MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap Mil de Artilharia
13 - A ECONOMIA DA GUINÉ
A Feira de Amostras de 1971
Para um observador pouco informado, como eu era, sobre a economia da Guiné, não foi difícil constatar que, nos princípios dos anos setenta, o território possuía muito poucas indústrias.
Os principais estabelecimentos industriais situavam-se em Bissau e resumiam-se às actividades de descasque de arroz, extracção de óleos vegetais, fabrico de sabão, gelo, refrigerantes e construção naval.
Em Farim, principalmente, também a actividade de serração de madeira tinha algum significado.
Era a agricultura a base económica da Guiné. E a sua prática desenvolvia-se segundo dois tipos:
- Sedentária, de bolanha, no litoral, dedicada principalmente à cultura do arroz.
- A de mato, com queimadas e rotação de culturas, no interior, cultivando-se mancarra (amendoim), milho, mandioca, cana sacarina, feijão....
A Guiné, à excepção dos terrenos de Boé, dispõe, do ponto de vista agrícola, de solos ricos, que oferecem condições para a intensificação das culturas tradicionais e outras, porventura mais rentáveis como, por exemplo, a cultura intensiva de banana, de acordo com Vasco Fortuna (Estruturas económicas da Guiné).
No aspecto da exploração das florestas, trata-se de uma actividade de futuro pois existem na Guiné espécies valiosas em matas relativamente homogéneas.
A exportação de madeiras, como o bissilão, o pau-sangue, o pau-preto, o pau-ferro e outros poderá contribuir no futuro para a melhoria da balança comercial do território.
De acordo com Celes Alves, a criação de gado tinha um papel secundário, embora a criação de gado bovino fosse a de maior importância, seguindo-se-lhe o gado caprino, suíno, ovino e asinino.
No que se refere à actividade piscatória, alguns povos do litoral dedicam-se a essa actividade, como os Manjacos e os Bijagós, mas de um modo artesanal.
Os mares da Guiné encerram, no entanto, um bom potencial no capítulo da pesca.
Quanto ao subsolo, a Guiné também não é rica em minérios. Apenas as bauxites e a ilmenite são susceptíveis de exploração.
No mar alto há perspectivas da existência de petróleo.
Nos primeiros anos de setenta a agricultura era a fonte principal da riqueza da Guiné, embora muito prejudicada devido ao conflito armado existente no território.
O arroz (base da alimentação das populações guineenses) cultivava-se nos terrenos mais baixos e nas margens dos canais de fácil irrigação e a sua produção chegou a ser excedentária, antes da guerra, fazendo parte dos produtos exportados tal como a mancarra (amendoim), o coconote, couros, madeira, óleo de palma, cera e borracha.
No tempo em que vivi na Guiné, Bissau era uma cidade com uma actividade comercial significativa.
O território importava quase tudo, pois as suas indústrias eram praticamente inexistentes. A Guiné importava: tecidos, tabaco, vinhos e cerveja, gasolina, ferro e aço, óleos e combustíveis, cimentos, medicamentos, ferramentas, maquinismos e todos os bens de consumo e apetrechos que as sociedades desenvolvidas fabricam.
Este comércio era feito com o interior, principalmente através dos cursos de água como os rios Cacheu, Mansoa, Geba e Cacine e ao longo da ria de Bissau, embora também se pudesse efectuar por estradas principalmente na época seca, antes da guerra.
Também existiam algumas ligações aéreas entre a capital e o interior.
Bissau, com o exterior, tinha ligações aéreas e marítimas com Cabo Verde e Portugal continental.
No espaço de dois anos que permaneci em Bissau pudemos satisfazer todas as necessidades a que eu e a minha própria família estávamos habituados.
As casas comerciais de Bissau eram abastecidas regularmente praticamente de tudo.
Como a água de consumo público muitas vezes se não apresentava nas melhores condições, sendo aconselhável que, além de filtrada, fosse fervida, em nossa casa tomámos uma atitude radical: nunca a utilizámos. Saciámos a nossa sede com água do Luso, que adquiria aos garrafões sempre que um barco chegava da metrópole e água Vichy que sempre se encontrava com facilidade, possivelmente vinda do Senegal, país francófono, vizinho da Guiné.
Para juntar ao whisky, a água que usávamos era também a francesa Perrier.
O comércio, como disse, era significativo em Bissau.
Na parte baixa da cidade as casas comerciais proliferavam e algumas delas eram propriedade de libaneses, como a de Taufik Saad e a de Azis Harfouche.
Medalha comemorativa da II Feira de Amostras da Guiné - 1971
No mês de Maio de 1971 realizou-se a II Feira de Amostras de Bissau, com trinta stands expositores.
Além da amostragem das actividades económicas, onde era possível rapidamente conhecer os artigos comerciáveis em Bissau e os seus preços, também no decorrer da II Feira foi organizado um programa de recreio e cultura, sendo divulgados o artesanato e o folclore da Guiné.
Durante cerca de vinte dias decorreu o certame que se realizou defronte do Palácio do Governo, na Praça na altura designada por Praça do Império.
Houve uma exposição de arte, diversas sessões de folclore, variedades, conjuntos musicais, uma tarde de juventude e uma noite das Forças Armadas.
Os Serviços públicos também expuseram as suas actividades com a divulgação de:
- Realização de cursos;
- Planeamento de obras futuras;
- Dados estatísticos.
E as Entidades Administrativas tais como Administrações de Bafatá, Bijagós, Bissau, Bolama, Cacheu, Catió, Farim, Fulacunda, Gabú, Mansoa e S. Domingos apresentaram vários aspectos das suas actividades, dos seus usos e costumes e do artesanato das áreas que administravam.
Pude aperceber-me na II Feira de Amostras de Bissau, da actividade artesanal do povo daquele território.
Constatei que os Manjacos e os Balantas sobressaíam na olaria; os Brames, os Fulas, os Mandingas e os Nalus na cestaria; os Manjacos e os Papeis na tecelagem; os Fulas e os Mandingas em ourivesaria e trabalhos de pele e couro.
Os Fulas eram famosos também na feitura de chinelos, almofadas, bolsas, sacolas, bainhas de alforges e de punhais, guarnição e vasilhas, selins e outras peças de couro.
Eu próprio adquiri alguns punhais Fulas, uma espada Mandinga, cestinhos Bijagós, uma colecção de cachimbos Bijagós, pulseiras e anéis de Bafatá, uma bilha de Catequese, pinguelins, rodas de ráfia, um tambor e um corá, além de algumas peças esculturais em pau-preto.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12469: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (12): Férias da Páscoa em Bubaque - Bijagós