Hoss e o Folhas
Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro
16 de Junho de 1970
Conclusão
Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.
Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus.
Nós, soldados, dormíamos debaixo de panos de tenda, onde a água entrava por todos os lados, os oficiais e sargentos instalados numa antiga escola. O nosso acampamento mais parecia um acampamento do índios dum filme de cowboys do que de soldados prontos para a guerra e dar a vida pelo Pátria.
Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.
O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.
Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação.
Mas digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.
Seria mais um morto em combate.
Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3.
Porque é que este senhor não se meteu comigo ou com outro colega meu? Porque teve de ser com o Folhas?
Há 2 ou 3 anos encontro, numa festa da companhia, em Tancos, um outro oficial, hoje coronel na reforma que me perguntou pelo Folhas, ao que eu respondi que não sabia nada dele. Então contou um outro triste episódio passado entre ele e o Folhas. Não vale a pena estar aqui a recordar, pois eu já não estava na Guiné. Pergunta o coronel porque é que o Folhas era um revoltado. Então eu e o meu amigo Vicente, outro enfermeiro, contámos a passagem da G3. O nosso homem nem queria acreditar no que ouvia.
- Não é possível que um oficial faça uma coisa destas, nunca imaginei tal coisa. Se encontrasse aqui o Folhas, pedia-lhe desculpa agora mesmo.
Atitude digna dum Homem.
Junto envio duas fotos. Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro e a outra, eu o Folhas. O colega que segura o soro, se a memória não me falha, é um bravo açoriano.
Hoss
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Nota de CV:
Vd. postes de:
20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo
e
14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)