Hugo Guerra, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)... Não, ele nunca comandou o Pel Caç Nat 50. Já nos pediu para corrigir este pormenor curricular... Aqui fica a correcção.
Mas hoje estamos aqui para lhe deixarmos uma notinha... de parabéns, com votos de muita saúde e felicidades, para ele e para os seus. O Hugo hoje faz anos. Hoje é o seu dia especial. Pois, que tenha um belo dia de anos. São os votos dos editores do blogue e do resto da Tabanca Grande.
Devemos dizer que soubemos por acaso desta efeméride. Não temos nenhum ficheiro, com a data de nascimento do pessoal da Tabanca Grande. Mas, de futuro, gostávamos de o ter... Que nos desculpem os outros camaradas que fizeram anos em Abril. Foi o caso, por exemplo, do David Guimarães, um homem do 24 de Abril (!), nosso tertuliano nº 3 (e aqui a antiguidade é um posto, ou meio posto...). Também para ele e os demais aniversariantes do mês de Abril vão também os nossos parabéns, amistosos, sinceros, calorosos, embora já um pouquinho atrasados... O que que conta é o gesto!
Entretanto, como homenagem ao nosso aniversariante de hoje, fomos revisitar um texto fabuloso que ele há tempos, há cinco meses atrás, publicou no nosso blogue. Começava assim...
1. Vd. poste de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)
(...) "Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.
"Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.
"Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.
"Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos" (...).
2. Leiam o resto por favor, que vale a pena... E já agora acompanhem o comentário que, na altura, lhe fez o nosso editor L.G.:
Obrigado, Hugo, por teres respondido à chamada. E sobretudo teres sabido interpretar o meu tímido repto... Por pudor, não gostamos de mostrar, em público, as chagas do corpo e as mazelas da alma. A tua história de vida dava um livro, como se costuma dizer. Não te falta o talento para o escrever e, o mais importante, a matéria-prima.
Obrigado, amigo e camarada, tiro o chapéu (ou melhor, o quico!) à tua coragem, não à de ontem, mas à de hoje: reviver todo esse pesadelo dos teus 24/25 anos, não sei se te faz bem... Mal não te faz, é seguramente blogoterapia...
Para mim, a tua história de vida dá um toque imensamente humano à História com H grande... Um dia, os Historiadores com H grande vão esquecer-se, mais uma vez, de nós, o Guerra, o Celeiro, o Baptista, o Marques, o Gramunha, o Cunha, o Ferreira, o Iero Jau, e por aí fora, de todos nós que morremos, que ficámos estropiados, feridos no corpo e na alma, e que fizémos a guerra, e que a ganhámos e perdemos mil vezes...
Um dia, os senhores doutores por extenso vão contar a guerra, descrever as batalhas, avaliar as estratégais dos generais, pintar um grande quadro sinóptico, e tu, Hugo, não estás lá, nem como simples figurante, nem como mero adereço, ao lado do poidão de Chamarra, da tua Chamarra...
Mas os teus camaradas, os teus amigos, os teus filhos e os teus netos, terão orgulho em ti, tu que foste evacuado duas vezes e meia e andaste a voar nesse ninho de jagudis e de águias que era a psiquitria do Hospital Militar Principal, entre heróis e filhos da mãe...
Terão orgulho em ti, por que foste um homem digno, um militar nobre e uma camarada solidário... Não é fácil, a um militar com o teu currículo, vir aqui, num blogue de camaradas, admitir que não foste capaz, daquela vez, em São Domingos, levantar a maldita mina que te iria marcar, no corpo e na malta, para o resto da vida. A ti e ao Celeiro.
Deixa-me dizer-te, por fim, que achei muito lindo, muito emocionante, o que escreveste sobre ele, o cabo Celeiro. É um naco de prosa de antologia:
"Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Celeiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo".
Aceita um Alfa Bravo deste teu leitor, reconhecido. Cuida de ti e... do olho que a maldita mina não te conseguiu roubar. Luís
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades
1. Mensagem de Fernando Gouveia (*), ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 5 de Abril de 2009, aquando da sua apresentação ao Blogue:
Camarada Luís Graça:
Só agora me é possível mandar os elementos para a inscrição na TG bem com a 1.ª estória.
A somar a todas as peripécias tive o PC avariado com a consequente reinstalação dos programas, etc.
Não vou prometer regularidade no envio das estórias mas vou fazer um esforço para, se não for semanal, será pelo menos quinzenal.
Esta 1ª estória considero-a grande e a 2ª é um pouco maior mas depois serão sempre bastante mais pequenas. Gostava de um feed-back sobre o tamanho (e não só) desta 1.ª.
O CVM vai incluído na 1.ª estória. Não sei se seria mais correcto enviá-lo à parte ou não.
Lamento, mas sobre Contuboel não tenho nada.
Mando em anexo todos os elementos
Um abraço
Fernando Gouveia
2. Nota de CV:
Por sugestão do nosso camarada Gouveia, esta primeira parte da sua "Guerra vista de Bafará", foi retirada do poste da sua apresentação, onde se encontrava indevidamente, e publicada hoje em poste autónomo, dando assim começo a esta nova série.
Três oficiais: um general, um coronel, um alferes - suas personalidades
Este é o meu primeiro escrito no blog, inserido no título geral "A guerra vista de Bafatá".
Torna-se assim importante prestar alguns esclarecimentos:
Passaram 40 anos sobre a minha comissão no leste da Guiné, no Agrupamento do sector leste, em Bafatá e a minha memória já pode falhar, nomeadamente quando refiro datas ou nomes.
Com a ressalva anterior tudo o que venha a relatar, reporta-se a factos reais por mim vivenciados.
Fiz a recruta como cadete em Mafra e também aí tirei a especialidade de Reconhecimento e Informações. Quando no quartel de Infantaria 12, no Porto, dava a 4.ª recruta, tendo portanto havido já três mobilizações de PelRecs mais novos, admitia já que podia passar à peluda sem ser mobilizado, até porque estava entre os melhores classificados na especialidade. Puro engano... Num belo dia de Maio de 1968, estava a dar instrução quando chegou a comunicação que tinha sido mobilizado, em rendição individual, juntamente com mais quatro camaradas, para a Guiné. Destino: QG de Bissau e Agrupamentos.
Em poucos dias fomos enviados para Lisboa onde, num sector ligado aos “Altos Estudos Militares” frequentámos um curso intensivo em que nos foi debitada, por oficiais superiores, imensa informação sobre a Guiné civil e militar, a guerrilha, a informação, a contra-informação, etc.
Quer durante a estadia em Lisboa, alojado na messe dos “Altos Estudos” em Oeiras, um autêntico hotel de 5 estrelas, quer na Guiné, tudo me correu pelo melhor. Sorte, sorte e mais sorte, contrariamente a muitos cuja falta de sorte lamento sinceramente.
Muitos camaradas morreram na operação “Mabecos Bravios” (**) e houve muito sofrimento na operação “Lança Afiada” (***). É certo que, de uma forma indirecta, também eu participei nas referidas operações e partilhei da dor que todos esses factos causaram. Felizmente não vim estropiado, mas vim com mazelas fisiológicas que perduraram por muitos anos, se é que ainda não perduram.
Passo agora a relatar alguns factos que, na minha perspectiva, definem três oficiais: Gen Spínola, Cor Felgas (quando o conheci era ainda Ten Cor) e Alf Mil Beja Santos.
O 1.º dispensa apresentações, o 2.º era o meu comandante e o 3.º era o alferes de quem mais ouvi falar e que mais vezes vi entrar e sair do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Começo por dizer que tendo em conta tudo quanto vi, ouvi e me foi relatado por outros e, independentemente dos seus defeitos (quem os não tem?), se tivesse que escolher com quem trabalhar não teria dúvidas nas escolhas. Para meu comandante chefe não hesitava, escolheria o Gen Spínola e para meu comandante directo escolheria o Cor Felgas. Acrescento ainda que, como alferes miliciano que fui, gostaria de ter trabalhado ao lado do Beja Santos, pelos motivos que mais tarde explanarei.
Passemos aos factos.
Cheguei a Bafatá em 18 de Julho de 1968 (depois de duas semanas em Bissau a trabalhar na 2.ª Rep. do Q.G). Fui muito bem recebido pelos outros dois alferes do Agrupamento, o Ribeiro da Secretaria e o Vaz das Transmissões. Este último, logo no primeiro dia, em viagem guiada levou-me a conhecer as três tabancas que integravam Bafatá: Ponte Nova, Rocha e Nema.
Nessa altura o trabalho era pouco, pairava-se lá pelo aquartelamento das 9 às 12 e das 16 às 17.
Um dos alferes pôs-me a par da situação existente. Soube que iria substituir o anterior alferes de Informações (que não cheguei a conhecer) e que o Comandante anterior, Cor José Affa Castel Branco tinha ido de patins para a metrópole com 30 dias de prisão, na sequência de uma visita do General Spínola. O Gen ter-lhe–ia pedido informações sobre a situação no sector e o Cor titubeando, não soube adiantar nada. Ainda sobre este Coronel foi-me contado que costumava divertir-se à noite, a matar com uma carabina ponto 22, os gatos que iam ao cheiro dos restos do rancho, pelo que no dia seguinte havia sangue por todo o lado. Felizmente já não assisti a tão degradante espectáculo.
Decorreram mais quatro ou cinco dias de boa vida até que, vindo de Tite, chegou o novo Comandante, o Ten Cor Hélio Felgas. No primeiro dia, embora com um silêncio nas instalações, que não era habitual, tudo decorreu normalmente até começar a escurecer. Lembro-me desse dia como se fosse hoje, apesar de terem passado 41 anos. O Ten Cor passou a tarde na sala onde eu trabalhava (sala de Informações e Operações), sentado numa cadeira, a olhar para o mapa da Zona Leste (escala 1: 50.000), mapa esse que ocupava toda uma parede com uns 5x2,5m. Quando sentado, à frente dos seus olhos ficava o regulado do Cuor, mas o Cor olhava não só em frente, olhava junto ao chão e erguia-se quando precisava de ver zonas mais a norte, junto ao Senegal.
Em determinada altura começou a escurecer e o Ten Cor Felgas disse: - Gouveia, acenda-me as luzes por favor. Clic no interruptor. Acenderam-se duas lâmpadas de uns 25 ou 40W. A luminosidade adquirida não ultrapassou a que entrava pelas pequenas janelas, naquele fim de dia. O Cor Felgas teve um estremecimento, olhou na direcção das lâmpadas e, tão rápido como se respondia a uma emboscada IN, gritou:
- FERRRREEEEEIIIIRA COEEEELHO.
O Ten Cor Chefe do Estado Maior do Agrupamento lá veio a correr como todos os oficiais superiores fariam sempre que o Cor Felgas chamava. E, com voz de comando este continuou:
- Arranja um bloco, escreve, quatro lâmpadas fluorescentes, cinco ventoinhas, etc., etc. Quero aqui isso tudo no próximo avião de Bissau.
Moral da história… A partir desse dia e pelo menos até ao fim da minha comissão passou-se a trabalhar das 8 da manhã ás 8 da noite, com o intervalo para almoço. O Cor Felgas era um verdadeiro militarista e muito duro, só que com ele sabia-se com o que se contava, o que eu achava uma qualidade.
Passo a relatar um outro facto que envolveu os três oficiais: o caso dos cartuchos semi-enterrados na parada do quartel de Missirá. Pensava contar essa estória sem saber que estava relacionada com Missirá e o Beja Santos (embora tivesse essa desconfiança) quando a leitura recente dos seus livros mo veio confirmar. Foi também pela leitura dos mesmos que tomei conhecimento da punição do Alf Mil Beja Santos. Não devo ter sabido na altura porque em Março de 1969 me encontrava de férias, na metrópole. Caso contrário teria sabido, por certo, pois enquanto que para a maioria dos militares do agrupamento o Beja Santos era mais um alferes, eu, por inerência das minhas funções, estava a par da sua actuação que rondava o heróico, o que levava a que o Cor Felgas o idolatrasse como militar. Por isso não consigo entender a punição desferida cujo conhecimento, tantos anos depois, me indignou profundamente. (Eu também tive as férias cortadas por duas vezes mas isso dará outra estória).
Mas voltemos aos cartuchos semi-enterrados…
No dia da ocorrência dos factos, ou no dia seguinte transpirou que o Gen Spínola, ao visitar na companhia do Cor Felgas, uma tabanca em auto-defesa, teria demonstrado o seu desagrado com a falta de limpeza do aquartelamento criticando e atribuindo responsabilidades ao Cor Felgas, na presença de inferiores (o que era contrário ao RDM). Já de posse do conhecimento desse incidente, assisto ao seguinte: o Cor Felgas faz um telefonema para o Gen Spínola, não do seu gabinete como era costume, mas da minha sala (Informações e Operações). Esta sala tinha duas portas sempre abertas, uma dava para a Secretaria da Secção e a outra para um vestíbulo de acesso aos gabinetes do Comandante e do Chefe do Estado Maior, e à Secretaria Geral. A ligação foi estabelecida, não se sabia o que o Gen Spínola dizia do outro lado do fio mas ouviu-se várias vezes o Cor Felgas dizer em voz alta para que todos ouvissem:
- O meu comandante não precisa de pedir desculpas. Não peça desculpas, etc. etc.
A conclusão que eu tiro passados 40 anos é que o Alf Beja Santos foi o bode expiatório de tudo isso. Como lamento e me indigno.
Um outro facto que define a maneira de ser do Cor Felgas:
Na sequência do abandono de Madina do Boé em Fevereiro de 1969 e da ineficácia da Operação “Lança Afiada” o Cossé começou a ser ameaçado pelo Sul. O Comando Chefe, em princípios de Junho, envia uma ordem para o Agrupamento mandar grupos de militares enquadrados por oficiais disponíveis para as tabancas da periferia da zona habitada. Coube-me a mim ir para Madina Xaquili onde estive de 12 a 24 de Junho de 1969, mas isso vai ser argumento para outra estória. O insólito é que no dia 18 de Junho de 1969 o Cor Felgas munido dum burro de campanha e não sei de que séquito lá foi dormir uma noite a uma tabanca, não fosse o Gen Spínola puni-lo por não ter cumprido integralmente a ordem acima referida.
Enquanto todos os oficiais (Ten Cor, Chefe do Estado Maior e Majores) do Agrupamento andavam sempre a correr às ordens do Cor Felgas, a mim tratou-me sempre como se de um civil se tratasse. Nunca eu pensei em correr quando me chamava.
Num determinado, dia logo às 8 da manhã precisou de mim e, não me vendo, mandou-me chamar. Quando soube que eu tinha estado de serviço, pelo que tinha direito a dormir toda a manhã, imediatamente redigiu uma ordem no sentido de me não serem mais atribuídos serviços de oficial de dia, até ao final da comissão.
Sempre tive a impressão que o Cor Felgas, apesar de militarista a cem por cento, era um homem de ideias um tanto ou quanto abertas. Recebia regularmente publicações como a “Jeune Afrique” e na altura estava a escrever um(ns) livro (s) sobre política do continente africano.
Foi por isso, com estranheza, que pouco tempo antes do 25 de Abril o vi surgir como Sub-Secretário do Exército (creio que era este o cargo).
Falando ainda do Cor Felgas, quase todas as noites, antes de se deitar, percorria as imediações do seu quarto, de spray em riste, não a matar gatos como o Cor que o antecedeu, mas a matar todos os grilos que cantavam estridentemente. Como eu agora o compreendo.
E a terminar, como era linda (se assim se pode dizer) e com aparência de totalmente virgem a k… aprisionada, creio que na operação “Lança Afiada”, que o Cor Felgas escolheu de entre o arsenal apreendido. Eu lá fiquei com uns panos, uns amuletos, vários livros da instrução primária IN e uma cartucheira que ainda uso na caça.
Um facto que me levou a apreciar o Gen Spínola foi logo no início ter emitido uma Ordem Geral em que proibia todas as recepções quando ele ou qualquer outro Dignatário se deslocasse a algum lugar.
Quanto à mudança operada no Gen Spínola na forma de encarar a guerra, a meu ver deu-se em meados de 1969. Por essa altura recebeu-se pelo canal das Informações uma publicação, proveniente dos EUA ou de um país da América Latina, já não recordo, em que se escalpelizava a guerra de guerrilha e se apontavam soluções para a vencer. Passados poucos dias começaram a vir do Comando Chefe, directivas em tudo semelhantes às preconizadas na tal publicação. A estratégia foi evoluindo até à ordem formal para parar todas as operações militares – 15/04/70. Sol de pouca dura, pois 4 ou 5 dias depois dá-se a morte dos 3 Majores, 1 Alferes e 2 Soldados.
É pena não dispor, como o Beja Santos, de um Queta Baldé para me recordar muita coisa. Se calhar até tenho, só que não sei onde está.
Voltarei com certeza a falar destes oficiais mas por agora termino deixando uma mensagem com atraso de 41 anos, ao camarada Beja Santos:
Se acaso és supersticioso devias ter tido desde o início cuidado com o Agrupamento, que marcava operações com intervalos de treze letras. “Mabecos Bravios”, “Lança Afiada.
FG
Em primeiro plano parte da Tabanca da Rocha e ao fundo os aquartelamentos do Agrupamento e do Esquadrão de Cavalaria
Vista da parte principal de Bafatá. No quarteirão, em primeiro plano situava-se a sede do Batalhão
O Cor. Felgas a receber os cumprimentos de despedida. Partiria no dia seguinte: 05/10/69
Em 04/10/69, nos cumprimentos de despedida das autoridades nativas ao Cor. Felgas
No Agrupamento depois dos cumprimentos de despedida.
Um grupo de homens grandes (ao centro o mais alto diria que é o Régulo do Cuor)
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)
(**) Vd. postes de:
17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )
(***) Vd postes de:
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Camarada Luís Graça:
Só agora me é possível mandar os elementos para a inscrição na TG bem com a 1.ª estória.
A somar a todas as peripécias tive o PC avariado com a consequente reinstalação dos programas, etc.
Não vou prometer regularidade no envio das estórias mas vou fazer um esforço para, se não for semanal, será pelo menos quinzenal.
Esta 1ª estória considero-a grande e a 2ª é um pouco maior mas depois serão sempre bastante mais pequenas. Gostava de um feed-back sobre o tamanho (e não só) desta 1.ª.
O CVM vai incluído na 1.ª estória. Não sei se seria mais correcto enviá-lo à parte ou não.
Lamento, mas sobre Contuboel não tenho nada.
Mando em anexo todos os elementos
Um abraço
Fernando Gouveia
2. Nota de CV:
Por sugestão do nosso camarada Gouveia, esta primeira parte da sua "Guerra vista de Bafará", foi retirada do poste da sua apresentação, onde se encontrava indevidamente, e publicada hoje em poste autónomo, dando assim começo a esta nova série.
Três oficiais: um general, um coronel, um alferes - suas personalidades
Este é o meu primeiro escrito no blog, inserido no título geral "A guerra vista de Bafatá".
Torna-se assim importante prestar alguns esclarecimentos:
Passaram 40 anos sobre a minha comissão no leste da Guiné, no Agrupamento do sector leste, em Bafatá e a minha memória já pode falhar, nomeadamente quando refiro datas ou nomes.
Com a ressalva anterior tudo o que venha a relatar, reporta-se a factos reais por mim vivenciados.
Fiz a recruta como cadete em Mafra e também aí tirei a especialidade de Reconhecimento e Informações. Quando no quartel de Infantaria 12, no Porto, dava a 4.ª recruta, tendo portanto havido já três mobilizações de PelRecs mais novos, admitia já que podia passar à peluda sem ser mobilizado, até porque estava entre os melhores classificados na especialidade. Puro engano... Num belo dia de Maio de 1968, estava a dar instrução quando chegou a comunicação que tinha sido mobilizado, em rendição individual, juntamente com mais quatro camaradas, para a Guiné. Destino: QG de Bissau e Agrupamentos.
Em poucos dias fomos enviados para Lisboa onde, num sector ligado aos “Altos Estudos Militares” frequentámos um curso intensivo em que nos foi debitada, por oficiais superiores, imensa informação sobre a Guiné civil e militar, a guerrilha, a informação, a contra-informação, etc.
Quer durante a estadia em Lisboa, alojado na messe dos “Altos Estudos” em Oeiras, um autêntico hotel de 5 estrelas, quer na Guiné, tudo me correu pelo melhor. Sorte, sorte e mais sorte, contrariamente a muitos cuja falta de sorte lamento sinceramente.
Muitos camaradas morreram na operação “Mabecos Bravios” (**) e houve muito sofrimento na operação “Lança Afiada” (***). É certo que, de uma forma indirecta, também eu participei nas referidas operações e partilhei da dor que todos esses factos causaram. Felizmente não vim estropiado, mas vim com mazelas fisiológicas que perduraram por muitos anos, se é que ainda não perduram.
Passo agora a relatar alguns factos que, na minha perspectiva, definem três oficiais: Gen Spínola, Cor Felgas (quando o conheci era ainda Ten Cor) e Alf Mil Beja Santos.
O 1.º dispensa apresentações, o 2.º era o meu comandante e o 3.º era o alferes de quem mais ouvi falar e que mais vezes vi entrar e sair do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Começo por dizer que tendo em conta tudo quanto vi, ouvi e me foi relatado por outros e, independentemente dos seus defeitos (quem os não tem?), se tivesse que escolher com quem trabalhar não teria dúvidas nas escolhas. Para meu comandante chefe não hesitava, escolheria o Gen Spínola e para meu comandante directo escolheria o Cor Felgas. Acrescento ainda que, como alferes miliciano que fui, gostaria de ter trabalhado ao lado do Beja Santos, pelos motivos que mais tarde explanarei.
Passemos aos factos.
Cheguei a Bafatá em 18 de Julho de 1968 (depois de duas semanas em Bissau a trabalhar na 2.ª Rep. do Q.G). Fui muito bem recebido pelos outros dois alferes do Agrupamento, o Ribeiro da Secretaria e o Vaz das Transmissões. Este último, logo no primeiro dia, em viagem guiada levou-me a conhecer as três tabancas que integravam Bafatá: Ponte Nova, Rocha e Nema.
Nessa altura o trabalho era pouco, pairava-se lá pelo aquartelamento das 9 às 12 e das 16 às 17.
Um dos alferes pôs-me a par da situação existente. Soube que iria substituir o anterior alferes de Informações (que não cheguei a conhecer) e que o Comandante anterior, Cor José Affa Castel Branco tinha ido de patins para a metrópole com 30 dias de prisão, na sequência de uma visita do General Spínola. O Gen ter-lhe–ia pedido informações sobre a situação no sector e o Cor titubeando, não soube adiantar nada. Ainda sobre este Coronel foi-me contado que costumava divertir-se à noite, a matar com uma carabina ponto 22, os gatos que iam ao cheiro dos restos do rancho, pelo que no dia seguinte havia sangue por todo o lado. Felizmente já não assisti a tão degradante espectáculo.
Decorreram mais quatro ou cinco dias de boa vida até que, vindo de Tite, chegou o novo Comandante, o Ten Cor Hélio Felgas. No primeiro dia, embora com um silêncio nas instalações, que não era habitual, tudo decorreu normalmente até começar a escurecer. Lembro-me desse dia como se fosse hoje, apesar de terem passado 41 anos. O Ten Cor passou a tarde na sala onde eu trabalhava (sala de Informações e Operações), sentado numa cadeira, a olhar para o mapa da Zona Leste (escala 1: 50.000), mapa esse que ocupava toda uma parede com uns 5x2,5m. Quando sentado, à frente dos seus olhos ficava o regulado do Cuor, mas o Cor olhava não só em frente, olhava junto ao chão e erguia-se quando precisava de ver zonas mais a norte, junto ao Senegal.
Em determinada altura começou a escurecer e o Ten Cor Felgas disse: - Gouveia, acenda-me as luzes por favor. Clic no interruptor. Acenderam-se duas lâmpadas de uns 25 ou 40W. A luminosidade adquirida não ultrapassou a que entrava pelas pequenas janelas, naquele fim de dia. O Cor Felgas teve um estremecimento, olhou na direcção das lâmpadas e, tão rápido como se respondia a uma emboscada IN, gritou:
- FERRRREEEEEIIIIRA COEEEELHO.
O Ten Cor Chefe do Estado Maior do Agrupamento lá veio a correr como todos os oficiais superiores fariam sempre que o Cor Felgas chamava. E, com voz de comando este continuou:
- Arranja um bloco, escreve, quatro lâmpadas fluorescentes, cinco ventoinhas, etc., etc. Quero aqui isso tudo no próximo avião de Bissau.
Moral da história… A partir desse dia e pelo menos até ao fim da minha comissão passou-se a trabalhar das 8 da manhã ás 8 da noite, com o intervalo para almoço. O Cor Felgas era um verdadeiro militarista e muito duro, só que com ele sabia-se com o que se contava, o que eu achava uma qualidade.
Passo a relatar um outro facto que envolveu os três oficiais: o caso dos cartuchos semi-enterrados na parada do quartel de Missirá. Pensava contar essa estória sem saber que estava relacionada com Missirá e o Beja Santos (embora tivesse essa desconfiança) quando a leitura recente dos seus livros mo veio confirmar. Foi também pela leitura dos mesmos que tomei conhecimento da punição do Alf Mil Beja Santos. Não devo ter sabido na altura porque em Março de 1969 me encontrava de férias, na metrópole. Caso contrário teria sabido, por certo, pois enquanto que para a maioria dos militares do agrupamento o Beja Santos era mais um alferes, eu, por inerência das minhas funções, estava a par da sua actuação que rondava o heróico, o que levava a que o Cor Felgas o idolatrasse como militar. Por isso não consigo entender a punição desferida cujo conhecimento, tantos anos depois, me indignou profundamente. (Eu também tive as férias cortadas por duas vezes mas isso dará outra estória).
Mas voltemos aos cartuchos semi-enterrados…
No dia da ocorrência dos factos, ou no dia seguinte transpirou que o Gen Spínola, ao visitar na companhia do Cor Felgas, uma tabanca em auto-defesa, teria demonstrado o seu desagrado com a falta de limpeza do aquartelamento criticando e atribuindo responsabilidades ao Cor Felgas, na presença de inferiores (o que era contrário ao RDM). Já de posse do conhecimento desse incidente, assisto ao seguinte: o Cor Felgas faz um telefonema para o Gen Spínola, não do seu gabinete como era costume, mas da minha sala (Informações e Operações). Esta sala tinha duas portas sempre abertas, uma dava para a Secretaria da Secção e a outra para um vestíbulo de acesso aos gabinetes do Comandante e do Chefe do Estado Maior, e à Secretaria Geral. A ligação foi estabelecida, não se sabia o que o Gen Spínola dizia do outro lado do fio mas ouviu-se várias vezes o Cor Felgas dizer em voz alta para que todos ouvissem:
- O meu comandante não precisa de pedir desculpas. Não peça desculpas, etc. etc.
A conclusão que eu tiro passados 40 anos é que o Alf Beja Santos foi o bode expiatório de tudo isso. Como lamento e me indigno.
Um outro facto que define a maneira de ser do Cor Felgas:
Na sequência do abandono de Madina do Boé em Fevereiro de 1969 e da ineficácia da Operação “Lança Afiada” o Cossé começou a ser ameaçado pelo Sul. O Comando Chefe, em princípios de Junho, envia uma ordem para o Agrupamento mandar grupos de militares enquadrados por oficiais disponíveis para as tabancas da periferia da zona habitada. Coube-me a mim ir para Madina Xaquili onde estive de 12 a 24 de Junho de 1969, mas isso vai ser argumento para outra estória. O insólito é que no dia 18 de Junho de 1969 o Cor Felgas munido dum burro de campanha e não sei de que séquito lá foi dormir uma noite a uma tabanca, não fosse o Gen Spínola puni-lo por não ter cumprido integralmente a ordem acima referida.
Enquanto todos os oficiais (Ten Cor, Chefe do Estado Maior e Majores) do Agrupamento andavam sempre a correr às ordens do Cor Felgas, a mim tratou-me sempre como se de um civil se tratasse. Nunca eu pensei em correr quando me chamava.
Num determinado, dia logo às 8 da manhã precisou de mim e, não me vendo, mandou-me chamar. Quando soube que eu tinha estado de serviço, pelo que tinha direito a dormir toda a manhã, imediatamente redigiu uma ordem no sentido de me não serem mais atribuídos serviços de oficial de dia, até ao final da comissão.
Sempre tive a impressão que o Cor Felgas, apesar de militarista a cem por cento, era um homem de ideias um tanto ou quanto abertas. Recebia regularmente publicações como a “Jeune Afrique” e na altura estava a escrever um(ns) livro (s) sobre política do continente africano.
Foi por isso, com estranheza, que pouco tempo antes do 25 de Abril o vi surgir como Sub-Secretário do Exército (creio que era este o cargo).
Falando ainda do Cor Felgas, quase todas as noites, antes de se deitar, percorria as imediações do seu quarto, de spray em riste, não a matar gatos como o Cor que o antecedeu, mas a matar todos os grilos que cantavam estridentemente. Como eu agora o compreendo.
E a terminar, como era linda (se assim se pode dizer) e com aparência de totalmente virgem a k… aprisionada, creio que na operação “Lança Afiada”, que o Cor Felgas escolheu de entre o arsenal apreendido. Eu lá fiquei com uns panos, uns amuletos, vários livros da instrução primária IN e uma cartucheira que ainda uso na caça.
Um facto que me levou a apreciar o Gen Spínola foi logo no início ter emitido uma Ordem Geral em que proibia todas as recepções quando ele ou qualquer outro Dignatário se deslocasse a algum lugar.
Quanto à mudança operada no Gen Spínola na forma de encarar a guerra, a meu ver deu-se em meados de 1969. Por essa altura recebeu-se pelo canal das Informações uma publicação, proveniente dos EUA ou de um país da América Latina, já não recordo, em que se escalpelizava a guerra de guerrilha e se apontavam soluções para a vencer. Passados poucos dias começaram a vir do Comando Chefe, directivas em tudo semelhantes às preconizadas na tal publicação. A estratégia foi evoluindo até à ordem formal para parar todas as operações militares – 15/04/70. Sol de pouca dura, pois 4 ou 5 dias depois dá-se a morte dos 3 Majores, 1 Alferes e 2 Soldados.
É pena não dispor, como o Beja Santos, de um Queta Baldé para me recordar muita coisa. Se calhar até tenho, só que não sei onde está.
Voltarei com certeza a falar destes oficiais mas por agora termino deixando uma mensagem com atraso de 41 anos, ao camarada Beja Santos:
Se acaso és supersticioso devias ter tido desde o início cuidado com o Agrupamento, que marcava operações com intervalos de treze letras. “Mabecos Bravios”, “Lança Afiada.
FG
Em primeiro plano parte da Tabanca da Rocha e ao fundo os aquartelamentos do Agrupamento e do Esquadrão de Cavalaria
Vista da parte principal de Bafatá. No quarteirão, em primeiro plano situava-se a sede do Batalhão
O Cor. Felgas a receber os cumprimentos de despedida. Partiria no dia seguinte: 05/10/69
Em 04/10/69, nos cumprimentos de despedida das autoridades nativas ao Cor. Felgas
No Agrupamento depois dos cumprimentos de despedida.
Um grupo de homens grandes (ao centro o mais alto diria que é o Régulo do Cuor)
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)
(**) Vd. postes de:
17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )
(***) Vd postes de:
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Guiné 63/74 - P4253: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (3): CCAÇ 816, segura por franqueletes
1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 23 de Abril de 2009:
Caros camarigos (gosto desta palavra) Luís, Vinhal e Briote:
Recebam um grande abraço + votos de muita saúde extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Envio-vos mais um episódio das “minhas memórias” que, se julgarem apropriado, publiquem no nosso Blogue.
Rui Silva
A Companhia (816) segura por franqueletes
21 de Abril de1966
Das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”
...Na operação seguinte fomos a Maqué.
Maqué, outrora (antes da guerra) uma pequena povoação situada em pleno Oio, ficava na estrada que ligava Bissorã a Olossato sensivelmente a meio do percurso e um pouco depois da carreira de tiro (os velhinhos da 643 - Bissorã - e os da 566 -Olossato - assim chamavam aquele ponto da estrada de balcada comprida e marginado de denso e alto capim e com muitas palmeiras à mistura). E quem se lembra do gigante Poilão (diziam ser o maior da Guiné) mesmo ali à entrada do carreiro para Maqué e mesmo na berma da estrada Bissorã - Olossato? A sua raiz dava bancos para muita gente se sentar e descansar após mais uma odisseia batalhada no embrenhado mato por ali perto. Era a espera das viaturas. Muita laranja e cajú por ali também. Mais à frente, a ponte sobre um sub-afluente do rio Cacheu que quando destruída pelo inimigo obrigava-nos a trabalhos redobrados que era a fazer o transbordo dos abastecimentos à mão (e às costas) de uma coluna-auto para a outra. Algures ali perto, bem metida no mato e do lado Norte, ficava a casa-de-mato de Maqué. O inimigo por ali perto, respirávamo-lo.
Posso agora dizê-lo, que Maqué foi, verdadeiramente, a única casa-de-mato na área da nossa jurisdição, que nunca conseguimos descobrir ou identificá-la como tal. Tínhamos informações quanto a efectivo, armamento e outras características, mas nunca soubemos onde se instalava efectivamente o refúgio inimigo. Ao que se sabia eles usavam a táctica de mudar o lugar de refúgio com frequência para assim iludir a tropa. Eles também tinham as suas tácticas…
Por outro lado, nunca tínhamos apanhado ninguém que conhecesse essa casa-de-mato,e que nos viesse a servir de guia ou, se apanhamos, nunca se conseguiu saber, quer a bem quer a mal. Chegamos a fazer lá operações com guias de Olossato que conheciam mais ou menos a zona, operações feitas um pouco à sorte a ver se o acaso nos proporcionaria o descobrimento do refúgio terrorista de Maqué.
Nesta operação, a que me venho a referir, estávamos a 21 de Abril de 1966 e a noite estava muito escura e com total ausência de luar. Prenúncio do tempo de chuvas que estavam para chegar?
Sei que a obscuridade era total e a mata era bastante densa pois a Companhia progrediu em corta-mato, daí…
Também se deu a história de, a páginas tantas, atravessarmos um largo e relativamente fundo charco e na altura ouvir um ruído animalesco que um dos indígenas, carregador de granadas, que logo pareceu mudar de cor (preto-claro?) do grupo, admitiu ser um crocodilo. Com razão ou não, o charco nunca mais acabava para os que lá iam dentro na altura. Para quem andava numa vida de assustado o susto até nem foi muito.
Então naquela saída cada um prendeu um franquelete – pequena correia do equipamento de mochila - com cerca de meio metro de comprimento, ao nosso cinto, e atrás nas costas. Assim para que ninguém se perdesse, cada um segurava, bem entrelaçada na mão, a ponta livre do franquelete do que o precedia na coluna, e portanto esta ia toda ligada como se todos se segurassem à mesma corda. Coisa caricata e então, se vista de avião…
Se o da frente andava mais depressa obrigava naturalmente o de trás a acompanhá-lo na corrida, pois, como este entrelaçava a mão no franquelete daquele, tinha forçosamente de andar mais depressa também, o que obrigava, necessariamente, ao que o seguia a fazer o mesmo e assim sucessivamente. Acontecia, às vezes, para desespero nosso, que uma pessoa se via puxado para a frente e para trás ao mesmo tempo, e deste jeito parecia que o corpo ia dividir-se com tal força dos 2 lados opostos e o infeliz do pressionado, desesperado, a não querer largar de forma alguma a ponta do franquelete a que se agarrava (era o estar agarrado à vida, pensávamos nós). Ninguém obviamente queria perder o contacto. Eram os da frente a andarem por vezes mais depressa e os de trás a verem-se em dificuldades para acompanhá-los. A gente sabia que pequenos esticões à frente os de trás tinham bem que acelerar. Era uma soma dos valores. Isto acontecia sempre no mato quer fosse de dia ou de noite. Então, claro, quanto mais atrás se desse a esticadela, maior era a confusão. No entanto era a melhor maneira de nos precavermos quanto a uma cisão da coluna, que numa noite de rara escuridão, daria origem a que alguém se perdesse, o que seria um grande problema e o que já tinha acontecido - lembrar operação Biambi quando ainda estávamos em Bissorã -.
Desta feita, e como até aí tinha acontecido, esta ida a Maqué também não resultou em algo, e eles, que por certo deram conta da nossa presença, não se fizeram aparecer. Limitamo-nos a destruir e a queimar as palhotas suspeitas que iam aparecendo ao caminho e que deixavam vestígios de recém-abandonadas o que era indicativo de serem habitadas por pessoal comprometido com os turras senão mesmo turras. Mas de casa-de-mato pareciam pouco. Ficavam então por ali ao abandono, tal era a pressa do pessoal turra em sumir-se, diversos animais de criação doméstica, nomeadamente, galinhas, porcos, cabritos, etc., etc., o costume, que a malta, principalmente os carecidos indígenas, tratava logo de apanhar. Então era o que verdadeiramente se ganhava ao fim e ao cabo. A carência dos ocasionais predadores e estes atrás das assustadas e também ocasionais presas provocavam correrias em zig-zag com peripécias que davam para rir a bom rir. Depois era ver os indígenas de tacha arreganhada e com o troféu debaixo do braço ou puxado por uma improvisada corda, eles que não davam o tempo e o dispêndio físico por mal empregados. Eram os premiados daquela operação.
Bom, toda esta narrativa não contém nada de especial a não ser o insólito da Companhia progredir ligada ininterruptamente por franqueletes, e de Maqué ter ficado atravessado no goto do pessoal da 816 pois nunca descobrimos a verdadeira casa-de-mato de Maqué, ao contrário dos fortes refúgios de Morés, Iracunda, Cansambo, Joboiá, Missirá e tantos outros ali à nossa volta e na área da nossa operacionalidade que a Companhia sempre enfrentou e combateu com destemor.
__________
(*) Vd. postes de:
31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
e
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés
Caros camarigos (gosto desta palavra) Luís, Vinhal e Briote:
Recebam um grande abraço + votos de muita saúde extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Envio-vos mais um episódio das “minhas memórias” que, se julgarem apropriado, publiquem no nosso Blogue.
Rui Silva
A Companhia (816) segura por franqueletes
21 de Abril de1966
Das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”
...Na operação seguinte fomos a Maqué.
Maqué, outrora (antes da guerra) uma pequena povoação situada em pleno Oio, ficava na estrada que ligava Bissorã a Olossato sensivelmente a meio do percurso e um pouco depois da carreira de tiro (os velhinhos da 643 - Bissorã - e os da 566 -Olossato - assim chamavam aquele ponto da estrada de balcada comprida e marginado de denso e alto capim e com muitas palmeiras à mistura). E quem se lembra do gigante Poilão (diziam ser o maior da Guiné) mesmo ali à entrada do carreiro para Maqué e mesmo na berma da estrada Bissorã - Olossato? A sua raiz dava bancos para muita gente se sentar e descansar após mais uma odisseia batalhada no embrenhado mato por ali perto. Era a espera das viaturas. Muita laranja e cajú por ali também. Mais à frente, a ponte sobre um sub-afluente do rio Cacheu que quando destruída pelo inimigo obrigava-nos a trabalhos redobrados que era a fazer o transbordo dos abastecimentos à mão (e às costas) de uma coluna-auto para a outra. Algures ali perto, bem metida no mato e do lado Norte, ficava a casa-de-mato de Maqué. O inimigo por ali perto, respirávamo-lo.
Posso agora dizê-lo, que Maqué foi, verdadeiramente, a única casa-de-mato na área da nossa jurisdição, que nunca conseguimos descobrir ou identificá-la como tal. Tínhamos informações quanto a efectivo, armamento e outras características, mas nunca soubemos onde se instalava efectivamente o refúgio inimigo. Ao que se sabia eles usavam a táctica de mudar o lugar de refúgio com frequência para assim iludir a tropa. Eles também tinham as suas tácticas…
Por outro lado, nunca tínhamos apanhado ninguém que conhecesse essa casa-de-mato,e que nos viesse a servir de guia ou, se apanhamos, nunca se conseguiu saber, quer a bem quer a mal. Chegamos a fazer lá operações com guias de Olossato que conheciam mais ou menos a zona, operações feitas um pouco à sorte a ver se o acaso nos proporcionaria o descobrimento do refúgio terrorista de Maqué.
Nesta operação, a que me venho a referir, estávamos a 21 de Abril de 1966 e a noite estava muito escura e com total ausência de luar. Prenúncio do tempo de chuvas que estavam para chegar?
Sei que a obscuridade era total e a mata era bastante densa pois a Companhia progrediu em corta-mato, daí…
Também se deu a história de, a páginas tantas, atravessarmos um largo e relativamente fundo charco e na altura ouvir um ruído animalesco que um dos indígenas, carregador de granadas, que logo pareceu mudar de cor (preto-claro?) do grupo, admitiu ser um crocodilo. Com razão ou não, o charco nunca mais acabava para os que lá iam dentro na altura. Para quem andava numa vida de assustado o susto até nem foi muito.
Então naquela saída cada um prendeu um franquelete – pequena correia do equipamento de mochila - com cerca de meio metro de comprimento, ao nosso cinto, e atrás nas costas. Assim para que ninguém se perdesse, cada um segurava, bem entrelaçada na mão, a ponta livre do franquelete do que o precedia na coluna, e portanto esta ia toda ligada como se todos se segurassem à mesma corda. Coisa caricata e então, se vista de avião…
Se o da frente andava mais depressa obrigava naturalmente o de trás a acompanhá-lo na corrida, pois, como este entrelaçava a mão no franquelete daquele, tinha forçosamente de andar mais depressa também, o que obrigava, necessariamente, ao que o seguia a fazer o mesmo e assim sucessivamente. Acontecia, às vezes, para desespero nosso, que uma pessoa se via puxado para a frente e para trás ao mesmo tempo, e deste jeito parecia que o corpo ia dividir-se com tal força dos 2 lados opostos e o infeliz do pressionado, desesperado, a não querer largar de forma alguma a ponta do franquelete a que se agarrava (era o estar agarrado à vida, pensávamos nós). Ninguém obviamente queria perder o contacto. Eram os da frente a andarem por vezes mais depressa e os de trás a verem-se em dificuldades para acompanhá-los. A gente sabia que pequenos esticões à frente os de trás tinham bem que acelerar. Era uma soma dos valores. Isto acontecia sempre no mato quer fosse de dia ou de noite. Então, claro, quanto mais atrás se desse a esticadela, maior era a confusão. No entanto era a melhor maneira de nos precavermos quanto a uma cisão da coluna, que numa noite de rara escuridão, daria origem a que alguém se perdesse, o que seria um grande problema e o que já tinha acontecido - lembrar operação Biambi quando ainda estávamos em Bissorã -.
Desta feita, e como até aí tinha acontecido, esta ida a Maqué também não resultou em algo, e eles, que por certo deram conta da nossa presença, não se fizeram aparecer. Limitamo-nos a destruir e a queimar as palhotas suspeitas que iam aparecendo ao caminho e que deixavam vestígios de recém-abandonadas o que era indicativo de serem habitadas por pessoal comprometido com os turras senão mesmo turras. Mas de casa-de-mato pareciam pouco. Ficavam então por ali ao abandono, tal era a pressa do pessoal turra em sumir-se, diversos animais de criação doméstica, nomeadamente, galinhas, porcos, cabritos, etc., etc., o costume, que a malta, principalmente os carecidos indígenas, tratava logo de apanhar. Então era o que verdadeiramente se ganhava ao fim e ao cabo. A carência dos ocasionais predadores e estes atrás das assustadas e também ocasionais presas provocavam correrias em zig-zag com peripécias que davam para rir a bom rir. Depois era ver os indígenas de tacha arreganhada e com o troféu debaixo do braço ou puxado por uma improvisada corda, eles que não davam o tempo e o dispêndio físico por mal empregados. Eram os premiados daquela operação.
Bom, toda esta narrativa não contém nada de especial a não ser o insólito da Companhia progredir ligada ininterruptamente por franqueletes, e de Maqué ter ficado atravessado no goto do pessoal da 816 pois nunca descobrimos a verdadeira casa-de-mato de Maqué, ao contrário dos fortes refúgios de Morés, Iracunda, Cansambo, Joboiá, Missirá e tantos outros ali à nossa volta e na área da nossa operacionalidade que a Companhia sempre enfrentou e combateu com destemor.
__________
(*) Vd. postes de:
31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
e
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés
Guiné 63/74 - P4252: Os Bu...rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)
1. Mensagem de Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 22 de Abril de 2009:
Caríssimos LG,VB e CV
Aí vai alguns considerandos sobre a Ponte Caium
Alfa Bravo
Luís Borrega
Destacamento da ponte de Rio Caium visto da margem direita do Rio Caium
DESTACAMENTO DE RIO CAIUM
UM BU... RAKÃO
Na perspectiva do Gen Almeida Bruno, Colónia Balnear de Férias para os “BANDOS ARMADOS” da CCav2749/BCav 2922 (PICHE 1970/1972)
Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça.
O Destacamento de Ponte Caium, em conjunto com o Destacamento de Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) pertenciam à CCav 2749.
Ponte Caium tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que o Destacamento podia aguentar.
No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição.
Para o comandante do BCav 2922 (Ten Cor Raúl Augusto Paixão Ribeiro), não era prioritário ir reabastecer-nos. Tivemos de esperar pela coluna de reabastecimento a Buruntuma, para recebermos os géneros necessários à manutenção do Destacamento.
E como era o Destacamento da Ponte de Rio Caium?
Era uma ponte estreita em pedra e cimento com 59 metros de comprimento sobre o Rio Caium, na estrada Piche – Buruntuma. Estava situada a 17,5 km de Piche, a 3,5 Km do Destacamento de Camajabá (pertença da CCav 2747 sediada em Buruntuma) e a l8,5 Kms de Buruntuma.
O aquartelamento estava instalado no tabuleiro da ponte. Dois abrigos à entrada e dois abrigos à saída. Estes eram feitos de bidões de gasóleo de 200 litros, cheios de terra, uns em cima dos outros, cobertos com troncos e cimento por cima. Ao meio do tabuleiro a cozinha, o depósito de géneros e o refeitório. Eram uns barracos, cujo telhado eram chapas de zinco. Havia ainda um nicho com uma santa e do lado esquerdo (sentido Buruntuma) estava o forno.
Como armamento pesado tínhamos um Canhão S/recuo montado num jeep e um morteiro 81 mm num espaldão apropriado. O restante do armamento era HK21 e RPG 7 apreendidos ao IN
Dilagramas, morteiro de 60 mm e G3 distribuídas pelo Grupo de Combate.
Para nos reabastecermos de água (para beber, cozinha e banhos) tínhamos que nos deslocar a 2 km do aquartelamento, a um poço cavado no chão, com um Unimog a rebocar um atrelado carregado com barris de vinho (50 litros) vazios, que eram cheios com latas de dobrada liofilizada, adaptadas para o efeito.
Como era de difícil solução a localização de um heliporto, foi decidido superiormente, manter sobre a estrada, uma superfície regada com óleo queimado, para a aterragem de helicópteros.
Como se pode imaginar, nas horas de lazer o tempo era preenchido a jogar cartas, ler, escrever à família. Quase todos os dias tínhamos saída à agua, patrulhamento às áreas em redor, etc.
Os dias e as noites eram passados nos limites do espaço, do tempo, na expectativa dum ataque – e quando este começasse, já estaríamos cercados por todos os lados, porque ali não havia milícias, nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada (só saltando o parapeito da ponte e atirarmo-nos ao rio uns bons metros mais abaixo).
A desvantagem da área diminuta tinha contrapartidas benéficas: era mais difícil ao PAIGC acertar com os morteiros e a nossa artilharia tinha mais à vontade nos tiros de retaliação, nos limites do alcance das peças de 11,4 instaladas em Piche.
Se o General Almeida Bruno tivesse sobrevoado o Destacamento a bordo dum Alloette ou numa DO 27, certamente teria pensado que ali estaria alojada a “Colónia Balnear de Férias” do BCav 2922 para premiar os seus “Bandos Armados”.
Ali tínhamos praia fluvial (não era aconselhável ir a banhos por causa dos Crocs), caça grossa (aos Crocodilos e a outras espécies cinegéticas)e pesca.
Pensaria de certeza que a boa vida que levava em Bissau, na messe de oficiais e também no Palácio do Governador (onde deve ter almoçado e jantado bastantes vezes) era inferior à vida que os “BANDOS ARMADOS” levavam na sua Colónia Balnear de Ponte Caium (cercada do tão falado arame farpado).
No dia 27 de Junho de 1971, pelas 22,00 h, um grupo IN estimado em 30 elementos, flagelou o Destacamento com morteiros 61 mm, RPG 2 e RPG 7 e com armas automáticas ligeiras (Kalash e PPSH vulgo costureirinhas) causando um ferido às NT. A rápida e certeira retaliação obrigou o IN a retirar deixando rastos de sangue, indicando terem tido baixas.
Nesse ataque, apesar de ter um vasto palmarés de ataques e emboscadas, não estava presente junto do meu Grupo de Combate (3.º GC/CCav 2749), não me lembro concretamente do motivo, mas pela data só poderia ter ido render algum graduado por motivo de férias no Destacamento de Cambor (situado na estrada Piche-Canquelifá) ou estar envolvido nalguma operação de minagem nas margens do Rio Corubal em conjunto com os sapadores da CCS/BCav.
Caros Camarigos LG, CV e VB
Espero que o Corpinho esteja Jametum.
Em resposta à solicitação do Luís Graça, para falarmos dos BU… RACOS da Guiné estou a enviar uma estória acerca de um desses Bu… racos.
Espero que informaticamente façam o tratamento adequado.
Manga di Saúde
Alfa Bravo
Luís Borrega
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
Caríssimos LG,VB e CV
Aí vai alguns considerandos sobre a Ponte Caium
Alfa Bravo
Luís Borrega
Destacamento da ponte de Rio Caium visto da margem direita do Rio Caium
DESTACAMENTO DE RIO CAIUM
UM BU... RAKÃO
Na perspectiva do Gen Almeida Bruno, Colónia Balnear de Férias para os “BANDOS ARMADOS” da CCav2749/BCav 2922 (PICHE 1970/1972)
Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça.
O Destacamento de Ponte Caium, em conjunto com o Destacamento de Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) pertenciam à CCav 2749.
Ponte Caium tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que o Destacamento podia aguentar.
No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição.
Para o comandante do BCav 2922 (Ten Cor Raúl Augusto Paixão Ribeiro), não era prioritário ir reabastecer-nos. Tivemos de esperar pela coluna de reabastecimento a Buruntuma, para recebermos os géneros necessários à manutenção do Destacamento.
E como era o Destacamento da Ponte de Rio Caium?
Era uma ponte estreita em pedra e cimento com 59 metros de comprimento sobre o Rio Caium, na estrada Piche – Buruntuma. Estava situada a 17,5 km de Piche, a 3,5 Km do Destacamento de Camajabá (pertença da CCav 2747 sediada em Buruntuma) e a l8,5 Kms de Buruntuma.
O aquartelamento estava instalado no tabuleiro da ponte. Dois abrigos à entrada e dois abrigos à saída. Estes eram feitos de bidões de gasóleo de 200 litros, cheios de terra, uns em cima dos outros, cobertos com troncos e cimento por cima. Ao meio do tabuleiro a cozinha, o depósito de géneros e o refeitório. Eram uns barracos, cujo telhado eram chapas de zinco. Havia ainda um nicho com uma santa e do lado esquerdo (sentido Buruntuma) estava o forno.
Como armamento pesado tínhamos um Canhão S/recuo montado num jeep e um morteiro 81 mm num espaldão apropriado. O restante do armamento era HK21 e RPG 7 apreendidos ao IN
Dilagramas, morteiro de 60 mm e G3 distribuídas pelo Grupo de Combate.
Para nos reabastecermos de água (para beber, cozinha e banhos) tínhamos que nos deslocar a 2 km do aquartelamento, a um poço cavado no chão, com um Unimog a rebocar um atrelado carregado com barris de vinho (50 litros) vazios, que eram cheios com latas de dobrada liofilizada, adaptadas para o efeito.
Como era de difícil solução a localização de um heliporto, foi decidido superiormente, manter sobre a estrada, uma superfície regada com óleo queimado, para a aterragem de helicópteros.
Como se pode imaginar, nas horas de lazer o tempo era preenchido a jogar cartas, ler, escrever à família. Quase todos os dias tínhamos saída à agua, patrulhamento às áreas em redor, etc.
Os dias e as noites eram passados nos limites do espaço, do tempo, na expectativa dum ataque – e quando este começasse, já estaríamos cercados por todos os lados, porque ali não havia milícias, nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada (só saltando o parapeito da ponte e atirarmo-nos ao rio uns bons metros mais abaixo).
A desvantagem da área diminuta tinha contrapartidas benéficas: era mais difícil ao PAIGC acertar com os morteiros e a nossa artilharia tinha mais à vontade nos tiros de retaliação, nos limites do alcance das peças de 11,4 instaladas em Piche.
Se o General Almeida Bruno tivesse sobrevoado o Destacamento a bordo dum Alloette ou numa DO 27, certamente teria pensado que ali estaria alojada a “Colónia Balnear de Férias” do BCav 2922 para premiar os seus “Bandos Armados”.
Ali tínhamos praia fluvial (não era aconselhável ir a banhos por causa dos Crocs), caça grossa (aos Crocodilos e a outras espécies cinegéticas)e pesca.
Pensaria de certeza que a boa vida que levava em Bissau, na messe de oficiais e também no Palácio do Governador (onde deve ter almoçado e jantado bastantes vezes) era inferior à vida que os “BANDOS ARMADOS” levavam na sua Colónia Balnear de Ponte Caium (cercada do tão falado arame farpado).
No dia 27 de Junho de 1971, pelas 22,00 h, um grupo IN estimado em 30 elementos, flagelou o Destacamento com morteiros 61 mm, RPG 2 e RPG 7 e com armas automáticas ligeiras (Kalash e PPSH vulgo costureirinhas) causando um ferido às NT. A rápida e certeira retaliação obrigou o IN a retirar deixando rastos de sangue, indicando terem tido baixas.
Nesse ataque, apesar de ter um vasto palmarés de ataques e emboscadas, não estava presente junto do meu Grupo de Combate (3.º GC/CCav 2749), não me lembro concretamente do motivo, mas pela data só poderia ter ido render algum graduado por motivo de férias no Destacamento de Cambor (situado na estrada Piche-Canquelifá) ou estar envolvido nalguma operação de minagem nas margens do Rio Corubal em conjunto com os sapadores da CCS/BCav.
Caros Camarigos LG, CV e VB
Espero que o Corpinho esteja Jametum.
Em resposta à solicitação do Luís Graça, para falarmos dos BU… RACOS da Guiné estou a enviar uma estória acerca de um desses Bu… racos.
Espero que informaticamente façam o tratamento adequado.
Manga di Saúde
Alfa Bravo
Luís Borrega
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
domingo, 26 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4251: FAP (26): Em louvor dos sargentos pára-quedistas do BCP 12 (Manuel Peredo, ex-Fur Mil CCP 122, 1972/74)
Guiné > Forças da CCP 122 / BCP 12 > Algures,s /d > Da esquerda, para a direita, o Fur Mil Fernandes, caboverdiano; ao centro, o Sargento Carmo Vicente ; à direita, o Manuel Peredo, Sargento... Os três sargentos do 4º Pelotão do CCP 122 estão equipados com armamento do PIAGC...O Manuel Peredo ostenta o RPG2, o temível LGFog usado pelos guerrilheiros do PAIGC.
Foto: © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados
Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára-quedista (CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74) (*) deixou o seguinte comentário ao poste P4239, de 23 de Abril (**):
Se eu tivesse um décimo do talento literário de alguns bloguistas,teria uma participação mais activa.Desde que descobri o blogue,não consigo deixar passar um dia sem o consultar,o que não é muito do agrado da minha mulher e devem imaginar porquê.
Tudo o que aqui se diz sobre Gadamael me toca profundamente porque também eu vivi esses dias terríveis,mas aqueles que vieram de Guileje para Gadamael deviam ter ficado afectados psicologicamente para toda a vida.
O que o João Seabra, José Casimiro Carvalho,Manuel Reis e outros dizem sobre os pára-quedistas deixa-me imensamente orgulhoso de ter pertencido a essa tropa especial. O João Seabra diz que não compreende porque é que nenhum pára foi condecorado pelos serviços prestados em Gadamael.Se calhar ninguém se destacou em especial. Se o José Casimiro Carvalho não teve direito a nada, eu e outros também não merecíamos ser louvados ou condecorados.
O João Seabra faz bem em enaltecer o trabalho dos sargentos pára-quedistas que pertenciam ao quadro. Todos eles já tinham uma ou duas comissões no ultramar. Mesmo os oficiais e furrieis milicianos aprendiam muito com eles.
Faço aqui um reparo. Eles não eram promovidos por mérito, salvo talvez em raras excepções. Todos eles começaram como simples soldados e os melhores eram convidados a seguir a carreira militar. Os que aceitavam, tiravam o curso de sargentos, findo o qual passavam a cabos aprovados e depois iam subindo de posto em função dos anos de serviço,o mesmo acontecendo com os milicianos.
O Carmo Vicente (***) foi meu colega no quarto pelotão da CCP 122 e acho que chegou a ser comandante do mesmo pelotão durante algum tempo. Quando havia falta de alferes milicianos, os pelotões eram comandados pelos sargentos mais antigos,mas apenas por um tempo limitado. Raramente um sargento era operacional 24 meses.
Acalento a esperança de um dia poder participar num encontro nacional para poder trocar opiniões, em especial com o João Seabra, José Casimiro Carvalho, Manuel Rebocho, Victor Tavares e outros (****).
Por hoje tenho dito e aqui deixo um abraço para todos.
_____
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)
(**) Vd. poste de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)
(***) Vd. postes de:
4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname
5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2950: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (4): Opiniões (Carlos Silva / Nuno Almeida)
17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2953: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (5): Fomos capazes do melhor e do pior (Virgínio Briote)
(****) Sobre a batalha de Gadamael, vd. entre outros os seguintes postes:
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)
7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)
27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)
18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'
24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!
19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)
Foto: © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados
Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára-quedista (CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74) (*) deixou o seguinte comentário ao poste P4239, de 23 de Abril (**):
Se eu tivesse um décimo do talento literário de alguns bloguistas,teria uma participação mais activa.Desde que descobri o blogue,não consigo deixar passar um dia sem o consultar,o que não é muito do agrado da minha mulher e devem imaginar porquê.
Tudo o que aqui se diz sobre Gadamael me toca profundamente porque também eu vivi esses dias terríveis,mas aqueles que vieram de Guileje para Gadamael deviam ter ficado afectados psicologicamente para toda a vida.
O que o João Seabra, José Casimiro Carvalho,Manuel Reis e outros dizem sobre os pára-quedistas deixa-me imensamente orgulhoso de ter pertencido a essa tropa especial. O João Seabra diz que não compreende porque é que nenhum pára foi condecorado pelos serviços prestados em Gadamael.Se calhar ninguém se destacou em especial. Se o José Casimiro Carvalho não teve direito a nada, eu e outros também não merecíamos ser louvados ou condecorados.
O João Seabra faz bem em enaltecer o trabalho dos sargentos pára-quedistas que pertenciam ao quadro. Todos eles já tinham uma ou duas comissões no ultramar. Mesmo os oficiais e furrieis milicianos aprendiam muito com eles.
Faço aqui um reparo. Eles não eram promovidos por mérito, salvo talvez em raras excepções. Todos eles começaram como simples soldados e os melhores eram convidados a seguir a carreira militar. Os que aceitavam, tiravam o curso de sargentos, findo o qual passavam a cabos aprovados e depois iam subindo de posto em função dos anos de serviço,o mesmo acontecendo com os milicianos.
O Carmo Vicente (***) foi meu colega no quarto pelotão da CCP 122 e acho que chegou a ser comandante do mesmo pelotão durante algum tempo. Quando havia falta de alferes milicianos, os pelotões eram comandados pelos sargentos mais antigos,mas apenas por um tempo limitado. Raramente um sargento era operacional 24 meses.
Acalento a esperança de um dia poder participar num encontro nacional para poder trocar opiniões, em especial com o João Seabra, José Casimiro Carvalho, Manuel Rebocho, Victor Tavares e outros (****).
Por hoje tenho dito e aqui deixo um abraço para todos.
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)
(**) Vd. poste de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)
(***) Vd. postes de:
4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname
5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2950: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (4): Opiniões (Carlos Silva / Nuno Almeida)
17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2953: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (5): Fomos capazes do melhor e do pior (Virgínio Briote)
(****) Sobre a batalha de Gadamael, vd. entre outros os seguintes postes:
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)
7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)
27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)
18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'
24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!
19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)
sábado, 25 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4250: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (2): Quem tramou a CCAÇ 2317? (Idálio Reis)
1. Mensagem de Idálio Reis (1), ex-Alf Mil da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana , 1968/69, com data de 25 de Abril de 2009:
Meus caros Luís, Carlos, Virgínio e demais companheiros Tertulianos.
Só ontem pela tarde, me foi possível reaver o último volume desta colecção que o «Correio da Manhã» vem apensando às quartas-feiras.
E o Blogue, traz à liça uma mensagem do Alberto Branquinho (P4241) (2), em que com uma firme veemência sublinha que sobre Gandembel se expressam apenas referências avulsas, que apenas conseguem transmitir de uma forma bastante mitigada, os múltiplos acontecimentos passados naquele infernal palco de guerra. Corroboro inteiramente com tal asserção.
No dia 16 de Fevereiro de 2007, em que inicio a publicação (P1530) (3) da História da minha Companhia – a CCaç 2317 -, refiro a determinada altura com base numa interrogação que a mim próprio formulei “Quem tramou a Companhia?”, o seguinte:
Ao fim de 2 meses, o treino operacional findava. A tropa da Companhia, parecia estar, em definitivo, inteiramente apta para enfrentar qualquer situação de guerra, fosse onde fosse. Tantos enganos!
Para o atestar, não houve qualquer rebuço em nos meterem numa LDG, rio Geba abaixo, rumo ao Sul da Província. Em Cacine apeámos, e a 20 de Março chegávamos a Guileje, e ninguém pressagiava a sinistra e fatídica odisseia que doravante estava reservada à CCaç 2317.
Ao mandar construir um destacamento fixo, em zona onde o PAIGC detinha um quase inteiro domínio territorial, o Estado-Maior do Comando Militar da Província cismou numa táctica militar imprudente, reveladora de uma grosseira insânia, destituída de qualquer preconceito, tanto mais que assentava no propósito de minimizar o poderio militar do adversário. Quem ousou pensar nesta decisão?
Parece que, para os toldados mentores desta ultrajante aventura, o valor da conveniência estava exactamente a par do valor da vida humana, tentando de qualquer modo, atingir-se um putativo fim, sem minimamente se olharem aos meios.
Não o haviam conseguido até então, e compelia-se uma Companhia sem qualquer experiência, a desempenhar um papel de protagonismo em permanente risco de vida, o de desamparados peões de briga, quais meros joguetes de uma estratégia insolente, e que vai precisar de uma ajuda constante, para não vir a ser dizimada.
Eu que vivi esses tempos tão sofridos, sem hiatos, ao tentar procurar entender esta resolução, não a descortino. E julgo que se cometeu uma ignóbil e hedionda manobra estratégica, que se viria a revelar desastrosa para todas as tropas que estiveram envolvidas nessa infinda operação.
Ainda que esta eventual operação de acantonamento, obrigasse o PAIGC a alterar a sua conduta militar de forma acentuada, este nunca deu mostras de soçobrar. Ao contrário, quase sempre demonstrou apresentar uma organização à altura das circunstâncias que as NT lhe tentavam mover. Apesar de reconhecer que tiveram que reforçar o seu poderio militar, bem atestado na forma como veio a agir, o abandono de Gandembel só pode apresentar uma leitura consequente: mais uma vez, as NT soçobraram naquela zona.
E se o desaire não é de todo gorado, tal deve-se ao preponderante papel desenvolvido pelas tropas pára-quedistas, que se cruzaram connosco nesta aventura, pela forma extremamente meritória como o souberam assumir. Foram as verdadeiras tropas de elite, que num momento particularmente conturbado para nós, apearam em Gandembel, e coube-lhes a ousadia de conseguirem suster quase radicalmente as acções do PAIGC.
Mas, no deve e haver, ficaram a perdurar para sempre, os resultados de uma sentença muito pesada. E estes, sem margem para quaisquer dúvidas, vieram a redundar num rotundo e plangente fracasso, pela quantidade de mortos e estropiados, dos feridos graves, e dos evacuados com maleitas várias, estas doenças que nos vêm chagando no nosso quotidiano.
Já alguém apontou no nosso blogue, o número de 52 mortos e muitos feridos graves. Torna-se-nos muito difícil atestar este valor, mas do que me foi dado a observar e conhecer, considero que as tropas que estiveram mais ou menos envolvidas com a odisseia de Gandembel, entre mortos e evacuados para Lisboa (feridos e doentes), atingem seguramente a centena de homens.
Os custos materiais, não contam para mim, mas mesmo aqui, quantas razões de queixa a lamentar, onde à falta de tantos meios, até a fome chegou a pairar, não por falta de comida, mas porque houve um longo tempo que se tornou difícil de tragar por manifesta má qualidade.
Oxalá que não seja por este conjunto de razões, que os factos bélicos que atravessaram as vivências de Gandembel/Ponte Balana, estejam praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, e que acabarão fatalmente por se apagarem, pelo inexorável determinismo da lei da vida. E por isso, sinto-me profundamente chocado com este procedimento, que em nada enobrece a Instituição Militar.
Assim, trair-me-ia, se deixasse perder o passado, de uma parte fundamental das vidas destes deserdados filhos de um deus menor.
Em seu nome, dos que tiveram a desdita de me acompanharem neste longo pesadelo, que se prolongou principalmente entre os meados de Março de 1968 a Maio de 1969, e mormente dos que vimos afastaram-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procurarei dar sinal dos amargos momentos vividos, que o denegrido baú das minhas memórias, ainda não arrumou de todo, apesar das poeiras de 4 décadas.
E no presente momento, em que estão a ser divulgadas 2 séries documentais de enorme valor para dar a saber o que foi a Guerra Colonial, obviamente fundamentadas em várias fontes, porventura chegou o momento de dar conhecimento do Historial da CCaç 2317, cujo original se encontra no Arquivo Histórico Militar, para tornar bem evidente que se trata do único documento oficial que conheço. E julgo que não há outro…
No que ele se exara, é uma arrepiante análise redutora do quotidiano da Companhia. O fautor desse Historial tão distorcido, que o houve, branqueou uma grande parte dos factos que efectivamente ocorreram, e para os que o lêem, muito pouco deixa transparecer do que essa negregada odisseia de Gandembel contextualiza.
Eis o que encontrei e que transcrevo na íntegra.
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Idálio Reis, o homem-toupeira e o herói de Gandembel CCAÇ 2317, 1968/69), trocando impressões com o nosso anfitrião, o calmeirão do Joaquim Mexia Alves...
Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
HISTORIAL DA CCAÇ 2317
Depois da chegada a BISSAU, no navio “QUANZA” em 24JAN68, no dia 14 FEV68 dirigiu-se a Companhia de BISSAU para MANSABÁ, a fim de realizar o Treino Operacional, ficando deste modo a depender operacionalmente do BCAÇ 1897. Durante este período, a Companhia, além de patrulhamentos diários, efectuou também variadíssimas operações. Aquando da Chegada desta CCAÇ a MANSABÁ, foi recebida a directiva operacional para que 1 GCOMB da mesma, fosse destacado para OLOSSATO.
Uma das acções primordiais desta Companhia pode dizer-se, contudo, que foi na região do OLOSSATO em 05MAR68, durante a operação “ALMA FORTE”, da qual resultou a captura de 2 elementos IN, à parte de 59 elementos (FULAS, MANDINGAS e BALANTAS) da população.
No dia 17MAR68, regressou esta CCAÇ de MANSABÁ, dirigindo-se em seguida para BISSAU.
Em fins de MAR68, verificou-se a partida da Companhia para o SUL, mais propriamente para GUILEGE, onde chegou a 23Mar68.
Em 28MAR68, foi a Companhia empenhada em manter a segurança a uma coluna de reabastecimentos GUILEGE – GADAMAEL e vice-versa. Tendo havido contacto com o IN, dele resultaram 2 mortos para as NT e 4 mortos confirmados para o IN.
Com o dia 08ABR68, chegou então a data da partida desta CCAÇ para GANDEMBEL, integrada na operação “BOLA DE FOGO” a fim de lá construir o Aquartelamento, onde ficaria instalada a Companhia. Nessa noite sofreram 5 flagelações no itinerário GUILEGE – GANDEMBEL, a cerca de 3 Km de GANDEMBEL, mais propriamente junto ao RIO BUNDO – BODO. As NT reagiram pelo fogo, tendo infligido uma baixa confirmada ao IN.
Quando a CCAÇ chegou a GANDEMBEL em 09ABR68, pelas 09H30, começaram imediata e intensamente a construir abrigos para todo o pessoal, procedendo-se em seguida à capinagem e desmatação do local do Aquartelamento. Vir-se-ia a verificar posteriormente que o Aquartelamento seria flagelado e atacado em média 3 a 4 vezes por dia o que, prejudicou o ritmo das obras de instalação neste novo quartel. No entanto, todo o pessoal “COM A PICARETA NUMA MÃO E NA OUTRA A ARMA”, manteve sempre elevado moral que é da maior justiça salientar.
Deste modo, se foi edificando o quartel de GANDEMBEL, com a completa ausência de máquinas, bastante reduzido o número de ferramentas, até mesmo por vezes com falta de materiais e, diariamente sujeitos às flagelações do IN, podendo-se afirmar que dificilmente se poderia fazer melhor.
No dia 05JUN68, durante a operação “BOA FARPA”, numa coluna GUILEGE – GANDEMBEL, verificou-se um forte accionamento de fornilhos, causando deste modo a morte de um Oficial desta Companhia.
No dia 15JUL68, sofreu esta CCAÇ um grande ataque ao seu Aquartelamento, ataque esse com elevado potencial de fogo, 11 Canhões S/R, 9 Morteiros 82, além de variado armamento pesado e ligeiro. O referido ataque, que foi bastante duro, durou cerca de 00H20, tendo-se instalado o IN a cerca de 150 metros deste Aquartelamento. As NT sofreram 1 morto e 14 feridos.
No dia 28 JUL68, quando um “FIAT” da FAP, efectuava um reconhecimento sobre a zona de GANDEMBEL, foi atingido pelas anti-aéreas do IN, o qual se encontrava instalado junto à fronteira, tendo-se todo o pessoal da Companhia apercebido do facto, em virtude de previamente se terem ouvido os tiros disparados pelas anti-aéreas, e em seguida se ter verificado um incêndio na cauda do avião, após o que o Piloto saltou do Aparelho, caindo a cerca de 3 Km do Aquartelamento desta Companhia. Perante a ocorrência, o Comando deu imediatamente ordem para que 2 GCOMB fossem socorrer o Piloto, Exm.º Tenente-Coronel Piloto-Aviador COSTA CAMPOS.
Em 04AGO68, foi esta CCAÇ empenhada em manter a segurança a uma coluna no itinerário ALDEIA FORMOSA – GANDEMBEL e vice-versa, verificando-se junto ao pontão CHANGUE-IAIA, o rebentamento de um fornilho e desaparecimento de 1 soldado nativo do PEL CAÇ NAT 69, o qual era um dos elementos que efectuava a picagem do itinerário. Em seguida a este incidente, as NT dirigiram-se imediatamente para o local onde tinha sido projectada a referida praça, tendo-se verificado de novo vários rebentamentos que provocaram mortos, desaparecidos e feridos às NT. Dias após, a Companhia colaborou no levantamento de 68 minas A/P neste mesmo local.
Entre os numerosos ataques sofridos por esta CCAÇ, todos eles com elevado potencial de fogo, evidencia-se o de 07SET08, em que o IN usou pela primeira vez o MORTEIRO 120, além de 9 Canhões S/R, 8 MORTEIROS 82 e, vário armamento ligeiro e pesado.
De entre os ataques a que esta CCAÇ se vinha a habituar, desde a edificação do seu Aquartelamento em GANDEMBEL, merece especial relevo o da noite de 11/12SET68, em que o IN se apresentou com numeroso armamento, mais propriamente 2 Morteiros 120, 4 Canhões S/R, 6 Morteiros 82, além de vários Lança-Granadas Foguete, e armas pesadas e ligeiras. Passado cerca de 00H30 de ter terminado o ataque, o IN aproximou-se novamente do arame farpado exterior deste Aquartelamento, fazendo rebentar junto do mesmo, 5 Torpedos-Bengalórios e algumas granadas de fumo, desencadeando ao mesmo tempo um grande potencial de fogo. Durante este segundo ataque, de modo algum se poderia deixar despercebido a táctica que o IN utilizou pois, comandou todo o seu fogo, da retaguarda através de telefones colocados a 300 metros deste Aquartelamento, tendo contudo, utilizado megafones no grupo de assalto. Efectuada uma batida ao amanhecer por forças desta CCAÇ, constatou-se que o IN sofreu 2 mortos confirmados, e variadíssimos feridos.
Na noite de 07NOV68, pelas 22H15, verificou-se o ataque ao Aquartelamento de GANDEMBEL. O tempo de duração deste ataque foi de cerca de 00H20, tendo-se verificado numerosas saídas de Canhão S/R, Morteiro 82, e as tão características e inconfundíveis explosões à boca dos Morteiros 120. Esta flagelação causou 1 morto e 1 ferido às NT, provocado por estilhaços de Morteiro 82.
Pelas 00H15 do dia 08NOV68, o IN desencadeou, provavelmente das mesmas posições, nova flagelação com as características da antecedente, isto é, duro fogo de Canhão S/R, Morteiro 120 e 82. A acção durou 00H30, mostrando-se o tiro mais preciso. Às 02H15 nova flagelação se registou, esta no Aquartelamento de GANDEMBEL e Destacamento de PONTE BALANA, simultaneamente. Na acção sobre GANDEMBEL, o IN empregou Morteiro 120 e 82, enquanto actuava em PONTE BALANA com Canhão S/R (em tiro directo) e Morteiro 82, provocando danos materiais. EM PONTE BALANA, o IN retirou ao fim de 00H20, sob violento fogo das NT. Feita uma batida ao amanhecer localizaram-se 5 posições de Canhão S/R, e 2 de Morteiro 82, constatando-se que o IN havia sofrido 3 feridos confirmados. Foram recolhidas 3 granadas de Canhão S/R, além de variado material. Foi impressionante o elevado número de granadas de Morteiro 120 consumidas pelo IN.
Um aquartelamento finalizado, que acaba por ser abandonado com pouco mais de 10 meses de construção. E no seu último período, foi possível propiciar alguns momentos de lazer, mercê de alguns melhoramentos complementares.
Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969 > Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,] Spínola também viria cá despedir-se"
Foto e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.
Entretanto, é chegado o dia 28JAN69, e com ele a evacuação do Aquartelamento de GANDEMBEL. A Companhia seguiu para ALDEIA FORMOSA onde ficou a aguardar transporte para BUBA.
No dia 06FEV69, esta CCAÇ deslocou-se para BUBA, por via terrestre.
Chegada a Companhia a BUBA, ficou temporariamente em intervenção. Além das actividades operacionais, esta CCAÇ foi empenhada em manter a segurança aos trabalhos de Engenharia na nova estrada BUBA – ALDEIA FORMOSA. Esta missão foi frequentemente contrariada pelo IN, que aproveitava as condições de terreno para tirar delas o máximo de rendimento, colocando minas. É de salientar o levantamento de 38 minas A/P detectadas e levantadas por um Sargento desta CCAÇ, junto à “CURVA do VILAÇA”.
Em 06MAR69, a Companhia foi empenhada em montar uma emboscada, conjugada com instalação de engenhos explosivos, na região de XITOLE 2D-2, com o fim de interceptar uma coluna IN. Cerca das 19H15 as NT foram alertadas por ruídos nítidos de aproximação do IN. Depois da maior parte do IN ter entrado na zona de morte, foi aberto fogo, rebentando-se ao mesmo tempo um fornilho eléctrico instalado no trilho IN. O IN sofreu várias baixas, e após uma batida, capturou-se uma pasta de cabedal com importantes documentos.
É de salientar as PALAVRAS ELOGIOSAS dirigidas pelo Comandante do COP 4, ao Comandante desta Companhia, à partida para NOVA LAMEGO: “EXECUTANDO AS ORDENS DO COMANDO COM O MELHOR DO SEU ESFORÇO, COM UMA VONTADE INQUEBRANTÁVEL E FIRME DE BEM SERVIR, COM UM ELEVADO ESPÍRITO DE MORAL E SACRIFÍCIO, ESSA VONTADE E ESSA FIRMEZA, ENCONTREI-A SEMPRE NOS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA CCAÇ 2317”.
Após 3 meses de permanência em BUBA, no dia 14MAI69, esta CCAÇ foi transferida e deslocada por via aérea para NOVA LAMEGO.
Chegada a Companhia a NOVA LAMEGO, foi-lhe imposta a missão da defesa da Pista Nova, Instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.
No dia 14JUL69, foi destacado 1 GCOMB desta CCAÇ para a povoação de CANSISSÉ, a fim de manter a defesa da mesma povoação.
No Aquartelamento em NOVA LAMEGO, a Companhia continuou sempre activa dedicando-se a melhorar as instalações do seu quartel e a defesa do mesmo, além de colaborar na defesa da vila de NOVA LAMEGO, e realizar as patrulhas, escoltas e outras acções consideradas de rotina.
Assim, aproveitando os conhecimentos que algumas praças tinham da vida civil, para trabalharem como pedreiros, trolhas, carpinteiros, electricistas e pintores, lançou-se “MÃOS à OBRA”. Cumprindo as ordens do seu Comando, com entusiasmo e abnegação, a CCAÇ 2317, orgulha-se de no seu Aquartelamento ter deixado muito do seu esforço. Contribuiu decididamente para a construção da Messe e Bar para Oficiais e Sargentos, para a construção de Edifício para Refeitório das Praças e Sala do Soldado, melhoria da Secretaria, com caiação e instalação eléctrica, etc. Quanto à defesa do Aquartelamento foi aberta uma vala com espaldões para armas pesadas, a toda a volta do Aquartelamento, feita a montagem da instalação eléctrica, com luz para o exterior, a instalação do Morteiro 82 e a capinagem e desmatação do Aquartelamento e seus arredores.
É de salientar na Pista Nova, a construção de nível de secção, valas, fiadas de arame farpado e instalação de telefone, tudo isto feito com a finalidade de uma perfeita defesa e segurança da Nova Pista de NOVA LAMEGO instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.
Ao meditarmos sobre as campas dos nossos camaradas caídos no CAMPO DA HONRA E DO DEVER, o nosso espírito enaltece-se por nunca termos hesitado na frente.
Vinca bem fundo na consciência desta Companhia, os reflexos do seu trabalho, a responsabilidade da sua acção, a nobreza firme dos seus fins. Os seus elementos demonstraram serem possuidores de raras e preciosas qualidades de generosidade, valentia, coragem física e moral, sangue-frio, desprezo pelo perigo e sublime abnegação e altruísmo, definindo no mais apurado sentido as virtudes incomparáveis dos SOLDADOS DE PORTUGAL. Sempre animados de generosidade, bateram-se galhardamente pela PÁTRIA com o mais puro entusiasmo.
Aos que ousem levar a propósito essa nobre acção, de divulgar os factos da guerra colonial, como este exemplo de Gandembel/Ponte Balana, só conseguem obtê-lo se dispuserem de fontes fidedignas. E daí, o surgimento das tais referências avulsas, que de tão redutoras, perdem significado e identidade, não restando senão a opacidade e talvez por isso, essa guerra tremenda que sofremos na Guiné, seja hoje pouco entendível por aqueles que tiveram a felicidade de não a ousar enfrentar.
Neste dia 25 de Abril, que chegou tão tarde para o pessoal da Tabanca Grande, um cordial abraço do Idálio Reis.
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Notas de CV:
(1) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)
(2) Vd. poste de 24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)
(3) Vd. poste 16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
Vd. postes da série Fotobiografia da CCAÇ 2317 de:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28
8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968
19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques
Meus caros Luís, Carlos, Virgínio e demais companheiros Tertulianos.
Só ontem pela tarde, me foi possível reaver o último volume desta colecção que o «Correio da Manhã» vem apensando às quartas-feiras.
E o Blogue, traz à liça uma mensagem do Alberto Branquinho (P4241) (2), em que com uma firme veemência sublinha que sobre Gandembel se expressam apenas referências avulsas, que apenas conseguem transmitir de uma forma bastante mitigada, os múltiplos acontecimentos passados naquele infernal palco de guerra. Corroboro inteiramente com tal asserção.
No dia 16 de Fevereiro de 2007, em que inicio a publicação (P1530) (3) da História da minha Companhia – a CCaç 2317 -, refiro a determinada altura com base numa interrogação que a mim próprio formulei “Quem tramou a Companhia?”, o seguinte:
Ao fim de 2 meses, o treino operacional findava. A tropa da Companhia, parecia estar, em definitivo, inteiramente apta para enfrentar qualquer situação de guerra, fosse onde fosse. Tantos enganos!
Para o atestar, não houve qualquer rebuço em nos meterem numa LDG, rio Geba abaixo, rumo ao Sul da Província. Em Cacine apeámos, e a 20 de Março chegávamos a Guileje, e ninguém pressagiava a sinistra e fatídica odisseia que doravante estava reservada à CCaç 2317.
Ao mandar construir um destacamento fixo, em zona onde o PAIGC detinha um quase inteiro domínio territorial, o Estado-Maior do Comando Militar da Província cismou numa táctica militar imprudente, reveladora de uma grosseira insânia, destituída de qualquer preconceito, tanto mais que assentava no propósito de minimizar o poderio militar do adversário. Quem ousou pensar nesta decisão?
Parece que, para os toldados mentores desta ultrajante aventura, o valor da conveniência estava exactamente a par do valor da vida humana, tentando de qualquer modo, atingir-se um putativo fim, sem minimamente se olharem aos meios.
Não o haviam conseguido até então, e compelia-se uma Companhia sem qualquer experiência, a desempenhar um papel de protagonismo em permanente risco de vida, o de desamparados peões de briga, quais meros joguetes de uma estratégia insolente, e que vai precisar de uma ajuda constante, para não vir a ser dizimada.
Eu que vivi esses tempos tão sofridos, sem hiatos, ao tentar procurar entender esta resolução, não a descortino. E julgo que se cometeu uma ignóbil e hedionda manobra estratégica, que se viria a revelar desastrosa para todas as tropas que estiveram envolvidas nessa infinda operação.
Ainda que esta eventual operação de acantonamento, obrigasse o PAIGC a alterar a sua conduta militar de forma acentuada, este nunca deu mostras de soçobrar. Ao contrário, quase sempre demonstrou apresentar uma organização à altura das circunstâncias que as NT lhe tentavam mover. Apesar de reconhecer que tiveram que reforçar o seu poderio militar, bem atestado na forma como veio a agir, o abandono de Gandembel só pode apresentar uma leitura consequente: mais uma vez, as NT soçobraram naquela zona.
E se o desaire não é de todo gorado, tal deve-se ao preponderante papel desenvolvido pelas tropas pára-quedistas, que se cruzaram connosco nesta aventura, pela forma extremamente meritória como o souberam assumir. Foram as verdadeiras tropas de elite, que num momento particularmente conturbado para nós, apearam em Gandembel, e coube-lhes a ousadia de conseguirem suster quase radicalmente as acções do PAIGC.
Mas, no deve e haver, ficaram a perdurar para sempre, os resultados de uma sentença muito pesada. E estes, sem margem para quaisquer dúvidas, vieram a redundar num rotundo e plangente fracasso, pela quantidade de mortos e estropiados, dos feridos graves, e dos evacuados com maleitas várias, estas doenças que nos vêm chagando no nosso quotidiano.
Já alguém apontou no nosso blogue, o número de 52 mortos e muitos feridos graves. Torna-se-nos muito difícil atestar este valor, mas do que me foi dado a observar e conhecer, considero que as tropas que estiveram mais ou menos envolvidas com a odisseia de Gandembel, entre mortos e evacuados para Lisboa (feridos e doentes), atingem seguramente a centena de homens.
Os custos materiais, não contam para mim, mas mesmo aqui, quantas razões de queixa a lamentar, onde à falta de tantos meios, até a fome chegou a pairar, não por falta de comida, mas porque houve um longo tempo que se tornou difícil de tragar por manifesta má qualidade.
Oxalá que não seja por este conjunto de razões, que os factos bélicos que atravessaram as vivências de Gandembel/Ponte Balana, estejam praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, e que acabarão fatalmente por se apagarem, pelo inexorável determinismo da lei da vida. E por isso, sinto-me profundamente chocado com este procedimento, que em nada enobrece a Instituição Militar.
Assim, trair-me-ia, se deixasse perder o passado, de uma parte fundamental das vidas destes deserdados filhos de um deus menor.
Em seu nome, dos que tiveram a desdita de me acompanharem neste longo pesadelo, que se prolongou principalmente entre os meados de Março de 1968 a Maio de 1969, e mormente dos que vimos afastaram-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procurarei dar sinal dos amargos momentos vividos, que o denegrido baú das minhas memórias, ainda não arrumou de todo, apesar das poeiras de 4 décadas.
E no presente momento, em que estão a ser divulgadas 2 séries documentais de enorme valor para dar a saber o que foi a Guerra Colonial, obviamente fundamentadas em várias fontes, porventura chegou o momento de dar conhecimento do Historial da CCaç 2317, cujo original se encontra no Arquivo Histórico Militar, para tornar bem evidente que se trata do único documento oficial que conheço. E julgo que não há outro…
No que ele se exara, é uma arrepiante análise redutora do quotidiano da Companhia. O fautor desse Historial tão distorcido, que o houve, branqueou uma grande parte dos factos que efectivamente ocorreram, e para os que o lêem, muito pouco deixa transparecer do que essa negregada odisseia de Gandembel contextualiza.
Eis o que encontrei e que transcrevo na íntegra.
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Idálio Reis, o homem-toupeira e o herói de Gandembel CCAÇ 2317, 1968/69), trocando impressões com o nosso anfitrião, o calmeirão do Joaquim Mexia Alves...
Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
HISTORIAL DA CCAÇ 2317
Depois da chegada a BISSAU, no navio “QUANZA” em 24JAN68, no dia 14 FEV68 dirigiu-se a Companhia de BISSAU para MANSABÁ, a fim de realizar o Treino Operacional, ficando deste modo a depender operacionalmente do BCAÇ 1897. Durante este período, a Companhia, além de patrulhamentos diários, efectuou também variadíssimas operações. Aquando da Chegada desta CCAÇ a MANSABÁ, foi recebida a directiva operacional para que 1 GCOMB da mesma, fosse destacado para OLOSSATO.
Uma das acções primordiais desta Companhia pode dizer-se, contudo, que foi na região do OLOSSATO em 05MAR68, durante a operação “ALMA FORTE”, da qual resultou a captura de 2 elementos IN, à parte de 59 elementos (FULAS, MANDINGAS e BALANTAS) da população.
No dia 17MAR68, regressou esta CCAÇ de MANSABÁ, dirigindo-se em seguida para BISSAU.
Em fins de MAR68, verificou-se a partida da Companhia para o SUL, mais propriamente para GUILEGE, onde chegou a 23Mar68.
Em 28MAR68, foi a Companhia empenhada em manter a segurança a uma coluna de reabastecimentos GUILEGE – GADAMAEL e vice-versa. Tendo havido contacto com o IN, dele resultaram 2 mortos para as NT e 4 mortos confirmados para o IN.
Com o dia 08ABR68, chegou então a data da partida desta CCAÇ para GANDEMBEL, integrada na operação “BOLA DE FOGO” a fim de lá construir o Aquartelamento, onde ficaria instalada a Companhia. Nessa noite sofreram 5 flagelações no itinerário GUILEGE – GANDEMBEL, a cerca de 3 Km de GANDEMBEL, mais propriamente junto ao RIO BUNDO – BODO. As NT reagiram pelo fogo, tendo infligido uma baixa confirmada ao IN.
Quando a CCAÇ chegou a GANDEMBEL em 09ABR68, pelas 09H30, começaram imediata e intensamente a construir abrigos para todo o pessoal, procedendo-se em seguida à capinagem e desmatação do local do Aquartelamento. Vir-se-ia a verificar posteriormente que o Aquartelamento seria flagelado e atacado em média 3 a 4 vezes por dia o que, prejudicou o ritmo das obras de instalação neste novo quartel. No entanto, todo o pessoal “COM A PICARETA NUMA MÃO E NA OUTRA A ARMA”, manteve sempre elevado moral que é da maior justiça salientar.
Deste modo, se foi edificando o quartel de GANDEMBEL, com a completa ausência de máquinas, bastante reduzido o número de ferramentas, até mesmo por vezes com falta de materiais e, diariamente sujeitos às flagelações do IN, podendo-se afirmar que dificilmente se poderia fazer melhor.
No dia 05JUN68, durante a operação “BOA FARPA”, numa coluna GUILEGE – GANDEMBEL, verificou-se um forte accionamento de fornilhos, causando deste modo a morte de um Oficial desta Companhia.
No dia 15JUL68, sofreu esta CCAÇ um grande ataque ao seu Aquartelamento, ataque esse com elevado potencial de fogo, 11 Canhões S/R, 9 Morteiros 82, além de variado armamento pesado e ligeiro. O referido ataque, que foi bastante duro, durou cerca de 00H20, tendo-se instalado o IN a cerca de 150 metros deste Aquartelamento. As NT sofreram 1 morto e 14 feridos.
No dia 28 JUL68, quando um “FIAT” da FAP, efectuava um reconhecimento sobre a zona de GANDEMBEL, foi atingido pelas anti-aéreas do IN, o qual se encontrava instalado junto à fronteira, tendo-se todo o pessoal da Companhia apercebido do facto, em virtude de previamente se terem ouvido os tiros disparados pelas anti-aéreas, e em seguida se ter verificado um incêndio na cauda do avião, após o que o Piloto saltou do Aparelho, caindo a cerca de 3 Km do Aquartelamento desta Companhia. Perante a ocorrência, o Comando deu imediatamente ordem para que 2 GCOMB fossem socorrer o Piloto, Exm.º Tenente-Coronel Piloto-Aviador COSTA CAMPOS.
Em 04AGO68, foi esta CCAÇ empenhada em manter a segurança a uma coluna no itinerário ALDEIA FORMOSA – GANDEMBEL e vice-versa, verificando-se junto ao pontão CHANGUE-IAIA, o rebentamento de um fornilho e desaparecimento de 1 soldado nativo do PEL CAÇ NAT 69, o qual era um dos elementos que efectuava a picagem do itinerário. Em seguida a este incidente, as NT dirigiram-se imediatamente para o local onde tinha sido projectada a referida praça, tendo-se verificado de novo vários rebentamentos que provocaram mortos, desaparecidos e feridos às NT. Dias após, a Companhia colaborou no levantamento de 68 minas A/P neste mesmo local.
Entre os numerosos ataques sofridos por esta CCAÇ, todos eles com elevado potencial de fogo, evidencia-se o de 07SET08, em que o IN usou pela primeira vez o MORTEIRO 120, além de 9 Canhões S/R, 8 MORTEIROS 82 e, vário armamento ligeiro e pesado.
De entre os ataques a que esta CCAÇ se vinha a habituar, desde a edificação do seu Aquartelamento em GANDEMBEL, merece especial relevo o da noite de 11/12SET68, em que o IN se apresentou com numeroso armamento, mais propriamente 2 Morteiros 120, 4 Canhões S/R, 6 Morteiros 82, além de vários Lança-Granadas Foguete, e armas pesadas e ligeiras. Passado cerca de 00H30 de ter terminado o ataque, o IN aproximou-se novamente do arame farpado exterior deste Aquartelamento, fazendo rebentar junto do mesmo, 5 Torpedos-Bengalórios e algumas granadas de fumo, desencadeando ao mesmo tempo um grande potencial de fogo. Durante este segundo ataque, de modo algum se poderia deixar despercebido a táctica que o IN utilizou pois, comandou todo o seu fogo, da retaguarda através de telefones colocados a 300 metros deste Aquartelamento, tendo contudo, utilizado megafones no grupo de assalto. Efectuada uma batida ao amanhecer por forças desta CCAÇ, constatou-se que o IN sofreu 2 mortos confirmados, e variadíssimos feridos.
Na noite de 07NOV68, pelas 22H15, verificou-se o ataque ao Aquartelamento de GANDEMBEL. O tempo de duração deste ataque foi de cerca de 00H20, tendo-se verificado numerosas saídas de Canhão S/R, Morteiro 82, e as tão características e inconfundíveis explosões à boca dos Morteiros 120. Esta flagelação causou 1 morto e 1 ferido às NT, provocado por estilhaços de Morteiro 82.
Pelas 00H15 do dia 08NOV68, o IN desencadeou, provavelmente das mesmas posições, nova flagelação com as características da antecedente, isto é, duro fogo de Canhão S/R, Morteiro 120 e 82. A acção durou 00H30, mostrando-se o tiro mais preciso. Às 02H15 nova flagelação se registou, esta no Aquartelamento de GANDEMBEL e Destacamento de PONTE BALANA, simultaneamente. Na acção sobre GANDEMBEL, o IN empregou Morteiro 120 e 82, enquanto actuava em PONTE BALANA com Canhão S/R (em tiro directo) e Morteiro 82, provocando danos materiais. EM PONTE BALANA, o IN retirou ao fim de 00H20, sob violento fogo das NT. Feita uma batida ao amanhecer localizaram-se 5 posições de Canhão S/R, e 2 de Morteiro 82, constatando-se que o IN havia sofrido 3 feridos confirmados. Foram recolhidas 3 granadas de Canhão S/R, além de variado material. Foi impressionante o elevado número de granadas de Morteiro 120 consumidas pelo IN.
Um aquartelamento finalizado, que acaba por ser abandonado com pouco mais de 10 meses de construção. E no seu último período, foi possível propiciar alguns momentos de lazer, mercê de alguns melhoramentos complementares.
Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969 > Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,] Spínola também viria cá despedir-se"
Foto e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.
Entretanto, é chegado o dia 28JAN69, e com ele a evacuação do Aquartelamento de GANDEMBEL. A Companhia seguiu para ALDEIA FORMOSA onde ficou a aguardar transporte para BUBA.
No dia 06FEV69, esta CCAÇ deslocou-se para BUBA, por via terrestre.
Chegada a Companhia a BUBA, ficou temporariamente em intervenção. Além das actividades operacionais, esta CCAÇ foi empenhada em manter a segurança aos trabalhos de Engenharia na nova estrada BUBA – ALDEIA FORMOSA. Esta missão foi frequentemente contrariada pelo IN, que aproveitava as condições de terreno para tirar delas o máximo de rendimento, colocando minas. É de salientar o levantamento de 38 minas A/P detectadas e levantadas por um Sargento desta CCAÇ, junto à “CURVA do VILAÇA”.
Em 06MAR69, a Companhia foi empenhada em montar uma emboscada, conjugada com instalação de engenhos explosivos, na região de XITOLE 2D-2, com o fim de interceptar uma coluna IN. Cerca das 19H15 as NT foram alertadas por ruídos nítidos de aproximação do IN. Depois da maior parte do IN ter entrado na zona de morte, foi aberto fogo, rebentando-se ao mesmo tempo um fornilho eléctrico instalado no trilho IN. O IN sofreu várias baixas, e após uma batida, capturou-se uma pasta de cabedal com importantes documentos.
É de salientar as PALAVRAS ELOGIOSAS dirigidas pelo Comandante do COP 4, ao Comandante desta Companhia, à partida para NOVA LAMEGO: “EXECUTANDO AS ORDENS DO COMANDO COM O MELHOR DO SEU ESFORÇO, COM UMA VONTADE INQUEBRANTÁVEL E FIRME DE BEM SERVIR, COM UM ELEVADO ESPÍRITO DE MORAL E SACRIFÍCIO, ESSA VONTADE E ESSA FIRMEZA, ENCONTREI-A SEMPRE NOS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA CCAÇ 2317”.
Após 3 meses de permanência em BUBA, no dia 14MAI69, esta CCAÇ foi transferida e deslocada por via aérea para NOVA LAMEGO.
Chegada a Companhia a NOVA LAMEGO, foi-lhe imposta a missão da defesa da Pista Nova, Instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.
No dia 14JUL69, foi destacado 1 GCOMB desta CCAÇ para a povoação de CANSISSÉ, a fim de manter a defesa da mesma povoação.
No Aquartelamento em NOVA LAMEGO, a Companhia continuou sempre activa dedicando-se a melhorar as instalações do seu quartel e a defesa do mesmo, além de colaborar na defesa da vila de NOVA LAMEGO, e realizar as patrulhas, escoltas e outras acções consideradas de rotina.
Assim, aproveitando os conhecimentos que algumas praças tinham da vida civil, para trabalharem como pedreiros, trolhas, carpinteiros, electricistas e pintores, lançou-se “MÃOS à OBRA”. Cumprindo as ordens do seu Comando, com entusiasmo e abnegação, a CCAÇ 2317, orgulha-se de no seu Aquartelamento ter deixado muito do seu esforço. Contribuiu decididamente para a construção da Messe e Bar para Oficiais e Sargentos, para a construção de Edifício para Refeitório das Praças e Sala do Soldado, melhoria da Secretaria, com caiação e instalação eléctrica, etc. Quanto à defesa do Aquartelamento foi aberta uma vala com espaldões para armas pesadas, a toda a volta do Aquartelamento, feita a montagem da instalação eléctrica, com luz para o exterior, a instalação do Morteiro 82 e a capinagem e desmatação do Aquartelamento e seus arredores.
É de salientar na Pista Nova, a construção de nível de secção, valas, fiadas de arame farpado e instalação de telefone, tudo isto feito com a finalidade de uma perfeita defesa e segurança da Nova Pista de NOVA LAMEGO instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.
Ao meditarmos sobre as campas dos nossos camaradas caídos no CAMPO DA HONRA E DO DEVER, o nosso espírito enaltece-se por nunca termos hesitado na frente.
Vinca bem fundo na consciência desta Companhia, os reflexos do seu trabalho, a responsabilidade da sua acção, a nobreza firme dos seus fins. Os seus elementos demonstraram serem possuidores de raras e preciosas qualidades de generosidade, valentia, coragem física e moral, sangue-frio, desprezo pelo perigo e sublime abnegação e altruísmo, definindo no mais apurado sentido as virtudes incomparáveis dos SOLDADOS DE PORTUGAL. Sempre animados de generosidade, bateram-se galhardamente pela PÁTRIA com o mais puro entusiasmo.
Aos que ousem levar a propósito essa nobre acção, de divulgar os factos da guerra colonial, como este exemplo de Gandembel/Ponte Balana, só conseguem obtê-lo se dispuserem de fontes fidedignas. E daí, o surgimento das tais referências avulsas, que de tão redutoras, perdem significado e identidade, não restando senão a opacidade e talvez por isso, essa guerra tremenda que sofremos na Guiné, seja hoje pouco entendível por aqueles que tiveram a felicidade de não a ousar enfrentar.
Neste dia 25 de Abril, que chegou tão tarde para o pessoal da Tabanca Grande, um cordial abraço do Idálio Reis.
__________
Notas de CV:
(1) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)
(2) Vd. poste de 24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)
(3) Vd. poste 16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
Vd. postes da série Fotobiografia da CCAÇ 2317 de:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28
8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968
19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques
Guiné 63/74 - P4249: Blogpoesia (41): "Para quê, Soldado?" (Luís Dias)
1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (2), Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 24 de Abril de 2009:
Caro Carlos Vinhal
Na véspera de mais um 25 de Abril, 35 anos depois dessa maravilhosa alvorada e também 35 anos após a chegada da CCAÇ 3491 da Guiné (4 de Abril de 1974), aqui te envio um pensamento/poema meu, escrito em Março de 1973, sobre a nossa situação. Se entenderes que merece ser publicado, força.
Um abraço e que a esperança desse dia possa ainda renascer nos nossos corações.
Luís Dias
PARA QUÊ SOLDADO?
Choras!
Perdido na imensidão deste mato
Sentinela esquecida na Terra
Soldado estou em ti
Que perdes juventude com um sorriso nos lábios
Porquê tanta demora?
Anos de temor insensato
A pensar, obstinadamente, na guerra
Liberdade deitada fora!
Porquê morrer aqui?
Ficarão oito séculos história com nexo?
Sentes-te maltratado, maleável
Com muito fumo atirado nos olhos
Sempre triste e abatido
Vives infeliz, mesmo contigo
O teu esforço é insuperável
Será que faz sentido?
Porque te mata o inimigo?
Porque luta ele também?
Se o ganho não é teu
E a sorte já está lançada
Tens a garganta seca
Viras o cantil e ….nada!
Deixaste a tua gente
O teu campo, a tua cidade
O suor que gastas não é para o teu pão
Se derramas aqui o sangue
Se perdes a tua mocidade
Eles esquecem, porque não há razão!
Nesta constante de morte certa
Abre os olhos e usa a arma sempre levantada
Sente o perigo à tua volta
Inquieta-te! Acorda! Ergue-te!
A pátria que te espera é uma vastidão deserta
Que necessita de ser abanada
Dulombi, 5 de Março de 1973
Luís Dias
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4012: Efemérides (18): Faz hoje 37 anos que tivémos o primeiro contacto com o IN (Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)
22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)
20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4219: Convívios (113): Pessoal da CCAÇ 3491, no dia 16 de Maio, em São Martinho de Antas, Sabrosa, Vila Real (Luís Dias)
Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4238: Blogpoesia (40): A tua última emboscada, irmão (José Brás)
Caro Carlos Vinhal
Na véspera de mais um 25 de Abril, 35 anos depois dessa maravilhosa alvorada e também 35 anos após a chegada da CCAÇ 3491 da Guiné (4 de Abril de 1974), aqui te envio um pensamento/poema meu, escrito em Março de 1973, sobre a nossa situação. Se entenderes que merece ser publicado, força.
Um abraço e que a esperança desse dia possa ainda renascer nos nossos corações.
Luís Dias
PARA QUÊ SOLDADO?
Choras!
Perdido na imensidão deste mato
Sentinela esquecida na Terra
Soldado estou em ti
Que perdes juventude com um sorriso nos lábios
Porquê tanta demora?
Anos de temor insensato
A pensar, obstinadamente, na guerra
Liberdade deitada fora!
Porquê morrer aqui?
Ficarão oito séculos história com nexo?
Sentes-te maltratado, maleável
Com muito fumo atirado nos olhos
Sempre triste e abatido
Vives infeliz, mesmo contigo
O teu esforço é insuperável
Será que faz sentido?
Porque te mata o inimigo?
Porque luta ele também?
Se o ganho não é teu
E a sorte já está lançada
Tens a garganta seca
Viras o cantil e ….nada!
Deixaste a tua gente
O teu campo, a tua cidade
O suor que gastas não é para o teu pão
Se derramas aqui o sangue
Se perdes a tua mocidade
Eles esquecem, porque não há razão!
Nesta constante de morte certa
Abre os olhos e usa a arma sempre levantada
Sente o perigo à tua volta
Inquieta-te! Acorda! Ergue-te!
A pátria que te espera é uma vastidão deserta
Que necessita de ser abanada
Dulombi, 5 de Março de 1973
Luís Dias
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4012: Efemérides (18): Faz hoje 37 anos que tivémos o primeiro contacto com o IN (Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)
22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)
20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4219: Convívios (113): Pessoal da CCAÇ 3491, no dia 16 de Maio, em São Martinho de Antas, Sabrosa, Vila Real (Luís Dias)
Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4238: Blogpoesia (40): A tua última emboscada, irmão (José Brás)
Guiné 63/74 - P4248: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Um depoimento do Dr. Pinheiro Azevedo seria relevante (Álvaro Basto)
1. Mensagem de Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf.º da CART 3492/BART 3873, com data de 17 de Abril de 2008:
Luís
Excelente texto, este do Mário Miguéis (*) a quem na passada quarta-feira tive o prazer de conhecer pessoalmente embora não o relacionando nem de perto nem de longe com este assunto.
O esforço pela síntese da verdade na amálgama de tanta informação, alguma até contraditória, é merecedora do nosso mais vivo respeito e daqui quero expressar-lhe desde já os meus parabéns.
Muito do que tenho procurado transmitir tem sido ventilado com o Dr. Pinheiro Azevedo com quem continuo a ter excelentes relações e que por diversas vezes tenho tentado trazer à liça com as suas informações obviamente credíveis e esclarecedoras.
Adianto que irei uma vez mais insistir para que, também ele, dê o seu contributo esclarecendo e confirmando alguns dos aspectos mais relevantes desta tragédia especialmente no que concerne à identificação dos corpos.
O horror dessa tarefa teve em mim duas acções contraditórias no tempo, por um lado nunca mais esqueci as suas imagens mais gerais e por outro (se calhar ditado pelo meu inconsciente), o de ter esquecido muitos dos pormenores.
Ficou-me com especial nitidez a imagem do Armandino que jazia inanimado em cima de um unimog e os corpos mutilados e carbonizados nas casas de banho. Recordo-me da dificuldade que reinava em reconhecer muitos deles. Recordo-me que dois deles estavam especialmente mal tratados e que não haveria concenso quanto a saber-se quem era quem. Acho que o Dr. Alfredo Pinheiro Azevedo se recusou mesmo a assinar as respectivas certidões de óbito desses dois tendo-me contado que, mais tarde, em Bissau de partida para férias, foi confrontado com a insistência do Capitão Lourenço e tanto quanto sei do primeiro sargento da companhia que queriam... arrumar aquela papelada... tendo-se no entanto este mantido firme e não tendo assinado...
Mas para evitar mais especulações estou a mandar cópia deste mail ao Dr. Alfredo Viana Pinheiro Azevedo com um pedido solene aqui expresso de se pronunciar...
Esperemos que ele se decida a faze-lo depois de ler a síntese do Miguéis no Post 4194 e no Post 4200
Um grande Alfa Bravo
Álvaro Basto
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)
Luís
Excelente texto, este do Mário Miguéis (*) a quem na passada quarta-feira tive o prazer de conhecer pessoalmente embora não o relacionando nem de perto nem de longe com este assunto.
O esforço pela síntese da verdade na amálgama de tanta informação, alguma até contraditória, é merecedora do nosso mais vivo respeito e daqui quero expressar-lhe desde já os meus parabéns.
Muito do que tenho procurado transmitir tem sido ventilado com o Dr. Pinheiro Azevedo com quem continuo a ter excelentes relações e que por diversas vezes tenho tentado trazer à liça com as suas informações obviamente credíveis e esclarecedoras.
Adianto que irei uma vez mais insistir para que, também ele, dê o seu contributo esclarecendo e confirmando alguns dos aspectos mais relevantes desta tragédia especialmente no que concerne à identificação dos corpos.
O horror dessa tarefa teve em mim duas acções contraditórias no tempo, por um lado nunca mais esqueci as suas imagens mais gerais e por outro (se calhar ditado pelo meu inconsciente), o de ter esquecido muitos dos pormenores.
Ficou-me com especial nitidez a imagem do Armandino que jazia inanimado em cima de um unimog e os corpos mutilados e carbonizados nas casas de banho. Recordo-me da dificuldade que reinava em reconhecer muitos deles. Recordo-me que dois deles estavam especialmente mal tratados e que não haveria concenso quanto a saber-se quem era quem. Acho que o Dr. Alfredo Pinheiro Azevedo se recusou mesmo a assinar as respectivas certidões de óbito desses dois tendo-me contado que, mais tarde, em Bissau de partida para férias, foi confrontado com a insistência do Capitão Lourenço e tanto quanto sei do primeiro sargento da companhia que queriam... arrumar aquela papelada... tendo-se no entanto este mantido firme e não tendo assinado...
Mas para evitar mais especulações estou a mandar cópia deste mail ao Dr. Alfredo Viana Pinheiro Azevedo com um pedido solene aqui expresso de se pronunciar...
Esperemos que ele se decida a faze-lo depois de ler a síntese do Miguéis no Post 4194 e no Post 4200
Um grande Alfa Bravo
Álvaro Basto
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)
Guiné 63/74 - P4247: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (3): Almoços de confraternaização e Homenagem Póstuma (José Afonso)
1. Terceira e última parte do texto anexo à mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009, sobre a sua Companhia e seu Comandante, Capitão Salgueiro Maia.
ALMOÇOS DE CONFRATERNIZAÇÃO
Foi, durante alguns anos o Comandante da Companhia, Salgueiro Maia, que teve por missão a organização dos convívios. Foram talvez 4 os que organizou. Mas, devido ao seu estado de saúde, esses convívios estiveram suspensos, durante a sua doença e após a sua morte.
Mas, em 20 de Outubro de 2002, os ex-Elementos da Companhia de Cavalaria 3420 voltaram de novo a esses convívios, sendo o 1.º realizado em Castelo de Vide para, na terra onde repousa lhe ser prestada Homenagem Póstuma por todos aqueles que com ele conviveram nos bons e maus momentos, alguns deles bem críticos mas que com a disciplina por ele mantida e a sua forma de agir, souberam contornar todos esses maus momentos e a Companhia de Cavalaria 3420, ainda que tendo sido uma Companhia de Intervenção, conseguiu regressar ao fim de 27 meses de Comissão na Guiné sem mortos e com 10 feridos, 3 deles graves.
HOMENAGEM POSTUMA AO CAPITÃO SALGUEIRO MAIA
COMANDANTE DA COMPANHIA DE CAVALARIA N.º 3420
ALMOÇOS DE CONFRATERNIZAÇÃO
Já passaram trinta anos
Entre esperanças, desenganos
Nesse tempo do fascismo.
Fomos todos p’ra Guiné
Uns com medo; outros com fé.
No Angra do Heroísmo.
Chegados ao Cumeré
Com toda a descarga a pé
E depois de bem formados!
Ouve um granjola que disse:
Soldados e marinheiros!
Marinheiros e Soldados.
Para Bula lá seguimos,
Uns chorando, outros rindo.
Emboscadas com critério.
Choquemone e Ponta Matar;
Estrada de Binar e Cemitério;
Depois os destacamentos.
Mato Dingal e Capunga
Pete e Ponta Consolação.
Mais tarde, Mansoa e Cacheu
Depois, a nossa raiva cresceu
Pois não há ninguém que não sinta
Lá fomos todos para Binta
E Guidage, contrariados
Maia: - Até passaste maus bocados
Mas, conseguiste conversar
E foi tão bom depois voltar
Todos vivos. Corpo cansado.
Para ti: o nosso obrigado.
E é com emoção na voz
Que todos, mas todos nós
Que ainda temos existência
Fazemos-te hoje, Capitão
Aquela Ex - Obrigação,
Esta nossa continência
Que nos apraz, com alegria.
Diz ela: - Descansa em paz!
Descanso merecido: - com razão
Até breve Capitão
António José Fernandes Ogando
(Bigodes)
Outubro de 2002
AQUELES QUE RECORDAMOS COM SAUDADE
A vós!
A todos vós!
Que pelo mesmo motivo
Não estais entre nós
Mas, que passaram pelo perigo
Tal, como nós…
A vós!
Que estão longe
Mas presentes;
Na nossa recordação;
Poderão estar ausentes
Por anos; - por momentos.
Algo deve ter mudado!
Mas no nosso coração
E no nosso pensamento,
Vocês estão aqui ao lado.
Sentimos vossa presença
Mas! - seja aqui, ou no além,
Não há decerto ninguém
A que tal não aconteça.
A vós!
Caros companheiros
Amigos, e bons guerreiros
Que voltaram para a terra
Que estiveram na Guerra,
Que recordações não traz!
Para todos, – todos vós!
Desejamos todos nós:
Descansem por fim em paz.
Obrigado, companheiros,
Pelos momentos porreiros.
Que passamos, nesta vida,
Bilhetes! – já todos temos,
Mas também todos sabemos
Que é só bilhete de ida.
Nenhum de nós teme a morte;
Aguardamos o transporte…
Até lá companheiros.
António José Fernandes Ogando
(Bigodes)
Maio de 2003
__________
Notas de CV:
Vd. postes de:
26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)
23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)
Guiné 63/74 - P4246: (Ex)citações (25): Sinto-me feliz por ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné (Salgueiro Maia)
Reprodução de um cartão pessoal, manuscrito, de Salgueiro, ex-comandante da CCav 3420 (Bula, 1971/73), agradecendo ao José Afonso, seu ex-Fur Mil, o telegrama que este lhe enviara, felicitando-o pela sua participação no golpe militar do 25 de Abril e pelo sucesso do movimento... Diocumento s/d, mas próximo do 25 de Abril de 1974... Repare-se que o Salgueiro Maia ainda utilizou papel timbrado da sua ex-companhia, sediada em Bula (SPM 1898).
O nosso camarada José Afonso é bancário, reformado da CGD, e divide o seu tempo entre Castelo Branco, de donde é natural, e o Fundão, onde trabalhou e tem residência (*).
Cortesia de José Afonso (2009). Direitos reservados
_______
Nota de L.G.:
(*) Vd poste anterior:
25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4245: Cap Cav Salgueiro Maia, director do jornal de caserna da CCAÇ 3420, Bula, 1971/73, Os Progressistas (Luís Graça / Jorge Santos)
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