1. Mais um Camarada se junta anos nesta parada virtual (com o nº de entrada 515), o RANGER José Romeiro Saúde, ex Fur Mil Op Esp do 1º turno de 1973, que pertenceu à CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74. Vive actualmente em Beja.
Camaradas,
Depois do almoço em Monte Real comecei a interessar-me pelo blogue.
Faço visitas diárias e quero ser um novo "sócio".
Sobre mim: Vivo em Beja mas sou natural de Vila Nova de São Bento. Sou do 1º turno de Operações Especiais de 1973. Fui o segundo classificado do meu curso, o primeiro foi o Meireles, do Porto, e fiquei a dar instrução ao 1º grupos de cadetes, depois seguiu-se a Guiné.
Ao longo de mais de 30 anos fui jornalista - A BOLA e DN a nível nacional - tive um jornal desportivo "O ÁS", único no Alentejo, 23 anos, fui pioneiro a fazer rádio, e televisão, em Beja, paralelamente fui funcionário da Segurança Social, e sou, também, escritor. Tenho 3 livros editados, dois sobre futebol, uma modalidade que pratiquei ao serviço do Despertar (Beja), Sporting CP, Desportivo de Beja, FC Serpa e Aldenovense, sendo o tema GLÓRIAS DO PASSADO, onde relato a evolução do futebol na F Beja ao longo do século XX, e o último, a nível nacional AVC NA PRIMEIRA PESSOA - editora MEL de Estarreja - uma temática que aborda a minha infelicidade acometida a 27 de Julho de 2006, e brevemente sairá uma outra obra.
Confesso que me dispercei no tempo não tentando arranjar forma para estes convívios. O jornalismo ocupava-me de todo. Agora rejuvenesci ao reencontrar antigos camaradas. Tento estar presente não obstante a minha debilidade física. Mas um RANGER é uma pessoa FORTE, VENCE. E cá estou.
Faço visitas diárias e quero ser um novo "sócio".
Sobre mim: Vivo em Beja mas sou natural de Vila Nova de São Bento. Sou do 1º turno de Operações Especiais de 1973. Fui o segundo classificado do meu curso, o primeiro foi o Meireles, do Porto, e fiquei a dar instrução ao 1º grupos de cadetes, depois seguiu-se a Guiné.
Ao longo de mais de 30 anos fui jornalista - A BOLA e DN a nível nacional - tive um jornal desportivo "O ÁS", único no Alentejo, 23 anos, fui pioneiro a fazer rádio, e televisão, em Beja, paralelamente fui funcionário da Segurança Social, e sou, também, escritor. Tenho 3 livros editados, dois sobre futebol, uma modalidade que pratiquei ao serviço do Despertar (Beja), Sporting CP, Desportivo de Beja, FC Serpa e Aldenovense, sendo o tema GLÓRIAS DO PASSADO, onde relato a evolução do futebol na F Beja ao longo do século XX, e o último, a nível nacional AVC NA PRIMEIRA PESSOA - editora MEL de Estarreja - uma temática que aborda a minha infelicidade acometida a 27 de Julho de 2006, e brevemente sairá uma outra obra.
Confesso que me dispercei no tempo não tentando arranjar forma para estes convívios. O jornalismo ocupava-me de todo. Agora rejuvenesci ao reencontrar antigos camaradas. Tento estar presente não obstante a minha debilidade física. Mas um RANGER é uma pessoa FORTE, VENCE. E cá estou.
GRATIDÃO
Pequenas histórias onde as encruzilhadas da guerrilha se cruzavam com a nobreza exótica de gentes que compartilhavam sentimentos comuns. A gratidão do povo guineense no dar e receber era enorme. O confronto, no terreno, sendo real, não eliminava de todo um contacto permanente com uma população civil que se desfazia no acto “de bem servir” a tropa da metrópole.
Não vou, por razões díspares, debruçar-me sobre acontecimentos reais da chamada guerrilha no terreno a qual, na minha modesta opinião, estava condenada ao fracasso. A Guiné apresentava, no seu todo, um cenário físico deveras perspicaz tendo em conta a sua curta dimensão territorial e a forma como o PAIGC controlava o espaço. As emboscadas, ou os ataques aos quartéis, teriam pressupostamente um maior ronco se os guerrilheiros fossem possuidores de conhecimentos mais profícuos sobre a matéria de usar as armas, ou na concepção mais exacta em preparar uma guerrilha que, para nós, se apresentava diametralmente desigual.
Aliás, esta minha análise sintética enquadrou-se em pleno quando pela primeira vez me deparei com a fragilidade do inimigo em dispor os seus trunfos num confronto directo com as tropas lusas. Estávamos no dia 23 de Novembro de 1973. Na transparência de um dia levado ao êxtase, fazia, na altura, 23 risonhas primaveras, sendo que da metrópole tinham chegado queijos de ovelha e enchidos alentejanos, comestíveis enviados carinhosamente pela minha saudosa mãe, “material” devorado pelos meus companheiros e, logicamente, pelos soldados do grupo, deliciámo-nos com os ditos cujos regados primorosamente com um rol de cervejas que pareciam estontear corpos em plena ascensão física. Cerca das 4 horas da tarde, e sem que nada o fizesse prever, fui chamado ao capitão que me colocou a par das últimas novidades acabadinhas de chegar: “Temos conhecimento de um grupo IN perto da tabanca (não me lembro o seu nome), sendo urgente a nossa intervenção. Prepare o grupo de imediato e siga para o terreno”. E assim foi. A estrada ligava Nova Lamego (Gabú) a Piche. Uma hora depois estávamos em contacto com a realidade da guerrilha. Recordo que na ocasião ocorreu-me jogar mãos ao morteiro 60 dado que tive a percepção que o inimigo estava bem próximo. E não me enganei. Decidido tomei a decisão de juntar as granadas disponíveis e utilizá-las de seguida. Em pé, e em passo de corrida, o Géo (guia) aconselhava a deitar-me uma vez que o perigo espreitava. Eu, vincando a minha condição de ranger, tentei apaziguar as hostes e utilizei a pequena arma em direcção do IN que, à primeira vista, me parecia algo disperso. O certo é que o tiroteio serenou e a malta, antes de anoitecer, retirou sem prejuízos de maior monta. No dia seguinte, em reconhecimento ao local, constatámos que se tratou de um bi-grupo, quiçá em instrução, que deixou antever inexperiência, permitindo que o pessoal no terreno não tivesse sofrido sequelas físicas tão-pouco baixas para engrossar o rol de infelizes tombados em combate.
Lembro a maneira como o meu camarada ranger Rui Fernandes Álvares, furriel miliciano, e do meu curso em Lamego, ironizou a situação aquando chegado ao quartel comentou o diabólico contacto: “Vi um turra a fugir, apenas com uma perna, de arma na mão e a dar tiros em todas as direcções. Fugia que nem uma lebre”. Depois, embevecia-se a fazer o filme ao pormenor e a malta ria que se desunhava. O Rui era um rapaz de bom trato, com um coração enorme, e oriundo da freguesia de Boticas. As suas telas cinéfilas, entretanto desenhadas, divinais. O seu nome jamais me fugiu da memória. A sua inclinação para criar um bom ambiente, brilhante. Era um moço “porreiro”. Brincava com as fatalidades da guerra. O Rui, tal como a maioria da rapaziada que pisava o palco da guerrilha, não meditava, talvez, seriamente, e a preceito, com os “buracos impensáveis” que a guerra impunha ao infeliz soldado chamado “carne para canhão”.
Éramos jovens. Não temíamos as adversidades que o rosto da mata adensada, e das estreitas picadas, impunham. E tantas foram as ocasiões em que a despreocupação em cima do “unimog”, já caquéctico, nos conduzia simplesmente a uma pura brincadeira não temendo o momento imediato. Recordo uma tarde a caminho de Piche a viatura que seguia atrás embater na traseira da que rolava à sua frente e a malta a atirar-se para o chão embrenhado entre as granadas da “bazuca”, do morteiro 60 e as G3 que transportávamos nas mãos. Um arrepio entrou-me no corpo dado que os arranhões provocados nas minhas pernas e braços deixaram marcas. Um “acidente” que, no fundo, não causou vítimas de maior a bordo. Tudo correu bem. Mas… ficou o aviso.
Colocando de parte a guerrilha, e as vitimizações que ela provocou, vou referir neste apontamento de abertura uma tese que sempre considerei nobre: A GRATIDÃO! Não me recordo que em tempo algum tivesse sentido a nefasta opinião que a população guineense se mostrasse desordeira sempre que solicitada a um eventual pedido para uma colaboração. Humildemente reconhecia que a nossa tropa era, também, um meio intervencionista para a sua própria sobrevivência. Dar e receber apresentava-se como uma reciprocidade maioritariamente perfeita. Reconheço que a sua posição no meio não se apresentava nada fácil. Lidar com duas frentes de guerrilha uma assimetria desigual. De um lado os guerrilheiros do PAIGC, homens eventualmente conhecidos na tabanca, filhos da terra, familiares, e com quem amiúde trocavam opiniões, assumindo-se estes como os verdadeiros mestres para libertarem o território dos ditos “invasores brancos”; do outro a tropa da metrópole que lutava para defender pressupostos direitos alheios, desconhecendo por completo as razões pelas quais expunha o seu corpo à bala. Uma situação dúbia que determinava a neutralidade de uma população carenciada.
Neste contexto, ter-me-ei apercebido da verdadeira acção do povo. Lidar com as duas faces da moeda não era fácil. Um dia tivemos conhecimento que numa tabanca situada na zona de Nova Lamego o PAIGC ali se havia instalado. A aproximação à tabanca careceu, naturalmente, de cuidados redobrados. Mesmo assim lá chegámos sem problemas que afligissem o grupo. As informações recolhidas no local foram, a princípio, escassas. O chefe de tabanca dizia desconhecer a existência de guerrilheiros inimigos naquele local e era convictamente apoiado por quase toda a população. Só que pelo meio da conversa alguém se descuidou. O Géo, perito nestas andanças e sempre atento, apercebeu-se e toca a pôr o homem que “bufou” a confessar. Ficámos a saber que um grupo de guerrilheiros dormiu na noite anterior na tabanca, mataram uma vaca, comeram e beberam, fizeram uma festa e ao romper da aurora partiram para um novo rumo.
Esta concepção, perfeitamente atendível, sublinha a GRATIDÃO de um povo em guerra que lutava, apenas, pela sua sobrevivência. Aliás, a forma como toda a população se entregava a uma missão plenamente perceptível, deixava antever que o seu sentimento puro de dar e receber não suspendia os começos que a guerrilha, desde o seu início, lhe propusera.
UM ABRAÇO SENTIDO PARA O POVO DA GUINÉ!
Um abraço,
José Romeiro Saúde
Fur Mil Op Esp / Ranger da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção: © Carlos Coutinho (2011) Direitos reservados.
Fotografia: © Luís Saúde (2011). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
1. O nosso Camarada José Saúde é do curso do RANGER Pedro Neves e vem-se juntar a outros 4 elementos do seu BART 6523, já integrados nesta nossa tertúlia: o RANGER António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp da 2ª CART), o Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2ª CART), o Alfredo Dinis (ex-1º Cabo Aux Enf da CCS e entretanto já falecido) e o Américo Marques /ex-Sold de TRMS da 3ª CART).
2. Amigo e Camarada Saúde, é da praxe sem sombra de dúvidas mais suave que a de Penude, que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com grande satisfação e prazer que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras, bolanhas e tarrafos da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko no meio de uma bolanha.
Pedindo desde já as minhas desculpas, volto a repetir aqui, neste teu poste, porque penso nunca ser demais fazê-lo incansavelmente, até que a voz se nos apague de vez, a mensagem que coloquei também no poste de apresentação do nosso Amigo Ranger António Barbosa:
“Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos 'Últimos Guerreiros do Império', têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos. Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas. Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam.
"Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.
"Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada 'sorte' da vida. Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos. Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.”______________
Nota do editor:
Vd. último poste desta série em: