terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7594: Falando do Capitão Rui da CCAÇ 18 que eu conheci no Saltinho em 1971 (Mário Migueis da Silva)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil Rec Inf Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 10 de Janeiro de 2011:

Caro Carlos:

Neste início de 2011, aproveito para te desejar tudo de bom no mesmo e nos muitíssimos que se hão-de seguir.

Nada ou pouco mais que nada sei do "capitão Rui" para além do que faço constar no textozinho que anexo. Mas sei que não faltam medalhados de mérito duvidoso, o que, aparentemente, não será o caso da personalidade em apreço.
 
Se tiveres espaço e achares bem, agradeço a publicação.

Um abraço muito amigo,
Mário Migueis


O Capitão Rui

Em 1971 - em que dia ou mês já não sei -, estava eu ainda combalido, a recuperar de mais um ataque de paludismo, vieram chamar-me, a mando do Capitão Carlos Clemente, Comandante da CCAÇ 2701, onde me encontrava em diligência: tinha um amigo de visita ao Saltinho, que fazia questão de me rever.

Um amigo?!... Cheio de curiosidade, fiz das tripas coração, saltei da cama, passei água pelos olhos, vesti-me e desloquei-me à messe de oficiais e sargentos, onde o tal amigo estaria à minha espera.

Estavam os três à porta, voltados para a parada ensolarada do lado nascente, aparentemente muito bem dispostos: ele - o Capitão Clemente -, um outro capitão, seu amigo, ao qual eu seria apresentado momentos depois, e o Quartim, meu homólogo dos Serviços de Informação Militar em Aldeia Formosa, o qual já não via desde a última formação na Amura, meia dúzia de meses atrás.

Já no bar, após breve conversa, deixámos os senhores capitães entretidos com uns aperitivos, e fomos – eu e o Quartim - até à Sala de Comando, onde o Serviço de Informações tinha cantinho reservado. Falámos de tudo e mais alguma coisa, mas especialmente do nosso grupo do S.I.M. espalhado pelo território e do capitão miliciano que ele acompanhava naquela visita de cortesia à tropa do Saltinho.

Após o almoço, quando se aproximava já a hora do regresso a Aldeia Formosa dos nossos visitantes, trocámos lembranças, tendo eu oferecido ao Quartim uma peça de artesanato local e recebido em troca uma farda completa (camisa, calça e quico) do PAIGC, três ou quatro lápis, outros tantos cadernos e um livro escolar, fabricados, respectivamente, na antiga URSS, Cuba e Suécia. Conservo ainda todas essas lembranças, com excepção da “fardeleta”, que, anos mais tarde, viria a ser atacada pela traça. Estas pequenas recordações de guerra que o Quartim, simpaticamente, trouxera no bornal para me oferecer, faziam parte de um grande lote de armamento e material diverso, capturado ao IN durante a última emboscada montada pela CCAÇ 18 na área de influência das NT instaladas em Aldeia Formosa. - “O capitão Rui é do melhor que temos na Guiné. É um tipo de coragem e de iniciativa, tendo imprimido à Companhia uma atitude de grande agressividade a defender e a atacar. Tem feito muita mossa nas hostes do PAIGC!” – contava-me o Quartim, com ares de respeito e admiração.

Posteriormente, estive algumas vezes em Aldeia Formosa, onde pude rever o meu amigo Quartim. Sempre que lhe perguntei pelo capitão Rui, respondeu da mesma maneira: - “Está para o mato com a Companhia!...” E, na verdade, ao capitão Rui, a esse, nunca mais o vi. A menos,…

…a menos que se trate do nosso camarada de tertúlia Rui Alexandrino Ferreira, que acabou de passar um Natal de preocupações, com ”o coração aos pulos”. Nesse caso - no caso de se tratar do mesmo Rui -, poderei e deverei antes dizer: ao capitão Rui, a esse, só voltei a vê-lo no blogue do Luís Graça, quarenta anos mais tarde!

Esposende, 07 de Janeiro de 2011
Mário Migueis da Silva
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7464: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (7): (Joaquim Mexia Alves / José Martins / Mário Migueis da Silva / José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P7593: Memória dos lugares (119): Bedanda, do tempo da malta da CCAÇ 6: Alf Mil Médico Mário Bravo, Alf Mil Pinto Carvalho, Lopes, Borges, Silva, Figueiras... do 1º Cabo Azevedo, do Cap Ayala Botto (1971/72)... mas também do 1º Cabo Cripto Vasco Santos (1972/73)







Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > Fotos, sem legenda,  do álbum do ex-Alf Mil Pinto Carvalho, hoje jurista... Nas três primeiras, pelo menos, aparece o cirurgião Mário Bravo, grande craque da bola e grande camarigo... Recorde-se que o Mário esteve em Bedanda, desde finais de 1971 até aos primeiros meses de 1972. Companhia baseada em soldados do recrutamento local, o seu pessoal metropolitano (incluindo quadros e especialistas) era de rendição individual. (LG)

(Com a devia vénia ao  meu amigo Pinto Carvalho, que ainda não é membro do nosso blogue, mas que me autorizou a "violar" a sua privacidade em Bedanda, metendo o bedelho - e a máquina fotográfica - no seu álbum fotográfico do tempo de menino e moço).

Fotos: © Pinto Carvalho / Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Mário Bravo (ou Mário Silva Bravo), ex-Alf Mil Med, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72), hoje cirurgião reformado,  vivendo no Porto [, foto à esquerda]:

Data: 8 de Janeiro de 2011 12:02 PM
Assunto; Camaradas da CCaç 6 - Bedanda

Caro Luís Graça:

Bom dia! Como está a correr o Novo Ano de 2011? Espero que bem e que se
mantenha o rumo desejado - SAÚDE e PAZ.

Acabei de visitar o nosso blogue e dirigi-me logo ao sítio de Bedanda e por isso gostaria de partilhar alguma dicas com os ex-Bedanda.

O que será feito de alguns destes amigos, como por exemplo:

(i) Lembro-me de um Alferes Miliciano, dos Açores, e de nome Borges;

(ii) Um outro Alf Mil  de Viseu, chamado Figueiral;

(iii) Outro Alf Mil  que era de Esposende e cujo nome não recordo;

(iv) Havia ainda um Alf Mil,  de nome Silva,  e que era dos mais antigos.

Pode acontecer que se consigam localizar e deste modo o grupo de Bedanda poderá engordar.


Dei conhecimento desta minha mensagem a: Carlos Azevedo [, foto à esquerda, era 1º Cabo, 1971/72], Vasco Santos [, 1º Cabo Cripti, 1972/73] e Ayala Botto (ex-capitão de cavalaria e actualmente coronel na reserva); [esteve de 1970 a 1973 no TO da Guiné, 20 meses como comandante da CCAÇ 6 e depois como ajudante de campo de Spínola]

Obrigado e até breve
Cumprimenta
Mário Bravo




Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > "Farra", diz o Vasco Santos...

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > "Despedida": De costas: (não identifico), Alf Mil Méd Bravo, Civil (Zé da Dina - comerciamte da Ultramarina, penso que era de Gaia), Fur Mil Humberto Naia (meu conterrâneo), 1º cabo, o vaguemestre, Fur Mil Dias (enfermeiro) e, de costas, está o Sérgio - vulgo "golpista", telegrafista do Porto.Fotos: © Vasco Santos  (2011). Todos os direitos reservados



2. Mensagem do Vasco Santos, que vive em Vila do Conde, membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, Vasco Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73) [, foto à esquerda]:



Data: 10 de Janeiro de 2011 19:09
Assunto: Re: Camaradas da CCaç 6- Bedanda

Caro Dr. Bravo,

Retribuo os votos de bom ano e, espero que 2011 seja efectivamente um ano pleno de Paz e Saúde, como mínimo.

Como somos poucos os Homens de Bedanda, que tal um dia destes nos encontrarmos todos na Tabanca de Matosinhos?? Fica a ideia.

Quantos aos pontos do mail:

(i) Assim era mas, não possuo qualquer foto dele;

(ii) Tinha como [apelido]  Figueiras, posso estar enganado, de todas as forma anexo uma foto onde ele esta incluído;

(iii) O alferes de Esposende que estava no 4º. pelotão, o  pelotão destacado, era o Silva;

(iv) Este alferes silva era o mais antigo e  era o que substituía o Cap Ayala nas suas saídas à metropole.

Anexo duas fotos que, quando quiser pode comentar.

Um abraço,

Vasco Santos (Cripto Bedanda/Vila do Conde) 


3. Mensagem de resposta que mandei ao Mário Bravo, no passado dia 8:

Bravo, Mário! É bom saber de ti... Ainda pensei neste Natal, na Madalena/Vila Nova de Gaia, saber de ti... Mas estive no estaleiro, de cama, com uma maldita cialgia [, dor ciática]... Com um amigo ortopedista, à distância, o Carlos Mariano (de Leiria, mas que estudou em Coimbra) e o meu filho que é interno de psiquiatria, lá fomos resolvendo a coisa com umas doses de cavalo... Ainda me arrastei até à Tabanca de Matosinhos, na almoço de 4ª feira,  29/12, mas não deu para mais...  

Como prometido, há dias no Facebook - Tabanca Grande Luís Graça, mando-te umas fotos do teu tempo de Bedanda, CCAÇ 6 (1971/72)... Este verão estive com uns amigos da minha região (Lourinhã / Estremadura), e encontrei um camarada teu, o Pinto Carvalho, que é natural do concelho de Cadaval mas vive em Lisboa... Foi ou ainda é jurista na Petrogal. Faz também advocacia. Saquei-lhe estas fotos do seu álbum: não são digitalizações, mas fotos de fotos... A qualidade não é famosa, mas dá para perceber que tu eras um tipo popular, camaradão, craque da bola...um verdeiro camarigo, como dizemos aqui, na nossa Tabanca Grande. 

Vê se reconheces o Pinto Carvalho, de estatura meã, magro, usava bigode  e patilhas, às vezes barbas....Ele dei-me autorização para publicar as fotos, mas não tenho legendas... Isto foi obtido, num convívio, muito divertido, numa sardinhada, em Agosto passado (ele tem casa no Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã, num sítio fabuloso, com as Berlengas à vista...). [, foto actual do Pinto Carvalho, à direita].

Como fazes anos a 4 de Fevereiro,  mando-te já esta prenda antecipada... Testa aí a tua memória... Muito jogavas à bola, em Bedanda (em Guileje não devias ter tempo, ias lá de propósito, ficar uns dias dias, era isso ?)...

Fica com o telemóvel do Pinto de Carvalho (que também era da CCAÇ 6, se não erro), que tem as melhores recordações de ti, como médico e camarada (...) Acabei de falar com ele, ao telefone...

O melhor ano possível para ti e os teus...  Um Alfa Bravo do Luís.

  
PS - O Pinto Carvalho,   quero ver se o trago para o blogue... mas não parece que seja fã das redes sociais e dos blogues... Não tenho o mail dele...

4. Resposta imediata do do Mário Bravo:

Data: 8 de Janeiro de 2011 19:19
Assunto: Re: Bedanda, CCAÇ 6, Alf Mil Pinto de Carvalho

Caro Luis Graça:

Julgo que o Carvalho é o das suíças grandes. Lembro-me dele, mas sem o nome. O que está à esquerda da foto, parece-me ser o Lopes (Alferes Mil), que é natural do Porto e sobrinho do meu Professor da Faculdade, Carlos Lopes.

Aquele que está no topo direito, não me lembro do nome, mas recordo que era uma figura com muita razão para amizade.

O Figueiral, que refiro noutro email, é o que está com a farda de alferes e que é de Viseu.

Os outros, se calhar com um esforço, ainda vou identificá-los. (...)

PS - É claro que tudo que envolva a nossa vida na Guiné, é uma jóia da coroa e é sempre publicável, pelo facto de não termos nada a esconder! Mesmo as situações (uns copos ), em que poderemos aparecer com expressões visuais um pouco mais alegrotes. Havia cerveja, uns tintóis e à grande uns uísques. Bons tempos !!
Mas também era obrigatório aguentar com uns ataques do IN...

Gosto muito de ver fotos desse tempo e espero que haja mais adesões ao blogue, para recordarmos tempos de JUVENTUDE fiel à qualidade humana.
 _____________

Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7592: Blogpoesia (105): P'rá vala, p'ra vala (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 22 de Dezembro de 2010:

Meus caros camarigos editores
Estava eu a pensar "cá com os meus botões" em coisíssima nenhuma e de repente... surgiu isto que vos envio.

Já deve ter acontecido a muitos de nós, estas noites mal dormidas, povoadas do passado!
Fica à vossa disposição.

Um abraço forte e camarigo do
joaquim


P’rá vala, p’rá vala!

P’rá, vala, p’rá vala!

O grito fere-me os ouvidos,
arrefece-me o sangue,
faz-me tremer o coração,
mas impulsiona-me como uma mola,
e num salto deixo a cama.

Mergulho na escuridão,
ouço passos a correr,
mais do que gente a gritar
sinto o meu coração a bater.

Mergulho numa coisa estreita,
como se de uma cova de cemitério,
se tratasse,
e ouço de imediato uma voz,
porra que me pisaste!

Os rebentamentos sucessivos,
parecem explodir em cada coração,
e ouvem-se apreciações em voz alta:
esta foi perto,
ouviu-se aqui a rebentar,
e logo uma outra voz
onde o humor vence o medo:
não há problema,
os gajos não conseguem acertar!

O cheiro acre da pólvora
toma conta de tudo e todos,
e há vozes que se cruzam,
com os projecteis no ar:
calma pessoal, calma,
isto está quase a acabar!

A camisa encharcada em suor,
o pó agarrado à cara,
ou está muito calor,
ou o suor é do medo!

Ouço uma voz que me chama,
aos gritos,
por cima do barulho infernal:
meu Alferes, porra,
meu Alferes!

Volto-me para ver quem é,
e…
caio da minha cama!

Monte Real, 10 de Janeiro de 2011
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7524: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (26): Ano Velho, Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 10 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7585: Blogpoesia (104): É nossa e gosto de a saborear (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P7591: Ex-combatentes da Guerra Colonial lançam uma Petição Pública On Line (1): Meta, recolha de 4000 assinaturas (Inácio Silva)

1. Em mensagem de 5 de Janeiro de 2011 o nosso camarada Inácio Silva, ex-combatente da Guiné ao serviço da madeirense CART 2732, trouxe ao conhecimento do nosso Blogue e por extensão a todos os nossos leitores, ex-camaradas que combateram em Angola, Guiné e Moçambique, que sabemos serem muitos, a iniciativa de lançar uma Petição On Line dirigida à Assembleia da República.

Caros amigos e ex-camaradas:
No seguimento do meu email do passado dia 5 de Janeiro de 2011 e de algumas respostas incentivadoras, decidi colocar, publicamente, a PETIÇÃO que anunciei, que poderá ser acedida através do link:

http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N5306

O seu nome é: Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios.

É óbvio que o sucesso da mesma dependerá da adesão que ela merecer por parte de todos os ex-combatentes.

Há que vencer a info-exclusão, transmitindo aos que não têm Internet e não a querem ter, que poderão, com a ajuda dos que a têm, VOTAR/ADERIR/CONCORDAR/ASSINAR.

Solicito e agradeço, desde já, a todos os ex-camaradas que desenvolveram BLOGUES ou PÁGINAS DE INTERNET, que noticiem, de forma visível, este facto e, se possível, coloquem o texto da petição e o link para aceder à mesma. Naturalmente que serei o primeiro a dar o exemplo, publicando-a nos meus próprios blogues.

Ao Carlos Vinhal não preciso de o pedir, porque sei que ele o fará, de imediato. Os meus agradecimentos ao Carlos e também ao Luís Graça e a toda a equipa de co-editores deste grande blogue, de alcance mundial: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

Agora, é só esperar que obtenhamos um mínimo de 4000 assinaturas, para, de seguida, enviar a petição aos Órgãos do Estado a que se destina: Assembleia da República e Governo.

Se pensarmos que, só nas guerras de África, foram mobilizados cerca de 900.000 militares, ficaria muito satisfeito que se obtivesse 1% de adesões.

Agora poderei dizer que a "bola" está do nosso lado. É necessário chutá-la e marcar golo na outra baliza!

Um abraço fraterno do
Inácio Silva
ex-CART 2732
Mansabá-Guiné
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Notas de CV:

Petição On Line em: http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N5306

Consultar a Lei nº 3/2009, de 13 de Janeiro em: href="http://www.mdn.gov.pt/NR/rdonlyres/CB80E35E-2254-481B-8DBC-290CD1ED5045/0/Lei32009.pdf%22

Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Peço encarecidamente a quem esteve na Ponta do Inglês que ajude a descodificar as imagens que se recolheram e que contribuam para se reconstituir as localizações dos quartéis da Ponta do Inglês.
Muito pouco resta, convinha zelar pelos últimos vestígios desta memória.
Permito-me recordar que pedi ajuda a quem no Xitole viveu (e não foram poucos) para explicar o que o Tangomau viu sem compreender, o Xitole que ainda está a tempo de uma intervenção para as gerações vindouras, ninguém acrescentou uma sílaba, incompreensivelmente.
O passeio foi paradisíaco, é uma beleza conflituante, contraditória: tanto deslumbramento numa autêntica estrada da morte.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (13)

Beja Santos

Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

1. Toda a região do Xime exerceu e exerce fascínio no Tangomau. E por razões facilmente explicáveis: em Setembro de 1968, foi ali que fez a sua primeira operação, o objectivo era chegar a uma base bem pouco acessível denominada Buruntoni, tudo correu mal desde guia que se desorientou até um pesado bombardeamento sobre Mansambo, isto quando era o efectivo que ali se encontrava na operação; Ponta Varela, como já foi dito, soava, em questão de flagelações com RPG2 e RPG7 em Mato de Cão, e por diversas vezes; depois, a partir de Março, e com alguma regularidade, o Tangomau e os seus homens ali palmilharam a zona em várias direcções; e, por último, a última operação foi um patrulhamento que começou na região de Moricanhe, passou por Chicamiel, Gidamo e culminou numa emboscada entre Madina Colhido e Gundaguê Beafada, com resultados, uma mulher gravemente ferida e a plena convicção de que a população afecta ao PAIGC se abastecia no próprio Xime tabanca. Foi ali, de 1962 para 1963, que se abriu a segunda frente, Domingos Ramos vivia em Tubacutà, dentro da mata do Fiofioli; chegaram ao arrojo de colocar em Gundaguê Beafada um dístico “Aqui começa o território livre da República da Guiné, isto em 1963. A despeito do que era propalado pela propaganda, o controlo do Xime e Bissari, até ao Corubal, era exercido pelas forças comandadas por Domingos Ramos e pelos líderes que lhe sucederam. O Xime era um eixo estratégico e daí a tentativa, que se prolongou por alguns anos, de ter aberta a via até à Ponta do Inglês, na desembocadura do Corubal, em frente a Quinara. Esta estrada irá ser um calvário, entre minas e emboscadas, ali se verteu sangue e o destacamento da Ponta do Inglês tornou-se um inferno. O que o Tangomau conhecia era a região de Ponta Varela, o Poindom, até à Ponta do Inglês e respectivos acessos. A população cultivava as bolanhas, fundamentais para o aprovisionamento, era terras úberes; a navegação no Corubal fora tornada impraticável, de modo que qualquer saída do Xime e qualquer detecção significava confronto a prazo. O Tangomau, sempre que lhe coube decidir, resolveu as questões com protecção dos obuses e aproximações e retiradas em ziguezague, tudo dava trabalho mas tinha a compensação de não se chegar com mortos e feridos. É nesta estrada, junto ao porto, que Lânsana Sori inflecte para a esquerda, passa junto da tabanca, há acenos e depois o romrom dispara em direcção a Madina, a antiga Madina colhido, um pouco à direita começa a estrada que vai para Ponta Varela, segue-se em frente, é uma estrada enorme, descurada, com belas sombras, Lânsana vai concentrado nas lamas, nos riscos de se atascar nos lodos das poças, nas bermas irregulares.



2. Curiosamente, a região não é muito povoada, o que interessa é que os palmeirais são frondosos, amistosas as sombras dos cajueiros, entrelaçados pelo caminho, daí os viajantes usufruírem uma sombra temporária. E depois de muito viajar chega-se a Gã Garneis, ou coisa que o valha, terá vivido ali um ponteiro de nome Ernesto, daí a corruptela. Há bifurcações, cumprimenta-se o chefe de tabanca, promete-se no regresso apresentar cumprimentos. A partir daqui a paisagem desafoga-se, sente-se a bolanha enorme e depois avista-se o mercúrio líquido do Corubal. Fazem-se perguntas, os viajantes são encaminhados para o termo da estrada. Agora não há que enganar, avista-se uma casa em ruínas e construções recentes, desfruta-se a magia da Península de Quinara, uma mancha de verde azeitona, desta orla do rio. O Tangomau emudeceu, é tudo muito belo, quem vê imagens não pode percepcionar os horrores que aqui se viveram, o sangue derramado, o trabalho sem esperança.



3. Pouco resta da casa de Inglês Lopes, ao que parece era este o dono da Ponta. Convirá que aqui se esclareça, entre os interessados (combatentes que aqui moraram) qual era exactamente a localização deste quartel cuja existência se poderá situar entre 1964 e 1966. Aqui esteve um pelotão destacado da companhia do Xime, mais um pelotão de milícias. Aqui iniciaram a vida militar amigos como Fodé Dahaba e Mamadu Djau, eram quase crianças. Manda a curiosidade que se vá primeiro junto da casa que precedeu o quartel, como é o caso em apreço. O descalabro salta à vista, não precisa de legendas. Ali perto celebra-se uma cerimónia, o Tangomau aproxima-se e apresenta-se, um ébrio declarado pretende insultá-lo, mostrando mesmo o seu cartão de alferes. Outras pessoas fazem sinais, pedem condescendência, e alguém vem mesmo propor os seus serviços, vai guiar os viajantes e mostrar-lhes o primitivo quartel, ali à beira rio.



4. O destacamento vinha até junto à água, havia um pontão para receber as embarcações, tudo desapareceu. Para quem já viu as magras estacas dos portos do Xime e Bambadinca, deplora-se e até se acredita que é verdade. A vista é extasiante, o que mais perturba o Tangomau é imaginar que se viveu naquele inferno e com aquele panorama edénico, pelo menos o que se avista em direcção a Quinara, a escassos quilómetros.



5. Os guias não se cansam de reafirmar que desapareceram abrigos, há ainda ali umas estacas à frente e que são visíveis no pontão que existiu do outro lado do quartel, já com vista para o Geba, lá ao longe. O quartel teve de ser abandonado e transferido para o que é hoje Gã Garneis, ir-se-á mais tarde visitar uma árvore de copa frondosa, ali mesmo ao pé havia um abrigo. Mamadu Djau irá confirmar as flagelações sistemáticas, o abandono da estrada depois do calvário das colunas, a quase operação que era ir buscar os abastecimentos ao rio, com protecção das lanchas da armada. O passeio prossegue, aceita-se que estejam ali alguns restos do antigo pontão, o mais importante é o esplendor do que aqui se avista, pois, algumas centenas de metros mais abaixo o Corubal enfia-se no Geba. Só para ter esta panorâmica, pisando o solo onde tanta gente sofreu anos a fio, valeu a pena confirmar o que se vira em marcha acelerada, durante as operações.



6. É por estas e por outras que se tem tudo a perder quando não se domina completamente o crioulo. Os guias chamavam a atenção para dois poilões que pareciam tatuados, ao princípio o Tangomau até pensou que os antigos militares deixaram inscrições, uma memória perpetuada. É nisto que se faz a aproximação e se vêem as marcas das balas, sabe-se lá se de rajadas ou de tiro-a-tiro. O que interessa é que ficaram lá, entre esculturas. É impressionante, os próprios guias dizem que a população aqui vem regularmente relembrar o que faz uma guerra, ver as marcas que a natureza não pode absorver, as árvores não gritam, tornam-se esculturas vivas, memoriais de sofrimentos ignorados. Se os habitantes de cá respeitam estes pavores da guerra, o que é que nos falta para iludirmos que devemos alguma homenagem a quem tanto aqui penou, mesmo por escassos anos?



7. Do primitivo quartel da Ponta do Inglês nada mais há a ver, aqui se tem construído depois da independência com alguma profusão, há escola e instalações que dão suporte às fainas agrícolas. Não se vêem sinais de embarcações. E não fossem já mais de 4 horas e o Tangomau ali ficaria à conversa, a apurar a culturas e as condições de vida. Fazem-se alguns escassos quilómetros de regresso até Gã Garneis, fixa-se a legenda, estamos no centro de um antigo quartel, apresentam-se pessoas, o Tangomau conversa com Jubalo Jau, que fora prisioneiro na luta, capturado numa operação entre o Buruntoni e a Ponta do Inglês. Não há rancores no que se declara e como se declara. É verdade que há muitos silêncios e medos, há temores de parte a parte mas é bom conversar com alguém que soube perdoar e continuar.



8. Quis-se saber mais sobre Gã Garneis, indicaram o professor, ao que parece ele até tem um livro com todo o historial anotado. Infelizmente não estava, indicaram Bambadinca e até deram morada. No regresso, houve a preocupação de o procurar. Mas não se conseguiu desencantar esse explicador da história de Gã Garneis, antes e depois da guerra. Conversou-se, explicou-se ao que se vinha, aqui o acolhimento foi mais do que amistoso. E foi exactamente aqui que ficou um travo amargo com as informações prestadas: de motocicleta pode-se ir até ao Baio e ao Buruntoni, ou, na direcção oposta, até Tubacutá ou o Fiofioli. Tudo questão para se vaguear entre 4 a 6 horas. Que pena, é irremediavelmente tarde. Ainda há uma tentação, de ficar mais um dia, mas é uma aritmética tão enovelada que o Tangomau liminarmente abandona tais devaneios. Conversa um pouco mais, capta a imagem de Gã Garneis, ala morena que se faz tarde, ao menos que se percorra aquela estrada que tantas vidas custaram sentindo a luz dourada, o Poindom sempre tão prazenteiro do lado esquerdo e o temível arvoredo quase sem capim na berma direita. Coisa estranha, o Tangomau até sentiu calafrios, tudo tão belo e tão ameno nessa antiga estrada da morte.



9. Regressados ao Xime, Lânsana Sori reivindica uma pausa. Do acervo fotográfico desta viagem, sem dúvida alguma que este instantâneo enche de satisfação quem o captou, parece inventado ou forjado, parece que se pediu a Lânsana Sori que fizesse um número de circo, isto é, é totalmente inimaginável dormitar, fazer uma soneca esticado ao comprido em cima de duas rodas. Acreditem ou não, foi o que aconteceu. Mais uma razão para se guardar admiração por um motociclista prodigioso e equilibrista.



10. Ninguém ignora que há elefantes brancos na Guiné, construções grandiosas e sem préstimo, projectos faraónicos que serviram para sacar financiamentos e que não trouxeram um grama de desenvolvimento. O que se está a ver, e segundo informaram o Tangomau, é um majestoso silo da mancarra que seria descascada no Cumeré onde o Tangomau em 1991 viu uma construção gigantesca que depois terá sido vendida para a Índia, a preço de saldo. São muitos os autores que se interrogam sobre os projectos que não levam a ponto nenhum. Em Bissau, o Tangomau comprou no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa um livro sobre a intervenção rural onde uma autoridade, Flavien Fafali Koudawo, escreve coisas como esta: “Ao tomarem as rédeas da Guiné-Bissau independente, as novas autoridades assumiram-se portadoras de um modelo de desenvolvimento. Na ausência de uma visão clara deste modelo, e dado a inexistência de um quadro de articulação coerente das vias e meios para alcançar metas bem planeadas, o referido modelo ficou apenas um objectivo vislumbrado. Nem as orientações do terceiro congresso do PAIGC que pretenderam traçar em 1977 o quadro da reconstrução nacional, nem o primeiro plano quadrienal de desenvolvimento económico e social (1983 – 1986) conseguiram consubstanciar um verdadeiro projecto nacional, no sentido de uma projecção num futuro desejado, conscientemente escolhido e claramente delineado. Na ausência deste projecto, o modelo afogou-se na ineficaz heterogeneidade duma miríade de projectos que ilustraram sobejamente que de boas intenções o inferno está cheio”. Não é nada agradável terminar assim o dia depois de percorrer este território onde os guerrilheiros do PAIGC se impuseram do princípio ao fim, como se estivesses absolutamente conscientes do vigor da sua causa. Aqui, no Xime, avista-se esta construção faraónica que nunca foi usada, à sua volta há trabalhadores a cultivarem como há milhares de anos, no delta do Nilo. É uma visão da ficção científica ou de como em África há que repensar o desenvolvimento e o bem comum. E fiquemo-nos por aqui, foi um dia a valer, já nem haverá tempo de ver o pôr-do-sol no Bairro Joli. E, no regresso, ainda há uma paragem comovente em Amedalai que se contará no relato de domingo de manhã, antes do Tangomau ir às compras para a grande festa, o grande reencontro com todos quantos puderam vir.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7584: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (12): De Maná até Madina de Gambiel, depois Ponta do Inglês

Guiné 63/74 - P7589: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (38): Na Kontra Ka Kontra: 2.º episódio




1. Segundo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


 2.º EPISÓDIO

Sensivelmente a meio do percurso, já com a descontracção do regresso, um elemento da coluna acciona um engenho explosivo, ficando com o corpo todo dilacerado. Nunca se chegou a saber se o engenho já lá estava na passagem anterior. Provoca ainda pequenos ferimentos nos que iam mais perto. Não produziu mais danos pois o Alferes Magalhães tinha sido muito preciso nas instruções dadas, no sentido de irem afastados uns dos outros seis ou sete metros. Um dos feridos ligeiros é o Dionildo, que soltando meia dúzia de c… e f… depressa se recompõe.

Como autómatos, os homens tinham-se atirado para o chão e os mais nervosos, contrariamente às instruções recebidas, fizeram alguns disparos sem qualquer objectivo. Seguiu-se o silêncio, quer dos homens, quer dos animais da floresta. É então que o Alferes Magalhães, com a garganta cheia do pó vermelho da picada, num grito rouco, pergunta ao João Sanhá:

- Quem foi atingido?

1953, Recuam-se 16 anos. Finais da época seca. Madina Xaquili, uma tabanca recôndita nas profundezas do Cossé, cheia de beleza e poesia, sobretudo quando à noite no “bentem” debaixo do mangueiro no centro da tabanca o jovem futa-fula Braima tangia a sua guitarra feita com metade de uma cabacinha, pele de macaco e três cordas de fio de pesca. A tabanca era constituída por umas vinte moranças, implantadas num terreno um pouco inclinado. Ao fundo um pequeno carreiro conduzia à fonte onde brotava, mesmo na época seca, uma água cristalina.


A tabanca de Madina Xaquili em 1953. No centro debaixo de um grande mangueiro situava-se o “bentem”.

Era também aí que as mulheres lavavam a roupa enquanto os seus homens preparavam, junto da parte alta da tabanca, as lavras de mancarra, milho da terra, mandioca ou fundo, conforme as épocas. Seguindo a linha de água que se formava no local da nascente, ia-se ter a uma pequena bolanha para o cultivo de arroz que tinha que dar para o ano inteiro, pois na época das chuvas ficava isolada de Galomaro, a tabanca mais importante, a meio caminho de Bafata. O arroz era guardado numa espécie de pequenas palhotas sobrelevadas do chão, principalmente por causa dos ratos. Ladeando a bolanha, um palmeiral onde os que não eram muçulmanos podiam obter vinho de palma. Junto das lavadeiras, miúdos baloiçavam-se em lianas pendentes de grandes árvores em redor, bissilões, pau sangue, embondeiros com os seus frutos que mais parecem ratos pendurados pelo rabo e que os miúdos apanham quando os primeiros vendavais da época das chuvas os deitam abaixo, chupando a parte que envolve as sementes.

Era um fim de tarde igual a todos os outros e eis senão quando, a correr encosta abaixo, chega à zona das lavadeiras uma bajuda dos seus onze anos, seios a despontar, chamando por duas mulheres grandes.

– Vão depressa que a Binta, mulher do Adramane, está a parir.

Agora encosta acima as duas mulheres, feitas parteiras, lá foram assistir no parto, de que nasceria uma menina de pele mais branca que o habitual. Todas as crianças africanas nascem quase brancas e só escurecem depois com exposição à luz solar, com a intervenção da melamina, mas algumas crianças fulas nascem ainda mais brancas.

À nené viria a ser dado o nome de Asmau


A Binta e sua filha Asmau.

1969, Novamente. Mês de Junho. Nos princípios deste mês, na sequência do abandono de Madina do Boé pelas tropas portuguesas em 5/6 de Fevereiro e da ineficácia da operação “Lança Afiada” que durante 10 dias bateu toda a zona de implantação do PAIGC a norte do rio Corubal, o Comandante Chefe das tropas portuguesas, General António de Spínola, num acto de algum desespero e para que as populações da periferia da zona habitada do Cossé não se aproximassem de Bafata abandonando as tabancas, ordena ao Comando de Agrupamento da Zona Leste, sediado em Bafata, o envio de grupos de militares, enquadrados por oficiais que se considerem disponíveis. Pretendia-se assim impedir que as populações civis das tabancas em autodefesa dessa periferia do Cossé, as abandonassem. É neste contexto que o Alferes Magalhães segue para a tabanca de Madina Xaquili.

O Alferes Magalhães tem nesta altura cerca de um ano de comissão, metade do tempo total previsto. Bafata é nesse tempo o centro de uma zona de paz. A vida decorre calma mas um tanto ou quanto monótona. Grande parte do tempo livre é passado no quartel onde o nosso Alferes se isolava no seu quarto, a ler e ouvir música, saindo para jogar às cartas a dinheiro, perdendo invariavelmente. Sempre que isso acontece, pensa no ditado: Azar ao jogo, sorte no amor. Só que esse amor tardava em aparecer. Havia porém umas saídas obrigatórias: Ir ao cinema quando havia.

Sempre que ia ver um filme trocava algumas impressões com o porteiro Ibraim. Ibraim como o filho do profeta. Este, em determinada altura, diz-lhe que tornando-se sócio do Sporting Club de Bafata os bilhetes para o cinema lhe ficam mais baratos, pois as sessões tinham lugar no ringue de patinagem do Sporting Club. Passam a conviver com mais assiduidade. Muitas vezes se vê o Alferes com o Ibraim na esplanada do Restaurante Transmontana, o Alferes bebendo uma “meia cerveja” enquanto o Ibraim, muçulmano, toma uma “fanta”. Tornam-se verdadeiros amigos. Muita coisa o Alferes fica a saber sobre os hábitos dos africanos, que duma maneira geral são bastante fechados. O Ibraim conta-lhe episódios passados com as suas namoradas e o Alferes imagina o dia em que “sairá” com uma bajuda. Chega a levá-lo a um baile nativo na tabanca da Ponte Nova, onde o nosso Alferes, jogador como é, se sente como uma carta fora do baralho. A casa de “bajudas” existente na tabanca da Rocha, perto do início da estrada para Bambadinca também não o motiva, pelo que os seus estados depressivos se sucedem. A “lerpa” é o seu refúgio.

A ordem para seguir para Madina Xaquili foi entendida pelo Alferes Magalhães como um bom presságio. Ia mudar de ares. Contrariamente às bajudas da cidade, talvez as das tabancas fossem mais “acessíveis”.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P7583: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (37): Na Kontra Ka Contra: 1.º episódio

Guiné 63/74 - P7588: Lugares de Passagem, de José Brás (1): Carta aberta a um amigo (José Brás)

1. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 10 de Janeiro de 2011:

Meu amigo
Se entenderes que cabe, podes editar porque foi para o publicar que escrevi
Um abraço
José Brás


Lugares de Passagem
Carta aberta a um amigo


Às vezes
as palavras falam
do que não sabem*


Às vezes as palavras são apenas sons que soltamos, espontâneas e sem sentido, inexplicáveis senão na reacção a um primeiro olhar sobre as coisas;
às vezes as palavras contam apenas do sentimento construído antecipadamente sobre a realidade que prevemos se confirme;
às vezes as palavras, mesmo que ditas num sentido circunscrito e na melhor das intenções, espelham apenas a pressa, a falta de tempo ou de ferramentas para uma análise mais aprofundada dessa realidade;
às vezes as palavras são também balas concretas, carregadas de justiça e de lógica, impiedosas apenas enquanto expressão obrigatória de uma exemplar honestidade intelectual e moral que não pode abrigar amizades nem abraços.

Sei, tenho a mais absoluta certeza, que foi sob este último guarda-chuva que falaste no dia da apresentação do Lugares de Passagem, em Loures.
Contudo, creio também, que ao dizê-lo não te livraste dessas tais circunstâncias e condições de que falo mais acima, fechando a tua análise apenas num aspecto que, como repito, conta apenas um sentimento prévio que se confirma como esperável.
Sem deitar fora esse sentimento nobre da honestidade e da franqueza, coisas que quase só podemos ter mesmo com amigos, terei de dizer-te que, nessa fala, acabaste por encurtar a tua capacidade de analisar, quase como esse médico que, de tanto conhecer um doente, diagnostica de rotina e, um dia, erradamente.

Mudando de ritmo e de emoção...

Sobre este meu livro Lugares de Passagem, alguns amigos me perguntaram já, e outros afirmaram mesmo sem perguntas nem leitura, se (que) é mais uma narrativa da ou sobre a guerra colonial.
Alguma razão terão, pelo menos as perguntas, recordando o livro anterior, Vindimas no Capim.

Perguntando, ou em voo rasante, afirmando, confesso que me deixaste apreensivo porque eu não havia querido escrever um livro sobre a guerra colonial, aliás, mesmo sobre qualquer outro motivo circunscrito, mas sim um livro sobre gente, sobre sentimentos, sobre ânsias e sonhos dessa gente que se espalha pelo globo e que julgo ter conhecido nas minhas andanças por esses lugares de passagem, que, sendo-o, lugares de passagem, nunca o foram só, mas antes lugares de osmose, de troca desses sonhos e da comum ânsia de felicidade que nos dá formas a todos, indiferentemente de peles, de geografias, de religiões, de ideologias ou de estágio civilizacional, nesse conceito em que crescemos e somos.

Tendo presente que o homem põe e deus dispõe, quando começamos uma coisa destas, nunca sabemos se será isso mesmo que construiremos porque a gente que lhe pomos dentro ganha estatura psicológica, moral, cultural e até física, fica com vontades próprias, de si passa a dispor, acabando por desconstruir o desejo e a meta iniciais de quem começou tudo, se alguém pode verdadeiramente começar alguma coisa.

Colocada a palavra fim na última página, e repetido o que se diz sobre o início, se é que alguém pode acabar alguma coisa, o chamado criador volta ao início, junta as peças e tenta descobrir se era aquilo mesmo que queria dizer, ou, se não é, se ao menos lhe acha valor suficiente para o impingir a outros.

E o que me disseste tu pelo telefone, após o fim da sessão de apresentação do livro, em Loures, nessa forma que, de tão franca, às vezes parece até naife, foi "que o livro era aquilo que já havias dito, mais um livro de narrativas sobre a guerra colonial e que tudo o resto, os aviões, as mulheres no Brasil ou no Canadá, ou na Guiné, apenas gajas a quem dávamos umas quecas. A lavadeira Mominato era uma lavadeira igual a todas as lavadeiras a quem pagávamos para lavar roupa e que aviavam uma dúzia de soldados, que tudo isso eram apenas faits divers, de uma trama que, principalmente, era mais um título sobre a guerra colónial".

Palavras injustas sobre a mulher, ainda que apenas sobre a ideia de mulher, com ligeireza ditas, pensei eu, ditas no geral e em abstracto.

Deixando isso para outras passagens, contenhamo-nos sobre a questão que se desatou ali, preocupado que estava com o filho que acabava de dar à luz e medroso de ter falhado na sua criação e do seu futuro.

Passei a noite velando o berço, relendo, voltando ao início, discutindo com aquela gente toda, nas matas e nos campos, nas selvas urbanas, nas esperanças, nas desilusões, nas raivas e nos afectos, tentando pôr-me na pele do receptor, exercício muito difícil para o emissor, senão mesmo impossível.
Seja como for, madrugada alta, adormeci em paz e quando acordei, pensando sobre o assunto, conclui que há uma questão com a qual terei de conviver, equívoco quase inevitável, a ser verdade que não há amor como o primeiro, e que o primeiro se chama Vindimas no Capim, narrativa que sobreviveu à discussão sobre a dúvida se há ou não uma literatura da guerra colonial.

E penso que se sobreviveu, foi mesmo porque, sendo da guerra colonial, da primeira à última página respirando na busca das relações de poder nesta nossa sociedade de então, tentava entender como e porquê os meninos do meu tempo largavam as vindimas da aldeia, se faziam soldados e partiam para longínquas partes do mundo para matar e para morrer, pouco preocupado eu se para isso tinha de falar de casernas e de batalhas.

O equívoco de que aqui te falo tem pelo menos dois ramos, ambos filhos da mesma raiz mas evoluindo em sentidos diferentes e quase opostos.

Aceitemos que há guerra no livro e que nos futuros leitores existem, entre outros, duas classes, uma, que querendo ler de guerra, achará guerra a menos do que esperava, e outra, que, mesmo antes de ler, achava já que seria um livro de guerra, e que, lendo desatento ou desarmado, concluirá da sua certeza prévia, não sendo senão salada verde para disfarçar a escassez do prato, as alegadas gajas.

E que posso eu fazer para evitar isso?
Quase nada, a não ser defender a dama, demonstrar o erro, chamar a atenção para outras picadas que passam por dentro de tanta gente, atravessam mares e continentes e juntam no sentir e nos sonhos homens e mulheres, sejam negros ou brancos, cristãos ou muçulmanos, brancos ou negros, que se acham com direito à dignidade humana, ao respeito, aos bens de sobrevivência, ao amor.

Poderia dizer aqui que Lugares de Passagem é um livro repleto de eus, sem correr o risco de acusações de exagerado umbiguismo, antes ao contrário, porque são eus que não somo em mim, mas em que me divido, criando outros com outros nomes, outros homens, mulheres, gentes de guerra e gentes de paz, cada qual a seu modo preocupado com o seu mundo.

Eus no sentido que Gustave Flaubert deu quando, a perguntas sobre quem era Madame Bovary, respondia simplesmente "c'est moi!".

Não falo de Filipe Bento, nem de Arnaldo de Matos, personagens demasiado evidentes no parentesco. Falo de... Maura, por exemplo, e direi que Maura sou eu também, sem complexos nem preconceitos e na certeza de que não deitei fora essa importante parte que trouxe da barriga da minha mãe. Maura não é senão uma possível Maria ou Mónica ou Sara, ou outro nome de mulher que ajudará turistas a verem melhor a cultura e a história de seu povo, sem que se perca ela própria no colectivo, não apenas personagem, mas pessoa inteira em espírito, cultura e interpretação do mundo que a rodeia e a enforma, e plena também de sonho e de aspirações.

Por exemplo, Rose. Rose em Toronto ou em Montreal ou em Boston, fazendo de sua voz meio de partilhar os mesmos anseios e sonhos de Maura, ou outros que no fundo não são tão diferentes como se possa julgar, apenas desenhadas pelos meios sóciais em que cada uma se fez gente.

Por exemplo, Mominato, lavadeira de roupas de soldados no ambiente de uma situação violenta de combate nas matas da Guiné, erradamente construída se nos ativéssemos apenas à superfície da realidade que lhe conhecêssemos e desprezando-lhe a fundura humana particular, capaz das mesmas alegrias e tristezas, de aspirações e de sonhos que têm Maura e Rose, Filipe ou Arnaldo.

Por exemplo o Xico, que não poderia ser apenas o Xico das conversas, das maluquices, dos trambolhões. Que teria de ser um Xico para além disso, com data de nascimento, com respiração própria, ambiente envolvente e um pensamento que explique a morte, no entendimento da vida e do mundo na sua multiplicidade infinita.

E que gente é essa, todos a quem ponho nome e os outros que aparentemente não passam pelas páginas nem pelas palavras do livro, mas que na verdade quero que aí se encontrem em colóquio amplo?
Quem são eles senão partes de mim próprio?
De um eu uno e múltiplo, tal com tu, e que tal como tu, querem apenas abraçar os outros, iguais e diferentes.
E os soldados que colocamos em plena mata da Guiné, lutando, dormindo em catres pobres, comendo em prato escasso, bebendo dos vinhos adulterados pela ganância de intermediários militares de ocasião, com os medos e as coragens próprias de cada qual e das circunstâncias?

Nasceram soldados e já corajosos ou medrosos?

Não eram gente antes da instrução militar? Gente que sonhava futuros tal qual Helena em Copacabana ou o Filipe nas vinhas de Alenquer?

E quando matavam, tornavam-se apenas assassinos, ou quando eram mortos apenas mártires?

E os que os viam morrer não morriam também de algum modo, em partes de si que ainda hoje se reconhecem nas suas vidas?

E eu que vi morrer alguns e que aparentemente regressei vivo e inteiro, que partes de mim morreram neles e que outras partes nasceram com a sua morte?

Faits divers disseste que eram toda essa gente, cenário apenas para justificar os tiros que damos no livro.
E eu julgo que te enganas e que deves reler tudo de novo, demorando-te a pensar em cada uma dessas gajas e gajos, observando-os um pouco mais fundo do que nessa literatura que tanto aparece por aí, legitimamente aparecendo porque todos nós, no fundo, ambicionamos escrever um livro, ou, pior, naquela que se vende aos milhares porque não obriga a pensar e nos dá um mundo já entendido em tons de rosa.

*Sterea
amiga e magnífica poetisa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7564: Agenda cultural (99): Lugares de Passagem, de José Brás: Apresentação hoje, 6ª feira, 7, às 18h30, no Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, Av Gago Coutinho, 90, Lisboa

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7587: In Memoriam (68): Na morte de Vitor Alves (1935-2010), um dos grandes capitães de Abril: Mensagem à sua filha, Ana Cristina Alves, sinóloga (António Graça de Abreu)

1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu (foto à esquerda, na China):

Data: 10 de Janeiro de 2011 17:26
Assunto: Na morte de Vitor Alves

Meus caros [editores]:

Se acharem que é de publicar, avancem. Forte abraço,

António Graça de Abreu


Na morte de Vitor Alves, um dos grandes capitães de Abril, que ainda há poucos anos afirmou que hoje teria feito tudo igual na luta para derrubar o regime de Salazar e Caetano, excepto o pós-25 de Abril, o desastre e vergonha da descolonização, enviei à sua filha, minha amiga, sinóloga, uma das poucas especialistas em assuntos chineses em Portugal, a seguinte mensagem:

 Ana Cristina Alves, caríssima:

Quando o teu Pai regressa ao Grande Vazio, apenas duas palavras.

Cumpre-se o Tao, o ciclo da vida e da morte.

O teu Pai, que mal conheci mas que sei, podia ser meu companheiro de tantas viagens pelo mundo, partiu.



Em ti, Ana Cristina, a memória até ao fim dos teus dias, de um Pai que te encaminhou e ajudou a ser quem és, a Ana Cristina Alves, uma extraordinária e excelente pessoa,
mulher de bem, inteligente e amiga.

O Vitor Alves, esse homem de eleição, teu Pai, vai continuar contigo, connosco. Até um dia partirmos, e feitos cinza, terra e pó, nos juntarmos a quem toda a vida amámos.

Um fortíssimo abraço, as condolências do

António Graça de Abreu
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Nota de L.G.:

(*) Pequena nota biográfica sobre o Cor Inf Ref Vitor Alves (1935-2011), nosso camarada de armas (embora nunca tenha passado pelo TO da Guiné). 


(i) Vítor Alves nasceu em Setembro de 1935 em Mafra;


(ii) Matriculou-se na Escola do Exército [, actual Academia Militar,] em 14 de Outubro de 1954; pertencia à arma de infantaria;  e passou à reforma em 1991;

(iii) Tornou-se alferes em 1 de Novembro de 1958, tenente a 1 de Dezembro de 1960, capitão a 14 de Julho de 1963 e major a 1 de Março de 1972;  



(iv) Durante a sua carreira  militar, esteve colocado em várias unidades, incluindo no Ultramar em comissão de serviço, onde permaneceu 11 anos, em Moçambique e Angola [não consta que tenha estado no TO da Guiné]:

(v) Em 1969 é+3he atribuído o Prémio Governador-Geral de Angola pelo trabalho desenvolvido no campo das actividades socioeconómicas em prol das populações africanas;

(vi) Em 1974, fez parte da comissão coordenadora e executiva do Movimento das Forças Armadas (MFA), juntamente com Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço,  tendo redigido o respectivo programa;  

(vii) Foi o responsável pelo comunicado do MFA divulgado à população no 25 de Abril e substituiu Otelo Saraiva de Carvalho, a partir das 16 horas, no posto de comando da Pontinha, passando a coordenar o desenvolvimento da acção;

(viii) Pertenceu ao Conselho de Revolução, do qual foi porta-voz, até à sua extinção (em 1982);

(ix) Foi ministro sem pasta do II e III Governo Provisório (entre 17 de julho de 1974 a 26 de março de 1975) e ministro da Educação e Investigação Científica do VI Governo Provisório (de 19 de setembro de 1975 a 23 de julho de 1976);

(x) Em 1982, foi nomeado conselheiro do então Presidente da República, Ramalho Eanes, ano em que passou à reserva como militar; 

(xi) Recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade (1983), entre muitas outras distinções dentro e fora de Portugal;

(xii) Foi candidato independente pelo PRD às eleições legislativas (1985), à presidência da Câmara de Lisboa (1986) e ao Parlamento Europeu (1987);

(xiii) Foi um dos fundadores da Associação 25 de Abril; 

(xiv) Tinha a patente de coronel desde 2001, tendo morrido de cancro, no Hospital Militar, ontem, domingo, 9 de Janeiro de 2011; 

(xv) Será recordado como um homem cordial, afável e criador de consensos, qualidades que os portugueses nem sempre valorizam devidamente. (LG)



Fontes:  Diversas, na Web (Público, Expresso, Jornal de Notícias, Wikipédia...)
Foto: Adapt. de Jornal de Notícias (com a devida vénia...)