1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira* (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73), com data de 11 de Março de 2011:
Camarigos em geral e Bedandenses em particular:
Hoje encontrei um dos meus antigos baús de recordações e fui lá encontrar uma verdadeira preciosidade. O primeiro número do "Seis do Cantanhês" (também só saíram dois números, que eu me lembre), o jornal mensal da CCaç 6.
Infelizmente, naquele tempo, o formato do papel (ainda não globalizado), era ligeiramente superior ao actual A4, razão pela qual se torna dífícil a sua digitalização, sem cortar partes laterais do texto.
Depois também se torna complicado resistir ao tempo, o que fez com que os textos em partes tenha quase desaparecido.
De qualquer maneira tentei e resolvi compartilhar com vocês algumas das páginas desse nosso jornal.
E já agora, quero também aproveitar para informar todos os camarigos bedandenses que em breve irei postar mais algumas fotos, na tentativa de alguém reconhecer ou reconhecer-se, para que haja possibilidade de os contactar tendo em vista o nosso encontro. Agradecia também que todos os já contactados me informem, a mim ou ao Vasco, das pessoas com quem mantêm contacto e que claro, estejam interessados neste encontro.
Um grande abraço para todos.
António Teixeira
(Clicar nas imagens para as ampliar)
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Nota de CV:
(*)Vd. último poste de 13 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7938: Memória dos lugares (146): Bedanda 1972/73 - Natal de de 1972 (António Teixeira)
Vd. último poste da série de 28 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8011: Memória dos lugares (150): O Porto do Portojo ou "a vida em fotos, olhar à minha volta e tentar perceber... ” (Jorge Teixeira / Vasco da Gama)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Guiné 63/74 - P8044: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (2): Afinal, os Anjos acompanham-nos
1. Mais um dos Episódios da Guerra na Guiné, trabalho do nosso camarada e Manuel Sousa (ex-Soldado At da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74), enviado em mensagem do dia 15 de Março de 2011:
Enquanto o meu Pelotão esteve deslocado da sua Companhia, de Jumbembém, envolvido nos acontecimentos de Guidage que acabei de relatar, permanecemos no quartel de Binta.
Como já descrevi, ali ficámos mais de uma semana a ração de combate, sem tomar banho e mudar de roupa, a dormir no chão, o que, juntamente com todas aquelas emoções em teatro de guerra, no fim daquele período, nos deu o aspecto que a minha fotografia bem ilustra.
No meio daquele clima de guerra, algo de útil aprendi sobre generosidade e solidariedade humanas.
Travei conhecimento em Binta com um militar, o Soldado Pires, que tínhamos em comum sermos ambos transmontanos.
Pertencíamos ao mesmo batalhão, mas como ele estava em Binta e eu em Jumbembém não nos conhecíamos, muito embora a fisionomia dele não me fosse estranha, porque frequentou a recruta em Vila Real como eu e do facto de termos viajado juntos no paquete “Uíge” na ida para a Guiné.
Ele como “estava em casa” tinha a alimentação normal, confeccionada, e eu como estava deslocado tinha a minha ração de combate.
Um dia à hora do almoço, estava eu a comer uma lata de conserva e umas bolachas de água e sal, apareceu-me ele com um prato na mão com a refeição confeccionada que lhe tocava:
- Toma, é para ti, estás aqui há tanto tempo a ração de combate, dou-te a minha refeição que te vai fazer bem.
É indescritível a comoção que me assaltou. Aliás, o mesmo aperto de garganta que estou a sentir agora ao escrever estas palavras.
Aquele gesto de generosidade não se limitou só àquela vez, a ponto de eu algumas vezes recusar, não querendo abusar da nobreza do seu carácter.
Escusado será dizer a amizade que se criou entre nós, naquele tão curto espaço de tempo.
A partir dali nunca mais tive contacto com ele. Terminada a comissão, regressámos à Metrópole, em Agosto de 1974.
Volvido um ano, em Setembro de 1975, ingressei na Guarda Nacional Republicana e fui colocado em Lisboa no Quartel dos Lóios, junto ao castelo de S.Jorge.
Entretanto constituí família e aluguei uma casa em Casal de Cambra, na freguesia de Belas, Sintra.
Uma casa geminada com outra igual, cujo senhorio era o mesmo, que me disse que a outra casa tinha sido alugada também por um Guarda a prestar serviço no Quartel do Beato, também em Lisboa.
Decorreu um lapso considerável de tempo, talvez um mês, sem eu conhecer o outro inquilino: estávamos em quartéis diferentes, turnos diferentes, não se proporcionando por isso qualquer contacto de vizinhos.
Um dia ao sair de casa, olhei para a direita e imaginem quem estava encostado à ombreira da outra porta, da tal casa geminada! O soldado Pires em pessoa.
O que se passou depois, já todos vós estais a imaginar. Afinal os anjos acompanham-nos.
Não resisti a partilhar convosco esta lição de vida.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8035: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (1): A crise de Guidage
EPISÓDIOS DA GUERRA NA GUINÉ 1973/1974 (2)
AFINAL, OS ANJOS ACOMPANHAM-NOS
Enquanto o meu Pelotão esteve deslocado da sua Companhia, de Jumbembém, envolvido nos acontecimentos de Guidage que acabei de relatar, permanecemos no quartel de Binta.
Como já descrevi, ali ficámos mais de uma semana a ração de combate, sem tomar banho e mudar de roupa, a dormir no chão, o que, juntamente com todas aquelas emoções em teatro de guerra, no fim daquele período, nos deu o aspecto que a minha fotografia bem ilustra.
No meio daquele clima de guerra, algo de útil aprendi sobre generosidade e solidariedade humanas.
Travei conhecimento em Binta com um militar, o Soldado Pires, que tínhamos em comum sermos ambos transmontanos.
Pertencíamos ao mesmo batalhão, mas como ele estava em Binta e eu em Jumbembém não nos conhecíamos, muito embora a fisionomia dele não me fosse estranha, porque frequentou a recruta em Vila Real como eu e do facto de termos viajado juntos no paquete “Uíge” na ida para a Guiné.
Ele como “estava em casa” tinha a alimentação normal, confeccionada, e eu como estava deslocado tinha a minha ração de combate.
Um dia à hora do almoço, estava eu a comer uma lata de conserva e umas bolachas de água e sal, apareceu-me ele com um prato na mão com a refeição confeccionada que lhe tocava:
- Toma, é para ti, estás aqui há tanto tempo a ração de combate, dou-te a minha refeição que te vai fazer bem.
É indescritível a comoção que me assaltou. Aliás, o mesmo aperto de garganta que estou a sentir agora ao escrever estas palavras.
Aquele gesto de generosidade não se limitou só àquela vez, a ponto de eu algumas vezes recusar, não querendo abusar da nobreza do seu carácter.
Escusado será dizer a amizade que se criou entre nós, naquele tão curto espaço de tempo.
A partir dali nunca mais tive contacto com ele. Terminada a comissão, regressámos à Metrópole, em Agosto de 1974.
Volvido um ano, em Setembro de 1975, ingressei na Guarda Nacional Republicana e fui colocado em Lisboa no Quartel dos Lóios, junto ao castelo de S.Jorge.
Entretanto constituí família e aluguei uma casa em Casal de Cambra, na freguesia de Belas, Sintra.
Uma casa geminada com outra igual, cujo senhorio era o mesmo, que me disse que a outra casa tinha sido alugada também por um Guarda a prestar serviço no Quartel do Beato, também em Lisboa.
Decorreu um lapso considerável de tempo, talvez um mês, sem eu conhecer o outro inquilino: estávamos em quartéis diferentes, turnos diferentes, não se proporcionando por isso qualquer contacto de vizinhos.
Um dia ao sair de casa, olhei para a direita e imaginem quem estava encostado à ombreira da outra porta, da tal casa geminada! O soldado Pires em pessoa.
O que se passou depois, já todos vós estais a imaginar. Afinal os anjos acompanham-nos.
Não resisti a partilhar convosco esta lição de vida.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8035: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (1): A crise de Guidage
Guiné 63/74 - P8043: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (7): Os encantos e as armadilhas das ilhas de Bubaque e Rubane (Bijagós), 11/13 de Dezembro de 2009 (Parte III, o regresso a Bissau)
Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Bubaque > 13 de Dezembro de 2009 > Mensagens publicitárias... Esta intriga-me, o anúncio do carpinteiro Khadim Rassoul (?)corta um bocado do início e do fim da mensagem que está escrita na parede: [...] Dona Lídia mindjer ku sibi trata [...] fidju matchu Deus na dal bom sorte [...] na é mundo.
Guiné-Bissau > Arquipélago Bolama- Bijagós > Bubaque > 13 de Dezembro de 2009 > Também é domingo para os muçulmanos...
Guiné-Bissau > Arquipélago Bolama- Bijagós > Bubaque > 13 de Dezembro de 2009 > Uma manhã calma de domingo... e que Deus ou Alá e os bons irãs protejam a Guiné-Bissau...
Guiné-Bissau > Arquipélago Bolama-Bijagós > Bubaque > 13 de Dezembro de 2009 > O barco, o Expresso dos Bijagós, um antigo cacilheiro do Tejo, parte todas as semanas às sextas-feiras e regressa no domingo... É uma festa! É o acontecimento da semana, em Bubaque... Toda a vida social da ilha ali concentrada, naquelas horas de domingo... A azáfama aumenta com a hora da partida do barco, depois do almoço... Quem parte leva saudade, quem fica, faz a festa... Para saber mais sobre Bubaque e outras ilhas do arquipélago Bolama-Bijagós, ver aqui, em Rotas & Destinos... [Uma das coisas que eu não sabia é que Bubaque esteve ocupada pelos alemães durante a I Guerra Mundial... Não se pode saber tudo]. (LG)
Guiné-Bissau > Bissau > 13 de Dezembro de 2009 > 18h45 > Chegada, a a Bissau, do Expresso dos Bijagós, vindo de Bubaque... Partiu às 14h45... São portanto quatro horas de viagem...
Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
1. Continuação da publicação das notas do diário de viagem à Guiné, do João Gracça, acompanhadas de um selecção de algumas das centenas fotos que ele fez, nas duas semanas que lá passou (*)...
Nos cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009) fomos encontrá-lo, como médico, voluntário, no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém (*).
O fim de semana, de 11 a 13 (6ª, sábado e domingo) de Dezembro de 2009, foi passado em Bubaque e Rubane, no arquipélago de Bolama-Bijagós (**). Dia, 13, à tarde, estava na hora de regressar a Bissau, que na segunda feira era dia de trabalho: visita médica (obrigatória) aos colaboradores da AD -Acção para o Desenvolvimento, a ONG do Pepito... que o trabalho de um jovem médico pode ser pouco, na Guiné-Bissau, mas quem não o aproveita... é louco. Mas dia 13, domingo, o diário do nosso Dr. João Graça só tem duas linhas... Em contrapartida, temos muitas fotas... (LG)
13/12/2009, domingo > Bubaque-Bissau
9.1. O porto encheu-se para despedida. É um verdadeiro acontecimento.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 28 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8005: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (6): Os encantos e as armadilhas das ilhas de Bubaque e Rubane (Bijagós), 11/13 de Dezembro de 2009 (Parte II)
(iii) IBAP - Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, Guiné-Bissau, Bissau
Guiné 63/74 - P8042: Parabéns a você (236): José Eduardo Oliveira (JERO), ex- Fur Mil Enf da CCAÇ 675 (Tertúlia / Editores)
PARABÉNS A VOCÊ
04 DE ABRIL DE 2011
JOSÉ EDUARDO REIS OLIVEIRA (JERO)
A quem desejamos um dia de aniversário cheio de alegria junto daqueles que são a razão da sua vida, esposa, filhos e netos, demais familiares e amigos.
Postal de parabéns do nosso camarada Miguel Pessoa
2. No dia do seu aniversário, tem a palavra o nosso camarada e amigo José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 que andou nos idos anos de 1964 a 1966 bem pelo Norte da Guiné, mais propriamente por terras de Binta.
Para quem não sabe, o JERO é Jornalista encartado e colabora há muito no jornal "O ALCOA" publicado na sua terra natal, Alcobaça. Não se estranha por isso a publicação de um livro de sua autoria, "Golpes de Mão´s, Memórias de Guerra", onde é descrita a actividade operacional da sua Unidade enquanto tropa de quadrícula. Do seu blogue pessoal (JERO - Histórias e Memórias Pessoais), tomamos a liberdade de retirar um poste recente, com data de 28 de Março último. Entretanto, deixemo-lo apresentar-se a si próprio:
Fui militar e orgulho-me disso. Fiz parte da CCaç 675 – que esteve no Norte da Guiné até fins de Abril de 1966. Fui Enfermeiro e fui louvado e condecorado. Estive em todas ou quase! Fui ainda o “cronista” da CCaç 675 escrevendo um “Diário” de 280 pgs - 250 exemplares. Escrevi e editei em Maio de 2009 o meu 2º. livro.Golpes de Mãos. 500 exemplares.
Apesar de reformado tento manter-me vivo... Vou a todas (ou quase…)! Na Universidade da Vida cursei “cidadania” e participo activamente nas “coisas” da minha terra. Já estive na direcção de variadas instituições. Profissionalmente estive ligado ao M.J. (1958 a 1962 nos Tribunais da Covilhã e Alcobaça),ao Banco Pinto Sotto Maior de 1966 a 1968) e à SPAL-Porcelanas de Alcobaça,SA. Na SPAL estive 34 anos, tendo tido a responsabilidade de Director Comercial-M.Local.
O artigo I do “regulamento” dizia que o Congresso realizar-se-á na cidade do Porto nos dias 1, 2 e 3 de Junho 1973.
O artigo II tinha várias alíneas e diversos considerandos. Os que mais me sensibilizaram e me levaram a viajar até ao Porto tinham a ver com «…reatar e manter os laços de camaradagem…celebrar os serviços prestados e…procurar resolver os problemas relativos à integração social do combatente.»
Dia 3 de Junho de 1973.Eu estive lá. No Palácio de Cristal.
38 anos depois… o que retive.
Saí de Alcobaça acompanhado de minha mulher num Citroen de 2 cavalos, que ainda cheirava a novo.
Sempre que a Pátria decreta, vem-nos de Deus o recado. *
Fomos de véspera para estarmos no domingo no Palácio de Cristal. Pernoitámos num Hotel na Baixa do Porto.
Na manhã do dia 3 seguimos para o Palácio de Cristal.
Encontrei-me com o Rainho (Angola), com o Freitas ( Guiné) e com o Alves.
E veste-se cada poeta, de soldado.*
Quanto entrei no enorme espaço já encontrei uma multidão de ex-combatentes e vi na mesa de honra uma cara conhecida. Fiz questão de ir cumprimentar o Capitão José Caçorino Dias, que “conhecia” por interposta pessoa. Um seu irmão, que era a sua cara chapada e com quem tinha trabalhado na Sede do BP & SM, em Lisboa . Caçorino Dias era uma figura mítica. Tinha ficado cego devido a uma mina em Angola mas mantinha um porte impressionante.
Sob o signo do sangue todo o céu se descerra *
Ao meio dia foi hasteada a bandeira nacional. Seguiu-se a missa. Por volta da uma da tarde cantou-se o hino nacional. Guardo desse momento a lembrança mais forte. Uma recordação inesquecível.
O Hino Nacional. Um coro de mais de 10.000 ex-combatentes. Estávamos de pé junto às mesas .
Cantámos a plenos pulmões. «Contra os canhões marchar, marchar…». Quando acabei de cantar senti uma emoção tremenda. Fiquei silencioso. Julgo que por alguns minutos.
O almoço começou a ser servido. Os criados de mesa saiam em fila indiana de uma cozinha distante e iam servindo a sopa. Caldo verde. Lembra-me do meu parceiro da frente, que devia estar cheio de fome, ter comido a primeira colher de sopa com uma mão e ter limpo as lágrimas que lhe corriam cara abaixo com a outra mão.
Nunca mais esqueci aquele gesto simultâneo de emoção e controle. Eu tive que esperar mais algum tempo até conseguir engolir a primeira colher de sopa. Tinha um nó na garganta que tive que engolir …antes da sopa.
Ó povo incessante, fardado, mal ferido!... É preciso adiar o enterro da terra, Ir ao centro do Sol de certezas vestido.*
Seguiu-se um convívio de que guardo uma memória confusa. A meio da tarde iniciei o regresso a Alcobaça. Que estava bem longe.
No passagem por Coimbra cometi um engano grave. Entrei em sentido contrário numa rua que pensei que desse acesso à ponte. Fui mandado parar por um agente da P.S.P.
- Como é que você faz uma coisas destas?
Reconheci de imediato o meu erro e disse-lhe que conhecia mal Coimbra. Vinha do Porto do Congresso dos Combatentes do Ultramar. Trazia na cabeça o meu “quico”do camuflado e conservava ainda na camisa o crachá identificativo do Congresso. Ainda me lembro do sorriso cúmplice do polícia quando me mandou seguir em paz. Ele também tinha andado por lá…
Mas a cena das lágrimas é que nunca mais esqueci. Porquê? Não sei bem explicar. Uma mão para limpar as lágrimas silenciosas, que escorriam pela cara abaixo, e a outra para levar de imediato a boca, a colher de sopa.
Foi o Alves. Filho de um Sargento da GNR, que tinha cumprido serviço militar em São Tomé e Príncipe. Durante 36 meses.
- A nossa geração, senhores, anda na guerra. Por isso a paz que traz terá sentido.*
Eu estive lá. No Palácio de Cristal-Porto. Em 3 de Junho de 1973. Passaram quase 38 anos.
- A nossa geração, senhores, andou na guerra.
Cumprimos um rito. Por isso a paz que incessantemente procuramos continua a ter sentido.
JERO
*”Vestiram-se os poetas de soldados”, antologia seleccionada e prefaciada por Rodrigo Emílio, expressamente compilada para o 1º. Congresso Nacional dos Combatentes.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8041: Parabéns a você (235): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72; António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852 e Hernâni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil da CCS/BCAÇ 2851 (Tertúlia / Editores)
O artigo I do “regulamento” dizia que o Congresso realizar-se-á na cidade do Porto nos dias 1, 2 e 3 de Junho 1973.
O artigo II tinha várias alíneas e diversos considerandos. Os que mais me sensibilizaram e me levaram a viajar até ao Porto tinham a ver com «…reatar e manter os laços de camaradagem…celebrar os serviços prestados e…procurar resolver os problemas relativos à integração social do combatente.»
Dia 3 de Junho de 1973.Eu estive lá. No Palácio de Cristal.
38 anos depois… o que retive.
Saí de Alcobaça acompanhado de minha mulher num Citroen de 2 cavalos, que ainda cheirava a novo.
Sempre que a Pátria decreta, vem-nos de Deus o recado. *
Fomos de véspera para estarmos no domingo no Palácio de Cristal. Pernoitámos num Hotel na Baixa do Porto.
Na manhã do dia 3 seguimos para o Palácio de Cristal.
Encontrei-me com o Rainho (Angola), com o Freitas ( Guiné) e com o Alves.
E veste-se cada poeta, de soldado.*
Quanto entrei no enorme espaço já encontrei uma multidão de ex-combatentes e vi na mesa de honra uma cara conhecida. Fiz questão de ir cumprimentar o Capitão José Caçorino Dias, que “conhecia” por interposta pessoa. Um seu irmão, que era a sua cara chapada e com quem tinha trabalhado na Sede do BP & SM, em Lisboa . Caçorino Dias era uma figura mítica. Tinha ficado cego devido a uma mina em Angola mas mantinha um porte impressionante.
Sob o signo do sangue todo o céu se descerra *
Ao meio dia foi hasteada a bandeira nacional. Seguiu-se a missa. Por volta da uma da tarde cantou-se o hino nacional. Guardo desse momento a lembrança mais forte. Uma recordação inesquecível.
O Hino Nacional. Um coro de mais de 10.000 ex-combatentes. Estávamos de pé junto às mesas .
Cantámos a plenos pulmões. «Contra os canhões marchar, marchar…». Quando acabei de cantar senti uma emoção tremenda. Fiquei silencioso. Julgo que por alguns minutos.
O almoço começou a ser servido. Os criados de mesa saiam em fila indiana de uma cozinha distante e iam servindo a sopa. Caldo verde. Lembra-me do meu parceiro da frente, que devia estar cheio de fome, ter comido a primeira colher de sopa com uma mão e ter limpo as lágrimas que lhe corriam cara abaixo com a outra mão.
Nunca mais esqueci aquele gesto simultâneo de emoção e controle. Eu tive que esperar mais algum tempo até conseguir engolir a primeira colher de sopa. Tinha um nó na garganta que tive que engolir …antes da sopa.
Ó povo incessante, fardado, mal ferido!... É preciso adiar o enterro da terra, Ir ao centro do Sol de certezas vestido.*
Seguiu-se um convívio de que guardo uma memória confusa. A meio da tarde iniciei o regresso a Alcobaça. Que estava bem longe.
No passagem por Coimbra cometi um engano grave. Entrei em sentido contrário numa rua que pensei que desse acesso à ponte. Fui mandado parar por um agente da P.S.P.
- Como é que você faz uma coisas destas?
Reconheci de imediato o meu erro e disse-lhe que conhecia mal Coimbra. Vinha do Porto do Congresso dos Combatentes do Ultramar. Trazia na cabeça o meu “quico”do camuflado e conservava ainda na camisa o crachá identificativo do Congresso. Ainda me lembro do sorriso cúmplice do polícia quando me mandou seguir em paz. Ele também tinha andado por lá…
Mas a cena das lágrimas é que nunca mais esqueci. Porquê? Não sei bem explicar. Uma mão para limpar as lágrimas silenciosas, que escorriam pela cara abaixo, e a outra para levar de imediato a boca, a colher de sopa.
Foi o Alves. Filho de um Sargento da GNR, que tinha cumprido serviço militar em São Tomé e Príncipe. Durante 36 meses.
- A nossa geração, senhores, anda na guerra. Por isso a paz que traz terá sentido.*
Eu estive lá. No Palácio de Cristal-Porto. Em 3 de Junho de 1973. Passaram quase 38 anos.
- A nossa geração, senhores, andou na guerra.
Cumprimos um rito. Por isso a paz que incessantemente procuramos continua a ter sentido.
JERO
*”Vestiram-se os poetas de soldados”, antologia seleccionada e prefaciada por Rodrigo Emílio, expressamente compilada para o 1º. Congresso Nacional dos Combatentes.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8041: Parabéns a você (235): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72; António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852 e Hernâni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil da CCS/BCAÇ 2851 (Tertúlia / Editores)
Guiné 63/74 - P8041: Parabéns a você (235): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72; António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852 e Hernâni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil da CCS/BCAÇ 2851 (Tertúlia / Editores)
PARABÉNS A VOCÊ(S)!!!
04 DE ABRIL DE 2011
AGOSTINHO GASPAR
ANTÓNIO DIAS
HERNÂNI ACÁCIO FIGUEIREDO
Postal natalício de Miguel Pessoa que tem convivido com o Agostinho Gaspar nos já célebres almoços da Tabanca do Centro, em Monte Real.
A estes nossos camaradas e amigos a Tertúlia e os Editores desejam um excelente dia de aniversário junto dos seus familiares e amigos e que esta data se festeje por muitos e bons anos.
Ao Agostinho Gaspar temo-lo visto mais vezes, nomeadamente nos almoços-convívios da Tabanca do Centro. Fomos alertados pela sua filha para o dia de hoje. Esteve também no último Econtro Nacional da Tabanca Grande.
O António Dias, que passou pelo Olossato e o Saltinho, entrou para a nosssa Tabanca Grande em Agosto de 2009. Apresentou-se na altura nestes termos:
"Sou pira nestas andanças da Net e desde já agradeço o esforço do camarada Henrique Matos, além da sua paciência, para me iniciar nesta guerra.
"Pois tive de ficar para a liquidatária, e o Chefe da 7.ª Rep não me queria deixar vir de avião, pagando eu e o sargento a viagem. Aguentei 8 dias e só depois de ameaças me deu o almejado OK. A minha Companhia [ a CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho, 1968/70], já tinha embarcado há um mês!
O Hernani Figueiredo, por sua vez, já vem do nosso primeiro encontro, na Ameira, em 2006. Mora em Ovar. Foi Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro , 1968/70. E a propósito recorde-se o nome dos tertulianos que se deslocaram à Herdade da Ameira, em Montemor o Movo, para o nosso 1º (tímido) encontro:
"Para memória futura, aqui fica a lista (sujeita a ratificação por parte do nosso major de operações, o Carlos Marques dos Santos) dos presentes na Ameira (nem todos couberam na fotografia e começo por pedir desculpa se falho o nome de alguém):(nem todos couberam na fotografia e começo por pedir desculpa se falho o nome de alguém):António Baia (Amadora) (novo tertuliano, pertencia à Intendência);
António Pimentel (Porto):
António Santos e esposa (Caneças / Loures);
Aires Ferreira (região centro);
Carlos Fortunato e esposa (Lisboa);
Carlos Marques dos Santos e esposa (Coimbra);
Carlos Oliveira Santos (Coimbra) (novo tertuliano, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72);
Carlos Vinhal e esposa (Matosinhos);
David Guimarães e esposa (Espinho);
Fernando Calado (Lisboa);
Fernando Chapouto e esposa (Bobadela / Loures);
Fernando Franco e esposa (Venda Nova / Amadora);
Hernâni Figueiredo (Ovar);
Humberto Reis e esposa (Alfragide / Amadora);
Jorge Cabral (Lisboa);
José Bastos (região norte);
José Casimiro Carvalho (Maia);
José Luís Vacas de Carvalho (Montemor-o-Novo);
José Martins e esposa (Lisboa);
Luís Graça e esposa (Alfragide/Amadora);
Manuel Lema Santos e esposa (Massamá / Sintra);
Manuel Oliveira Pereira e esposa (Lisboa);
Martins Julião e esposa (Oliveira de Azeméis ?);
Paulo Raposo (Ameira / Montemor-o-Novo);
Paulo Santiago (Águeda) ;
Pedro Lauret (Lisboa);
Raul Albino (LIsboa);
Rui Felício (Lisboa);
Sampedro (novo tertuliano, ex-capitão, que julgo ter pertencido ao BCAÇ 3884 , Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)
Sérgio Pereira e esposa (Lisboa);
Tino Neves e esposa (Laranjeiro / Almada);
Vitor Junqueira e filha (Pombal);
Victor David e esposa (Coimbra);
Virgínio Briote e esposa (Lisboa)" (...).
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8019: Parabéns a você (234): Mas que raio de coisa esta! (Magalhães Ribeiro)
domingo, 3 de abril de 2011
Guiné 63/74 - P8040: Carta Aberta a... (6) Sr. Presidente da República: o 10 de Junho, Dia dos Combatentes (Joaquim Mexia Alves)
1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves:
Data: 31 de Março de 2011 15:42
Assunto: Carta Aberta ao Presidente da República
Já recebi aliás a informação de que tinha sido recebida. O texto da carta envolve-me obviamente a mim, mas julgo que expresso, mais coisa menos coisa, o sentir da grande maioria dos Combatentes.
Fica à vossa disposição para publicação na Tabanca Grande e quem sabe, poder posteriormente receber a assinatura de todos aqueles que nela se revejam. Poder-se-á perguntar porque não a submeti à anterior apreciação de todos? Eu respondo, pela experiência que tenho e todos vós também, que tão cedo não teríamos um texto final que pudéssemos enviar. Assim, como acima refiro, a carta envolve-me a mim, mas pode ser expressão de todos aqueles que a ela queiram a aderir.
O modo de fazer essa adesão deixo-o ao cuidado de quem sabe mais do que eu dessas coisas.
Um abraço camarigo para todos do
Assunto: Carta Aberta ao Presidente da República
Meus caros camarigos editores:
Hoje mesmo enviei via site da Presidência da República, a carta que anexo, ao Senhor Presidente da República. Esta carta surgiu das ideias ontem apresentadas pelo António Martins Matos no Encontro da Tabanca do Centro. A ele enviei o primeiro esboço desta carta, tendo-me dado conselhos preciosos para chegar ao texto final, que como acima afirmo, já foi enviado pelo site da Presidência.
Já recebi aliás a informação de que tinha sido recebida. O texto da carta envolve-me obviamente a mim, mas julgo que expresso, mais coisa menos coisa, o sentir da grande maioria dos Combatentes.
Fica à vossa disposição para publicação na Tabanca Grande e quem sabe, poder posteriormente receber a assinatura de todos aqueles que nela se revejam. Poder-se-á perguntar porque não a submeti à anterior apreciação de todos? Eu respondo, pela experiência que tenho e todos vós também, que tão cedo não teríamos um texto final que pudéssemos enviar. Assim, como acima refiro, a carta envolve-me a mim, mas pode ser expressão de todos aqueles que a ela queiram a aderir.
O modo de fazer essa adesão deixo-o ao cuidado de quem sabe mais do que eu dessas coisas.
Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
2. Carta aberta ao Presidente da República
- Ou fazer do 10 de Junho esse dia de homenagem e respeito aos Combatentes.
3. Nota dos editores:
Amigos/as, camaradas, camarigos/as:
Se quiserem manifestar o vosso apoio a esta "carta aberta", podem fazê-lo directamente no sítio da Presidência da República Portuguesa... Cliquem em Escreva ao Presidente. Têm à vossa frente um formulário que oferece uma interface gráfica para o envio da vossa mensagem, que não pode excer dos 10 mil caracteres (tomem como termo de comparaação a carta do JMA que tem cerca de 6600 caracteres com espaços).
Não se trata de nenhum abaixo assinado nem de nenhum petição pública. Trata-se apenas de informar os serviços da PRP que, a título pessoal, apoiam o conteúdo da carta do nosso camarada (sugerindo que seja repensado o tradicional formato das comemorações do 10 de Junho, em que os ex-combatentes não se revêem). Pode ser uma mensagem do seguinte teor: "Subscrevo a Carta Aberta ao Presidente da República Portuguesa, enviada em 31 de Março de 2011, por esta via, pelo cidadão e ex-combatente Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves"...
Preencham os campos de resposta obrigatória, assinalados com asterisco (nome, e-mail, morada, etc.). Em relação ao motivo do envio da mensagem, podem responder o seguinte: Motivo=Informação. Temática= 10 de Junho, dia dos Combatentes.
2. Carta aberta ao Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da República
Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva
Escrevo esta carta aberta a V. Exa., pois na sua qualidade de Presidente da República é também o Comandante Supremo das Forças Armadas de Portugal.
Aproxima-se o dia 10 de Junho, e como sempre acontecerão as respectivas celebrações e actividades, que se vão tornando no tempo e na história, cada vez mais afastadas daquilo que deveriam efectivamente ser.
Com efeito, hoje já não faz sentido o chamado “Dia de Camões e das Comunidades”, por razões tão óbvias que nem precisam ser enumeradas
O dia 10 de Junho, que deveríamos entender como o Dia de Portugal, esteve sempre ligado, na sua mais original génese, aos Combatentes de Portugal, que ao longo da História da Nação foram dando o melhor de si para a servir.
E é perfeitamente legitimo que assim seja, porque uma Nação que se honra da sua História, sempre deve homenagear os seus filhos que por essa História se entregaram com risco, e muitas vezes entrega da própria vida.
A maior parte das nações que de um modo geral Portugal considera aliadas ou amigas, têm em cada ano, um dia especialmente dedicado aos seus Combatentes, independentemente das razões ou legitimidade das guerras travadas.
Assim, em nações como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos da América, (para citar apenas estas duas), esse dia é comemorado com “pompa e circunstância” e os Combatentes são a figura principal das celebrações desse dia, sem distinção, conotações políticas, ou quaisquer outras, mas apenas respeitando e homenageando aqueles que serviram a Pátria com as suas próprias vidas.
Se o 10 de Junho não é entendido nesta dimensão, (e é óbvio pelo passado recente que o não é), duas coisas há a fazer:
- Ou fazer do 10 de Junho esse dia de homenagem e respeito aos Combatentes.
- Ou criar um novo dia específico para essa homenagem, na certeza porém, de que o 10 de Junho nos moldes em que é celebrado agora, perderá rapidamente a anuência e empenho dos Portugueses que agora, apesar de tudo, ainda minimamente tem.
Não se perguntarão as autoridades de Portugal, o porquê de, ainda havendo tantos Combatentes das guerras recentemente travadas por Portugal, ser tão diminuta a afluência às celebrações do 10 de Junho?
A resposta é sem dúvida muito fácil. É que os Combatentes não se revêem na forma como esse dia é celebrado e muito menos ainda na forma como são tratados nesse dia e em todos os dias.
Escrevo a V. Exa. por mim, mas também por muitos que ouço e pensam como eu.
Não se trata agora de subsídios, ou outras “compensações” financeiras, seja por que motivos forem, mas sim, única e exclusivamente, de respeito e consideração por aqueles que, tendo deixado tudo, (voluntária ou involuntariamente), não deixaram de servir Portugal, a maior parte das vezes em condições de terrível sobrevivência.
Foram gerações sacrificadas, mas generosas, como V. Exa. muito bem disse no seu recente discurso na “Cerimónia de Homenagem aos Combatentes no 50º Aniversário do início da Guerra em África”, e que, mesmo não tendo na sua maior parte “ido à guerra” de modo voluntário, não deixaram de cumprir até á exaustão com tudo o que lhes foi exigido, e em condições de inigualáveis dificuldades, prestigiaram Portugal e todos aqueles que pela Nação combateram desde a sua própria Fundação.
Pode parecer uma escrita épica, ou desajustada das “realidades” de hoje, mas é verdadeira para todos aqueles que se orgulham de ser Portugueses e se orgulham da sua História.
E isto, repito, nada tem a ver com política, ou formas de interpretar as guerras, mas sim como o respeito que sempre deve existir por aqueles que se deram pelos outros.
Nós, Combatentes, não queremos ser anónimos, nem envergonhados, (que o não somos), mas queremos sim, (tal como nos países acima referidos), desfilar, de pé, de cadeira de rodas, ou conduzidos por outros, seja qual for a nossa condição, acompanhados pelos estandartes e símbolos, sob os quais servimos Portugal.
Não nos movem quaisquer razões político/partidárias, nem conotações com qualquer regime, mas sim, a razão de querermos desfilar em Belém, pois queremos desfilar em homenagem e honrando aqueles que estão inscritos naquele Monumento aos Combatentes, e que deram tudo o que tinham a Portugal, ou seja, a sua própria vida.
Não queremos discursos de circunstância que ninguém ouve, nem queremos discursos de instituições mais ou menos estatizadas, queremos sim ouvir algum ou alguns de nós, que nos encham a alma, o coração, bem como o Comandante Supremo das Forças Armadas, para nos sentirmos vivos, para nos sentirmos respeitados, para sentirmos que a «Pátria nos contempla», não para nosso orgulho, mas para nosso respeito, e para que as gerações vindouras saibam que Portugal honra os seus filhos.
Senhor Presidente da República, está nas suas mãos ouvir os Combatentes!
Não, como acima refiro, as instituições mais ou menos “estatizadas” de Combatentes, mas ouvindo os Combatentes, que até pela força do seu passado, com muita facilidade se organizarão para responder a um seu convite.
Estamos, como V. Exa bem sabe, pois também fez uma comissão em Moçambique, a ficar cada vez mais velhos, já para além dos 60 anos, pelo que é tempo de se corrigir o desprezo a que foram e são votados os Combatentes de África.
E não só os de África, mas os de todos os tempos que serviram Portugal.
Desfilaremos, transportando com tanto orgulho o estandarte das nossas unidades militares da guerra em África, como com o estandarte dos nossos irmãos mais velhos da guerra na Europa, ou em qualquer parte do mundo.
Portugal precisa, mais do que nunca, de se olhar, de olhar as suas gentes, de redescobrir a generosidade com que os Portugueses sempre se deram pela sua Nação, para não corremos o risco de cada vez mais nos fecharmos em nós próprios apenas para “lambermos as nossas feridas”.
Homenageando, respeitando e enaltecendo os Combatentes, homenageamos, respeitamos e enaltecemos a vontade inabalável dos Portugueses.
Homenageando, respeitando e enaltecendo aquelas gerações, fazemos também com que as gerações de agora e as vindouras, sintam orgulho e vontade de pertencerem à Nação que «deu novos mundos ao mundo».
Está nas suas mãos, Senhor Presidente da República, marcar uma viragem importante e imprescindível nas celebrações do 10 de Junho, e assim, dar aos Portugueses e ao mundo, uma nova imagem de Portugal que honra os seus filhos, porque só por eles existe e é Nação.
Com os meus respeitosos cumprimentos
Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves
Alferes Miliciano de Operações Especiais na disponibilidade.
Guiné 1971/1973
3. Nota dos editores:
Amigos/as, camaradas, camarigos/as:
Se quiserem manifestar o vosso apoio a esta "carta aberta", podem fazê-lo directamente no sítio da Presidência da República Portuguesa... Cliquem em Escreva ao Presidente. Têm à vossa frente um formulário que oferece uma interface gráfica para o envio da vossa mensagem, que não pode excer dos 10 mil caracteres (tomem como termo de comparaação a carta do JMA que tem cerca de 6600 caracteres com espaços).
Não se trata de nenhum abaixo assinado nem de nenhum petição pública. Trata-se apenas de informar os serviços da PRP que, a título pessoal, apoiam o conteúdo da carta do nosso camarada (sugerindo que seja repensado o tradicional formato das comemorações do 10 de Junho, em que os ex-combatentes não se revêem). Pode ser uma mensagem do seguinte teor: "Subscrevo a Carta Aberta ao Presidente da República Portuguesa, enviada em 31 de Março de 2011, por esta via, pelo cidadão e ex-combatente Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves"...
Preencham os campos de resposta obrigatória, assinalados com asterisco (nome, e-mail, morada, etc.). Em relação ao motivo do envio da mensagem, podem responder o seguinte: Motivo=Informação. Temática= 10 de Junho, dia dos Combatentes.
Guiné 63/74 - P8039: In Memoriam (73): Cerimónia de homenagem aos Combatentes de Matosinhos caídos em Campanha em Angola, Guiné e Moçambique, dia 9 de Abril de 2011 pelas 11H15 no Cemitério de Sendim (Carlos Vinhal)
Memorial aos mortos no naufrágio do dia 2 de Dezembro de 1947 e aos caídos em campanha na Guerra do Ultramar, erigido no Cemitério de Sendim, autoria conjunta do Professor Alfredo Barros e do Arquiteto Francisco Pessegueiro.
Na ponta esquerda do Memorial, ao fundo da foto, que simboliza o local onde o sol nasce, estão os nomes dos mais de 150 mortos no naufrágio. Na ponta direita, em primeiro plano, com o sol já a querer mergulhar nas águas do mar, estão os 70 nomes dos nossos camaradas caídos nos três TO.
A parte inferior do Memorial, em verde-água, simboliza o mar que matou uns quase à porta de casa e levou outros a caminho de África, onde haveriam de morrer.
NO DIA 9 DE ABRIL DE 2011 VAI TER LUGAR A CERIMÓNIA DE INAUGURAÇÃO DO MEMORIAL EM HOMENAGEM AOS 151 PESCADORES MORTOS NO NAUFRÁGIO DE 1 PARA 2 DE DEZEMBRO DE 1947, E DOS 70 MILITARES CAÍDOS EM CAMPANHA NA GUERRA COLONIAL EM ANGOLA, GUINÉ E MOÇAMBIQUE
1. O Concelho de Matosinhos vai finalmente ter um Memorial que perpetuará os seus filhos caídos em Campanha na Guerra Colonial. Este Memorial será partilhado com os pescadores falecidos no grande naufrágio de 2 de Dezembro de 1947.
Segundo os artistas plásticos que criaram o monumento, o Professor Alfredo Barros e o Arquiteto Francisco Pessegueiro, ambas as situações de morte tiveram um factor comum, o mar, que matou uns e levou outros ao local onde haveriam de morrer.
2. As cerimónias de homenagem, organizadas pela Câmara Municipal e pelo Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, começam pelas 10 horas da manhã, com uma Missa de Sufrágio na Igreja Matriz de Matosinhos, finda a qual haverá uma deslocação para o Cemitério de Sendim onde se situa o Memorial e onde a partir das 11H15 decorrerá a cerimónia oficial com o seguinte alinhamento:
Alocuções alusivas ao acto:
- Representante da Associação dos Pescadores
- Representante da Comissão dos Combatentes
- Representante da Liga dos Combatentes
- Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos
Inauguração do Memorial, com a bênção pelo Capelão Militar e deposição de duas coroas de flores
Homenagem aos Mortos
- Toque de Sentido
- Toque de Silêncio
- Toque de Homenagem aos Mortos
- 1 minuto de silêncio
- Toque de Alvorada
- Toque de Descansar
- Declamação de um poema por um Combatente e interpretação de um cântico pelo Coro da Associação dos Pescadores
Fim da Cerimónia
3. Graças à prestimosa colaboração do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, está praticamente assegurada:
Para a Missa:
- Uma Guarda de Honra ao Altar, composta por 4 militares e um Terno de Clarins.
Para o Cemitério:
- Uma Guarda de Honra composta por um Pelotão.
- Fanfarra mais caixa de guerra.
Parte intermédia do Memorial decorada com figuras pictóricas de autoria de Alfredo Barros, em que o mar está sempre presente. Ainda podemos ler, de Eugénio de Andrade, o poema "Despedida" que diz: "Colhe o oiro do dia na haste mais alta da melancolia".
4. Ficam desde já convidados a assistirem a esta homenagem todos os ex-combatentes, suas famílias e público em geral.
Na ponta esquerda do Memorial, ao fundo da foto, que simboliza o local onde o sol nasce, estão os nomes dos mais de 150 mortos no naufrágio. Na ponta direita, em primeiro plano, com o sol já a querer mergulhar nas águas do mar, estão os 70 nomes dos nossos camaradas caídos nos três TO.
A parte inferior do Memorial, em verde-água, simboliza o mar que matou uns quase à porta de casa e levou outros a caminho de África, onde haveriam de morrer.
NO DIA 9 DE ABRIL DE 2011 VAI TER LUGAR A CERIMÓNIA DE INAUGURAÇÃO DO MEMORIAL EM HOMENAGEM AOS 151 PESCADORES MORTOS NO NAUFRÁGIO DE 1 PARA 2 DE DEZEMBRO DE 1947, E DOS 70 MILITARES CAÍDOS EM CAMPANHA NA GUERRA COLONIAL EM ANGOLA, GUINÉ E MOÇAMBIQUE
1. O Concelho de Matosinhos vai finalmente ter um Memorial que perpetuará os seus filhos caídos em Campanha na Guerra Colonial. Este Memorial será partilhado com os pescadores falecidos no grande naufrágio de 2 de Dezembro de 1947.
Segundo os artistas plásticos que criaram o monumento, o Professor Alfredo Barros e o Arquiteto Francisco Pessegueiro, ambas as situações de morte tiveram um factor comum, o mar, que matou uns e levou outros ao local onde haveriam de morrer.
2. As cerimónias de homenagem, organizadas pela Câmara Municipal e pelo Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, começam pelas 10 horas da manhã, com uma Missa de Sufrágio na Igreja Matriz de Matosinhos, finda a qual haverá uma deslocação para o Cemitério de Sendim onde se situa o Memorial e onde a partir das 11H15 decorrerá a cerimónia oficial com o seguinte alinhamento:
Alocuções alusivas ao acto:
- Representante da Associação dos Pescadores
- Representante da Comissão dos Combatentes
- Representante da Liga dos Combatentes
- Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos
Inauguração do Memorial, com a bênção pelo Capelão Militar e deposição de duas coroas de flores
Homenagem aos Mortos
- Toque de Sentido
- Toque de Silêncio
- Toque de Homenagem aos Mortos
- 1 minuto de silêncio
- Toque de Alvorada
- Toque de Descansar
- Declamação de um poema por um Combatente e interpretação de um cântico pelo Coro da Associação dos Pescadores
Fim da Cerimónia
3. Graças à prestimosa colaboração do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, está praticamente assegurada:
Para a Missa:
- Uma Guarda de Honra ao Altar, composta por 4 militares e um Terno de Clarins.
Para o Cemitério:
- Uma Guarda de Honra composta por um Pelotão.
- Fanfarra mais caixa de guerra.
Neste Sol, no Ocaso, estão inscritos os nomes dos matosinhenses tombados em Campanha na Guerra Colonial.
Esta figura pictórica simboliza o esforço da juventude matosinhense em África no cumprimento do seu dever patriótico.
Parte intermédia do Memorial decorada com figuras pictóricas de autoria de Alfredo Barros, em que o mar está sempre presente. Ainda podemos ler, de Eugénio de Andrade, o poema "Despedida" que diz: "Colhe o oiro do dia na haste mais alta da melancolia".
4. Ficam desde já convidados a assistirem a esta homenagem todos os ex-combatentes, suas famílias e público em geral.
sábado, 2 de abril de 2011
Guiné 63/74 - P8038: Notas de leitura (224): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2011:
Queridos amigos,
Os relatórios do então Teixeira Pinto são uma preciosidade para o entendimento das mentalidades e da concepção imperial do tempo. Não se pode compreender a pacificação sem este conjunto de operações sob a batuta de um militar galvânico, valoroso e susceptível de entusiasmar as tropas irregulares, surpreendendo os seus relatórios pela minúcia como pede louvores e condecorações relatando factos e situações de inatacável heroísmo e valentia.
Um abraço do
Mário
João Teixeira Pinto, a ocupação militar da Guiné
por Beja Santos
Trata-se de um livro fundamental para entender as campanhas desenvolvidas por Teixeira Pinto, entre 1913 e 1915, e como estas alteraram o poder colonial português numa região em permanente perturbação e sublevação étnica. A edição desta obra é da Agência Geral das Colónias, 1936, a publicação foi determinada pelo próprio Ministro das Colónias.
Escreve-se no prefácio o seu filho, igualmente oficial e de nome João Teixeira Pinto:
“ Tudo o que aqui ficar dito, desejo que não seja considerado como o elogio de uma glória individual, mas como a afirmação de uma força e de uma superioridade natural da Raça e da Nação que realizou a ocupação da Guiné, usando de meios aparentemente tão frágeis que por outra Nação seriam considerados como absolutamente insuficientes e improfícuos (…) Em 1912 a nossa colónia da Guiné voltara a ser uma simples ocupação de praças-fortes, essas mesmas ameaçadas das consequências de uma nova revolta mais completa ou mais violenta (…) O que eu desejo fazer ressaltar é apenas a forma, bem portuguesa, como pôde ser realizada esta obra de ocupação militar e de pacificação, sem o mais leve dispêndio de dinheiros da metrópole e sem qualquer expedição de tropas metropolitanas. São publicados alguns documentos que revelam este facto notável de campanhas coloniais cujas despesas foram pagas com a simples pacificação do território – no imediato ingresso de impostos indígenas. Em todas as campanhas, ao lado do chefe e de um punhado de brancos, alguns dos quais ressaltam dos relatórios como verdadeiros heróis que merecem do seu país, batem-se os auxiliares indígenas. O que resulta de mais extraordinário desta ocupação militar da Guiné realizada por João Teixeira Pinto é que na obra de guerra como na obra de pacificação ela foi uma constante obra de captação do indígena (…) O prestígio que sobre os auxiliares escolhidos ele adquire chega a tomar aspectos de sobrenatural. Através dos relatórios das campanhas vêm-se surgir figuras de um heroísmo lendário. Entre eles ressalta a figura de Abdul Injai que merece ficar na história da expansão portuguesa como um herói (…) A falta de espírito colonial que certos governos e a falta de continuidade governativa não deixaram que o pacificador da Guiné fosse também o realizador da obra construtiva de que a Guiné necessitava e que para ele seria mais fácil do que para qualquer outro, porque o prestígio do seu nome entre os indígenas lhe facilitava toda a acção assimiladora e administrativa a realizar”.
Segue-se a nota de assentos onde ressalta, no essencial: desembarca em Bolama em Setembro de 1912, nomeado chefe do Estado-Maior da Província; no ano seguinte faz parte, como comandante, da coluna para estabelecimento de postos militares na região de Mansoa e Oio; faz parte como comandante da coluna de operações de Cacheu de 23 de Dezembro de 1913 a 14 de Abril de 1914; faz parte como comandante da coluna de operações aos Balantas de 15 de Abril a 2 de Julho de 1914, percorre regiões como Binar, Encheia e Bissorã; regressa à Guiné em Janeiro de 1915 e foi comandante da coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados na ilha de Bissau, participa na fortaleza de Bissau, toma Intim e Antula, Cumura e Prabis e Biombo. Recebeu inúmeros louvores e as mais altas condecorações.
Um exemplo: louvado pelos actos heróicos praticados como comandante de diminuta força de tropas regulares apoiada por uma pequena força de auxiliares que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, obrigou o gentiu a aceitar a nossa autoridade e ao pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e actos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá, fez quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio, desarmando e recebendo o imposto de palhota, submetendo os povos rebeldes da Guiné.
Os relatórios daquele tempo primavam por uma linguagem informal, faziam ressaltar a categoria cultural do seu autor e até os seus dotes literários. Teixeira Pinto assim procede com a operação do Oio. Começa por ir a Bafatá conversar com o administrador Vasco de Calvet de Magalhães, em Bolama prepara uma expedição, assentando-se que se deveria estabelecer um posto em Porto Mansoa e fechar o cerco à região do Oio. Disfarçou-se de inspector comercial e percorreu em Janeiro de 1913 toda a região entre Mansoa e Farim, atravessando o Oio. Apercebe-se que ao Norte de Morés tem muita população hostil, socorre-se de lanchas-canhoneiras para me intimidar as populações rebeldes. Ao pormenor, descreve os factos das diferentes incursões, é um relatório cheio de vivacidade, organizado como um diário, há voltas e reviravoltas, castigos exemplares, tabancas incendiadas, exaltação de comportamentos tanto das tropas regulares como o serviço dos irregulares.
Aqui se pode ler: não há maior suplício que o da sede mais foi suportado por todos sem mais o mais pequeno murmúrio”. Há imensos cuidados com os feridos, as matas são densas, os rebeldes expelem fogo em sortidas e depois desaparecem, a disparidade de armamento nunca é escondida. A capitulação é mencionada como o corolário lógico do esforço inaudito: “Prendi o grande xerife do Oio que era acusado por toda a gente como um grande investigador da revolta, tendo feito por várias vezes sacrifícios de crianças, e Talicô, régulo de Gendum, que gozava de grande influência, sendo um dos que dirigiu os massacres que tivemos anteriormente… Faltava ainda submeter os Balantas do Oio ao norte de Bissorã, mandei para ali o chefe Alpha Mamadu Seilu e da maneira como correu esse serviço dá o tenente Lima conta no seu relatório com uma apreciação minha. A 16, chamei todos os chefes das tabancas e disse-lhes que tinham de entregar o imposto de palhota pelos três últimos anos conforme V. Ex.ª me tinha indicado. E assim termina: “V. Ex.ª desculpar-me-á o mal alinhavado deste relatório que é singelo mas verdadeiro”.
Calvet Magalhães também faz o seu relatório e lança-se logo com uma preciosidade da forma: Sem pretender imitar o grande pregador, direi também “que bem tosca pode ser uma pedra, mas a paciência e perícia de um estatuário consegue transformá-la numa obra de arte, num objecto de valor. E continua: Porque essa obra, quando nela se empregue todo o esforço individual, toda a boa vontade para produzir alguma coisa de útil, não há contrariedades, não há revezes, nem dissabores, nem momentos de desalento e desespero que possam fazer vacilar e acobardar, e que num momento de hesitação se atire para o abismo e perca vãmente tudo quanto já se tinha feito. Está batido o Oio? Quantos pasmam? Quantos ainda duvidam? Tão terrível era a ideia que faziam desse horrível fantasma. E o administrador de Bafatá vai esmiuçando os pormenores, foi destruindo tabancas dos Oincas, acompanhas o transporte das munições e das armas, tudo tintim por tintim e assim termina: “. Ex.ª disse-me que após a guerra viria a esta localidade para combinar a forma da anexação dos territórios, porém eu neste pequeno território nada digo neste sentido nem dou a minha opinião sobre este assunto, o que só farei se V. Ex.ª entender que me deve ouvir.
Segue-se o relatório referente às operações na região de Cacheu. (**)
(Continua)
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8017: Notas de leitura (222): A Luta pela Independência, por Dalila Cabrita Mateus (2) (Mário Beja Santos)
(**) Vd. também, poste de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)
Vd. último poste da série de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8022: Notas de leitura (223): Spínola, o anti-general, de Eduardo Freitas da Costa (José Manuel Matos Dinis)
Queridos amigos,
Os relatórios do então Teixeira Pinto são uma preciosidade para o entendimento das mentalidades e da concepção imperial do tempo. Não se pode compreender a pacificação sem este conjunto de operações sob a batuta de um militar galvânico, valoroso e susceptível de entusiasmar as tropas irregulares, surpreendendo os seus relatórios pela minúcia como pede louvores e condecorações relatando factos e situações de inatacável heroísmo e valentia.
Um abraço do
Mário
João Teixeira Pinto, a ocupação militar da Guiné
por Beja Santos
Trata-se de um livro fundamental para entender as campanhas desenvolvidas por Teixeira Pinto, entre 1913 e 1915, e como estas alteraram o poder colonial português numa região em permanente perturbação e sublevação étnica. A edição desta obra é da Agência Geral das Colónias, 1936, a publicação foi determinada pelo próprio Ministro das Colónias.
Escreve-se no prefácio o seu filho, igualmente oficial e de nome João Teixeira Pinto:
“ Tudo o que aqui ficar dito, desejo que não seja considerado como o elogio de uma glória individual, mas como a afirmação de uma força e de uma superioridade natural da Raça e da Nação que realizou a ocupação da Guiné, usando de meios aparentemente tão frágeis que por outra Nação seriam considerados como absolutamente insuficientes e improfícuos (…) Em 1912 a nossa colónia da Guiné voltara a ser uma simples ocupação de praças-fortes, essas mesmas ameaçadas das consequências de uma nova revolta mais completa ou mais violenta (…) O que eu desejo fazer ressaltar é apenas a forma, bem portuguesa, como pôde ser realizada esta obra de ocupação militar e de pacificação, sem o mais leve dispêndio de dinheiros da metrópole e sem qualquer expedição de tropas metropolitanas. São publicados alguns documentos que revelam este facto notável de campanhas coloniais cujas despesas foram pagas com a simples pacificação do território – no imediato ingresso de impostos indígenas. Em todas as campanhas, ao lado do chefe e de um punhado de brancos, alguns dos quais ressaltam dos relatórios como verdadeiros heróis que merecem do seu país, batem-se os auxiliares indígenas. O que resulta de mais extraordinário desta ocupação militar da Guiné realizada por João Teixeira Pinto é que na obra de guerra como na obra de pacificação ela foi uma constante obra de captação do indígena (…) O prestígio que sobre os auxiliares escolhidos ele adquire chega a tomar aspectos de sobrenatural. Através dos relatórios das campanhas vêm-se surgir figuras de um heroísmo lendário. Entre eles ressalta a figura de Abdul Injai que merece ficar na história da expansão portuguesa como um herói (…) A falta de espírito colonial que certos governos e a falta de continuidade governativa não deixaram que o pacificador da Guiné fosse também o realizador da obra construtiva de que a Guiné necessitava e que para ele seria mais fácil do que para qualquer outro, porque o prestígio do seu nome entre os indígenas lhe facilitava toda a acção assimiladora e administrativa a realizar”.
Segue-se a nota de assentos onde ressalta, no essencial: desembarca em Bolama em Setembro de 1912, nomeado chefe do Estado-Maior da Província; no ano seguinte faz parte, como comandante, da coluna para estabelecimento de postos militares na região de Mansoa e Oio; faz parte como comandante da coluna de operações de Cacheu de 23 de Dezembro de 1913 a 14 de Abril de 1914; faz parte como comandante da coluna de operações aos Balantas de 15 de Abril a 2 de Julho de 1914, percorre regiões como Binar, Encheia e Bissorã; regressa à Guiné em Janeiro de 1915 e foi comandante da coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados na ilha de Bissau, participa na fortaleza de Bissau, toma Intim e Antula, Cumura e Prabis e Biombo. Recebeu inúmeros louvores e as mais altas condecorações.
Um exemplo: louvado pelos actos heróicos praticados como comandante de diminuta força de tropas regulares apoiada por uma pequena força de auxiliares que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, obrigou o gentiu a aceitar a nossa autoridade e ao pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e actos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá, fez quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio, desarmando e recebendo o imposto de palhota, submetendo os povos rebeldes da Guiné.
Os relatórios daquele tempo primavam por uma linguagem informal, faziam ressaltar a categoria cultural do seu autor e até os seus dotes literários. Teixeira Pinto assim procede com a operação do Oio. Começa por ir a Bafatá conversar com o administrador Vasco de Calvet de Magalhães, em Bolama prepara uma expedição, assentando-se que se deveria estabelecer um posto em Porto Mansoa e fechar o cerco à região do Oio. Disfarçou-se de inspector comercial e percorreu em Janeiro de 1913 toda a região entre Mansoa e Farim, atravessando o Oio. Apercebe-se que ao Norte de Morés tem muita população hostil, socorre-se de lanchas-canhoneiras para me intimidar as populações rebeldes. Ao pormenor, descreve os factos das diferentes incursões, é um relatório cheio de vivacidade, organizado como um diário, há voltas e reviravoltas, castigos exemplares, tabancas incendiadas, exaltação de comportamentos tanto das tropas regulares como o serviço dos irregulares.
Aqui se pode ler: não há maior suplício que o da sede mais foi suportado por todos sem mais o mais pequeno murmúrio”. Há imensos cuidados com os feridos, as matas são densas, os rebeldes expelem fogo em sortidas e depois desaparecem, a disparidade de armamento nunca é escondida. A capitulação é mencionada como o corolário lógico do esforço inaudito: “Prendi o grande xerife do Oio que era acusado por toda a gente como um grande investigador da revolta, tendo feito por várias vezes sacrifícios de crianças, e Talicô, régulo de Gendum, que gozava de grande influência, sendo um dos que dirigiu os massacres que tivemos anteriormente… Faltava ainda submeter os Balantas do Oio ao norte de Bissorã, mandei para ali o chefe Alpha Mamadu Seilu e da maneira como correu esse serviço dá o tenente Lima conta no seu relatório com uma apreciação minha. A 16, chamei todos os chefes das tabancas e disse-lhes que tinham de entregar o imposto de palhota pelos três últimos anos conforme V. Ex.ª me tinha indicado. E assim termina: “V. Ex.ª desculpar-me-á o mal alinhavado deste relatório que é singelo mas verdadeiro”.
Calvet Magalhães também faz o seu relatório e lança-se logo com uma preciosidade da forma: Sem pretender imitar o grande pregador, direi também “que bem tosca pode ser uma pedra, mas a paciência e perícia de um estatuário consegue transformá-la numa obra de arte, num objecto de valor. E continua: Porque essa obra, quando nela se empregue todo o esforço individual, toda a boa vontade para produzir alguma coisa de útil, não há contrariedades, não há revezes, nem dissabores, nem momentos de desalento e desespero que possam fazer vacilar e acobardar, e que num momento de hesitação se atire para o abismo e perca vãmente tudo quanto já se tinha feito. Está batido o Oio? Quantos pasmam? Quantos ainda duvidam? Tão terrível era a ideia que faziam desse horrível fantasma. E o administrador de Bafatá vai esmiuçando os pormenores, foi destruindo tabancas dos Oincas, acompanhas o transporte das munições e das armas, tudo tintim por tintim e assim termina: “. Ex.ª disse-me que após a guerra viria a esta localidade para combinar a forma da anexação dos territórios, porém eu neste pequeno território nada digo neste sentido nem dou a minha opinião sobre este assunto, o que só farei se V. Ex.ª entender que me deve ouvir.
Segue-se o relatório referente às operações na região de Cacheu. (**)
(Continua)
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8017: Notas de leitura (222): A Luta pela Independência, por Dalila Cabrita Mateus (2) (Mário Beja Santos)
(**) Vd. também, poste de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)
Vd. último poste da série de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8022: Notas de leitura (223): Spínola, o anti-general, de Eduardo Freitas da Costa (José Manuel Matos Dinis)
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