Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 14 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12037: Os nossos médicos (68): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (4): Bacar
1. Enviada pelo nosso camarada Mário Vasconcelos (ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 3872), a quem agradecemos desde já, chegou até nós mais uma memória do ex-Alf Mil Médico Rui Vieira Coelho [foto actual à esquerda] que esteve integrado nos BCAÇ 3872 e 4518 (Galomaro, 1973/74), esta dedicada ao seu "braço direito", Bacar Djaló.
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Nota do editor
(*) Vd. poste de 7 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11811: Os nossos médicos (60): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (3): Binta e Jamba (Mário Vasconcelos / Rui Vieira Coelho)
Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11930: Os nossos médicos (67): Maximino [José Vaz da] Cunha, natural de Chaves, ex-alf mil médico, BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto) e HM 241 (Bissau, 1968/70)
Guiné 63/74 - P12036: Bom ou mau tempo na bolanha (31): O computador na guerra (Tony Borié)
Trigésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
O lápis, afiado à mão, que se consumia até se conseguir segurar nos dedos, e a esferográfica “Bic”, eram os utensílios de trabalho mais usados pelo Cifra nas suas tarefas de cifrar e decifrar mensagens. Escrevia, escrevia, apagava, apagava, riscava por cima, rasgava o papel, ia buscar o papel de novo ao caixote do lixo para rectificar determinada palavra que lhe passou, e depois não fazia sentido no texto. Também lá havia uma caneta de madeira com um aparo, e um frasco com tinta, mas todos ignoravam estes objectos, pois às vezes eram páginas e páginas, com resumo de operações, onde era mencionado o nome dos feridos e mortos, e às vezes havia mesmo “desculpas esfarrapadas” para justificar o sucedido, mas algumas mencionavam secamente, morreu em combate, com duas balas, uma na região do coração e outra mais abaixo no estômago, ou, a parte do seu corpo, a partir do peito para cima ficou desfeita, irreconhecível.
O Cifra escrevia isto tudo e rectificava para ver se estava enganado, portanto depois de ler estes textos duas ou três vezes, ficava-lhe na memória por algum tempo, e como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e não tinha lá muita coragem, isto tudo ainda o atormentava mais.
Certa vez acabaram-se os lápis por algum tempo, era tudo feito a esferográfica, era só riscos em cima das palavras, algumas mensagens iam com o teor do assunto trocado, o que em alguns casos era perigoso, pois era a vida dos militares que estava em jogo, se uma ordem fosse compreendida fora do seu verdadeiro contexto podia matar pessoas.
Às vezes o Cifra pensava que estava numa guerra, onde o lápis e a esferográfica eram tão ou mais importantes que a “minha querida G-3”, como dizia o furriel miliciano, que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão.
Mas agora, esqueçamos a guerra e perdoem lá, de vir a foto de uma criança e de um casal de noivos, que não estão de modo nenhum ligados aos acontecimentos que o Cifra e os seus amigos, antigos combatentes viveram em cenário de guerra, e vamos só fazer a comparação, sem o Cifra ser cifra, e ver como devia ser mais fácil todo esse conjunto de processos de cifra e escrita, com os COMPUTADORES, que a nova geração não larga, e já não pode viver sem eles!
Adeus, lápis e esferográfica “Bic”, a continuar assim ninguém mais sabe, desenhar as letras!
Tony Borie, 2011
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12005: Bom ou mau tempo na bolanha (30): O "Zé Quina" que já foi o "Marafado" (Toni Borié)
O lápis, afiado à mão, que se consumia até se conseguir segurar nos dedos, e a esferográfica “Bic”, eram os utensílios de trabalho mais usados pelo Cifra nas suas tarefas de cifrar e decifrar mensagens. Escrevia, escrevia, apagava, apagava, riscava por cima, rasgava o papel, ia buscar o papel de novo ao caixote do lixo para rectificar determinada palavra que lhe passou, e depois não fazia sentido no texto. Também lá havia uma caneta de madeira com um aparo, e um frasco com tinta, mas todos ignoravam estes objectos, pois às vezes eram páginas e páginas, com resumo de operações, onde era mencionado o nome dos feridos e mortos, e às vezes havia mesmo “desculpas esfarrapadas” para justificar o sucedido, mas algumas mencionavam secamente, morreu em combate, com duas balas, uma na região do coração e outra mais abaixo no estômago, ou, a parte do seu corpo, a partir do peito para cima ficou desfeita, irreconhecível.
O Cifra escrevia isto tudo e rectificava para ver se estava enganado, portanto depois de ler estes textos duas ou três vezes, ficava-lhe na memória por algum tempo, e como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e não tinha lá muita coragem, isto tudo ainda o atormentava mais.
Certa vez acabaram-se os lápis por algum tempo, era tudo feito a esferográfica, era só riscos em cima das palavras, algumas mensagens iam com o teor do assunto trocado, o que em alguns casos era perigoso, pois era a vida dos militares que estava em jogo, se uma ordem fosse compreendida fora do seu verdadeiro contexto podia matar pessoas.
Às vezes o Cifra pensava que estava numa guerra, onde o lápis e a esferográfica eram tão ou mais importantes que a “minha querida G-3”, como dizia o furriel miliciano, que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão.
Mas agora, esqueçamos a guerra e perdoem lá, de vir a foto de uma criança e de um casal de noivos, que não estão de modo nenhum ligados aos acontecimentos que o Cifra e os seus amigos, antigos combatentes viveram em cenário de guerra, e vamos só fazer a comparação, sem o Cifra ser cifra, e ver como devia ser mais fácil todo esse conjunto de processos de cifra e escrita, com os COMPUTADORES, que a nova geração não larga, e já não pode viver sem eles!
Adeus, lápis e esferográfica “Bic”, a continuar assim ninguém mais sabe, desenhar as letras!
Tony Borie, 2011
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12005: Bom ou mau tempo na bolanha (30): O "Zé Quina" que já foi o "Marafado" (Toni Borié)
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12035: Estórias cabralianas (80): As mulatas de Luanda (Jorge Cabral)
Fotos (e legenda): © Jorge Cabral (2013). Todos os direitos reservados
1. Mais uma estória cabraliana, que nos chega pela amável e caixa de correio da Anabela Martins, com data de hoje à tarde ("Encarrega-me o senhor Prof. Jorge Cabral de enviar o anexo. Com os melhores cumprimentos"):
1. Estórias cabralianas > As Mulatas de Luanda
por Jorge Cabral [ex-comandante do Pel Caç Nat 63, Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, 1969/71]
Numa noite, no início de Maio de 1968, apareceu-me irritado o meu amigo Filipe. Ia para a tropa.
– Tens a certeza Filipe? Olha vamos passar por lá, pela Junta de Freguesia. (Onde à porta afixavam as listas).
E fomos. Corri os olhos pelo edital e era verdade. Lá constava, Filipe Narciso Gonçalves da Silva. Só que, um pouco mais abaixo, encontrei o meu nome, Jorge Pedro de Almeida Cabral. Devia ser engano, um erro, eu tinha direito a adiamento. Que o Filipe fosse, não era para admirar. De igual idade e entrados ao mesmo tempo na Faculdade, ele não passara do primeiro ano, enquanto eu contava acabar o curso no ano seguinte.
– Vamos os dois. Sabes que não discuto o destino.
– Eu não vou – gritou-me ele. (E não foi...).
E.P.I, Mafra, 15 de Junho, era o que estava escrito. Porque me teriam chamado? Política?
Era do contra mas discreto, tal como continuei a ser toda a vida. Aliás, há quem diga que o sou em demasia. Agora até as minhas doenças são discretas. Não há ecografia que não acuse... tudo, mas discreto (...discreta litíase, discreto enfisema...).
Porém, precisava saber a razão do chamamento.
Assim, dois dias depois, desloquei-me ao Distrito de Recrutamento. Recebeu-me um Primeiro Sargento, Candeias de seu nome. Expostas as razões e documentos, o militar consultou as normas e declarou:
– Tem razão. Mas, se não vai agora, vai para o ano. Eu acabei de chegar de Angola, de Luanda, que cidade! As mulatas...
E durante uma hora, falou-me das mulatas.
– Mulheres assim não encontramos cá! E você é capaz de ser colocado numa secretaria em Luanda. Mas faça um requerimento. Não demore é muito.
Saí animado. Com a hipótese de não ir para a tropa? Não, com as mulatas de Luanda...
Esqueci o requerimento. Qual tropa, qual quê! Ia era fazer uma espécie de estágio. E depois, depois... as mulatas de Luanda. Chegado a Mafra, logo na primeira saída no café em frente do Convento, apresentaram-me Nasciolinda, a filha do escrivão. Então, não é que era mulata! Bem, não era de Luanda... mas representava um presságio do que me estava destinado. E as coisas até corriam bem com a Narciolinda, se eu não lhe tivesse escrito um poema, no qual jogava com as palavras, dizendo que a queria ver na Tapada, mas destapada...Não gostou. Paciência... Continuei vida fora a brincar com as palavras e a inventar trocadilhos, o que me ocasionou inúmeros dissabores.
A Recruta correu bem. Ágil e resistente, não senti qualquer dificuldade. Claro que, na carreira de tiro, fui um desastre. Nem uma vez acertei no alvo. Estranho, porque nas barraquinhas do Parque Mayer, fui sempre o melhor...
Mafra chegou ao fim. O pelotão reuniu-se num jantar no Sobreiro. Discursei. No regresso ao Quartel, o Tenente Comandante, disse-me:
– O Cabral vai para o Lumiar, Secretariado.
Na manhã do dia seguinte em formatura, distribuiram as respectivas guias de marcha. A minha dizia:
– E.P.A. Vendas Novas.
Ainda pensei que fosse secretariado de artilharia...mas não, era mesmo atirador.
– Então, meu Tenente ? – perguntei.
– Devo ter visto mal – respondeu-me.
Mais uma vez, não discuti o destino.
Fiquei a ganhar. Se fosse um ano depois, o mais certo era ter sido Capitão, como quase todos os meus colegas. Não imagino, nem ninguém consegue imaginar, o que seria uma Companhia Cabraliana...Se tivesse ído para Secretariado, atrasaria o expediente, perderia os papeis e não me teria sido possível, organizar, como fiz em Missirá, um original arquivo debaixo da cama, partilhado por insetos onde as garrafas vazias se misturavam com mensagens secretas...
Mas, afinal, que teria acontecido para me terem reclassificado de madrugada? Perigoso subversivo? Operacional insubstituível?
Nada disso. Apenas uma valente cunha de última hora. Eu ganhei. O da cunha também Perderam as mulatas de Luanda.
Coitadas...
Jorge Cabral
PS – Anexo foto do tal jantar de fim da recruta. Cadete Cabral discursando.
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11720: Estórias cabralianas (79): O Capitão-Tenente dos Submarinos (Jorge Cabral)
(...) Qual Guiné? São tantas. Cada um cria a sua ou inventa... E quem diz Guiné, diz Guerra. Por mim conheço muitas... Mas como esta, que mora no Beco do Cotovelo, à beira da Mouraria, não deve haver mais nenhuma. É na tasca da Conceição, onde às vezes abanco com três ex-combatentes da Guiné. Todos eles lá estiveram, em lugares e tempos diferentes e todos davam pelo nome de Mouraria. (...)
Guiné 63/74 - P12034: Os nossos seres, saberes e lazeres (56): De comboio, até ao Pocinho, e visita ao Museu do Côa, com os grã-tabanqueiros Margarida e Joaquim Peixoto (Luís Graça / Alice Carneiro)
Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Candoz, Tabanca de Candoz > 3 de setembro de 2013 > Nascer do sol, do lado do concelho de Baião, em frente. O rio Douro corre ao fundo vale, do lado direito. Serra de Montemuro (e Cinfães, não visível), também do lado direito,
Baião > Mosteirô > Linha do Douro > Estação de Mosteirô > 3 de setembro de 2013 > É aqui apanhamos comboio para o Pocinho, nós, os da tabanca de Candoz (eu, a Alice e os meus cunhados Gusto e Nitas), que fica a 10/15 minutos, de carro, da estação de Mosteirô. Aguardamos aqui os nossos amigos Laura, do Porto, e o casal Peixoto, Joaquim e Margarida, de Penafiel.
Linha do Douro, a caminho do Pocinho > 3 de setembro de 2013 > Os "novos" comboios da REFER, comprados aos espanhois em segunda mão, num negócio discutível... Têm ar condicionado, as janelas não se podem abrir, os vidros andam sujos, para desespero dos amantes da fotografia.... Cartão vermelho para a CP.
Linha do Douro, a caminho do Pocinho > 3 de setembro de 2013 > Alice e Marharida, em primeiro plano.
Linha do Douro, a caminho do Pocinho > 3 de setembro de 2013 > O "Doruo Azul" navegando no Rio Douro, paralelo ao comboio.
Linha do Douro, a caminho do Pocinho > 3 de setembro de 2013 > Paragem no Tua. Em primeiro plano, o Joaquim Peixoto.
Linha do Douro, a caminho do Pocinho > 3 de setembro de 2013 > Um trecho fabuloso do Rio Douro... A seguir ao Cachão da Valeira, não posso precisar onde.
Vila Nova de Foz Coa > Pocinho > 3 de setembro de 2013 > A empresa "Douro Total" leva-nos, de jipe (9 lugares), ao museu de Foz Coa.
Vila Nova de Foz Coa > Restaurante do Museu do Côa > 3 de setembro de 2013 > Almoço: excelente menu, excelente carta de vinhos, serviço profissional... O menu turístico são 11 euros... Mais garrafas de vinho "Tons de Duorum Doc Douro Tinto 2011" (magnífico!), pagamos menos de 15 euros cada um... Vista soberba sobre o rio e as suas margens... Durante a refeição, o nome de alguns camaradas da Guiné vieram à baila, por várias razões: o Zé Manel Lopes, produtor de vinhos Douro Doc; o João Crisóstomo, que ajudou, com a sua campanha internacional, a salvar as gravuras de Foa Coa mas também toda esta fantástica região, incluindo a famosa Quinta da Erva Moira (onde já foi recebido principescamente, segundo ele próprio me contou)...
Vila Nova de Foz Coa > Museu do Côa > 3 de setembro de 2013 > Da direita para a esquerda, Laura Fonseca, Margarida Peixota e Ana Soares (Nitas).
Vila Nova de Foz Coa > Museu do Côa > 3 de setembro de 2013 > Alguns dos conteúdos (1)
Vila Nova de Foz Coa > Museu do Côa > 3 de setembro de 2013 > Alguns dos conteúdos (2)
Vila Nova de Foz Coa > Pocinho > 3 de setembro de 2013 > Alguns dos conteúdos (3)
Vila Nova de Foz Coa > Museu do Côa > 3 de setembro de 2013 > Alguns dos conteúdos (4)
Vila Nova de Foz Coa > Museu do Côa 3 de setembro de 2013 > Saída exterior do edifício (que é da autoria de jovens arquitetos da escola do Porto, Tiago Pimentel e Camilo Rebelo). Regresso a casa no comboio das 17 e picos...
É um dos passeios mais bonitos e emocionantes (e mais baratos) que o pobre do tuga pode ainda hoje fazer na sua terra (que, para muitos, está por descobrir)... É a 3ª vez que vou ao Pocinho, de comboio... Mas o plano original era ir de barco (da empresa Douro Total) até Barca de Alva. Estvámos a pensar em convidar vários casais. Uma avaria de última hora, no braco (que leva até 16 pessoas), estragou-nos os planos. Fica para a próxima. A solução de recurso também não foi pior, na opinião dos meus amigos e companheiros de viagem. Todavia, a Alice achou, desta vez, o Douro "mais descuidado"... Há muita gente a mandar ou a querer mandar. Ou se calhar há aqui um problema de autoridade... E as populações locais, por seu turno, pouco ou nada ganham com os cruzeiros do Douro Azul & quejandos... Por favor, tugas, não matem a galinha dos ovos de ouro, como fizeram com o Algarve e se preparam para fazer com a costa vicentina alentejana... Neste país, parece que não se sabe amar sem violar,,, (LG).
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados
1. Mensagem dos nossos tabanqueiros Margarida e do Joaquim Peixoto, de 7 do corrente:
Aos meus amigos Alice e Luís Graça quero agradecer o maravilhoso passeio de comboio que nos proporcionaram, até ao Pocinho, seguindo de carro até Foz Côa, onde degustámos no restaurante do Museu um delicioso almoço confeccionado com carne da região acompanhado por um delicioso vinho.
A viagem de comboio foi cheia de emoções e alegria, não só pela maravilhosa paisagem que o nosso olhar abrange ao longo do inigualável rio Douro, ora correndo em estreito leito ladeado por escarpas, rochas com efeitos fabulosos, ora deslizando num largo e aprazível leito, onde a encosta desenhada com as famosas vinhas do Douro, ( onde se destacam aqui e ali as majestosas casas e quintas dos produtores vinhateiros, que levam o seu néctar a outros mundos), refletem nas águas do rio as suas belas folhagens.
A paisagem é deslumbrante, a costa muda constantemente de aspeto conforme o comboio vai serpenteando a linha férrea ou a luz do sol pinta de cores diferentes a vegetação, contrastando o azul do céu com as águas calmas do rio, onde a paisagem e a cor do azul celestial se confundem com o verde caudal, transportando-nos a quais telas pintadas por famosos pintores que traduzem para quadros valiosos o que a Natureza se encarrega de embelezar no mundo em que vivemos..
Foi um dia repleto de boas sensações, de esquecimento do quotidiano, de bem estar, não só, como já referi, pelo magnífico panorama que desfrutámos, mas também, e ainda mais importante, pela companhia que tivemos.
Obrigados, Nitas e marido, Gusto, pela vossa amizade e camaradagem.
Obrigados, Laura, pela simpatia e naturalidade em nos integrar nas suas amizades.
Bem hajam, Alice e Luís, por, mais uma vez, mostrarem a vossa amizade, camaradagem e solidariedade compartilhando as vossas amizades connosco.
Da nossa parte retribuímos com todo o carinho a nossa amizade e sensibilidade.
A todos vós, em especial a ti, Alice, e ao Luís, um forte e carinhoso abraço dos amigos,
Margarida e Joaquim Peixoto.
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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12014: Os nosssos seres, saberes e lazeres (55): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (3) (Tony Borié)
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Guiné 63/74 - P12033: Notas de leitura (519): "País Sem Rumo", por António de Spínola (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2013:
Queridos amigos,
O intuito é compendiar a documentação que contribua para entender a guerra e o processo de paz, neste caso o Acordo de Argel e o reconhecimento da Guiné-Bissau por Portugal.
O que Spínola escreve neste seu livro é hoje matéria que se dissemina por muitas obras, mesmo que não se formule o contraditório. Em termos militares, Spínola é a favor do recuo do dispositivo da manobra; como o governador, é manifestamente hostil. Sabe que “Portugal e o Futuro” já vem tarde mas é imperativo da sua consciência.
Na sua explanação, é tudo luminoso quanto às suas intenções, nunca se toma o pulso da impetuosidade que foi o 25 de Abril nem se busca o entendimento porque logo, em 26 de Abril, se começaram a tomar medidas para a liquidação da guerra.
É por estas e por outras que todo este estudo é poliédrico e não pode argamassar-se em palpites ou paixões.
Um abraço do
Mário
“País sem rumo”: A Guiné, por António de Spínola
Beja Santos
É certo que as justificações apresentadas pelo primeiro presidente da República do pós-25 de Abril sobre as questões mais prementes da Guiné e da respetiva descolonização têm aparecido publicadas por diferentes autores, mas aqui a intenção é de deixar compilados os argumentos que ele utilizou, alguns dos quais já não é possível o contraditório, mas a História não pode prescindir das suas tomadas de posição, mesmo aquelas que decorrem de suposições ou conjeturas. A obra intitula-se “País sem Rumo, Contributo para a história de uma revolução”, por António de Spínola, Editorial SCIRE, 1978.
Primeiro, passou a entrevista com Salazar, tendo como ponto de partida a sua posição crítica face ao desenvolvimento da guerra e à tese da defesa do Ultramar pela força das armas, Spínola diz que se pronunciou junto de Salazar de que o conceito de unidade estava ultrapassado, que o fundamental na Guiné era a batalha do desenvolvimento, mediante uma “dinâmica revolucionária”, única hipótese de sustar o processo subversivo. Qual não foi a sua surpresa quando Salazar respondeu, sem quaisquer comentários ao que proferira: “É urgente que embarque para a Guiné”.
Segundo, dedica um capítulo aos seus esforços de estabelecer contactos com chefes de guerrilha do PAIGC, relata o seu encontro secreto com o presidente de Senghor e qual a reação de Marcelo Caetano. Na ótica de Spínola, era a derradeira oportunidade, já tinham sido pedidos novos meios ofensivos à URSS, naquele preciso momento, em 1972, havia notícia de um sério desgaste, ou era naquela ocasião ou nunca. Assim se queimou a última oportunidade, suspenderam-se os contactos com Senghor, Amílcar Cabral teria proposto, em Outubro de 1972 encontrar-se com Spínola em território português, eventualmente em Bissau. É nestas conversações que surge a expressão “derrota militar” se necessário, acordo político nunca.
Terceiro, desaparecido Cabral, a guerra recrudesceu a partir de Março de 1973, em Maio Spínola dirige-se a Costa Gomes dando-lhe conhecimento da gravidade da situação e da necessidade inadiável de mais meios de toda a ordem e é nesse contexto que escreve ao ministro do Ultramar e usa a expressão “aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar”. Costa Gomes visita a Guiné em Junho e delibera a redução do número de guarnições do dispositivo. Spínola volta a escrever ao ministro do Ultramar: “Esta alteração da manobra obriga, porém, necessariamente, a abandonar áreas geográficas e, o que é bem pior, a entregar à sua sorte populações a que não podemos fornecer meios adequados de defesa, populações que confiaram em nós e haviam aderido a uma política que visa a realização das suas legítimas aspirações”. E conclui: “Não poderei ser eu a abandonar áreas e as correspondentes populações em cuja proteção, justa administração e desenvolvimento socioeconómico me empenhei pessoalmente. A aceitação de tal manobra – que como Comandante-Chefe considero absolutamente necessária – lançaria o rótulo amargo de demagogia sobre a autenticidade do ideário nacional que prossegui, até agora, com isenção e fé”. Em Setembro, tomou posse o novo governador. Spínola irá escrever “Portugal e o Futuro”, com base no documento que enviara a Marcelo Caetano, anos antes, quando fora convidado a pronunciar-se sobre a revisão constitucional. Spínola atribui a Costa Gomes razões perversas sobre a “manobra em retirada” dizendo que se integravam numa maquiavélica manobra política mais tarde claramente revelada, não diz qual nem apresenta documentação plausível. Sobre o seu ideário recomenda um extrato da ata da sessão do Conselho Legislativo da Guiné, de 16 de Outubro de 1972, que vem em anexo, aí se refere a ampla autonomia, a institucionalização de Congressos, seria estas as formas renovadas para uma duradoura unidade nacional.
Quarto, no capítulo sobre a descolonização, Spínola tece críticas amargas aos condutores pela descolonização da Guiné embora confesse que “Quando escrevi Portugal e o Futuro tinha verdadeiramente a noção de que já era tarde. Mas o grito de alerta era exigido pela minha consciência, pois, apesar de tudo, sonhava ainda na edificação de um Mundo de raízes portuguesas”. Spínola confiara em Carlos Fabião, dera-lhe diretivas claras e concisas para a Guiné: pôr termo aos desmandos que ali se estavam a praticar; negociar com o PAIGC, mas continuara o esforço defensivo de guerra até à assinatura do acordo de cessar-fogo; dar continuidade ao processo político de autodeterminação iniciado por Spínola e que apontava para uma consulta popular; e preparar a visita de Spínola à província com vista a assegurar o respeito total por decisões tomadas em congresso do povo. Na conceção de Spínola, eram objetivos praticáveis, o único perigo militar que ele considerava no imediato era o agravamento das fronteiras, devido ao apoio que o PAIGC recebia dos países vizinhos. Não há uma palavra à doutrina das Nações Unidas quanto ao reconhecimento do PAIGC como único interlocutor dentro da Guiné-Bissau.
Responsabiliza a Comissão Coordenadora do MFA como responsável pela campanha de anarquização e o descalabre das forças armadas e insinua que Costa Gomes lhe dava beneplácito. E escreve: “A situação interna da província agravara-se sensivelmente. O brigadeiro Fabião não só se revelara incapaz de dominar a situação como se havia transformado, praticamente, num mero agente do PAIGC. A própria rádio oficial difundia mensagens do PAIGC apelando para a expulsão dos portugueses, incitando os africanos a fazer correr o sangue dos “colonialistas portugueses” e a “violarem as mulheres brancas”. Considera ter havido um clima de generalizada cobardia moral e traição. Acrescia, dentro desta atmosfera de gravidade, que o Conselho de Segurança se iria em breve pronunciar sobre a admissão da Guiné-Bissau. Assim se chegou aos acordos de Argel, o Estado português viu-se obrigado a reconhecer de jure a Guiné-Bissau.
Spínola refere o anexo do acordo onde se diz taxativamente quais as medidas prescritas para salvaguardar o que ainda regressava da honra e dignidade da Pátria, haveria a reintegração na vida civil de todos aqueles que tinham prestado serviço nas Forças Armadas Portuguesas, "em especial os graduados das Companhias e Comandos Africanos". Carlos Fabião, neste texto de Spínola, é considerado o mau da peça, tudo ali foi possível pela despersonalização de Fabião que chegou a envergar uma farda semelhante à do PAIGC e escreve que esta atitude “foi objeto da mais veemente reprovação por parte da população civil que assistiu a tão indecorosa afronta”.
Esta descolonização, escreve, foi planeada pela fação “progressista” do MFA e localmente conduzida por um grupo de militares marxista sobre a responsabilidade direta de Carlos Fabião. Conclui dizendo que a descolonização da Guiné terminou num quadro de traição, de ignomínia e de indignidade, a cujo julgamento da história os seus responsáveis não poderão furtar-se.
Em anexo, junta a síntese do trabalho programático “A Descolonização e as Nações Unidas” e o teor do Acordo de Argel.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12019: Notas de leitura (518): "Crónica dos Novos Feitos da Guiné", por António Ferra (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O intuito é compendiar a documentação que contribua para entender a guerra e o processo de paz, neste caso o Acordo de Argel e o reconhecimento da Guiné-Bissau por Portugal.
O que Spínola escreve neste seu livro é hoje matéria que se dissemina por muitas obras, mesmo que não se formule o contraditório. Em termos militares, Spínola é a favor do recuo do dispositivo da manobra; como o governador, é manifestamente hostil. Sabe que “Portugal e o Futuro” já vem tarde mas é imperativo da sua consciência.
Na sua explanação, é tudo luminoso quanto às suas intenções, nunca se toma o pulso da impetuosidade que foi o 25 de Abril nem se busca o entendimento porque logo, em 26 de Abril, se começaram a tomar medidas para a liquidação da guerra.
É por estas e por outras que todo este estudo é poliédrico e não pode argamassar-se em palpites ou paixões.
Um abraço do
Mário
“País sem rumo”: A Guiné, por António de Spínola
Beja Santos
É certo que as justificações apresentadas pelo primeiro presidente da República do pós-25 de Abril sobre as questões mais prementes da Guiné e da respetiva descolonização têm aparecido publicadas por diferentes autores, mas aqui a intenção é de deixar compilados os argumentos que ele utilizou, alguns dos quais já não é possível o contraditório, mas a História não pode prescindir das suas tomadas de posição, mesmo aquelas que decorrem de suposições ou conjeturas. A obra intitula-se “País sem Rumo, Contributo para a história de uma revolução”, por António de Spínola, Editorial SCIRE, 1978.
Primeiro, passou a entrevista com Salazar, tendo como ponto de partida a sua posição crítica face ao desenvolvimento da guerra e à tese da defesa do Ultramar pela força das armas, Spínola diz que se pronunciou junto de Salazar de que o conceito de unidade estava ultrapassado, que o fundamental na Guiné era a batalha do desenvolvimento, mediante uma “dinâmica revolucionária”, única hipótese de sustar o processo subversivo. Qual não foi a sua surpresa quando Salazar respondeu, sem quaisquer comentários ao que proferira: “É urgente que embarque para a Guiné”.
Segundo, dedica um capítulo aos seus esforços de estabelecer contactos com chefes de guerrilha do PAIGC, relata o seu encontro secreto com o presidente de Senghor e qual a reação de Marcelo Caetano. Na ótica de Spínola, era a derradeira oportunidade, já tinham sido pedidos novos meios ofensivos à URSS, naquele preciso momento, em 1972, havia notícia de um sério desgaste, ou era naquela ocasião ou nunca. Assim se queimou a última oportunidade, suspenderam-se os contactos com Senghor, Amílcar Cabral teria proposto, em Outubro de 1972 encontrar-se com Spínola em território português, eventualmente em Bissau. É nestas conversações que surge a expressão “derrota militar” se necessário, acordo político nunca.
Terceiro, desaparecido Cabral, a guerra recrudesceu a partir de Março de 1973, em Maio Spínola dirige-se a Costa Gomes dando-lhe conhecimento da gravidade da situação e da necessidade inadiável de mais meios de toda a ordem e é nesse contexto que escreve ao ministro do Ultramar e usa a expressão “aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar”. Costa Gomes visita a Guiné em Junho e delibera a redução do número de guarnições do dispositivo. Spínola volta a escrever ao ministro do Ultramar: “Esta alteração da manobra obriga, porém, necessariamente, a abandonar áreas geográficas e, o que é bem pior, a entregar à sua sorte populações a que não podemos fornecer meios adequados de defesa, populações que confiaram em nós e haviam aderido a uma política que visa a realização das suas legítimas aspirações”. E conclui: “Não poderei ser eu a abandonar áreas e as correspondentes populações em cuja proteção, justa administração e desenvolvimento socioeconómico me empenhei pessoalmente. A aceitação de tal manobra – que como Comandante-Chefe considero absolutamente necessária – lançaria o rótulo amargo de demagogia sobre a autenticidade do ideário nacional que prossegui, até agora, com isenção e fé”. Em Setembro, tomou posse o novo governador. Spínola irá escrever “Portugal e o Futuro”, com base no documento que enviara a Marcelo Caetano, anos antes, quando fora convidado a pronunciar-se sobre a revisão constitucional. Spínola atribui a Costa Gomes razões perversas sobre a “manobra em retirada” dizendo que se integravam numa maquiavélica manobra política mais tarde claramente revelada, não diz qual nem apresenta documentação plausível. Sobre o seu ideário recomenda um extrato da ata da sessão do Conselho Legislativo da Guiné, de 16 de Outubro de 1972, que vem em anexo, aí se refere a ampla autonomia, a institucionalização de Congressos, seria estas as formas renovadas para uma duradoura unidade nacional.
Quarto, no capítulo sobre a descolonização, Spínola tece críticas amargas aos condutores pela descolonização da Guiné embora confesse que “Quando escrevi Portugal e o Futuro tinha verdadeiramente a noção de que já era tarde. Mas o grito de alerta era exigido pela minha consciência, pois, apesar de tudo, sonhava ainda na edificação de um Mundo de raízes portuguesas”. Spínola confiara em Carlos Fabião, dera-lhe diretivas claras e concisas para a Guiné: pôr termo aos desmandos que ali se estavam a praticar; negociar com o PAIGC, mas continuara o esforço defensivo de guerra até à assinatura do acordo de cessar-fogo; dar continuidade ao processo político de autodeterminação iniciado por Spínola e que apontava para uma consulta popular; e preparar a visita de Spínola à província com vista a assegurar o respeito total por decisões tomadas em congresso do povo. Na conceção de Spínola, eram objetivos praticáveis, o único perigo militar que ele considerava no imediato era o agravamento das fronteiras, devido ao apoio que o PAIGC recebia dos países vizinhos. Não há uma palavra à doutrina das Nações Unidas quanto ao reconhecimento do PAIGC como único interlocutor dentro da Guiné-Bissau.
Responsabiliza a Comissão Coordenadora do MFA como responsável pela campanha de anarquização e o descalabre das forças armadas e insinua que Costa Gomes lhe dava beneplácito. E escreve: “A situação interna da província agravara-se sensivelmente. O brigadeiro Fabião não só se revelara incapaz de dominar a situação como se havia transformado, praticamente, num mero agente do PAIGC. A própria rádio oficial difundia mensagens do PAIGC apelando para a expulsão dos portugueses, incitando os africanos a fazer correr o sangue dos “colonialistas portugueses” e a “violarem as mulheres brancas”. Considera ter havido um clima de generalizada cobardia moral e traição. Acrescia, dentro desta atmosfera de gravidade, que o Conselho de Segurança se iria em breve pronunciar sobre a admissão da Guiné-Bissau. Assim se chegou aos acordos de Argel, o Estado português viu-se obrigado a reconhecer de jure a Guiné-Bissau.
Spínola refere o anexo do acordo onde se diz taxativamente quais as medidas prescritas para salvaguardar o que ainda regressava da honra e dignidade da Pátria, haveria a reintegração na vida civil de todos aqueles que tinham prestado serviço nas Forças Armadas Portuguesas, "em especial os graduados das Companhias e Comandos Africanos". Carlos Fabião, neste texto de Spínola, é considerado o mau da peça, tudo ali foi possível pela despersonalização de Fabião que chegou a envergar uma farda semelhante à do PAIGC e escreve que esta atitude “foi objeto da mais veemente reprovação por parte da população civil que assistiu a tão indecorosa afronta”.
Esta descolonização, escreve, foi planeada pela fação “progressista” do MFA e localmente conduzida por um grupo de militares marxista sobre a responsabilidade direta de Carlos Fabião. Conclui dizendo que a descolonização da Guiné terminou num quadro de traição, de ignomínia e de indignidade, a cujo julgamento da história os seus responsáveis não poderão furtar-se.
Em anexo, junta a síntese do trabalho programático “A Descolonização e as Nações Unidas” e o teor do Acordo de Argel.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12019: Notas de leitura (518): "Crónica dos Novos Feitos da Guiné", por António Ferra (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12032: Convívios (529): XVIII Encontro dos ex-combatentes da Guiné da Vila de Guifões/Matosinhos, dia 5 de Outubro de 2013 em Lousada (Albano Costa)
1. Mensagem do nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74), com data de 12 de Setembro de 2013:
Caros amigos
Gostaria, se fosse possível, que se publicasse a notícia do encontro dos ex-combatentes na Guiné-Bissau da Vila de Guifões - Matosinhos, que já vai na sua XVIII edição. .
Este encontro tem sempre lugar em locais diferentes de ano para ano, e desta vez vai realizar-se em Lousada, na Quinta do Caseiro.
A deslocação é sempre feitas em dois autocarros.
Segue circular em anexo.
Sem mais de momento,
Albano Costa
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12020: Convívios (528): 15.º Encontro do pessoal da CCAÇ 4544/73, levado a efeito no passado dia 8 de Setembro de 2013 em Miranda do Corvo (António Agreira)
Caros amigos
Gostaria, se fosse possível, que se publicasse a notícia do encontro dos ex-combatentes na Guiné-Bissau da Vila de Guifões - Matosinhos, que já vai na sua XVIII edição. .
Este encontro tem sempre lugar em locais diferentes de ano para ano, e desta vez vai realizar-se em Lousada, na Quinta do Caseiro.
A deslocação é sempre feitas em dois autocarros.
Segue circular em anexo.
Sem mais de momento,
Albano Costa
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12020: Convívios (528): 15.º Encontro do pessoal da CCAÇ 4544/73, levado a efeito no passado dia 8 de Setembro de 2013 em Miranda do Corvo (António Agreira)
Guiné 63/74 - P12031: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (31): "Deixem-nos trabalhar"
1. Em mensagem do dia 2 de Setembro de 2013, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta "boa memória da sua guerra", mais uma vez apimentada qb:
Memórias boas da minha guerra
31 - "Deixem-nos trabalhar!"
- Ó Silva, estás tramado para este fim-de-semana. Estás de serviço de Ronda no Domingo. – Gritou o Mariz de Anadia.
- Não vou a Lisboa, este fim-de-semana, mas não olhes para mim, porque não te vou fazer esse serviço. Quero ir até ao Minho, conhecer alguma coisa. E espero encontrar uma garina. – Interveio o Machado.
- E qual é o meu papel? – Perguntei a quem me quisesse responder.
Logo o Sargento Bagaço:
- Fazer o percurso das Pontes D. Luís, Vila Chã, Sé, Rua Escura, Bainharia, Ribeira…
- …Zona das putas. – Interpôs o Delfim Nora, de Matosinhos, que aproveitou para fazer o convite:
- Não caias nessa merda. Vem, mas é, até Matosinhos para visitarmos as casas de trabalho da Rua Brito Capelo.
Deixei-me cair na cama e, em silêncio, de olhos no tecto, pus-me a pensar. Ou melhor, a “ver o filme” de uma visita que tinha feito àquela zona.
Foi em princípios de 1958.
Eu ainda não tinha 15 anos quando o meu tio de Trás-os-Montes (Boticas) veio visitar-nos. Depois da devida autorização paternal para o acompanhar na visita a “uma pessoa amiga do Porto”, seguimos num autocarro da Feirense, directamente para junto do Café Derby.
Logo ali verifiquei o à-vontade do meu tio no relacionamento com aquelas mulheres.
Ele, um rapagão de bom aspecto e cheio de saúde, já tinha perto de 40 anos e não mostrava namorada nem intenção de casar. Parecia que aquele ambiente o satisfazia plenamente.
Na Sé, descemos por umas ruas estreitas em direcção à Ribeira.
Enquanto descíamos, eu ia ficando pasmado pelos “polícias” de humanos, de cães e de outros animais que via pelos cantos da rua. A dada altura, passámos por duas miúdas (aparentando cerca de 10 anos) que conversavam em voz alta. Uma delas pôs-se de cócoras, sem cuecas e começou a mijar, ao mesmo tempo que ia falando.
Como me demorei a olhar para a cena, a miúda perguntou:
- Oube cá, ó morcon, nunca bistes uma c____ sem pelos?
Quando me viu meio aparvalhado, o meu tio aproveitou para me dizer que aquela gente era igual à da minha aldeia e que fazia aquilo porque, normalmente, não tinha casas de banho, e que, ao contrário de nós, não tinha mato, pinhal ou campo para nos imitar. Como bem me lembram aqueles momentos de arejar o “material”! Quem é que não gosta de dar uma mija (ou mais) e deixar o “badalo” sacudido lentamente a observar a natureza e a absorver aquela límpida aragem rural?
Ah, e daquelas mulheres de carrego à cabeça, na conversa, que abriam as pernas, puxavam as saias para a frente e deixavam cair o mijo direitinho, sempre no mesmo sítio!
Logo que entrámos na casa da Micas fixei os olhos nas suas exuberantes mamas, pouco escondidas debaixo de uma blusa muito desapertada. Enquanto ele falava para uma moça, a quem pediu uma cerveja, a D. Micas puxou-me e disse:
- Anda aqui que eu arranjo-te outra “coisa”.
Não sei o que deixou cair. Vergou-se demoradamente, possivelmente para me mostrar o traseiro e o pername. De seguida foi-se aproximando, tocando-me e aconchegou-me a cara ao centro daqueles peitos avantajados. E eu, que nem sou muito de leite, quando me apercebi, já estava com vontade de mamar.
Nove anos depois, vejo-me com vontade de repetir o percurso.
Estava uma linda tarde de sol daquele mês de Janeiro de 1967 quando descemos do RAP2, da Serra do Pilar. Seguimos o tabuleiro superior da Ponte D. Luís em direcção a Vila Chã.
Depois, chegados à Sé, fui aconselhado pelo meu adjunto de que deveríamos seguir pela Rua Escura, em direcção à Bainharia e Ribeira, zona mais frequentada pelos militares.
Era bem visível o trânsito lento dos magalas, a divagar e a observar tudo e todos mas mais focados no mulherame. Entravam e saíam dos tascos ou de portas manhosas, vindos não sei de onde.
De repente, cai uma penicada mesmo na nossa frente. Então, oiço de lá de cima, em voz alta:
- Ai Birgem Nossa Senhora de Fátima, que ia molhando a Ronda da Tropa! Descuuuuulpem! Descuuuulpem!
Não percebi que aquilo era um aviso (não só para nós), continuámos a descer e, enquanto observávamos se acaso teríamos sido atingidos com a dita penicada perfumada, surge nova remessa. Desta vez, fomos atingidos ligeiramente. Ficámos atordoados e sem saber o que fazer.
Foi, então, que um sujeito (talvez o Júlio) saiu de um bar e veio ao nosso encontro para nos acalmar, elucidar-nos e pedir desculpa. E logo uma catraia, bem boa, por sinal, encostando-se exageradamente à minha pistola, pousou as mãos no meu ombro esquerdo e melosamente acrescentou baixinho:
- Senhor Meleciano, num benha p’ráqui assim armado porque a tropa gosta de estar à buntade e as donzelas querem trabalhar. Por fabor deixem-nos trabalhar! Deixem-nos trabalhar!
Forçados a regressar ao Quartel, rapidamente me lavei e mudei de roupa.
Quando ia a atravessar a rua, em frente do Café Mucaba, parou um carro de onde me chamaram.
Era o Neca Folhetas, que namorava uma vizinha e que insistiu para ir com ele para o Porto. Mal entrei, disse-me que queria ir dar uma volta pela zona do métier. Disse-lhe que não ia. Só se fosse lá para os lados da Cadeia, Clérigos, cimo dos Caldeireiros, etc.
Corremos três ou quatro bares e viemos para o cimo dos Caldeireiros.
Perante um aglomerado de gente, aproximámo-nos e constatámos que lá dentro do bar havia confusão. Abeiramo-nos da porta e perguntei a um militar o que se passava. E ele respondeu:
- É o caralho do Mirandela. Anda apaixonado por uma gaja e não a larga.
- E não o conseguem trazer? - perguntei.
- Foda-se!!! É que ele já está com os copos e de naifa é um perigo! Ninguém se aproxima dele.
Ouve-se, então, uma mulher a lamentar-se:
- Uma galdéria cheia de bida, podia ganhar umas coroas e o gajo não ajuda nada. É mesmo morcon!
E logo outra acrescenta:
- Filha da puta da Ronda que nunca mais chega! Assim, não temos condições para trabalhar! Ó meu Deus, o que mais pedimos é que nos deixem trabalhar. Deixem-nos trabalhar!!!
Silva da Cart 1689
Fotos: © Jorge Teixeira (Portojo)
ADENDA
Significado de palavras usadas no texto, tal como extraído do “Manual do Morcon”, integrado no “Dicionário da Lingua Romontica Portuense”:
- À maneira – De longe a mais portuense de todas as palabras e expressões e que significa: “como debe ser”, “com categoria”,”com qualidade”, enfim, “à maneira mesmo”.
- Foder – Bocábulo pouco utilizado na región e raramente referido a sexo. No caso da expresson “Bouta foder” ou “touaqui toutafoder” pode significar: “Bou-te esvaziar dois pneus da biatura e tu só tens uma roda sobressalente”.
- Donzela – Qualquer baca que f__a mais de dez vezes ao dia.
- Fdp – Expressón raramente usada. Usa-se mais “grande filha da puta”. Na zona de Campanhã acrescenta-se sempre “bouta foder”.
- Galdéria – Tola. Que podia ganhar muito mais se tivesse juízo (para o “negócio”).
- Garina – Debe ser de Lisboa, a puta.
- Puta – Palabra que se emprega em manifestações de amizade e carinho, tais como: “Meu belo filho da puta”.
- “Deixem-nos trabalhar!” – Frase muito bulgarizada entre as putas e, também, entre os políticos, quando nos querem endrominar.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11981: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O Jorge Ribeiro era um "gentleman"
Memórias boas da minha guerra
31 - "Deixem-nos trabalhar!"
Antigo RAP 2
- Ó Silva, estás tramado para este fim-de-semana. Estás de serviço de Ronda no Domingo. – Gritou o Mariz de Anadia.
- Não vou a Lisboa, este fim-de-semana, mas não olhes para mim, porque não te vou fazer esse serviço. Quero ir até ao Minho, conhecer alguma coisa. E espero encontrar uma garina. – Interveio o Machado.
- E qual é o meu papel? – Perguntei a quem me quisesse responder.
Logo o Sargento Bagaço:
- Fazer o percurso das Pontes D. Luís, Vila Chã, Sé, Rua Escura, Bainharia, Ribeira…
- …Zona das putas. – Interpôs o Delfim Nora, de Matosinhos, que aproveitou para fazer o convite:
- Não caias nessa merda. Vem, mas é, até Matosinhos para visitarmos as casas de trabalho da Rua Brito Capelo.
Deixei-me cair na cama e, em silêncio, de olhos no tecto, pus-me a pensar. Ou melhor, a “ver o filme” de uma visita que tinha feito àquela zona.
Foi em princípios de 1958.
Eu ainda não tinha 15 anos quando o meu tio de Trás-os-Montes (Boticas) veio visitar-nos. Depois da devida autorização paternal para o acompanhar na visita a “uma pessoa amiga do Porto”, seguimos num autocarro da Feirense, directamente para junto do Café Derby.
Edifício onde esteve o Café Derby na Rua Chã.
Logo ali verifiquei o à-vontade do meu tio no relacionamento com aquelas mulheres.
Ele, um rapagão de bom aspecto e cheio de saúde, já tinha perto de 40 anos e não mostrava namorada nem intenção de casar. Parecia que aquele ambiente o satisfazia plenamente.
Na Sé, descemos por umas ruas estreitas em direcção à Ribeira.
Enquanto descíamos, eu ia ficando pasmado pelos “polícias” de humanos, de cães e de outros animais que via pelos cantos da rua. A dada altura, passámos por duas miúdas (aparentando cerca de 10 anos) que conversavam em voz alta. Uma delas pôs-se de cócoras, sem cuecas e começou a mijar, ao mesmo tempo que ia falando.
Como me demorei a olhar para a cena, a miúda perguntou:
- Oube cá, ó morcon, nunca bistes uma c____ sem pelos?
Quando me viu meio aparvalhado, o meu tio aproveitou para me dizer que aquela gente era igual à da minha aldeia e que fazia aquilo porque, normalmente, não tinha casas de banho, e que, ao contrário de nós, não tinha mato, pinhal ou campo para nos imitar. Como bem me lembram aqueles momentos de arejar o “material”! Quem é que não gosta de dar uma mija (ou mais) e deixar o “badalo” sacudido lentamente a observar a natureza e a absorver aquela límpida aragem rural?
Ah, e daquelas mulheres de carrego à cabeça, na conversa, que abriam as pernas, puxavam as saias para a frente e deixavam cair o mijo direitinho, sempre no mesmo sítio!
Logo que entrámos na casa da Micas fixei os olhos nas suas exuberantes mamas, pouco escondidas debaixo de uma blusa muito desapertada. Enquanto ele falava para uma moça, a quem pediu uma cerveja, a D. Micas puxou-me e disse:
- Anda aqui que eu arranjo-te outra “coisa”.
Não sei o que deixou cair. Vergou-se demoradamente, possivelmente para me mostrar o traseiro e o pername. De seguida foi-se aproximando, tocando-me e aconchegou-me a cara ao centro daqueles peitos avantajados. E eu, que nem sou muito de leite, quando me apercebi, já estava com vontade de mamar.
Nove anos depois, vejo-me com vontade de repetir o percurso.
Estava uma linda tarde de sol daquele mês de Janeiro de 1967 quando descemos do RAP2, da Serra do Pilar. Seguimos o tabuleiro superior da Ponte D. Luís em direcção a Vila Chã.
A Ponte Luís I, hoje dedicado ao Metro e a peões
Depois, chegados à Sé, fui aconselhado pelo meu adjunto de que deveríamos seguir pela Rua Escura, em direcção à Bainharia e Ribeira, zona mais frequentada pelos militares.
Era bem visível o trânsito lento dos magalas, a divagar e a observar tudo e todos mas mais focados no mulherame. Entravam e saíam dos tascos ou de portas manhosas, vindos não sei de onde.
De repente, cai uma penicada mesmo na nossa frente. Então, oiço de lá de cima, em voz alta:
- Ai Birgem Nossa Senhora de Fátima, que ia molhando a Ronda da Tropa! Descuuuuulpem! Descuuuulpem!
Rua Escura - Pormenor
Não percebi que aquilo era um aviso (não só para nós), continuámos a descer e, enquanto observávamos se acaso teríamos sido atingidos com a dita penicada perfumada, surge nova remessa. Desta vez, fomos atingidos ligeiramente. Ficámos atordoados e sem saber o que fazer.
Foi, então, que um sujeito (talvez o Júlio) saiu de um bar e veio ao nosso encontro para nos acalmar, elucidar-nos e pedir desculpa. E logo uma catraia, bem boa, por sinal, encostando-se exageradamente à minha pistola, pousou as mãos no meu ombro esquerdo e melosamente acrescentou baixinho:
- Senhor Meleciano, num benha p’ráqui assim armado porque a tropa gosta de estar à buntade e as donzelas querem trabalhar. Por fabor deixem-nos trabalhar! Deixem-nos trabalhar!
Forçados a regressar ao Quartel, rapidamente me lavei e mudei de roupa.
Quando ia a atravessar a rua, em frente do Café Mucaba, parou um carro de onde me chamaram.
Avenida de Gaia. Antigo Mucaba à direita
Era o Neca Folhetas, que namorava uma vizinha e que insistiu para ir com ele para o Porto. Mal entrei, disse-me que queria ir dar uma volta pela zona do métier. Disse-lhe que não ia. Só se fosse lá para os lados da Cadeia, Clérigos, cimo dos Caldeireiros, etc.
Corremos três ou quatro bares e viemos para o cimo dos Caldeireiros.
Perante um aglomerado de gente, aproximámo-nos e constatámos que lá dentro do bar havia confusão. Abeiramo-nos da porta e perguntei a um militar o que se passava. E ele respondeu:
- É o caralho do Mirandela. Anda apaixonado por uma gaja e não a larga.
- E não o conseguem trazer? - perguntei.
- Foda-se!!! É que ele já está com os copos e de naifa é um perigo! Ninguém se aproxima dele.
Ouve-se, então, uma mulher a lamentar-se:
- Uma galdéria cheia de bida, podia ganhar umas coroas e o gajo não ajuda nada. É mesmo morcon!
E logo outra acrescenta:
- Filha da puta da Ronda que nunca mais chega! Assim, não temos condições para trabalhar! Ó meu Deus, o que mais pedimos é que nos deixem trabalhar. Deixem-nos trabalhar!!!
Silva da Cart 1689
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Zona histórica do Porto
Fotos: © Jorge Teixeira (Portojo)
ADENDA
Significado de palavras usadas no texto, tal como extraído do “Manual do Morcon”, integrado no “Dicionário da Lingua Romontica Portuense”:
- À maneira – De longe a mais portuense de todas as palabras e expressões e que significa: “como debe ser”, “com categoria”,”com qualidade”, enfim, “à maneira mesmo”.
- Foder – Bocábulo pouco utilizado na región e raramente referido a sexo. No caso da expresson “Bouta foder” ou “touaqui toutafoder” pode significar: “Bou-te esvaziar dois pneus da biatura e tu só tens uma roda sobressalente”.
- Donzela – Qualquer baca que f__a mais de dez vezes ao dia.
- Fdp – Expressón raramente usada. Usa-se mais “grande filha da puta”. Na zona de Campanhã acrescenta-se sempre “bouta foder”.
- Galdéria – Tola. Que podia ganhar muito mais se tivesse juízo (para o “negócio”).
- Garina – Debe ser de Lisboa, a puta.
- Puta – Palabra que se emprega em manifestações de amizade e carinho, tais como: “Meu belo filho da puta”.
- “Deixem-nos trabalhar!” – Frase muito bulgarizada entre as putas e, também, entre os políticos, quando nos querem endrominar.
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Nota do editor
Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11981: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O Jorge Ribeiro era um "gentleman"
Guiné 63/74 - P12030: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (7): Os meses seguintes, até Bafatá
1. Sétimo episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:
A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado
No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.
CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES
7 - Os meses seguintes, até Bafatá
Ainda com a cabeça, mais lá do que cá, ainda a pensar nas férias, dei-me conta da enorme carga de trabalho que ficara às costas do meu camarada. Mesmo com a ajuda do nosso ajudante, um jovem futa-fula de seu nome Galé Djaló que gostava de ser tratado por António Galé, a tarefa de cuidar da saúde de uma companhia e da população não era nada fácil.
Um mês depois do meu regresso, “alinhei” em mais uma operação, uma vez mais por Galo Corubal, Seco Braima e Satecuta, a que se chamou “Quadrilha Sagaz”. A nossa companhia na progressão para o objectivo, num só dia, teve três contactos com o inimigo, felizmente sem feridos graves. Para este resultado, foi determinante o comportamento de um dos nossos camaradas que, com a sua acção arrojada, contribuiu para que as armas do PAIGC se calassem. Este nosso camarada viria a ser distinguido com o Prémio Governador que lhe deu o direito a umas merecidas férias na Metrópole. De Satecuta, eu e mais dois camaradas, trouxemos cada um o seu cachorrinho, ainda bebés. Transportei a minha cadelinha, sim era uma “mulher”, aconchegada ao meu peito na abertura da camisa, que fui alimentando com a bisnaga do leite condensado da minha ração de combate. Desafortunadamente só a minha “Gudhiu”, que em fula significa cão, chegaria com vida ao Xitole. Era o meu troféu de guerra.
O trabalho era intenso, quase não dava descanso. Depois dos insistentes pedidos, o Comando do Batalhão decidiu-se a enviar mais um elemento para reforçar a equipa de Saúde. Viria, na próxima coluna de reabastecimentos que iria até ao Saltinho, um camarada maqueiro de Bambadinca, que era natural do Porto. Quiseram os deuses que esse camarada não ficasse no Xitole.
Esta coluna ficou marcada por um episódio insólito e dramático.
Após a paragem no Xitole, seguiria para o Saltinho. O retomar da marcha fez-se de forma muito desorganizada. Logo à saída do Xitole a coluna ficou “partida”. Algumas viaturas, militares e civis, já haviam seguido, e outras ficaram para trás. Um Unimog, na tentativa de se reaproximar da viatura seguinte, terá excedido a velocidade para uma picada cheia de cavernas e curvas apertadas, o que provocou o seu despiste, tendo-se voltado e projectado os seus ocupantes.
Dado o alarme, desloquei-me ao local do acidente e deparei-me com uma cena muito triste. Todos os militares estavam estendidos e espalhados pelo chão, embrulhados na vegetação do local. Alguns gemiam, outros não davam acordo de si e um outro, o condutor africano, estava morto. Todos os militares europeus apresentavam sinais de fracturas diversas e o africano, tinha o crânio desfeito por uma bala. Tinha-se suicidado com a sua G3, talvez porque pensou ter morto toda aquela gente e a sua consciência não aceitasse o peso desse fardo.
O corpo do condutor africano, depois de autopsiado no Xitole, foi entregue à família. Todos os feridos foram evacuados e entre eles, por ironia do destino, estava o camarada que tinha vindo para integrar a nossa equipa de enfermagem. Má sorte a dele e, também a nossa que continuamos os mesmos para tanto trabalho.
Por estas alturas, falava-se que o nosso Capitão estaria preocupado com o excessivo número de caninos que habitava o quartel. Era um drama, cada abrigo queria o seu. Quase todos baptizados com nomes de clubes de futebol, era uma delícia quando na época do cio se assistia ao Porto a f…….. o Benfica e outros encontros caninos.
Por mais absurdo que pareça, este espectáculo tinha assistência garantida em dias ou horas de pasmaceira, quando não por outras razões.
E eu afeiçoei-me à minha Gudhiu, a quem dava vitaminas e o melhor da minha ração do rancho. Tinha uma pelagem brilhante, mesmo sedosa. Era o meu orgulho e a dona dos meus afectos mais próximos. Até que um dia, quando a GMC que estacionava defronte do Posto de Socorros se pôs em marcha, atropelou a minha cadelinha que se abrigava do sol debaixo da viatura. Era o fim. Por mais que me custasse admitir, a minha Gudhiu estava condenada. Os camaradas do abrigo dos condutores, sabendo do estado do animal, esperaram que me ausentasse e, no fim da pista, abateram o animal. Foi duro perder aquela que sonhei trazer comigo no fim da comissão.
Já assumíamos que o tempo entrara em contagem decrescente.
Chegados aqui, já sabíamos porque é que o Domingo era quase sempre diferente dos outros dias. Seria, porque o nosso Capitão reunia semanalmente o pessoal da Companhia na parada, ali ao lado da capelinha e, nos transmitia as suas preocupações quanto às questões da nossa segurança, nos alertava para os cuidados a ter com a saúde e nos incutia a obrigação de sermos respeitadores das tradições dos guineenses. Seria porque, quase sempre, saíam nesse dia três a quatro viaturas com destino a Cusselinta, com passagem pelas tabancas. Eram os grandes saltos do cimo da rocha para a piscina natural criada pelos rápidos, eram os mergulhos em que íamos armados de faca de mato à “caça” das ostras, eram os lançamentos de granadas para se recolher uma sacada de peixes e, na época, comiam-se as laranjas doces de casca verde, surripiadas do cima das viaturas á passagem por Sinchã Madiu. Eram os nossos Domingos, quase sempre, quase sempre.
E nesse, como nos outros dias, era também a atenção aos nossos camaradas que se encontravam acamados nos abrigos, quase sempre com a malária. Até que um dia, nessas andanças de cuidar dos nossos, saía eu do Posto de Socorros levando nas mãos uma caixa que continha seringas e agulhas esterilizadas para aplicar a um camarada ali nos fundos do quartel, junto da cozinha, quando deparei com um ajuntamento da nossa malta, formada em círculo. Quando tentava perceber o que se passava, ouvi uma voz que me chamava; “o nosso militar aonde vai?”.
Soou-me estranha aquela voz e levantei o olhar tentando identificar a origem do chamamento. Era o nosso Comandante-Chefe, General António Spínola, que nos fazia uma visita relâmpago. Mal fardado, sem boné, de chinelos e de barba descuidada dirigi-me para o local. O círculo partiu-se para eu entrar. Estava apreensivo e expectante. Perfilei-me respeitosamente. O monóculo e o bengalim impunham muito respeitinho. O General Spínola percebeu o óbvio quando verificou o que eu tinha nas mãos. Com aquele timbre de voz, serena e pausada disse-me:
- Continue o que estava a fazer.
Respirei fundo e retirei-me. Este encontro, tão inesperado e tão próximo, marcou-me de tal maneira que fiquei admirar o Homem e o Militar. Passei aceitá-lo como um dos nossos, mais próximo e atento aos nossos problemas e despido das suas estrelas.
E os dias iam passando. A vida no quartel era preenchida aqui e ali com uns acontecimentos mais ou menos pitorescos. Os jogos de futebol ao final da tarde entre os pelotões, quantas vezes debaixo de trovoadas, marcavam a nossa principal forma de enganar o tempo.
Até que um dia, dois pelotões acertaram mais uma peladinha de tira-teimas. Era quase como que uma desforra entre os melhores e, muito aguardada pelo pessoal. Estávamos nas nossas tarefas diárias quando, o Alferes de um dos pelotões chega ao Posto de Socorros e nos pede para lhe fazermos umas massagens. Era a vedeta da equipa, e queria estar à altura das expectativas. Talvez por excesso de trabalho, talvez porque se aceitássemos a excepção seria o "fim da macacada” com todos a bater-nos à porta, talvez porque talvez ou, não sabendo bem porquê, a resposta saiu pronta: - Nem pensar.
A reacção do Alferes veio embrulhada nos seus galões e em ameaças subtis. Fizemos saber ao oficial que, dentro do Posto de Socorros só entrava quem viesse tratar-se e que os galões ficavam fora da porta. O bom senso imperou, o assunto ficou encerrado e com o passar do tempo o episódio foi esquecido.
Outro episódio bem pitoresco tem como protagonistas o mesmo Alferes, o seu cabrito e alguns “malandrecos” do seu pelotão.
O oficial mantinha preso próximo do seu quarto um cabrito que havia adquirido nas tabancas. Mas, alguns membros do seu grupo, e não só, entenderam que o rancho estava muito repetitivo e vai daí, se bem pensaram melhor o fizeram, abotoaram-se durante a noite ao cabrito e, com a cumplicidade do cozinheiro do rancho abateram o animal e prepararam um lauto assado. O principal convidado do repasto era naturalmente o dito cujo oficial. Quando do animal só eram visíveis alguns dos fragmentos do seu esqueleto e todos se encontravam já bem bebidos, alguém solta uma “boca” deixando entender a proveniência do animal. Foi a risada geral.
No primeiro momento o oficial passou do encarnado ao rubro, mas acabou por achar piada à partida do seu pessoal. A malta esteve à altura da brincadeira e do respeito pelo seu superior e ofereceram-se para lhe repor o animal, o que não aceitou.
Dentro e fora do quartel a equipa de saúde dedicava-se com empenho no apoio às populações. Tínhamos conquistado a sua estima e disso nos davam testemunho com a oferta de ovos, frangos, carnes, frutas etc. O sentimento era recíproco. Entre tantos momentos vividos com as populações destaco a tarefa de apoio às parturientes.
Sem preparação técnica e sem qualquer experiência prática, só a vontade de ajudar e alguma intuição me permitiram ser útil nesses momentos. De entre os vários casos, um caso em particular mereceu o registo na minha memória.
Ali para os fundos do Xitole, à saída para as tabancas, vivia uma família que incluía uma jovem e bonita mulher. Esta jovem era de quase todos conhecida porque, caso raro, tinha um peito bastante maior que o outro. Um dia, sou chamado a prestar assistência a essa jovem que entrara em trabalhos de parto e que as mulheres grandes que a acompanhavam consideravam difícil.
Munido de injectáveis para facilitar a dilatação, deitei mãos à obra. Sempre na presença das “parteiras” ministrei a medicação e esperei, deixando que a tradição e a ciência funcionassem. Mas a criança teimava em não querer ver a luz do dia. Repetida a medicação e depois de nova espera o resultado seria o mesmo.
A criança estava sujeita a sofrimento e, depois de nova tentativa, acabaria por nascer sem vida. Segundo a voz da tabanca, dizia-se que a criança poderia ser filha de um branco e que a jovem dificultou o parto para esconder esse facto.
Enquanto acontecia mais um ataque à Ponte dos Fulas e às tabancas de Cambêssê e de Sinchã Madiu, a Comissão caminhava para o fim. Estávamos no início de 1972 e, para minha surpresa, fui informado de que iria ser colocado em Bafatá. Explicaram-me que iria para descansar, simplesmente. Custava-me o afastamento dos meus camaradas, mas a ideia agradou-me.
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12010: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): As férias na Metrópole e o regresso ao Xitole
A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado
No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.
CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES
7 - Os meses seguintes, até Bafatá
Ainda com a cabeça, mais lá do que cá, ainda a pensar nas férias, dei-me conta da enorme carga de trabalho que ficara às costas do meu camarada. Mesmo com a ajuda do nosso ajudante, um jovem futa-fula de seu nome Galé Djaló que gostava de ser tratado por António Galé, a tarefa de cuidar da saúde de uma companhia e da população não era nada fácil.
Um mês depois do meu regresso, “alinhei” em mais uma operação, uma vez mais por Galo Corubal, Seco Braima e Satecuta, a que se chamou “Quadrilha Sagaz”. A nossa companhia na progressão para o objectivo, num só dia, teve três contactos com o inimigo, felizmente sem feridos graves. Para este resultado, foi determinante o comportamento de um dos nossos camaradas que, com a sua acção arrojada, contribuiu para que as armas do PAIGC se calassem. Este nosso camarada viria a ser distinguido com o Prémio Governador que lhe deu o direito a umas merecidas férias na Metrópole. De Satecuta, eu e mais dois camaradas, trouxemos cada um o seu cachorrinho, ainda bebés. Transportei a minha cadelinha, sim era uma “mulher”, aconchegada ao meu peito na abertura da camisa, que fui alimentando com a bisnaga do leite condensado da minha ração de combate. Desafortunadamente só a minha “Gudhiu”, que em fula significa cão, chegaria com vida ao Xitole. Era o meu troféu de guerra.
O trabalho era intenso, quase não dava descanso. Depois dos insistentes pedidos, o Comando do Batalhão decidiu-se a enviar mais um elemento para reforçar a equipa de Saúde. Viria, na próxima coluna de reabastecimentos que iria até ao Saltinho, um camarada maqueiro de Bambadinca, que era natural do Porto. Quiseram os deuses que esse camarada não ficasse no Xitole.
Esta coluna ficou marcada por um episódio insólito e dramático.
Após a paragem no Xitole, seguiria para o Saltinho. O retomar da marcha fez-se de forma muito desorganizada. Logo à saída do Xitole a coluna ficou “partida”. Algumas viaturas, militares e civis, já haviam seguido, e outras ficaram para trás. Um Unimog, na tentativa de se reaproximar da viatura seguinte, terá excedido a velocidade para uma picada cheia de cavernas e curvas apertadas, o que provocou o seu despiste, tendo-se voltado e projectado os seus ocupantes.
Dado o alarme, desloquei-me ao local do acidente e deparei-me com uma cena muito triste. Todos os militares estavam estendidos e espalhados pelo chão, embrulhados na vegetação do local. Alguns gemiam, outros não davam acordo de si e um outro, o condutor africano, estava morto. Todos os militares europeus apresentavam sinais de fracturas diversas e o africano, tinha o crânio desfeito por uma bala. Tinha-se suicidado com a sua G3, talvez porque pensou ter morto toda aquela gente e a sua consciência não aceitasse o peso desse fardo.
O corpo do condutor africano, depois de autopsiado no Xitole, foi entregue à família. Todos os feridos foram evacuados e entre eles, por ironia do destino, estava o camarada que tinha vindo para integrar a nossa equipa de enfermagem. Má sorte a dele e, também a nossa que continuamos os mesmos para tanto trabalho.
Por estas alturas, falava-se que o nosso Capitão estaria preocupado com o excessivo número de caninos que habitava o quartel. Era um drama, cada abrigo queria o seu. Quase todos baptizados com nomes de clubes de futebol, era uma delícia quando na época do cio se assistia ao Porto a f…….. o Benfica e outros encontros caninos.
Por mais absurdo que pareça, este espectáculo tinha assistência garantida em dias ou horas de pasmaceira, quando não por outras razões.
E eu afeiçoei-me à minha Gudhiu, a quem dava vitaminas e o melhor da minha ração do rancho. Tinha uma pelagem brilhante, mesmo sedosa. Era o meu orgulho e a dona dos meus afectos mais próximos. Até que um dia, quando a GMC que estacionava defronte do Posto de Socorros se pôs em marcha, atropelou a minha cadelinha que se abrigava do sol debaixo da viatura. Era o fim. Por mais que me custasse admitir, a minha Gudhiu estava condenada. Os camaradas do abrigo dos condutores, sabendo do estado do animal, esperaram que me ausentasse e, no fim da pista, abateram o animal. Foi duro perder aquela que sonhei trazer comigo no fim da comissão.
Já assumíamos que o tempo entrara em contagem decrescente.
Chegados aqui, já sabíamos porque é que o Domingo era quase sempre diferente dos outros dias. Seria, porque o nosso Capitão reunia semanalmente o pessoal da Companhia na parada, ali ao lado da capelinha e, nos transmitia as suas preocupações quanto às questões da nossa segurança, nos alertava para os cuidados a ter com a saúde e nos incutia a obrigação de sermos respeitadores das tradições dos guineenses. Seria porque, quase sempre, saíam nesse dia três a quatro viaturas com destino a Cusselinta, com passagem pelas tabancas. Eram os grandes saltos do cimo da rocha para a piscina natural criada pelos rápidos, eram os mergulhos em que íamos armados de faca de mato à “caça” das ostras, eram os lançamentos de granadas para se recolher uma sacada de peixes e, na época, comiam-se as laranjas doces de casca verde, surripiadas do cima das viaturas á passagem por Sinchã Madiu. Eram os nossos Domingos, quase sempre, quase sempre.
E nesse, como nos outros dias, era também a atenção aos nossos camaradas que se encontravam acamados nos abrigos, quase sempre com a malária. Até que um dia, nessas andanças de cuidar dos nossos, saía eu do Posto de Socorros levando nas mãos uma caixa que continha seringas e agulhas esterilizadas para aplicar a um camarada ali nos fundos do quartel, junto da cozinha, quando deparei com um ajuntamento da nossa malta, formada em círculo. Quando tentava perceber o que se passava, ouvi uma voz que me chamava; “o nosso militar aonde vai?”.
Soou-me estranha aquela voz e levantei o olhar tentando identificar a origem do chamamento. Era o nosso Comandante-Chefe, General António Spínola, que nos fazia uma visita relâmpago. Mal fardado, sem boné, de chinelos e de barba descuidada dirigi-me para o local. O círculo partiu-se para eu entrar. Estava apreensivo e expectante. Perfilei-me respeitosamente. O monóculo e o bengalim impunham muito respeitinho. O General Spínola percebeu o óbvio quando verificou o que eu tinha nas mãos. Com aquele timbre de voz, serena e pausada disse-me:
- Continue o que estava a fazer.
Respirei fundo e retirei-me. Este encontro, tão inesperado e tão próximo, marcou-me de tal maneira que fiquei admirar o Homem e o Militar. Passei aceitá-lo como um dos nossos, mais próximo e atento aos nossos problemas e despido das suas estrelas.
E os dias iam passando. A vida no quartel era preenchida aqui e ali com uns acontecimentos mais ou menos pitorescos. Os jogos de futebol ao final da tarde entre os pelotões, quantas vezes debaixo de trovoadas, marcavam a nossa principal forma de enganar o tempo.
Até que um dia, dois pelotões acertaram mais uma peladinha de tira-teimas. Era quase como que uma desforra entre os melhores e, muito aguardada pelo pessoal. Estávamos nas nossas tarefas diárias quando, o Alferes de um dos pelotões chega ao Posto de Socorros e nos pede para lhe fazermos umas massagens. Era a vedeta da equipa, e queria estar à altura das expectativas. Talvez por excesso de trabalho, talvez porque se aceitássemos a excepção seria o "fim da macacada” com todos a bater-nos à porta, talvez porque talvez ou, não sabendo bem porquê, a resposta saiu pronta: - Nem pensar.
A reacção do Alferes veio embrulhada nos seus galões e em ameaças subtis. Fizemos saber ao oficial que, dentro do Posto de Socorros só entrava quem viesse tratar-se e que os galões ficavam fora da porta. O bom senso imperou, o assunto ficou encerrado e com o passar do tempo o episódio foi esquecido.
Outro episódio bem pitoresco tem como protagonistas o mesmo Alferes, o seu cabrito e alguns “malandrecos” do seu pelotão.
O oficial mantinha preso próximo do seu quarto um cabrito que havia adquirido nas tabancas. Mas, alguns membros do seu grupo, e não só, entenderam que o rancho estava muito repetitivo e vai daí, se bem pensaram melhor o fizeram, abotoaram-se durante a noite ao cabrito e, com a cumplicidade do cozinheiro do rancho abateram o animal e prepararam um lauto assado. O principal convidado do repasto era naturalmente o dito cujo oficial. Quando do animal só eram visíveis alguns dos fragmentos do seu esqueleto e todos se encontravam já bem bebidos, alguém solta uma “boca” deixando entender a proveniência do animal. Foi a risada geral.
No primeiro momento o oficial passou do encarnado ao rubro, mas acabou por achar piada à partida do seu pessoal. A malta esteve à altura da brincadeira e do respeito pelo seu superior e ofereceram-se para lhe repor o animal, o que não aceitou.
Dentro e fora do quartel a equipa de saúde dedicava-se com empenho no apoio às populações. Tínhamos conquistado a sua estima e disso nos davam testemunho com a oferta de ovos, frangos, carnes, frutas etc. O sentimento era recíproco. Entre tantos momentos vividos com as populações destaco a tarefa de apoio às parturientes.
Sem preparação técnica e sem qualquer experiência prática, só a vontade de ajudar e alguma intuição me permitiram ser útil nesses momentos. De entre os vários casos, um caso em particular mereceu o registo na minha memória.
Ali para os fundos do Xitole, à saída para as tabancas, vivia uma família que incluía uma jovem e bonita mulher. Esta jovem era de quase todos conhecida porque, caso raro, tinha um peito bastante maior que o outro. Um dia, sou chamado a prestar assistência a essa jovem que entrara em trabalhos de parto e que as mulheres grandes que a acompanhavam consideravam difícil.
Munido de injectáveis para facilitar a dilatação, deitei mãos à obra. Sempre na presença das “parteiras” ministrei a medicação e esperei, deixando que a tradição e a ciência funcionassem. Mas a criança teimava em não querer ver a luz do dia. Repetida a medicação e depois de nova espera o resultado seria o mesmo.
A criança estava sujeita a sofrimento e, depois de nova tentativa, acabaria por nascer sem vida. Segundo a voz da tabanca, dizia-se que a criança poderia ser filha de um branco e que a jovem dificultou o parto para esconder esse facto.
Enquanto acontecia mais um ataque à Ponte dos Fulas e às tabancas de Cambêssê e de Sinchã Madiu, a Comissão caminhava para o fim. Estávamos no início de 1972 e, para minha surpresa, fui informado de que iria ser colocado em Bafatá. Explicaram-me que iria para descansar, simplesmente. Custava-me o afastamento dos meus camaradas, mas a ideia agradou-me.
Piscina natural em Cussilinta – Corubal
Na esplanada da messe dos oficiais
Entrada do posto de socorros do Xitole
Picada Xitole/ Saltinho na época das chuvas
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 5 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12010: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): As férias na Metrópole e o regresso ao Xitole
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12029: Um encontro em férias com um embaixador da UE que esteve em Bissau no pico do conflito político-militar 1998-1999 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2013:
Carlos,
Foi uma grande surpresa, de vez em quando temos o choque das grandes alegrias, puras e inesperadas.
[...]
Como é evidente, pedi autorização ao embaixador para publicar as fotografias e aonde.
Recebe um abraço de um amigo que te quer sempre bem,
Mário
Encontro inesperado com um embaixador da UE em Bissau
Beja Santos
2 de Setembro, cerca das 19 horas, Praia Grande, região de Sintra. Tarde magnífica, estive uma hora no banho, ondulação inocente, dava gosto, água quase tépida, as vagas sucessivas da ondulação massajavam, uma maresia de sal e iodo, nem havia vontade de sair tão cedo da água. Depois passeei-me à beira-mar, sequei-me, subi para o passeio e limpava afanosamente os pés quando um vozeirão estoirou ali ao lado:
- O que é que você faz aqui nos meus domínios, ó Beja Santos, há quanto tempo não nos vemos?.
Não fiquei estupefacto muito tempo, quem me aborda assim de supetão está praticamente como quando o conheci, no final de 1977. Abraçámo-nos, era o Miguel Amado, e quando nos conhecemos foi no Ministério do Comércio, ele na rede nacional de frio e eu já nos consumidores. Viajamos pela Dinamarca, em 1978, e quando nos separámos em Copenhaga, no aeroporto, eu seguia para Amesterdão e ele para Lisboa, preguei-lhe uma pequena partida, pedi-lhe para trazer duas pesadas malas com a documentação e filmes que trazia numa visita à Suécia, ele que tivesse pena de mim, ia agora para Haia buscar vários sacos com bobines para os filmes que iria apresentar na RTP. Ele já esquecera essa partida, quase 40 quilos de papelada e película que trouxera até minha casa.
Foi uma alegria este reencontro. Bebemos uma imperial e cavaqueámos pelas várias décadas em que andámos dispersos. A Guiné veio à baila. Ele percebeu que eu tinha os olhos em alvo, bebia tudo quanto ele dizia. Ele foi embaixador da União Europeia, apanhou o conflito político-militar da Guiné em cheio. Já tínhamos falado de Madagáscar, do Burundi, da República Dominicana e do Congo Brazaville, algumas das paragens onde fez diplomacia, conheceu cinco golpes de Estado. Pedi-lhe para voltarmos à Guiné.
- Ó Beja Santos, há muito para contar, venha jantar comigo na quarta-feira, trato-o bem, vamos marcar um ponto de encontro.
E assim foi, encontrámo-nos na Ribeirinha de Colares, pegou em mim e de jipão seguimos para um morro onde ele tem a sua casa. E que panorâmica, meu Deus! Fiquei sem fala, avista-se o espinhaço pétreo onde assentam o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena, avista-se perfeitamente Monserrate, a Quinta da Piedade, em escadaria a Eugaria, pode divisar-se a Estrada Nova da Rainha, estávamos a saborear um fim de tarde cálido, avistava-se uma neblina que tecia cogitações românticas, havia para ali um silêncio monástico, que inibia a conversa. Feita a apresentação do lugar, percorri a sua bela casa, mexi nos livros, obras de arte, bibelôs, como me atrevo a fazer quando me sinto em intimidade.
Aos solavancos, voltámos à década de 1970, percorremos as suas missões, lá o fui manipulando até chegarmos à Guiné.
- Espere lá, vou buscar os álbuns, tenho ali fotografias que o vão entusiasmar. Olhe para esta, a comissária Emma Bonino, que apareceu ali acidentalmente na Guiné, forçou o aperto de mão entre o Ansumane Mané e o Nino Vieira, não percebeu patavina do que eles disseram, e depois veio cá para fora dizer que se tinham dado passos extremamente importantes para a reconciliação… e temos aqui esta fotografia histórica.
Continuou a remexer no álbum, vi a sua residência em derrocada, vi os vestígios das bombardas que o assolaram, ele lá está, sorridente e lampeiro, como sempre.
- Há muito mais a conversar sobre a Guiné, voltaremos ao assunto em próximo encontro.
Aquiesci prontamente. É claro que nos vamos encontrar mais. A Guiné é interminável, ele esteve lá dois anos e meio, tem mesmo muito para contar.
Para não cansar muito o confrade, junto só três fotografias, a de um aperto de mão que não ficou para a História, e as ruínas de uma casa no fragor de uma guerra civil, com os sinais do metal da morte.
Fotos: © Embaixador Miguel Amado
É muito bom conversar com o Miguel Amado, é um homem crente e tem o vigor dos apóstolos, a solicitude dos generosos e, como todos os justos, não há para ali azedumes, rancores nem insinuações pestilenciais. Estou mesmo a aguardar uma nova oportunidade de lá ir a casa, ele recordou a luz de Outubro, quase mística, naquele cenário transcendente. Eu vou. E voltaremos a falar da Guiné.
Carlos,
Foi uma grande surpresa, de vez em quando temos o choque das grandes alegrias, puras e inesperadas.
[...]
Como é evidente, pedi autorização ao embaixador para publicar as fotografias e aonde.
Recebe um abraço de um amigo que te quer sempre bem,
Mário
Encontro inesperado com um embaixador da UE em Bissau
Beja Santos
2 de Setembro, cerca das 19 horas, Praia Grande, região de Sintra. Tarde magnífica, estive uma hora no banho, ondulação inocente, dava gosto, água quase tépida, as vagas sucessivas da ondulação massajavam, uma maresia de sal e iodo, nem havia vontade de sair tão cedo da água. Depois passeei-me à beira-mar, sequei-me, subi para o passeio e limpava afanosamente os pés quando um vozeirão estoirou ali ao lado:
- O que é que você faz aqui nos meus domínios, ó Beja Santos, há quanto tempo não nos vemos?.
Não fiquei estupefacto muito tempo, quem me aborda assim de supetão está praticamente como quando o conheci, no final de 1977. Abraçámo-nos, era o Miguel Amado, e quando nos conhecemos foi no Ministério do Comércio, ele na rede nacional de frio e eu já nos consumidores. Viajamos pela Dinamarca, em 1978, e quando nos separámos em Copenhaga, no aeroporto, eu seguia para Amesterdão e ele para Lisboa, preguei-lhe uma pequena partida, pedi-lhe para trazer duas pesadas malas com a documentação e filmes que trazia numa visita à Suécia, ele que tivesse pena de mim, ia agora para Haia buscar vários sacos com bobines para os filmes que iria apresentar na RTP. Ele já esquecera essa partida, quase 40 quilos de papelada e película que trouxera até minha casa.
Foi uma alegria este reencontro. Bebemos uma imperial e cavaqueámos pelas várias décadas em que andámos dispersos. A Guiné veio à baila. Ele percebeu que eu tinha os olhos em alvo, bebia tudo quanto ele dizia. Ele foi embaixador da União Europeia, apanhou o conflito político-militar da Guiné em cheio. Já tínhamos falado de Madagáscar, do Burundi, da República Dominicana e do Congo Brazaville, algumas das paragens onde fez diplomacia, conheceu cinco golpes de Estado. Pedi-lhe para voltarmos à Guiné.
- Ó Beja Santos, há muito para contar, venha jantar comigo na quarta-feira, trato-o bem, vamos marcar um ponto de encontro.
E assim foi, encontrámo-nos na Ribeirinha de Colares, pegou em mim e de jipão seguimos para um morro onde ele tem a sua casa. E que panorâmica, meu Deus! Fiquei sem fala, avista-se o espinhaço pétreo onde assentam o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena, avista-se perfeitamente Monserrate, a Quinta da Piedade, em escadaria a Eugaria, pode divisar-se a Estrada Nova da Rainha, estávamos a saborear um fim de tarde cálido, avistava-se uma neblina que tecia cogitações românticas, havia para ali um silêncio monástico, que inibia a conversa. Feita a apresentação do lugar, percorri a sua bela casa, mexi nos livros, obras de arte, bibelôs, como me atrevo a fazer quando me sinto em intimidade.
Aos solavancos, voltámos à década de 1970, percorremos as suas missões, lá o fui manipulando até chegarmos à Guiné.
- Espere lá, vou buscar os álbuns, tenho ali fotografias que o vão entusiasmar. Olhe para esta, a comissária Emma Bonino, que apareceu ali acidentalmente na Guiné, forçou o aperto de mão entre o Ansumane Mané e o Nino Vieira, não percebeu patavina do que eles disseram, e depois veio cá para fora dizer que se tinham dado passos extremamente importantes para a reconciliação… e temos aqui esta fotografia histórica.
Continuou a remexer no álbum, vi a sua residência em derrocada, vi os vestígios das bombardas que o assolaram, ele lá está, sorridente e lampeiro, como sempre.
- Há muito mais a conversar sobre a Guiné, voltaremos ao assunto em próximo encontro.
Aquiesci prontamente. É claro que nos vamos encontrar mais. A Guiné é interminável, ele esteve lá dois anos e meio, tem mesmo muito para contar.
Para não cansar muito o confrade, junto só três fotografias, a de um aperto de mão que não ficou para a História, e as ruínas de uma casa no fragor de uma guerra civil, com os sinais do metal da morte.
Fotos: © Embaixador Miguel Amado
É muito bom conversar com o Miguel Amado, é um homem crente e tem o vigor dos apóstolos, a solicitude dos generosos e, como todos os justos, não há para ali azedumes, rancores nem insinuações pestilenciais. Estou mesmo a aguardar uma nova oportunidade de lá ir a casa, ele recordou a luz de Outubro, quase mística, naquele cenário transcendente. Eu vou. E voltaremos a falar da Guiné.
Guiné 63/74 - P12028: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (8): O Clube de Oficiais
1. Continuação das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro de sua autoria com o mesmo título, Edições Polvo, 2005:
MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia
8 - O Clube de Oficiais
Instalado no Clube de Oficiais, em Santa Luzia, próximo do Quartel-General, iniciei a 21 de Abril de 1970 a minha actividade nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando Chefe (Amura).
Durante a minha estadia nesse clube tive contacto com vários oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos) que também lá se encontravam instalados ou que, estando sediados fora de Bissau, por lá passaram para tratar assuntos relativos às companhias que comandavam.
Em finais de Abril o General Spínola reuniu numa grande sala do Palácio praticamente todos o capitães em serviço na Guiné.
Eu, praticamente acabado de chegar, também estive presente nessa reunião.
O General traçou novos rumos no que dizia respeito à luta contra a subversão.
Deu a entender que se estavam estabelecendo negociações com os chefes terroristas no sentido da resolução política do diferendo.
Ordenou que as Companhias Operacionais não mais tomassem atitudes ofensivas, mas simplesmente defensivas. Mandou que se procedesse sem ódio nem brutalidade contra os prisioneiros de guerra e as populações afectas ao inimigo, de modo a que se possibilitasse a sua apresentação às autoridades e se pudesse caminhar para a pacificação.
Com a vinda a essa reunião dos capitães que se encontravam espalhados pelo território, pude conhecer alguns e rever o Espinha de Almeida, do meu tempo da Escola Prática de Artilharia, que se encontrava no Xitole (Bambadinca).
Este capitão miliciano, embora de pequena estatura, era corajoso.
Chamavam-lhe, por ser baixo, Capitão Pitaitas.
Mostrou, no entanto, valor militar, uma vez que nunca deixou de acompanhar os seus soldados em diversas missões, expondo-se ao fogo do inimigo.
Em dada altura sabedor do local, na mata, onde estava estacionado um numeroso grupo de "terroristas" fora do alcance do seu obus, resolveu desmanchá-lo e transportá-lo em peças para um lugar donde fosse possível bombardear a posição inimiga.
Depois de montar devidamente as peças do canhão atingiu com êxito a posição "terrorista" causando-lhe diversas baixas.
Pela sua bravura, o Capitão Espinha de Almeida foi galardoado com a medalha de serviços distintos com palma.
Na referida reunião dos capitães com o General Spínola, fui surpreendido pela forma descontraída, directa e muito incisiva, como o Capitão Vasco Lourenço procurou saber do General mais pormenores sobre o modo como actuar futuramente face às novas directivas. Directivas que passados alguns dias foram canceladas, dado que foram mortos três majores e um alferes que, desarmados, procuravam o contacto com chefes terroristas de que havia indicação de se quererem entregar.
Um dos majores (Pereira da Silva) conhecia-o muito bem, pois havia privado com ele no GACA 3 tendo ele, na altura, o posto de Tenente.
A minha vida ia correndo sem grandes sobressaltos entre o Comando-Chefe e o Clube de Oficiais. Aqui no Clube, havia uma piscina e à noite por vezes havia cinema e outros espectáculos ao ar livre.
Lembro-me de ter visto espectáculos de música, de ilusionismo e uma vez de hipnotismo. Neste último um soldado, depois de hipnotizado, foi convencido que estava uma noite gélida (ao contrário do que acontecia, pois tratava-se de uma cálida noite africana) e recordo-me como ele tremeu de frio e se agasalhou o mais que pôde com as roupas que tinha por perto.
Estando à beira da piscina, no dia 19 de Maio de 1970, ouvi pela primeira vez a artilharia dos independentistas em acção.
Eram cerca de 23 horas quando foi desencadeado um ataque com artilharia ao Quartel de Tite.
Os rebentamenros era perfeitamente audíveis em Bissau. O poder de fogo era grande, tendo havido lançamento, por parte das forças inimigas, de cinco mísseis.
No Clube de Oficiais fazia a minha vida depois de findo o meu serviço no Comando-Chefe. Era a minha casa. Lá tinha tudo: alimentação, dormida e até barbearia.
Foi justamente na barbearia onde certo dia fui cortar o cabelo que se deu este episódio com o Capitão Vasco Lourenço que vou passar a contar.
Encontrando-me uma vez sentado numa das cadeiras da barbearia do Clube de Oficiais de Bissau, acomodou-se a meu lado o Capitão Lourenço.
Imediatamente solicitou que lhe cortassem o cabelo. Este pedido surpreendeu o soldado da barbearia que, tartamudeando, se aprontou para o atender.
- Mas... meu capitão, ainda nem há uma hora lhe cortei o cabelo!
- Pois é. Mas vais cortar-mo de novo.
O rapaz não replicou, mas muito em surdina, ainda conseguiu pronunciar duas palavras que só eu pude entender, embora com dificuldade.
- Está "apanhado".
Também fiquei intrigado com o que se passava, pelo que procurei esclarecer o assunto mais tarde.
Quando ambos abandonamos o Clube de Oficiais, o Capitão Lourenço satisfez a minha curiosidade.
Segundo me explicou, havia-se cruzado, após o primeiro corte de cabelo, com um dos chefes militares de Bissau.
O Coronel Onze, como era conhecido e não me perguntem porquê, era muito rigoroso com o atavio e o porte dos seus subordinados, principalmente com os oficiais. Quando se cruzou com o Capitão Lourenço te-lo-á interpelado com severidade, chamando-o à atenção para o facto de o seu corte de cabelo não ser o regulamentar.
- O Senhor Capitão é miliciano?
- Não, não, meu Coronel. Eu pertenço ao quadro permanente.
- Mas isso é indisculpável. Faça o favor de ir cortar o cabelo imediatamente. Essa melena na testa é uma vergonha. Depois apresente-se no meu gabinete.
Seguidamente a este relato, que tentei aproximar tanto quanto me foi possível da realidade, o Capitão Lourenço teceu várias considerações e deu curso à sua revolta interior.
Explicada a razão pela qual o Capitão Lourenço teve necessidade de cortar o cabelo, pela segunda vez no mesmo dia, o referido oficial encaminhou-se para o gabinete do Coronel Onze.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12007: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (7): Relato do ataque à capital da República da Guiné feito pelo Tenente Januário na Rádio Conacry
MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia
8 - O Clube de Oficiais
Instalado no Clube de Oficiais, em Santa Luzia, próximo do Quartel-General, iniciei a 21 de Abril de 1970 a minha actividade nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando Chefe (Amura).
Durante a minha estadia nesse clube tive contacto com vários oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos) que também lá se encontravam instalados ou que, estando sediados fora de Bissau, por lá passaram para tratar assuntos relativos às companhias que comandavam.
Em finais de Abril o General Spínola reuniu numa grande sala do Palácio praticamente todos o capitães em serviço na Guiné.
Eu, praticamente acabado de chegar, também estive presente nessa reunião.
O General traçou novos rumos no que dizia respeito à luta contra a subversão.
Deu a entender que se estavam estabelecendo negociações com os chefes terroristas no sentido da resolução política do diferendo.
Ordenou que as Companhias Operacionais não mais tomassem atitudes ofensivas, mas simplesmente defensivas. Mandou que se procedesse sem ódio nem brutalidade contra os prisioneiros de guerra e as populações afectas ao inimigo, de modo a que se possibilitasse a sua apresentação às autoridades e se pudesse caminhar para a pacificação.
Com a vinda a essa reunião dos capitães que se encontravam espalhados pelo território, pude conhecer alguns e rever o Espinha de Almeida, do meu tempo da Escola Prática de Artilharia, que se encontrava no Xitole (Bambadinca).
Este capitão miliciano, embora de pequena estatura, era corajoso.
Chamavam-lhe, por ser baixo, Capitão Pitaitas.
Mostrou, no entanto, valor militar, uma vez que nunca deixou de acompanhar os seus soldados em diversas missões, expondo-se ao fogo do inimigo.
Em dada altura sabedor do local, na mata, onde estava estacionado um numeroso grupo de "terroristas" fora do alcance do seu obus, resolveu desmanchá-lo e transportá-lo em peças para um lugar donde fosse possível bombardear a posição inimiga.
Depois de montar devidamente as peças do canhão atingiu com êxito a posição "terrorista" causando-lhe diversas baixas.
Pela sua bravura, o Capitão Espinha de Almeida foi galardoado com a medalha de serviços distintos com palma.
Na referida reunião dos capitães com o General Spínola, fui surpreendido pela forma descontraída, directa e muito incisiva, como o Capitão Vasco Lourenço procurou saber do General mais pormenores sobre o modo como actuar futuramente face às novas directivas. Directivas que passados alguns dias foram canceladas, dado que foram mortos três majores e um alferes que, desarmados, procuravam o contacto com chefes terroristas de que havia indicação de se quererem entregar.
Um dos majores (Pereira da Silva) conhecia-o muito bem, pois havia privado com ele no GACA 3 tendo ele, na altura, o posto de Tenente.
A minha vida ia correndo sem grandes sobressaltos entre o Comando-Chefe e o Clube de Oficiais. Aqui no Clube, havia uma piscina e à noite por vezes havia cinema e outros espectáculos ao ar livre.
Lembro-me de ter visto espectáculos de música, de ilusionismo e uma vez de hipnotismo. Neste último um soldado, depois de hipnotizado, foi convencido que estava uma noite gélida (ao contrário do que acontecia, pois tratava-se de uma cálida noite africana) e recordo-me como ele tremeu de frio e se agasalhou o mais que pôde com as roupas que tinha por perto.
Estando à beira da piscina, no dia 19 de Maio de 1970, ouvi pela primeira vez a artilharia dos independentistas em acção.
Eram cerca de 23 horas quando foi desencadeado um ataque com artilharia ao Quartel de Tite.
Os rebentamenros era perfeitamente audíveis em Bissau. O poder de fogo era grande, tendo havido lançamento, por parte das forças inimigas, de cinco mísseis.
No Clube de Oficiais fazia a minha vida depois de findo o meu serviço no Comando-Chefe. Era a minha casa. Lá tinha tudo: alimentação, dormida e até barbearia.
Foi justamente na barbearia onde certo dia fui cortar o cabelo que se deu este episódio com o Capitão Vasco Lourenço que vou passar a contar.
Encontrando-me uma vez sentado numa das cadeiras da barbearia do Clube de Oficiais de Bissau, acomodou-se a meu lado o Capitão Lourenço.
Imediatamente solicitou que lhe cortassem o cabelo. Este pedido surpreendeu o soldado da barbearia que, tartamudeando, se aprontou para o atender.
- Mas... meu capitão, ainda nem há uma hora lhe cortei o cabelo!
- Pois é. Mas vais cortar-mo de novo.
O rapaz não replicou, mas muito em surdina, ainda conseguiu pronunciar duas palavras que só eu pude entender, embora com dificuldade.
- Está "apanhado".
Também fiquei intrigado com o que se passava, pelo que procurei esclarecer o assunto mais tarde.
Quando ambos abandonamos o Clube de Oficiais, o Capitão Lourenço satisfez a minha curiosidade.
Segundo me explicou, havia-se cruzado, após o primeiro corte de cabelo, com um dos chefes militares de Bissau.
O Coronel Onze, como era conhecido e não me perguntem porquê, era muito rigoroso com o atavio e o porte dos seus subordinados, principalmente com os oficiais. Quando se cruzou com o Capitão Lourenço te-lo-á interpelado com severidade, chamando-o à atenção para o facto de o seu corte de cabelo não ser o regulamentar.
- O Senhor Capitão é miliciano?
- Não, não, meu Coronel. Eu pertenço ao quadro permanente.
- Mas isso é indisculpável. Faça o favor de ir cortar o cabelo imediatamente. Essa melena na testa é uma vergonha. Depois apresente-se no meu gabinete.
Seguidamente a este relato, que tentei aproximar tanto quanto me foi possível da realidade, o Capitão Lourenço teceu várias considerações e deu curso à sua revolta interior.
Explicada a razão pela qual o Capitão Lourenço teve necessidade de cortar o cabelo, pela segunda vez no mesmo dia, o referido oficial encaminhou-se para o gabinete do Coronel Onze.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12007: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (7): Relato do ataque à capital da República da Guiné feito pelo Tenente Januário na Rádio Conacry
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