Quadragésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Para quem visitou grandes cidades, grandes metrópoles, como Nova Iorque, São Francisco, Denver, Phoenix, São Louis, Los Angeles, Miami, Londres, Atalanta, Washington, Orlando, Las Vegas, Tóquio, Houston, Hamburgo, Paris, Rio de Janeiro, São Paulo, Roma, Milão, Bruxelas, Frankfurt, Amesterdão, Madrid, Porto, Lisboa, Chicago, Toronto ou até Montereal, sabe que em quase todas essas grandes cidades, as suas principais atracções se resumem ao Aeroporto, cheio de lojas a tentar as pessoas, ao seu qualquer grande museu, que sempre dizem que é único no mundo, a um parque, às vezes mal tratado, com alguns bancos, passadeiras em cimento, talvez um pequeno lago e algumas árvores que, ou são centenárias e vão resistindo ao “cimento armado”, ou são “rafeiras”, quase a morrer. Toda a gente lhe rouba uma folha, lhe encosta uma bicicleta, os animais abusam delas e, o “cimento armado”, a espreitá-las, esperando a oportunidade para avançar!.
Também têm um qualquer complexo de desportivo, representando o clube lá do sítio, que também dizem que é o melhor do mundo, o complexo da Universidade, que quando é um edifício antigo, até vale a pena ver, e todas, mesmo todas, têm a “Main Street”, que é uma rua, normalmente na parte baixa da cidade, fechada ao trânsito automóvel, com todas aquelas lojas que vendem “produtos de marca”, restaurantes “temáticos”, com mesas e cadeiras na passadeira, que servem uns pratos com muito pouca comida e muita cerveja, a um preço, que nós que somos “daquele tempo”, consideramos um roubo!
Se a cidade tem mar, rio ou um grande lago, normalmente, existe uma ou mais pontes, diferentes, umas mais bonitas e elegantes do que as outras, mas menos funcionais, uma zona a que chamam “marina”, ou “zona do porto”, onde talvez exista um aquário, onde tornam a dizer que tem umas “espécies muito raras”, talvez do outro mundo, onde se repete o cenário, lojas de recordações, onde se compra algo, que não mais se usa, restaurantes “temáticos”, com pouca comida, muita bebida, um preço louco, uma vista bonita, que talvez seja paga na bebida.
O resto é cimento, cimento e cimento, e as zonas periféricas, de onde talvez se possa avistar o tal cenário bonito da cidade, mas quando nos preparamos para avistar ao longe, se repararmos ao perto, vemos as casas em muito mau estado, as estradas
congestionadas, as pessoas apressadas, às vezes empurrando-se, onde ninguém, ou quase ninguém se conhece. Posso estar a exagerar, mas no fundo é isto.
Ora companheiros, depois de falar de todo este “cimento armado”, cada vez tenho mais saudades da vila de Mansoa, sim de Mansoa, tal como muitos companheiros, pelo menos nos últimos postes têm falado da vila de Bafatá, Mansabá, Bissorã, não de Olossato, onde para mal daqueles martirizados militares que lá se encontravam, pouco mais havia do que as instalações do aquartelamento, pelo menos naquele tempo, mas em Mansoa, que já mais de uma vez eu disse que considerava a vila, o tal “Posto Avançado de Fronteira”, pois naquele tempo, era a partir daqui que começava a verdadeira guerra.
Lá também havia a “Main Street”, onde existiam alguns canteiros com flores, pintados de branco tal como o tronco das árvores, a loja do Libanês, onde no lugar de roupas de marca, se podia comprar desde o sabonete “Lifebuoy”, uma agulha e alguns botões ou uma camisa de tecido fino e branco, de manga curta, que tinham vindo de Macau e eram muito populares entre os militares, quando “trajavam à civil”, e creio que só havia duas medidas, (grande ou pequena), que nós emprestávamos uns aos outros, o edifício dos correios, mais um pouco abaixo o “Clube dos Balantas”, o mercado, a Igreja, e as bolanhas nos arrabaldes da vila, eram como se fossem “espelhos de água”, que as grandes cidades gastam fortunas para manter a água limpa, o rio, a ponte, também havia a “zona do porto”, claro, cheia de lama, onde as canoas do Iafane estavam ancoradas, a taberna da “Cabo-verdiana”, que servia, só às vezes, comida com muita fartura, a um preço que nem pagava a lavagem da louça, e a cerveja, tal como o pão, umas vezes roubados no quartel, outras vezes desviados, antes de chegar ao quartel, pelo menos a cerveja, quando vinha da capital.
Tal como em Nova Iorque as pessoas gostam de fotografar a Estátua da Liberdade, o Empire State Building, o Rádio City ou a ponte de Brooklyn, lá em Mansoa, os pontos mais fotografados eram a ponte sobre o rio e uma placa de sinalização, que se encontrava logo à entrada da vila, logo depois da ponte, que dizia:
Encheia, Nhacra, Bissau, Porto Gole, Enchalé, Bambadinca e Bafatá, e com uma seta a indicar a direcção, não vá algum descuidado meter-se pela mata dentro, ou mesmo atravessar uma bolanha, pois naquela altura, as estradas eram pouco mais que carreiros.
Quase todos os militares ali estacionados tiravam uma fotografia junto
da placa de sinalização, a quem o Curvas, alto e refilão, chamava o
“urinol”, pois muitas vezes se viam cães vadios, magros e cheios de
insectos no corpo, de perna alçada, junto ao poste da placa, onde às
vezes o Curvas, alto e refilão e não só, vindos da sede do clube de
futebol, depois de terem bebido, também se encostavam à placa e
urinavam.
Às vezes, quando regressávam da sede do clube de futebol, já um pouco tontos, depois de beber cerveja, vinho, ou qualquer outro licor, o Setúbal, quase sempre dizia:
- Chegas à placa... e viras á esquerda, sempre em frente... sem olhar para ninguém, e entras no quartel antigo..., depois é só atravessar o arame farpado e estás dentro do aquartelamento...
Não havia dúvida que era um bom sinal de orientação.
A ponte, que tinha um arco de cada lado, (foto onde está o Cifra com um companheiro, que oxalá ainda esteja vivo e a veja), onde se faziam apostas, cujo prémio, às vezes era um maço de cigarros, em quem era capaz de atravessar esse arco, caminhando e batendo palmas, ao mesmo tempo.
Havia alguns que com certa coragem começavam, mas quando chegavam ao meio do arco e este começava a descer, voltavam para trás, muitas das vezes de joelhos. Havia só um militar, que era o Marafado, que atravessava todo o arco, fazendo o pino, ou seja, caminhando com as mãos, mas a troco de uma cerveja ou de um maço de cigarros “Três Vintes”. Ele dizia que tinha trabalhado num circo.
Havia a ponte velha, esta a preferida do Cifra e de outros militares que queriam alguma paz, e onde se passavam horas, sentado, fumando, pensando na aldeia atrás da montanha em Portugal, apreciando a área alagadiça, quando da maré cheia, com alguns pelicanos descendo o rio, mergulhando o pescoço, na procura de algum peixe.
Tony Borie, Março de 2014.
P.S. - Algumas destas fotografias foram cedidas pelo companheiro César Dias.
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Nota do editor:
Último poste da série de 15 de Março de 2014 >
Guiné 63/74 - P12842: Bom ou mau tempo na bolanha (48): Bolanhas em dois continentes (Tony Borié)