
1. Trigésimo quarto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 23 de Fevereiro de 2011:
34º EPISÓDIO
Na reunião com o Furriel, para lhe entregar o comando, o Alferes chega a dizer-lhe que lhe tinha passado pela cabeça ignorar a ordem para ir embora e permanecer na tabanca. Além das boas recordações que tinha dos dois meses passados ali, estava sobretudo com muita pena de abandonar toda aquela gente africana que, independentemente da guerra, dentro de dias iria ficar isolada de Galomaro devido às chuvas. Para permanecer na tabanca, bastar-lhe-ia enviar uma mensagem para o Comando de Galomaro, com conhecimento ao Comando de Bafata a perguntar qual ordem cumpria, se a da coluna para o levar, se a que recebera do Coronel quando da sua visita à tabanca dizendo-lhe que o Alferes só sairia dali quando todos tivessem abrigos. Nesta altura dos acontecimentos os abrigos já não seriam suficientes e sobretudo seria necessário abrir valas entre abrigos.
Iria a mensagem, viria a resposta, entretanto a coluna tinha partido e o Alferes tinha ficado, sem contudo praticar qualquer desobediência. Na tropa as coisas podem assim acontecer.
O Alferes não tem coragem para tanto e resolve partir. Despede-se de todos os que ficam, especialmente do Dionildo com quem tinha estabelecido uma relação que ultrapassava o âmbito militar e se transformara numa verdadeira amizade pessoal.
O João Sanhá e alguns milícias prometem visitá-lo quando forem a Bafata.
O nosso Alferes sobe para uma viatura e a coluna põe-se em marcha. A consumação dum KA KONTRA. À frente, pela segunda vez nesta zona, segue uma equipa de picadores.
É então que o Furriel que ia ao lado do Alferes lhe pergunta se tinha gostado de estar na tabanca. O Alferes já possuído de uma profunda tristeza por ter deixado Madina Xaquili e o seu povo desata num choro convulso. Os seus olhos parecem dois chuveiros. O Furriel não compreendendo o porquê da situação fica mudo. Mais à frente o Alferes reage, limpa o rosto e reata a conversa com o furriel, mas não sobre Madina Xaquili.
Chegam a Galomaro e antes de ser levado a Bafata, o Alferes Magalhães ainda tem tempo de conversar com o Capitão, Comandante da Companhia, pondo-o a par dos acontecimentos da noite anterior.
Antes de subir para um Unimog para prosseguir viagem não deixa de perguntar, quer ao Capitão quer a elementos africanos, se não estariam aí a família do Chefe de Tabanca, fugida de Madina Xaquili, pois o Alferes sabia que a Asmau tinha aí um tio. A resposta foi negativa pelo que continuou viagem.
Chega a Bafata e ao Comando de Agrupamento. Põe a bagagem no seu antigo quarto e dá-se um grande NA KONTRA com todo o pessoal do quartel ávido de saber como as coisas tinham corrido lá na longínqua tabanca, incluindo o baptismo de fogo do Alferes. Faz a apresentação formal ao Comandante a quem relata os últimos acontecimentos em Madina Xaquili.
Já sozinho sente uma sensação muito estranha que nunca tinha tido: Esteve dois meses fora mas o que lhe parece é que já há anos não ia a Bafata. Só encontra uma explicação: A intensidade com que tinha vivido em Madina Xaquili. Horas, minutos, segundos tinham-se multiplicado por dias, meses, anos. Tinha visto a guerra de perto pela primeira vez. Tinha namorado. Tinha casado. Tinha-se divorciado. A morte do Samba não lhe saia da ideia. Tinha bem presente o convívio diário com aquela extraordinária gente, pura e sincera. Era pois uma sensação que nunca tinha sentido: Que o mundo tinha ficado para trás e que nada mais havia para fazer. Não via no trabalho insípido que novamente o esperava no quartel, algo que o fosse tirar da melancolia que agora o estava a possuir.
Como sempre acontecia em situações difíceis reage o melhor que pode. Fala com todos os camaradas contando a sua experiência na tabanca. Toma um banho de chuveiro que não deixou de achar estranho, pela “mordomia”. Vai almoçar, como anteriormente era habitual, com os Alferes do Esquadrão, ali ao lado, sentado numa cadeira, debaixo de um tecto e servido pelo inestimável Cabo Marques. Mais “mordomias”.
A seguir ao almoço, enquanto os outros Alferes vão dormir a sesta, o Alferes Magalhães vai rever Bafata. Passa a cumprimentar o Senhor Teófilo, dono do restaurante próximo e continua avenida abaixo, com o Sol a pique, mas não acusando o calor. Revê o café das libanesas e chega ao café-restaurante Transmontana onde toma um café, servido pelo Infali, homem triste mas sempre simpático, com quem o Alferes sempre conversa. Aliás numa das conversas referiu que, como “bom muçulmano” tinha quatro mulheres. O ar triste devia vir daí…
Tomado o café vai rever o Mercado. Ao lado na Piscina, debruçado na balaustrada sobre o rio Geba, revê os pescadores nas suas canoas.
O calor aperta e resolve tornar ao quartel. Não vai pela avenida principal, que a essa hora e a subir é penoso percorrê-la. Vai antes por um caminho totalmente arborizado e plano que conduz à mãe d’água de Bafata, zona muito aprazível onde até há mesas e bancos para piqueniques, local que é conhecido por Sintra de Bafata. Pelo caminho cruza-se com bandos de macacos-cão que estão sempre por ali à espera que se lhe dê qualquer coisa para comer. Da mãe d’água, onde também há um grande chafariz, até ao quartel só tem que subir um pequeno desnível, passando ao lado da casa do Comandante do Esquadrão. Não é raro neste local verem-se uns enormes “lagartos” com mais de um metro de comprimento mas perfeitamente inofensivos.
Chegado ao quartel vai deitar-se. O Comandante tinha-lhe atribuído três dias de descanso e portanto aproveita.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7847: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (69): Na Kontra Ka Kontra: 33.º episódio























