção a Guidaje. O movimento foi lento e com várias emboscadas pelo meio.
Pelas 16 horas o IN abandonou o terreno. As 18h20 os primeiros homens do Batalhão de Comandos começam a chegar a Guidaje.
ResultadosApós esta operação, a pressão sobre Guidaje foi levantada. Resultados da Operação Ametista Real:
Destruídos:
- 22 Depósitos de Material de Guerra;
- 2 Metralhadoras antiaéreas;
- 50 mil Munições de Armas Ligeiras;
- 300 Espingardas Kalashnikov;
- 112 Pistolas PPSH;
- 560 Granadas de Mão;
- 400 Granadas Anti-Pessoal;
- 100 Morteiros 60;
- 11 Morteiros 82;
- 1100 Granadas de Morteiro 82;
-138 RPG7;
- 450 RPG2;
-21 Ramas de Foguetes 122;
Mortos:
-67 (entre os quais uma médica e um cirurgião cubanos e 4 elementos mauritanos).
As nossas tropas sofreram:
- 10 Mortos (2 Oficiais);
- 23 Feridos graves (3 Oficiais e 7 Sargentos);
- 3 Desaparecidos.
Durante a operação os Comandos Africanos consumiram:
- 26700 Munições 7,62 (G3);
- 4600 Munições 7,62 (Kalash);
- 292 Granadas Lança-Foguetes 6 e 8,9;
- 71 Granada RPG2 e RPG7;
- 195 Granadas de Morteiro;
- 269 Granadas Defensivas.
Por volta do dia 20 de Maio estavam cercadas em Guidaje as seguintes sub-unidades:
- Companhia de Guidaje,
- a Companhia que escoltou o últímo reabastecimento de Bissu,
- uma Companhia de Farim (que teve de abandonar as viaturas que posteriormente foram bombardeadas e destruídas pela força aérea quando o inimigo as descarregava),
- uma Companhia de Paraquedistas,
- o Destacamento de Fuzileiros
- e o efectivo de cerca de uma Companhia de Comandos Africanos que tinha actuado no Senegal.
Guiné > Guidaje > CCAÇ 4150 (1973/74) > Vista panorâmica do quartel de Guidaje. Dezembro de 1973 (seis meses depois do cerco do PAIGC) .
Foto: ©
Albano M. Costa (2005). Direitos reservados
Uma nova coluna de reabastecimentos ficou retida em Farim devido a ter sido a atacada uma coluna entre Mansoa e Farim de que resultou a destruição de três viaturas que ficaram no terreno, tendo as NT sofrido 4 mortos, 16 feridos, sendo 9 graves.
Na luta por Guidaje o PAIGC utilizou artilharia pesada e ligeira apoiada por Infantaria além de um grupo especial de mísseis terra-ar. Em armamento o inimigo utilizou peças de 120 mm de tiro rápido, foguetões 122 mm, morteiro 120 e 82, canhões sem recuo de 5,7 e 7,5, RPG2, PG7, armamento ligeiro e mísseis Strella.
A CCAV 3420, em fim de comissão
A 22 de Maio a Companhia de Cavalaria 3420 tem a sua comissão terminada. Tudo estava pronto para no dia seguinte partir para o
Cumoré, com vista a aguardar o regresso à Metrópole. A Companhia depois de uma comissão quase sempre a actuar como unidade de intervenção dá largas à sua satisfação. Pelas 19 horas, o Comandante de Companhia, Salgueiro Maia, recebe uma chamada de Bissau, informando que iria ser recebida uma mensagem, ordenando que a Companhia 3420 não seguisse para o Cumoré mas para os Adidos.
Guiné > 1965/66 > A jangada que atravessava o
Rio Mansoa , em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu
Foto: ©
Virgínio Briote (2005)
A 23 de Maio a CCAV 3420, às 6 da manhã, inicia a travessia do rio Mansoa em João Landim. As 8h30 está no Comando de Bissau onde recebe de novo material de combate. A missão dada é uma operação de 6 dias e teria como destino a zona de Guidaje, já que os ataques a este aquartelamento passaram de 50 em Abril para 167 em Maio.
A 25 de Maio a Companhia segue para Farim e a 26 de Maio para Binta com vista a, juntamente com 38.ª Companhia de Comandos (2), uma Companhia de Africanos e uma Companhia do Batalhão CCAÇ 4512 de Farim, abrir o cerco a Guidaje, ao mesmo tempo que os sitiados tentavam também abrir caminho para Binta.
A ida da CCAV 3420 para a zona mais crítica da Guiné ficou a dever-se ao facto de ter ao longo de toda a comissão um bom comportamento em combate. Estando o itinerário Binta / Guidaje bastante minado, em Bissau dão ordem para que a companhia leve quase uma tonelada de explosivos para fazer rebentar as minas montadas entre Binta e Guidaje. Para não entrar em conflito com o comando de Bissau, Salgueiro Maia apenas decide levar cerca 100 Kg, que nunca chegaram a ser utilizados. Para garantir o transporte do pessoal com o mínimo de segurança, em Farim, a Companhia teve de
roubar uma Berliet à Companhia de transportes de Bissau.
A 26 de Maio a Companhia chega a Binta onde já se encontravam outras forças. A 29 de Maio inicia-se a abertura do itinerário Binta / Guidaje. Cerca das 10 horas, ao ser feita a picagem, foi accionada uma mina anticarro de que resultou um morto, um furriel cego e 2 feridos ligeiros que foram evacuados para Binta, escoltados por 2 Unimog e cerca de 30 homens que, chegados a Binta, nunca mais regressaram como estava decidido (não foram por isso punidos).
Guiné-Bissau > 1998> Picada que vai de Bigene a Ganturé, no Rio Cacheu, numa distância de 3 km.
Foto: © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.
A arma secreta de Salgueiro Maia
Após este incidente e conforme planeado iniciou-se a progressão a corta-mato, levando à frente uma viatura T6 (caterpillar) que abriu o caminho junto com uma Berliet. Outra Berliet seguia a 300 m levando apenas o condutor com um homem a seu lado e tinha a caixa de carga cheia de cunhetes abertos com todo o tipo de munições prontas a serem utilizadas (era a arma secreta, como dizia o Capitão Salgueiro Maia).
A táctica do PAIGC era a de ataques frontais em linha com forte potencial de fogo. Os ataques decorriam em vagas sucessivas até as NT, esgotadas as munições, terem de retirar. Com a
arma secreta estava-se sempre pronto a responder. Pelas 12 horas um grupo estimado em 120 homens fez uma emboscada e ao mesmo tempo batia a zona com Morteiro 82. Pouco depois repete um novo ataque, mas as tropas da coluna já se encontravam remuniciadas. Voltaram pela terceira vez tendo as NT adoptado um dispositivo em L, porque se previa um envolvimento da parte do IN. Os ataques duraram mais de uma hora.
Pelas 14 horas tinham desmaiado 6 homens, vítimas de cansaço e insolação, visto estarem desde as 5 da manha a pé, ao sol, carregados de todo o material bélico possível e com apenas um cantil de água. Como a coluna de reabastecimento de Bissau vinha avançando para aproveitar o novo itinerário aberto, houve a hipótese de alguns elementos da CCAV 3420 subirem para as viaturas, continuando a Companhia de Comandos e a de Farim na frente da coluna.
Ao ser atingido a Bolanha do Cufeu, a coluna de Binta entra em contacto com a companhia de paraquedistas, que se deslocava de Guidaje. Na zona de Ujeque as tropas entram na antiga picada, que apresentava chão firme e sinais de abandono pelo que tentam seguir por ela. Pouco tempo depois rebenta uma mina debaixo de um Unimog 404. Quando o pessoal salta para o lado, um milícia acciona uma mina anti-pessoal, ficando sem uma perna. De novo se volta a seguir a corta-mato. Pouco depois entra-se em contacto com o destacamento de Fuzileiros, que estavam retidos em Guidaje e que vêm em apoio dos movimentos da coluna.
Cerca das 18 horas a coluna é de novo emboscada, mas desta vez sem consequências para as NT. Pelas 19 horas a coluna chega finalmente a Guidaje. Pelas 21 horas Guidaje é flagelado por Morteiro 82 com granadas a cair em grupos de 5 (granadas do Morteiro 81, capturadas à coluna de reabastecimento, que a 9 de Maio se deslocava de Binta para Guidaje).
De 29 de Maio a 11 de Junho a CCAV 3420 permaneceu em Guidaje, sendo neste período de tempo o aquartelamento bombardeado diariamente. A 8 de Junho Guidage esteve debaixo de fogo 5 vezes num total de 2 horas e a 9 sofreu 4 ataques.
Em Guidaje as refeições eram tomadas às horas mais diversas, já que às horas normais o IN costumava atacar com armas pesadas. Todos os edifícios do quartel de Guidaje estavam destruídos. No depósito de géneros praticamente inteiros estavam apenas alguns sacos de arroz, farinha e latas de salsichas. Dormia-se e vivia-se em valas abertas em redor do quartel. Água só havia de vez em quando e luz só esporadicamente, porque o gasóleo para os motores era escasso.
Em Guidaje havia farinha, mas não havia fermento para fazer o pão, pelo que se tentavam fazer várias misturas de medicamentos triturados e cerveja (quando a havia), para tentar levedar a massa do pão, mas, mesmo assim os pães eram de tal forma que pareciam broas de Natal. A ração diária para cada militar era de um punhado de arroz e uma pequena salsicha de aperitivo ao almoço e ao jantar, isto porque não havia outra coisa para comer.
Em Guidaje existia a cerca de 2 km para o interior do Senegal uma estrada paralela à fronteira, que durante a noite era percorrida por colunas do PAIGC, escoltadas por blindados de origem russa. Como o quartel de Guidaje se encontrava construído sobre a fronteira com o Senegal, a pista de aviação encontrava-se em parte neste território.
A CCAV 3420 saiu de Guidaje a 11 de Junho mas manteve- se emboscada na bolanha do Cufeu e na manhã de 12 regressou a Binta.
As baixas das colunas de e para Guidaje de 8 de Maio a 8 de Junho foram de:
- 22 mortos;
- 70 feridos;
- e 6 viaturas destruidas.
De 8 de Maio a 29 de Junho, Guidaje sofreu 43 flagelações com artilharia, foguetes e morteiro. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo 5 vezes, no total de 2 horas. No dia 9 sofreu 4 ataques, no dia 10, 3 ataques e, até final todos os dias foi atacado. No total dos 43 ataques a guarnição de Guidaje sofreu 7 mortos, 30 feridos militares e 15 feridos entre a população civil e todos os edifícios do quartel ficaram bastante destruídos.
Até 29 de Junho a Companhia permaneceu em Binta e, neste período fez no dia 17 escolta a uma coluna de 6 viaturas de Binta para Guidaje e em 25 fez emboscada no Alabato, dando protecção a uma coluna para Guidaje. A 29 de Junho a Companhia regressou a Farim e a 30 a Bissau.
Já em Bissau fez ainda uma protecção a coluna com 28 viaturas até Farim. E enquanto aguardava regresso à metrópole fez protecção ao perímetro de Bissau, bem como outros serviços esporádicos.E porque inicialmente a Companhia tinha por missão uma operação de 6 dias, os homens nao tiveram outra roupa para além da que tinham no corpo.
Os elementos da Companhia 3420 quando a 30 de Junho regressaram a Bissau, pareciam um grupo de salteadores, já que a operação não decorreu nos 6 dias previstos, mas durou 37 dias, na zona Binta / Guidaje.
Apesar de ao longo de toda a comissão a CCAV 3420 ter sido uma Companhia de Intervenção, o período de 26 de Maio a 30 de Junho foi sem dúvida, o mais difícil e aquele que provavelmente os elementos mais recordam, pelos momentos críticos por que passaram, mas, que com a disciplina, a que desde o início se habituaram e pelo Comandante que tinham , souberam contornar todas as situações e em 2 de Outubro regressaram à Metrópole, com a satisfação de terem sido comandados por um homem como Salgueiro Maia (3).
Ex-Furriel Afonso, 3.º Grupo de Combate da CCAV 3420 (1971/73) .
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Notas de L.G.
(1) Vd. 21 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)
(2) Vd. post de 16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973)
"Ametista Real, por João de Almeida Bruno (1995): A operação mais importante que comandei foi, no entanto, na Guiné. O nome de código foi Ametista Real - eu sempre dei nomes de pedras preciosas às operações que comandei. Penso que, na altura, foi a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional. Comandava então o Batalhão de Comandos Africanos (...)".
(3) Vd. testemunho do tenente coronel J. Sales Golias> A descolonização da Guiné-Bissau, no sítio do centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra: "As Nossas Tropas(NT) iam somando insucessos, alguns dos quais muito graves como o abandono de Gadamael Porto, a dramática retirada do inferno de Guileje, em cuja consequência foi preso o Major Coutinho e Lima, por ter decidido salvar as vidas dos seus homens e o cerco de Guidaje. No rompimento deste cerco foi decisiva a acção do meu camarada Salgueiro Maia, cuja Companhia de Cavalaria já tinha acabado a sua comissão e aguardava embarque para Lisboa, mas à qual estava guardado o pior bocado.
"Estavam empenhadas neste cerco as três Companhias de Comandos Africanos, uma delas comandada pelo Capitão Carlos Matos Gomes, um dos principais oficiais do MFA na Guiné.
"Só um Comandante natural como o Salgueiro Maia conseguiria mobilizar novamente os seus homens para uma das mais violentas campanhas de guerra e da qual saíu com muitos mortos e feridos.
"Salgueiro Maia regressou a Lisboa já no mês de Outubro de 1973".